sábado, 22 de junho de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVIII (1ª parte)

 
 
- Eu disse que você perderia seu tempo ficando aqui. – sussurrou para o homem carrancudo e meio sonolento sentado a sua frente, mas que ela ainda admirava tanto.
- Eu disse que era paciente.
Já havia passado mais de quatro horas desde que Andries invadira seu apartamento e aguardava algum sinal de vida de seu atual “namorado”. Dirkje já arrumara todo o seu minúsculo apartamento. Passara o aspirador sob os pés do visitante indesejado, tirara o pó da sala em seu nariz, lavara a louça acumulada na pia com o maior estardalhaço e barulho possíveis,  na vã esperança de entediá-lo ou irritá-lo, forçando a sua saída dali o mais rápido possível. Nada obtivera efeito. O máximo conseguido fora um sorrisinho irônico disfarçado no canto de sua boca, que lhe dava um charme irresistível, para logo em seguida retornar à carranca de antes.
 


Nesse momento, o telefone tocou, alertando-os. Dirkje ficou imóvel, confusa entre atender e deixar tocar.
- O que há com você? Atenda! – esbravejou ele. – E diga a ele que quer vê-lo.
- Está bem! Não precisa ficar nervoso! Pode ser outra pessoa! – respondeu irritada com a atitude dele, mas atendeu ao telefone.
Andries postou-se ao seu lado e apertou a tecla de viva-voz do aparelho.
- Alô?
- O que ele está fazendo aí com você? – perguntou uma voz grave e fria do outro lado da linha.
- Como você sabe que tem alguém comigo aqui? – respondeu, reconhecendo a voz de O’Neill.
- Esquece que esse é o meu trabalho, meu bem?
Andries não pode mais segurar a ansiedade e arrancou o telefone das mãos de Dirkje.
- Quero me encontrar com você. Agora. Estou esperando aqui.
- Professor Andries. Que surpresa! Aproveitou bem a dica que lhe mandei?
- Se você é quem diz ser, sabe exatamente o que está acontecendo.
- Parece que sua tentativa de se apoderar da esmeralda não deu certo, professor.  Um ladrão acabou levando a melhor. Levou a pedra e a pobre Filipa.
- Você sabe quem é esse homem? Para onde ele a levou? – perguntou Andries, tentando manter a calma.
- Infelizmente, essas são informações confidenciais que não posso dividir com o senhor. – respondeu com uma ponta de sarcasmo.
- Então você sabe onde ela está!
- Dirkje, querida, ligo para você quando estiver sem visitas. – E desligou.
- Alô! Alô! – gritou Andries desesperado.
- Ele sabia que estava no viva-voz... – pensou alto Dirkje preocupada, lançando um olhar investigativo para a sala ao seu redor.
- O quê?
- Ele dever ter colocado ou uma escuta ou uma câmera escondida aqui. Ele sabia da sua presença  e que o telefone estava no viva-voz, pois despediu-se de mim quando você ainda estava com o telefone na mão. – raciocinou ela. – Não gostei disso, O’Neill! Está me ouvindo? – gritou irritada para as paredes, procurando algum tipo de dispositivo que confirmasse suas suspeitas. Por alguma razão sentiu-se usada e traída. Não se podia mesmo confiar em homens. Eles sempre aprontavam!
- Me ajude a procurar! – ordenou a Andries.
- Procurar o quê?
- Um microfone ou uma câmera escondida. Ou os dois!
Andries, ainda meio perturbado com a conversa com o homem, olhou para Dirkje com desprezo.
- Não me interessa se ele a está espionando ou não. Só quero saber o que vocês pretendiam comigo ou com Filipa. – Jogou-se na direção da secretária e pegou-a pelos braços, sacudindo-a com violência. – Vocês queriam a esmeralda e me envolveram nessa história como um bobo útil, para atraí-la até aqui? Foi isso, Dirkje?
 
 
- Você também desejava muito ter essa esmeralda. Quis ajudá-lo a encontra-la... Só isso. – respondeu chocada com a atitude violenta de Andries.
- Como é o nome todo desse seu namorado? – perguntou abruptamente, soltando-a.
- Galen... Galen O’Neill.
- Você disse que ele era investigador da Scotland Yard. É isso mesmo?
- Foi o que ele me disse. – respondeu a contragosto.
- Você acha que ele pode ter mentido?
- Não sei, Andries. Realmente, não sei...
- Aonde vocês pretendiam me levar com esse jogo? Vingança, Dirkje? – perguntou encarando-a friamente.
A jovem começou a chorar, surpresa com a raiva transbordante na face de seu ex-amante.
- Pare com isso, Andries... Por favor...
- Foi uma vingança, não foi, Dirkje? Porque eu não a quis?
- Pare! Não foi nada disso! – gritou envergonhada.
Subitamente, ele a empurrou sobre o sofá.
- Não pense que vai me amolecer com essas falsas lágrimas.
- Eu... Só queria chamar a sua atenção... Fui uma idiota em fazer o que fiz. – terminou por dizer com um gosto amargo na boca.
- Concordo inteiramente com você...
Deu-lhe as costas e, antes de sair, parou e lhe lançou um olhar gélido.
 

- Se ainda quiser manter o seu emprego, trate de descobrir onde está Filipa. – disse com frieza e saiu batendo a porta da frente.

 
 

Quando Galen acordou, o dia já amanhecera há cerca de duas horas. O sol, que entrava por uma fresta entre as cortinas de tecido pesado, bateu sobre seus olhos. Desviando o rosto para fugir da luz incomoda, buscou Filipa com a mão. Lembrou os últimos instantes de alerta antes de cair em sono profundo. Como ela viera para sua cama no intuito de fazê-lo relaxar, falando de sua mãe, e como se acomodara em seus braços; do seu cheiro e de seu calor e... Abriu os olhos rapidamente, em pânico. Onde estava Filipa? Levantou-se de um pulo da cama e correu ao banheiro para verificar se ela estava lá. Nada.
Vestiu-se correndo, e saiu em direção à sala de refeições, na esperança de encontrá-la tomando café. Já na escada ouviu ao longe uma voz feminina conhecida. Diminuiu o passo e aproximou-se sorrateiramente da recepção, por onde teria que passar. Certificou-se da identidade da pessoa que falava falsa e amigavelmente com Ignace. Conhecia muito bem aquele jeito de conseguir informações de Elisabeth. Então ela realmente estava envolvida na sua perseguição e, pior, já tinha descoberto onde eles estavam. Ouviu mais um pouco, para ter certeza de que ela não estava com Filipa e saiu sem ser visto pela porta dos fundos da pousada. Buscou raciocinar onde poderia ter ido Filipa e seguiu rumo ao centro histórico de Brugge.  Sentia um desconforto no meio do peito e uma tensão nas têmporas que só aliviaram quando, quase três quadras depois, avistou Filipa saindo de um antiquário, segurando um pequeno embrulho. Um sorriso amplo e alegre surgiu em seu rosto ao vê-lo à distância. O mesmo acabou por apagar-se quando ele a alcançou e a pegou com força pelo braço, falando ásperas palavras.
- Por que saiu do hotel sem me avisar? – vociferou em voz baixa e carregada de irritação.
- Calma! Eu achei que você estava muito cansado e não quis acordá-lo... Quer largar o meu braço, por favor? Está me machucando.
Galen soltou um suspiro profundo e a liberou na mesma hora.
- Desculpe, mas eu fiquei desesperado quando não a encontrei. Achei que a haviam levado.
- Não foi minha intenção assustá-lo... – desculpou-se, percebendo naqueles olhos azuis o medo e o alívio sinceros por tê-la encontrado. – Ontem peguei um mapa turístico e resolvi conhecer um pouco de Brugge antes de partirmos. Seria uma pena estar aqui e não ver nada dessa cidade e de sua história. 
- Devia ter me dito isso ontem ou ter me acordado pela manhã para eu acompanhá-la. – disse ainda visivelmente chateado.
- Que tal voltarmos ao hotel, tomarmos um café e depois seguir para Paris. Estou morrendo de fome. – disse sorrindo, enganchando o braço no dele.
- Sinto, mas não podemos voltar. Elisabeth está lá.
- A mulher que você suspeitava que fosse a policial que me procurou  lá no hotel?
- Ela mesma.
- Ignace conhece essa tal Elisabeth? 
- Sim... Nós pertencíamos ao mesmo bando quando adolescentes.
Apesar da surpresa ao descobrir uma nova nesga do passado de Galen, sugeriu:
- Então não terá sido ele que nos entregou a ela?
- Não. Ignace é um bom homem. Ele está limpo há muito tempo e nunca se sentiu cômodo com as atividades ilícitas que era obrigado a realizar para sobreviver, assim como eu. Quando pode, caiu fora. Já Elisabeth... Roubar para ela sempre foi algo viciante, que lhe dava adrenalina e prazer. Ela não levar uma vida normal como as outras pessoas.
- Mas como eles descobriram onde estávamos?
- Não sei, mas... – ele interrompeu a frase no meio e olhou de forma estranha para ela.
- O que foi?... Você não acha que eu falei alguma coisa...
A mão dele voou sobre seus cabelos e seu olhar fixou-se neles.
- Você não lavou a cabeça?
- O quê? Que preocupação idiota é essa agora? É óbvio que não. Não tive tempo de tomar banho desde que começou essa loucura toda!
- Venha comigo! – parecia um alucinado, puxando-a de encontro à porta de um bar que se encontrava aberto, próximo de onde eles estavam.
- O que está fazendo, Galen? O que foi?
Sem responder, pediu dois cafés para o atendente e perguntou onde ficava o toilete. O rapaz, atônito, indicou com o dedo o fundo do estabelecimento, para onde Galen continuou arrastando Filipa.
- Galen O’Neill! O que está pensando em fazer?
Entraram juntos no pequeno lavabo. Galen ligou a torneira da pia e mandou Filipa colocar a cabeça debaixo da água. Só então ela se lembrou do microfone que ele disse ter colocado em seus cabelos no dia anterior. Parecia que dias haviam se passado depois daquilo...
- Então é verdade que existe um microfone tão minúsculo? – quis confirmar sua suspeita antes de molhar os cabelos.
- Claro que sim. De alguma maneira eles detectaram o sinal e por isso conseguiram nos alcançar tão facilmente na estrada e no hotel. Lave o cabelo, rápido, por favor.
Sentia-se terrivelmente irritado consigo mesmo por ter esquecido esse detalhe tão importante.
Sem redarguir, Filipa enfiou a cabeça sob o jato de água morna. Terminado o processo de lavagem, secou os cabelos como pode, com uma pilha de toalhas de papel, que era o único recurso disponível. Buscou na bolsa uma presilha de cabelo que guardava para “emergências”. Nunca imaginou que seria útil numa situação como aquela. Nem acreditou como conseguiu achar tão facilmente a presilha na bagunça da bolsa.
- Tudo bem? – perguntou Galen, admirando o belo rosto sem maquiagem e emoldurado por cabelos escorridos. Ela era linda de qualquer jeito. Agora ele precisava concentrar-se em tirá-los dali e não ficar embevecido diante dela, criticou-se intimamente.
- Tirando a umidade que estou sentindo escorrer pelas minhas costas, está tudo bem.
Ele deu um sorrisinho cúmplice.
- Precisamos sair daqui. – afirmou pensativo.
Ao invés de irem para o salão da frente, onde o café havia sido pedido, Galen buscou uma saída pelos fundos do restaurante.
- Não íamos tomar café?
- Não aqui, meu bem. A essas alturas eles já devem estar sabendo onde estamos. Vamos tomar café, mas longe daqui.
Enquanto o atendente via as duas xícaras de café fumegante sobre o balcão esfriarem e imaginava o que aqueles dois estavam fazendo no banheiro, Galen e Filipa esgueiravam-se pela porta da modesta cozinha, escapando rapidamente pelo beco atrás do prédio. Poucos minutos depois, dois homens, com cara de poucos amigos, avançavam bar adentro, e, sem pedir licença, seguiam para os fundos, parecendo estar à procura de alguém.
“O dia começou movimentado hoje...”, pensou o jovem atrás do balcão.

 
Estação de Trem de Brugge
Galen e Filipa caminharam em passos apressados através de ruas transversais estreitas, sempre atentos a possíveis perseguidores. Dessa maneira chegaram até a central de trens da cidade, que ficava a pequena distância do centro. Foram diretamente para os guichês de venda de bilhetes.
- Quando parte o próximo trem para Paris? – indagou olhando para o relógio atrás da cabeça do vendedor, que marcava 8 horas e 45 minutos.
- Dentro de 15 minutos sairá um no portão B, com conexão em Bruxelas.
- Ótimo! Me dê dois lugares na primeira classe.
- Pois não, senhor. Tem alguma preferência?
- Na janela, por favor. – interferiu Filipa, provocando um sorriso em Galen.

Adquiridas as passagens, correram até a plataforma de embarque, no momento em que soava o aviso de embarque imediato, seguido por uma melodiosa voz feminina confirmando a partida do trem para Paris em cinco minutos. O movimento dentro da estação era muito grande, mas isso não evitou que alcançassem sem dificuldades o moderno trem vermelho, imponente e de design arrojado. 
 
Passaram por uma simpática tripulante uniformizada que lhes deu as boas vindas e averiguou seus bilhetes. Indicou o vagão da primeira classe e desejou-lhes uma boa viagem.
Instalaram-se nas confortáveis poltronas, lado a lado, junto a janela, tendo a sua frente uma prancha de fórmica branca fosca, que se transformaria numa simpática mesa de refeições a qualquer momento.

- Vou dar uma volta.
- Onde você vai?
- Me certificar de que não estamos sendo seguidos.
- Você acha que eles podem...
- Espero que não... Não custa verificar. – respondeu com uma piscadela de olho e sumiu através da porta que levava ao próximo vagão.
Filipa olhou apreensiva pelo janelão de vidro duplo. Ouviu o último sinal que avisou a partida definitiva  em um minuto. Com o olhar procurava por alguém suspeito entre os poucos indivíduos que aguardavam na plataforma. Como nada chamasse sua atenção, passou a admirar a beleza da estação de Brugge em seu interior, com estruturas metálicas aparentes, arquitetura moderna, sem deixar de lembrar as antigas estações. O piso da plataforma brilhava e tudo era extremamente limpo e organizado. De repente, o trem entrou em movimento e ela começou a preocupar-se com a ausência de Galen que ainda não voltara de sua inspeção. Olhou para a janela mais uma vez e viu quando dois homens grandalhões, de terno preto, com expressão raivosa, chegaram correndo na plataforma, empurrando o funcionário que os impedia de aproximar-se demais do trem em movimento. Ficaram ali parados, rebuscando cada janela que passava com o olhar. Ao perceber que eles poderiam estar atrás dela e de Galen, jogou-se de lado sobre o banco, ficando com a cabeça abaixo do nível da abertura de vidro, sentindo o coração pronto para saltar através de sua garganta.
Quando pensava em sair a procura de Galen, um tripulante trouxe uma bandeja com café e chá, uma cesta com fatias de baguete e dois croissants, acompanhados de manteiga e geleia. Por trás dele surgiu alguém com o melhor sorriso do mundo.
- Bem, finalmente vamos tomar o nosso café.
- E, então? Viu aqueles homens na estação? – perguntou Filipa apreensiva quando Galen se sentou e o garçom deixou-os.
- Vi. – respondeu depois de tomar um gole de café e enquanto partia ao meio um croissant e passava uma generosa quantidade de manteiga sobre ele. – Acho que conseguimos despistá-los. Ao menos por enquanto.
- Galen?
- Sim?
- Onde você escondeu o anel? – finalmente conseguiu perguntar algo que a preocupava desde o início daquela “aventura”.
- Não se preocupe. Ele está bem guardado.
- Onde?
- Prefiro não contar. As paredes podem ter ouvidos.
Ela olhou em volta preocupada e decidiu manter sua confiança nele.
 
(continua...)
 
Oi, meus queridos e queridas! Espero que tenham gostado do texto. Acho que ele ficou mais longo e mais animado que o último. Parece que finalmente o Galen e a Filipa conseguirão chegar a Paris e falar com o Professor Tirret.  Quem estará se passando pelo Galen?... Ou será que é ele mesmo que tem um caso com Dirkje? Mistééério...rsrs
Quer agradecer a todos vocês que continuam acompanhando a minha história, apesar das postagens espaçadas. É por vocês que eu continuo e pretendo ir até o final do romance. Provavelmente vou demorar mais que das outras vezes, mas irei até o fim, com certeza.
O meu beijo mais carinhoso para a Ly, para o Luis Fernando, para a Nadja e para a Léia, meus comentaristas da última postagem. Muito obrigada pelo apoio e pelas palavras queridas. Adoro vocês!
Beijos e carinhos a todos que vem a essa página para sonhar os meus sonhos e curtir as minhas invencionices!
Até mais! Vejo vocês em Calais!

 

sábado, 1 de junho de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVII ( 2ª parte)

Calais – 9 de Abril de 1347

 


Após o terrível ataque inglês na noite do Domingo de Páscoa, Eduardo mandou reforçar a vigilância do porto. Terminou a construção de outro castelo de madeira à beira-mar, com quarenta homens armados com canhões e duzentos arqueiros, preparados para atirar em quem quer que fosse ousado o suficiente para tentar entrar na cidade. O rei Felipe, notificado do ocorrido, organizou uma frota de trinta navios para verificar a situação pessoalmente. Apesar de toda a vigilância e fortificações erguidas pelo inimigo, pelo menos um dos navios, atravessando o fogo pesado, conseguiu chegar ao porto. Um grande número de caixas contendo mantimentos, vinho e algum tabaco foi desembarcado, para alegria dos sitiados. Quando a maior parte da carga e dos marujos estava em terra firme, um tiro certeiro de canhão acertou o casco, provocando um rombo tal, que levou a embarcação a afundar em poucos minutos. 
Batalha Naval

Das naus restantes, várias foram capturadas ou destroçadas pelos ingleses, enquanto umas poucas conseguiram recuar e fugir, incluída a do próprio rei.


Quase dois meses se passaram. A indignação e o orgulho ferido de Felipe, ainda o instigavam a não desistir de Calais. Sendo assim, nesse período, reuniu forças e formou um exército, para lançar um contra-ataque, por terra, e pôr um fim ao cerco, que, segundo ele, durava há tempo demais.
Numa agradável e enluarada noite, no início de Junho, cavaleiros franceses, em suas brilhantes armaduras, subiram na colina de Sangatte, próxima à cidade, por trás do exército inglês. Lá montaram grandes tendas brancas, propositalmente, para que os calesianos pudessem alegrar-se com a visão da chegada de seu soberano, que seguia à frente da cavalaria.

Felipe e seus oficiais contavam com apenas dois caminhos que poderiam levá-los ao seu destino. Um deles era a estrada costeira. No entanto, devido à presença da frota inglesa para inibir qualquer ajuda vinda por mar aos sitiados, o acesso apresentava grande risco. O outro era uma passagem, que corria através de uma região pantanosa e terminava em uma ponte de pedra, antes de alcançar a cidade. Ali, o Conde de Derby, amigo e companheiro de Eduardo em várias batalhas, com seus melhores homens, fortemente armados, mantinha ferrenha vigilância.

Confrontos ocorreram. Diversas tentativas foram realizadas no intuito de minar as forças inglesas e readquirir o controle da cidade e a liberdade dos cidadãos de Calais, que continuavam crentes no poder de seu rei. Porém, Felipe foi derrotado em todas elas. Não satisfeito, decidiu lançar mão de um último recurso. Mandou um de seus cavaleiros com uma bandeira branca em punho, portando uma mensagem para Eduardo.
- Abram os portões! – gritou o sentinela após receber autorização de Eduardo.
O homem foi arrancado de sua sela e examinado minuciosamente, à procura de armas escondidas. Nada encontraram. Foi levado até a sala de reuniões do castelo de madeira real, ao encontro com o rei inglês.
- Reverencie o rei, cão francês! – ordenou um dos guardas que acompanhara o cavaleiro.
Com evidente má vontade, sendo forçado a ajoelhar-se diante de Eduardo, o mensageiro reverenciou-o e entregou sua preciosa carga. Uma mensagem do Rei Felipe.
A carta com o lacre da coroa francesa  lançava um desafio ao seu oponente. Queria  uma batalha justa, em campo aberto e determinado por eles.
Ao receber tal provocação, Eduardo caiu na gargalhada. Tão logo parou de rir, tornou-se sério e a ira tomou conta de seu semblante.
- Quem este imbecil pensa que sou? Já estamos aqui há quase um ano, sem qualquer tipo de ação contrária efetiva, investindo grandes quantidades de ouro e prata  neste cerco. E agora, ele simplesmente vem, às vésperas de eu conseguir meu intento, para pedir uma batalha em campo aberto? Pobres calesianos que tem um rei como esse! Pobre povo francês! – proferiu ironicamente.
- Ele pode exigir o que quiser. – apaziguou Sir Walter. – Isso não significa que será atendido. 
- Obviamente que ele não será atendido. – afirmou Eduardo lançando um olhar frio sobre o orgulhoso cavaleiro francês, em sua armadura prata, que mantinha semblante impassível. – Pode dizer ao seu rei que não pretendo abrir qualquer concessão ou aceitar qualquer desafio que venha dele. Calais será inglesa em muito breve. Se ele e seu exército não conseguem abrir caminho por nossas estradas, que tente outras.
O cavaleiro partiu, altivo, apesar de intimamente abatido, sob os olhares desafiadores dos ingleses, levando a  resposta negativa.
Inconformado, nos três dias seguintes, Felipe ainda tentou novas propostas, sem obter qualquer anuência por parte do inglês. Derrotados e desacorçoados, Felipe e seu exército não tiveram outra escolha a não ser seguir o caminho de volta para Paris.
Assim, ao final daquela semana, os franceses de Calais viram suas ínfimas esperanças de retomada da liberdade desaparecendo numa nuvem de poeira sobre a colina de Sangatte.
Desesperados, centenas de cidadãos colocaram-se às portas da prefeitura buscando mais informações de Jean de Vienne. Infelizmente, devido às novas limitações e vigilância rígidas em torno das muralhas da cidade, o prefeito não conseguira  contato com seu rei e, portanto, sabia tanto quanto seus questionadores a respeito de novas tentativas de libertá-los. Mais uma vez a tristeza tomou conta do povo, juntando-se esta à fome e à total desilusão.
- Não poderemos resistir mais! – gritou um cidadão.
- Eles vão matar todos nós se nos rendermos! – argumentou outro.
- Prefiro morrer de fome que sob uma lâmina inglesa em meu pescoço! – justificou um terceiro.
As opiniões eram cruelmente controversas. O medo da morte era evidente. A questão era decidir sobre qual a forma menos desagradável de encontrar o fim de suas vidas. Questionavam o que seria pior. Ver suas mulheres e filhas estupradas e seus filhos pequenos usados como escravos, vê-los assassinados diante de seus olhos, ou vê-los morrer de fome.

(continua...)

Voltei!
Não vou falar mais uma vez sobre os motivos que ocupam meu tempo e que me forçam a demorar tanto a lançar essa postagem. Quero, isto sim, agradecer, do fundo do meu coração, a Nadja e a Léia, minha amigas muito amadas, que, com suas palavras de afeto e amizade, me fizeram reconhecer o quanto esse cantinho é importante para mim e que não devo desistir dele,  de meus sonhos ou da minha imaginação  para inventar histórias. Beijos superespeciais para vocês! Ao lado delas, todos amigos e seguidores que deixam seus comentários, às blogueiras literárias, como a Jessica Gomes e a Gabi Prates que continuam a me procurar para parcerias e promoções, me levando a crer que meus textos ainda conseguem alcançar sua intenção de fazer sonhar e divertir.  Por vocês, eu insisto em voltar. Além disso, como já disse uma vez, sou teimosa e não costumo deixar as coisas que inicio sem finalizar.
Portanto, aqueles que tiverem paciência, saberão o final do romance atual, mais cedo ou mais tarde, e, se Deus quiser, ainda vão poder ler muitas outras histórias, que continuam povoando a minha mente, só esperando um tempo para poderem sair.
Antes de terminar, gostaria de deixar um abraço e um super beijo especial para uma amiga escritora, muito querida, a Andréa Bertoldo, que está de aniversário hoje, dia 01 de Junho.
Também não posso deixar de lembrar uma resenha maravilhosa, feita pela minha grande amiga Tânia Lima ( o que seria de mim sem amigas como vocês?...) do livro Confusões de um Viúvo. Confiram aqui.  Um beijo, minha linda!
Todo o meu amor para vocês! Beijos e até a próxima postagem!