domingo, 31 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XVI (1ª parte)

Preparavam-se para sair do restaurante quando Galen ouviu o som das hélices de um helicóptero.
- Bem que eu estava achando muito fácil fugir desse pessoal...
- Você acha que é a Interpol?
- Tenho certeza... Venha. Vamos ter que achar outro meio de transporte.
- Como assim?
Sem responder, Galen a pegou pela mão e mais uma vez a deixou com o coração acelerado. Mais uma fuga. Isso estava começando a se tornar rotina.
Esgueiraram-se pela porta dos fundos, mas, ao invés de seguirem até o carro, ele a levou na direção do estacionamento de caminhões de carga, sempre atento ao movimento sobre suas cabeças. O helicóptero ziguezagueava nos céus a procura deles. Haviam localizado o carro de Galen e aguardavam as ordens de Matthew, que se encontrava na sede em Amsterdã.
Notou a movimentação em um dos caminhões. Galen pediu a Filipa que esperasse sob a cobertura do prédio e, colocando uma boina, que ele afanara do bolso de um dos frequentadores do local, enterrada na cabeça, foi até o motorista que se preparava para sair. Após uma rápida conversação, o homem abriu o compartimento de carga. Galen olhou para o céu e fez sinal para que Filipa o seguisse, aproveitando o desaparecimento momentâneo do helicóptero. Ajudou a subir na carroceria e imediatamente as portas foram fechadas. Aparentemente era um caminhão que trabalhava para alguma loja de móveis, pois havia sofás de vários tamanhos, poltronas coloridas e algumas mesas de centro espalhados no interior do espaço de carga.
- O que você disse a ele?
- Que estávamos fugindo do seu  marido rico e violento.
- O quê?
- Um francês não resiste a uma boa história de amor e a uma mulher indefesa.
Ela não pode deixar de sorrir, apesar de estar com o estômago contraído pelo medo e a descarga de adrenalina ainda continuar acelerada em suas veias. Segurava a bolsa contra o corpo como se dela dependesse sua vida. Logo, duas mãos grandes e fortes a envolveram, levando-a para o fundo do caminhão, que começava a manobrar para sair do posto. Colocou-a sobre um sofá de dois lugares que ali se encontrava, recoberto por uma camada de plástico-bolha, e sentou-se ao seu lado.
- Para onde vamos? – perguntou, fazendo um barulho desagradável quando se moveu sobre o plástico, tentando acomodar-se num dos cantos.
- Para Brugges. Fica um pouco fora do caminho habitual. Vai ser bom para despistá-los. De lá damos um jeito de seguir para Paris.
- E o seu carro?
- É alugado. Depois aviso a locadora sobre onde deixei o carro.
- É sempre tão simples e fácil para você assim?
- Nem sempre... – respondeu deitando-lhe um olhar que a fez estremecer. – Você me deixa confuso.
Filipa não esperava aquela declaração e ficou sem fala, presa àquele olhar de azul intenso. Não esperou que ela respondesse. Lançou seu braço sobre os ombros de Filipa e abraçou-a, ficando com o corpo grudado ao dela.
- Eu lhe ofereceria um casaco se o tivesse, mas...
- Eu não estou com frio.
-Por que está tremendo?... Está com medo? – indagou com olhar preocupado.
No momento, Filipa achou que esse seria um bom argumento para explicar o tremor que a percorria. Não podia negar que o medo era uma sensação presente, mas o simples contato com Galen e o calor que ela sentia irradiar de seu corpo, inflamando seu desejo por ele,  eram a verdadeira causa.
Porque eu tinha de trazê-la nessa fuga maluca? Eu devia tê-la colocado em segurança e resolver isso tudo sozinho. Será que foi egoísmo de minha parte?... Eu não consigo tirá-la da minha cabeça e não podia imaginar ficar sem vê-la... Não... Não poderia arriscar a deixá-la. Se eles a pegarem, não sei o que podem fazer a ela...
- Galen?...
- Sim?...
- Onde você estava? De repente ficou como se estivesse a quilômetros de distância daqui.
- Na verdade, eu estava pensando em você.
Ela sorriu.
- Estranho... Pensar em alguém que está ao seu lado e ficar distante.
Num movimento, ele dobrou a perna, sentou-se de frente para Filipa e a fez virar-se igualmente para ele. Acariciou seu rosto e, com a mão em seu queixo, focou os lábios rosados e carnudos.
-  Estou aqui... – murmurou junto aos seus lábios.
- Vai me beijar? – sussurrou, sentindo o calor avançar rapidamente do peito ao estômago e mais abaixo.
- Algum problema? – perguntou sorrindo, mas sem afastar-se um milimetro do seu rosto.
- É que eu não pretendia gritar...
- Então terei que encontrar outro motivo prá te beijar...
O hálito quente de Galen, junto a sua face, a entorpecia. Fechou os olhos. Não conseguia mais falar ou pensar, afundando nas sensações que aquela proximidade cada vez maior lhe proporcionava.
Andries andava de um lado ao outro da sala do chefe de polícia. Falara com o policial que tomara o seu depoimento no dia do sumiço de Filipa. Só não entendia como não conheciam a tal de Emma Donahue que procurara  Filipa no hotel. Agora estava furioso e perdido. Perdera a chance de finalmente por as mãos na esmeralda de Hainaut, se é que ela estava mesmo em poder de sua convidada. Tolamente ficara de quatro pela jovem brasileira. Essa era uma realidade... Jamais imaginara que Filipa pudesse ser tão encantadora... Não se importava mais com a pedra, mas sim com ela e o que poderia lhe acontecer de mal. Quem era aquele miserável que a levara? Lembrava o olhar desesperado dela atrás do vidro do carro que partira em desabalada, levando-a para “deus sabe onde”. Agora a polícia não sabia de nada! Como poderia achá-la? Talvez... O namorado de Dirkje... Claro! Como não pensara nisso antes. Fora ele que deu a dica para Dirkje a respeito de Filipa, que por sua vez o alertou e deu a ideia de convidá-la para visitar o museu com aquela história ridícula da tese publicada na revista italiana. O fato é que dera certo e Filipa viera inocentemente ao seu encontro.
Decidido a não esperar mais por aqueles oficiais babacas que nada sabiam, despediu-se, dizendo ter um compromisso urgente e que gostaria de ser avisado caso soubessem sobre a tal Emma. Saiu em passos largos e rápidos. Pegou seu carro e rumou para o apartamento de Dirkje, que ainda morava no mesmo local da época em que tiveram um caso.
Chegando lá, apertou no botão de número 4 do interfone. Foram cinco chamadas até que a voz suave de Dirkje respondesse.
- Quem é?
- É Andries! Preciso falar com você.
- Não pode esperar até segunda, no Museu?
- Não! Tem que ser agora.
A voz emudeceu do outro lado durante alguns segundos infindáveis para Andries. Finalmente ela voltou a falar.
- Suba.
A ordem seguiu-se de um barulho estridente e de um clique, quando a porta de madeira e ferro foi destravada.
Dirkje esperava na porta de casa, vestida com um roupão atoalhado, pois acabara de sair do banho. Os cabelos louros e úmidos caíam desalinhados sobre os ombros.
- O que aconteceu para vir aqui a essa hora?
- Filipa foi sequestrada de novo.
- De novo? Como assim?
Andris lembrou-se que não falava com a secretária desde o dia anterior.
- Preciso de sua ajuda. Deixe-me entrar e conto tudo.
- Entre... – permitiu, afastando-se para dar passagem.
Notou a expressão transtornada dele e experimentou uma sensação de medo.
- Ainda está namorando aquele homem?
- Quem?
- O agente da polícia.
- S-sim.
- Ele deve saber o que está acontecendo, afinal foi através dele que você soube sobre a Filipa. As informações dele é que possibilitaram que eu a trouxesse até aqui para conseguir a esmeralda.
- Você a conseguiu?
- Não... Eu... Isso não importa agora. O que importa é que Filipa foi sequestrada por um desconhecido e acho que o seu “amiguinho” pode me ajudar a encontrar esse desgraçado.
- Eu nunca o vi tão ansioso por causa de alguém... Está gostando dela, Andries?
- Que pergunta é essa, Dirkje? Diga-me como encontro o seu namorado, ou seja lá o que ele for seu. Preciso falar com ele!
- Não sei.
- Não sei, o quê?
- Não sei como encontrá-lo.
- Você está brincando comigo. Vocês não são amantes? Como que você não sabe onde encontrá-lo.
- Ele é um agente secreto e não tem endereço fixo. Quando ele está livre, me procura.
- Não acredito... – disse pondo as mãos na cabeça e fechando os olhos.
Por que não me quis, Andries? Nós seríamos tão felizes...
- Não é possível que não tenha nem um telefone para que possa achá-lo, falar com ele.
- Não tenho.
- Que tipo de relacionamento é esse?
- Melhor do que o que tivemos, Andries.
Ele revelou um sorriso de escárnio.
- Você não perde a oportunidade para me alfinetar, Dirkje. Por quê? Eu a avisei desde o inicio que não queria compromisso. Não a enganei... Mas isso não interessa agora. Tem que haver uma maneira de encontrar esse cara. Só ele pode ajudar.
- Afinal, o que aconteceu? Vou preparar um café forte. Vá falando e vamos ver o que podemos fazer.
Ainda tinha sua xícara de café pela metade quando terminou de ouvir a história de Andries.
- Já foi à polícia?
- Já. Eles sabem tanto quanto eu. Não conhecem a tal policial Emma que tomou o depoimento de Filipa.
- Por que acha que o meu namorado vai saber algo mais?
- Dirkje, eu não nasci ontem. Ele não daria uma informação como essa e a sugestão de como trazer Filipa para cá se não tivesse interesse nisso. Aliás, interesse que você não deve desconhecer. É bom começar a me contar exatamente o que vocês pretendiam me envolvendo com essa historiadora.
Por um momento, a secretária pareceu perplexa com a insinuação de seu chefe.
- Ora... Que diabo está querendo dizer! Eu apenas quis ajudá-lo. Sempre soube da sua fascinação sobre a história da Cruz de Hainaut. Quando O’Neill me falou sobre a possibilidade da última esmeralda perdida estar em poder de uma brasileira...
- Por que ele falou sobre esse assunto com você? Ele sabia que eu estava a procura dela? Falaram a meu respeito enquanto se amassavam na cama? – perguntou com indisfarçável irritação.
- Estúpido mal agradecido! ... Não sei... Não lembro como surgiu o assunto. Só sei que achei que gostaria de saber disso e o avisei.
- Essa história está muito mal contada, Dirkje.
- Por que só agora você resolveu desconfiar de alguma tramóia? É por que a sua queridinha sumiu? – Sua voz agora deixara de ser suave e seu tom demonstrava toda a mágoa por ter sido rejeitada por ele e o ciúme de Filipa, que tinha impressionado tanto seu ex-amante. – Por que acha que temos alguma coisa a ver com isso?
- Não vou sair daqui enquanto não me disser onde encontro esse tal de O’Neill.
- Acho que vai perder o seu tempo.
- Não creio. – respondeu, acomodando-se na poltrona, cruzando as pernas e encarando Dirjke com determinação. – Posso ser muito paciente.

(continua...)
 
 
Agora a coisa complicou mais um pouco... Será que o Galen está aprontando com a pobre da Filipa? E o Andries? Sabia da esmeralda e acabou virando vítima por ter se apaixonado ? Veremos nos próximos capítulos...rsrs
Espero que continuem gostando.
Fiquei muito feliz essa semana com uma entrevista que dei para o blog da Daniele Nhasser, Amante de Livros (http://amantesdelivros-2012.blogspot.com.br/2013/03/entrevista-com-rosane-fantin.html ), que aliás tinha feito uma resenha excelente do livro Confusões de Um Viúvo no final de Janeiro (http://amantesdelivros-2012.blogspot.com.br/2013/01/confusoes-de-um-viuvo-rosane-fantin.html ). Outra resenha muito boa, do mesmo livro, me deixou muito contente. Ela foi escrita por Mari Scotti, também autora de romances (Insônia é o seu último livro, lançado pela Aped) e dona do blog TBF.
Obrigada aos meu amigos amados que deixaram seus comentários, Nadja e Luiz Fernando. Beijos, queridos!
Não posso esquecer de deixar de registrar aqui  outro grande motivo de festejos dessa  semana, que foi o nascimento da Anelise, primeira filha da minha amiga e parceira no romance, O Vampiro de Edimburgo, a Aline Kodama.  Que Deus as abençoe e lhes traga muita saúde, amor e felicidade!
Para finalizar, desejo a todos vocês uma FELIZ PÁSCOA, com muita alegria e harmonia com seus familiares e amigos. Um super beijo e um abraço caloroso! Até a próxima!!
 
 

sexta-feira, 22 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XV (2ª parte)

 
 
Castelo de madeira de Eduardo III, nos arredores de Calais – Março de 1347
 
 
- Onde está Eduardo? – perguntou a rainha ao seu fiel amigo Sir Walter de Mauny, quando irrompeu no salão onde o rei costumava deliberar suas ordens. Parecia nervosa e irritada.
- Ele saiu para verificar as torres de observação em torno das muralhas e falar com o comandante da flotilha que chegou aqui no final do mês. Com a ajuda destes 120 navios que Sua Majestade mobilizou para cá, conseguimos o bloqueio completo do acesso por mar. Com isso a entrada de alimentos para abastecimento da cidadela fica definitivamente cortado e...
- Perdoe-me, Walter, mas não preciso saber desses detalhes escabrosos das táticas do cerco. O que preciso agora é falar com meu marido.
- Se eu puder ajudá-la...
Filipa soltou um longo suspiro e sentou-se em uma das cadeiras em torno da mesa de reuniões.
- Minha filha, Isabela, acaba de chegar de Londres. Diz que o pai mandou trazê-la para cá, pois ficará noiva do novo Conde de Flandres na Páscoa.
- O rei não lhe comunicou sua resolução?
- Não! – exclamou exasperada, elevando o tom da voz, coisa que raramente fazia, pois costumava ser tolerante com as atitudes inesperadas de seu marido. – Ele não pode definir o futuro de nossa filha sem antes falar comigo.
- Creio que Vossa Majestade deva discutir este assunto diretamente com o rei. – disse Sir Walter sentindo-se consternado pela rainha, mas ao mesmo tempo não querendo intrometer-se na intimidade do casal real.
Conter o choro diante de seus súditos era algo que aprendera ao longo dos anos de reinado e não pretendia que fosse diferente na frente de Sir Walter. Uma rainha não podia se dar ao luxo de ficar lamentando os mandos e desmandos do rei.  Sua tristeza era provocada, não apenas pela obrigação imposta a sua filha de quinze anos, mas pelo sentimento de traição. De repente, dava-se conta de que, naqueles últimos meses, Eduardo estivera tentando cativá-la, não por que quisesse seu amor de volta, mas porque sabia de sua resistência a um casamento de conveniência e precisaria de seu apoio. E pensar que andava tão feliz com os carinhos e agrados de Eduardo...
- Senhora... O rei está chegando. – alertou-a Sir Walter aliviado quando avistou o grupo de cavaleiros que cruzava os portões da vila e a figura imponente de Eduardo a frente deles.
- Por favor, meu amigo... Poderia pedir a ele que vá até meus aposentos?
- Sem dúvida, majestade. Irei imediatamente.
Após uma mesura, saiu do salão a procura de seu rei.
Quando se dirigia para o quarto, Isabela veio ao seu encontro.
- Mãe?
- Sim, minha filha... – respondeu carinhosa, abrindo os braços para aconchegá-la.
- Estava com saudades...
- Eu também, meu anjo.
- Não quero que a senhora brigue com meu pai.
- Não vou brigar, querida.
- Eu estou feliz com o noivado. Eu lembro de ter visto Luís ao lado de seu pai na corte. Lembro que o achei bonito. Não vejo a hora de revê-lo. – sussurrou a frase final, com as bochechas coradas.
- Tenho certeza que o jovem Luís é um ótimo rapaz, que a fará muito feliz – disse para a filha e para si mesma, numa tentativa de convencer-se que a escolha de Eduardo era certa. Não admitiria que sua filha sofresse nas mãos de quem quer que fosse. Ela era muito jovem e inexperiente.
- Então, não está chateada com papai?
- Ele deveria ter me avisado a respeito de suas intenções de casá-la com o conde...
- Já está na hora de me casar, mamãe. Melhor que seja com um jovem belo e solteiro, do que com um velho barrigudo e viúvo. Não acha?
- Queria falar comigo, Filipa?
A voz tonitruante de Eduardo encheu o corredor onde mãe e filha conversavam próximas à entrada dos aposentos da rainha.
- Papai!
Isabela correu para os braços de Eduardo, que imediatamente abandonou a expressão preocupada e abriu um sorriso. Isabela lembrava Filipa quando jovem, mas de cabelos castanho-escuros Ele reconhecia que ficara mais aliviado com a boa recepção que ela tivera ao receber a notícia de seu futuro noivado. Olhou para a esposa e anteviu a  tempestade que teria de enfrentar logo a seguir. Abraçou a filha e pediu que ela os deixasse para que pudessem conversar.
- Mamãe?... – lançou um olhar suplicante a Filipa.
- Não se preocupe. Vamos apenas conversar. – tranquilizou-a.
A menina deu um sorriso pueril e saiu à procura de sua dama de companhia, a quem deixara falando sozinha para correr atrás da mãe.
Filipa fez uma reverência ao marido e entrou em seu quarto, deixando a porta aberta, como um sinal de que ele deveria segui-la. Eduardo não entendia por que a mulher estava tão aborrecida. Muitas vezes tinham conversado sobre as responsabilidades de um monarca e dos casamentos de interesse que deveriam ser realizados à medida que fossem necessários. Isabela já estava em idade de casar e não encontraria melhor partido na Inglaterra ou na França. Além disso, sua aliança com Flandres, Nevers e Rethel, antes firmada com o pai de Luís, que morrera lutando ao seu lado, na Batalha de Crècy, estaria assegurada.
- Feche a porta, por favor.
- Filipa...
Ela não conseguiu segurar mais o seu desapontamento e sua tristeza pela atitude de Eduardo.
Vendo a mulher a verter lágrimas inexplicadas, aproximou-se dela a fim de consolá-la, pensando ser, afinal, outro o motivo para aquela conversa. Não era possível que o choro fosse pelo noivado de Isabela. Foi rechaçado abruptamente.
- Não me toque!
- O que houve, Filipa?
- Por que simplesmente não me falou sobre seus planos em relação a Isabela? Não precisaria usar de subterfúgios para me colocar ao seu lado.
- O quê? Subterfúgios? Sobre o que exatamente você está falando?
- Você sabe muito bem!
Uma nova onda de choro se iniciou.
- Não, Filipa... Eu não sei do que está falando.
- Nos últimos meses, aqui nesse acampamento, tenho sido iludida por você – disse entre soluços. – Quase acreditei que poderíamos voltar a ser um casal de verdade.
Tomado pela revolta, diante das palavras de sua esposa, Eduardo agarrou-a pelos braços e obrigou-a a olhá-lo de frente.
- Eu não a iludi! – afirmou irritado, mal podendo acreditar que a insegurança afetiva de Filipa a tivesse feito imaginar tal artimanha por parte dele. – Tudo que está acontecendo nestes dias é real e ditado pelo coração e não por uma ação calculada para suborná-la... Acredite em mim. Meu único erro foi querer evitar seu aborrecimento.
 - Por favor! Não considero o destino da nossa filha como um mero aborrecimento. – bradou enquanto tentava desvencilhar-se das mãos de ferro do marido.
- Está bem... – Liberou-a. –  Me perdoe ... Vamos conversar sobre isso como dois pais preocupados com o casamento de sua filha, mas não jogue na lama todo o meu esforço em reconquistá-la ao lado dos momentos inesquecíveis que temos vivido “nesse acampamento”.
O soluçar diminuiu. Em um movimento suave, Eduardo voltou a tentar uma abordagem, sendo bem sucedido dessa vez. Chegou por trás de Filipa, sem tocá-la, mas tão próximo que podia sentir o perfume de seus cabelos e o calor de seu corpo. Percebeu o estremecimento dela reagindo à aproximação. Suas mãos envolveram sua cintura e a giraram, deixando-os frente a frente. Segurou seu queixo com delicadeza forçando-a a olhar para cima.
- Eu a amo, Filipa. Lembra-se dos meus votos em York, feitos há quase 20 anos? Não os fiz de forma inconsequente. A vida, as batalhas e as separações decorrentes da rotina do reinado podem ter me afastado um pouco de minhas juras, mas o amor que sinto por você permanece, até maior que antes.
Ela o fitou e pode ver a sinceridade e a veneração vertendo dos olhos de seu amado.
Com o rosto ainda úmido pelas lágrimas perdidas, teve os lábios, entreabertos pelo júbilo diante das palavras de Eduardo, cobertos por um beijo, a princípio suave, mas que ao ser correspondido, tornou-se mais e mais apaixonado e vigoroso. Um desejo avassalador tomou conta do homem. Roupas foram arrancadas e as palavras foram substituídas por ações...
Era início de mais uma tarde nublada e fria. No entanto, sobre a cama, nos aposentos da rainha, os corpos nus e entrelaçados exalavam calor, preguiça e deleite, como se estivessem desfrutando uma manhã ensolarada e sem compromissos. O fogo na lareira crepitava, começando a exigir mais lenha para atiçá-lo.
- Você sabe como acabar uma discussão. – afirmou Filipa, acariciando o peito de Eduardo.
- Acho que deveríamos discutir mais vezes...- sugeriu beijando o topo da cabeça de cabelos dourados e despenteados.
Ela sorriu e fez menção de sair da cama, no que foi rapidamente impedida. Num movimento quase felino, Eduardo subjugou-a sob seu corpo.
- Que tal uma nova discussão?
- Realmente ainda precisamos falar sobre o casamento de Isabela.
Com um suspiro longo, Eduardo deitou-se ao seu lado, olhando para o teto.
- Pensei que esse problema estivesse resolvido. Você sabe que o jovem Luís acaba de herdar condados importantes para a Inglaterra. Este noivado será benéfico tanto para nós como para ele, que precisa da lã inglesa.  Preciso manter seu apoio, assim como o tinha de seu pai. Sei que ele é simpatizante de Filipe, mas seu pai era nosso aliado e ele deve se manter fiel a nós.
- A Isabela é tão jovem... Tenho medo que ela venha a sofrer com um casamento arranjado dessa maneira.
- Ela tem um ano a menos que eu quando te desposei.
- É diferente, Eduardo. Nós nos amávamos e nosso casamento não foi por conveniência.
- Filipa... Tenho certeza que os dois vão se dar muito bem. Nossa filha é linda. Impossível não se apaixonar por ela. Ele é um jovem de boa criação e sei que a fará muito feliz.
- Ah, se eu pudesse ter uma garantia disso...
- Se ele a fizer infeliz, eu o mato... Mas só depois que eles tiverem um herdeiro. – disse sério.
- Eduardo! – escandalizou-se com a ameaça do marido.- Como pode dizer uma coisa dessas!
- Só para tranquilizá-la... – respondeu, caindo na risada logo em seguida e voltando a ficar sobre ela. – Agora que discutimos um pouco, que tal nova reconciliação?
- Só se me prometer que nunca mais vai me deixar de fora das decisões sobre os casamentos de nossos filhos.
- Prometo... – sussurrou no seu ouvido, iniciando outra série de carícias que a fizeram sorrir e gemer.
 
(continua...)
 
 
Oi, pessoal!
Demorou um pouquinho mais, mas consegui postar antes do final de semana. Devagar e sempre...
Amei os comentários da última postagem ( beijos muito especiais para a Lucy, a Ly, a Nadja, a Léia, o Luiz Fernando e a Rose - bem vinda ao meu cantinho, querida!).
Quero aproveitar para agradecer a todos aqueles amigos que enviaram lindas  mensagens de felicitações pelo meu aniversário lá no Facebook, que aliás foi um dos motivos(o aniversário)  para a demora na postagem... Muita festa...rsrs, o que é um bom motivo, não? MUITO OBRIGADA!!! Amo vocês!
Mil beijinhos, meus queridos, e até a próxima postagem!
 
 
 
 

sábado, 9 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XV (1ª parte)

Filipa ainda mantinha gravado na retina o rosto angustiado de Andries ao vê-la ser levada por Galen. Seria a angústia causada por uma real preocupação com ela ou por haver perdido a chance de pôr as mãos na esmeralda? Estava confusa. Não podia acreditar que alguém como ele estivesse envolvido com ladrões de joias. A adrenalina ainda corria em suas veias em doses suficientes para mantê-la sem condições de falar qualquer coisa. A advertência que recebera de que sairiam da cidade era confirmada pela paisagem que via correr em ritmo acelerado através da janela do carro. Galen mantinha os olhos atentos na estrada e no espelho retrovisor. Estava claramente preocupado com a possibilidade de estarem sendo seguidos. Olhando-o, ficou imaginando o que diriam suas amigas sobre a sua decisão, certamente precipitada. Seguir aquele homem que estava ao seu lado, com uma ficha na Interpol, caçado como ladrão internacional, deixando sem explicação àquele que a havia convidado a visitar o museu em Amsterdã, que demonstrara total interesse em sua tese e estivera pagando suas despesas... Uma loucura, certamente. Talvez Myriam a apoiasse depois de dar uma olhada em Galen. Era uma romântica como ela e também tão desmiolada quanto. Podia ouvir Beta repreendendo-a, ao lado de seus pais, escandalizados com sua atitude impensada. Sacudiu a cabeça e decidiu que devia sair de seu estado de inércia e saber afinal os motivos de Galen para levá-la naquela fuga inexplicada.
- Eu vi a sua ficha no site da Interpol entre os mais procurados... – Aquele fato ainda estava entalado em sua mente, por isso não conseguiu reprimir a acusação, a procura de uma explicação plausível por parte dele.
Para sua surpresa, ele não demonstrou qualquer sinal de incômodo com aquela revelação.
- Eles mantiveram minha ficha lá como disfarce. Assim poderia continuar circulando entre meus antigos companheiros de profissão sem levantar suspeitas acerca de meu novo trabalho.
- Mantiveram sua ficha? Então você é mesmo um ladrão? – Um frio gelou seu estômago.
- Eu fui um ladrão. Deixei meus dias de contraventor há alguns anos, quando fiz um acordo com a Interpol e me tornei um colaborador... Não menti para você.
- Não disse que era um ladrão.
- Apenas omiti essa parte. Como acha que adquiri as habilidades necessárias para roubar um celular, entrar no seu apartamento no hotel e pegar o anel de dentro da sua bolsa, entre outras coisas?
Filipa estava de queixo caído. Mais uma vez era assaltada por seus piores temores em relação a O’Neill.  Sentiu-se paralisada. Galen certificou-se mais uma vez de que não estavam sendo seguidos. Sentia que devia maiores explicações além daquelas que havia dito no hotel. Afinal, Filipa largara tudo para seguir com ele, mesmo desconfiando que ele era um ladrão, que só estava interessado em suas joias.
- Eu não queria que as coisas chegassem a esse ponto, Filipa.
- O que está fazendo? – perguntou receosa, ao vê-lo diminuir a velocidade do carro.
- Pausa para um café. – avisou enquanto fazia um retorno e dirigia-se à cafeteria, ao lado de um posto de gasolina, do outro lado da pista.
Estacionou em uma vaga nos fundos do local, onde o carro não poderia ser visto da estrada. Olhou-a, percebendo-a frágil e assustada, e surgiu uma imensa vontade de abraçá-la, confortá-la e sussurrar palavras de carinho em seu ouvido. Rapidamente sufocou o impulso. Respirou fundo, desligou o motor e desceu. Deu a volta no carro e abriu a porta para Filipa sair. Ofereceu sua mão para ajudá-la, mas foi recusado. Não disse nada para não constrangê-la.
- Teremos mais uma daquelas conversas para me convencer que você é o mocinho da história? – perguntou empertigando-se.
Ele não pode deixar de rir com a insinuação.
- Não quero convencê-la de nada, Filipa. Se eu tivesse certeza de que esses bandidos não iriam persegui-la e machucá-la, eu mesmo a colocaria num voo para o Brasil hoje mesmo. Infelizmente não é assim.
Entraram na cafeteria.
- Está com fome? – perguntou Galen.
- Não...
Observou-o enquanto ele pedia apenas dois cappuccinos. Ele era tão bonito e parecia tão sincero...
- Por que roubou o anel da minha bolsa?
- Peguei emprestado.
- Roubou. Se quisesse emprestado, poderia ter me pedido.
- Filipa, você estava correndo um sério risco carregando aquela joia em sua bolsa como se ela fosse uma mera bijuteria. Além disso, eu precisava conhecer o motivo de tanta disputa.
- É uma boa desculpa para se roubar alguém... – Fez que não notara a expressão chateada em seu rosto e continuou. – Ao menos descobriu o que essa pedra tem de tão especial?
- Certamente estão atrás da esmeralda, pois a armação do anel e os brilhantes não são de grande valor.  Já a pedra apresenta uma lapidação especial que demonstra sua antiguidade, além de ter uma marca que certamente pode nos indicar sua origem e sua própria história. Tenho uma tese, mas quero que um amigo, especialista nesta área, a estude e verifique se estou certo.
- Ele também é um ladrão?
- Por que insiste em me chamar de ladrão? – vociferou em voz baixa. Quando pensava que o passado ficara para trás, algo acontecia e revirava tudo de novo, trazendo consigo as más lembranças que preferia esquecer para sempre.
Filipa percebeu que exagerara e arrependeu-se de ter feito a pergunta.
- Desculpe... – disse baixando o olhar para a xícara que o atendente acabara de colocar a sua frente.
- Droga! – praguejou para si mesmo, sentindo que a assustara mais uma vez. – Não me orgulho nem gosto de relembrar alguns detalhes de meu passado. Acha que me tornei um marginal por vocação?
- A vida sempre dá opções.
- Eu não as tive.
Um silêncio constrangedor se abateu sobre os dois e Filipa decidiu não levar adiante seus questionamentos, pois percebeu que o magoara de alguma forma. Talvez voltasse ao assunto mais tarde. Sentia-se estranhamente atraída por tudo que se relacionava a ele e queria saber muito mais sobre sua vida.
Bebericaram seus cappuccinos e, ao fim de alguns minutos, Galen recuperou-se de suas más memórias e voltou a falar.
- O nome dele é Tirret. Claude Tirret.
- Claude Tirret? – perguntou surpresa. – Esse é o nome de um dos curadores do Louvre!
- Por isso estamos indo para Paris. – esclareceu calmamente.
- Está brincando! Você é amigo de Tirret?
- Digamos que foi ele que me tornou um sujeito honesto. – explicou, fazendo surgir uma covinha no canto esquerdo da boca. Ela imaginou que, pelo menos, aquele nome lhe trazia boas lembranças.
- Agora, por favor, me explica por que tivemos que sair correndo de Amsterdã? Por que me disse que seria um homem morto se o descobrissem?
- Depois que a deixei na estação, notei várias ligações de Matthew para o meu celular. Resolvi ir até o Red Light para falar com ele pessoalmente. Ainda estava dentro do carro, parado, quando surgiram dois brutamontes exigindo que eu saísse para conversar.  Queriam me revistar e passaram a ficar violentos. Consegui me livrar deles e fui até o meu hotel. Percebi alguns suspeitos vigiando as entradas, mas consegui entrar sem que me vissem. Encontrei o quarto todo revirado. Provavelmente alguém  à procura do anel havia me visitado. Tentei entrar em contato com Matthew, mas ele não me atendeu. Acho que ele colocou a Interpol atrás de mim.
- Por quê? Vocês não jogam no mesmo time?
- Tenho minhas diferenças com o Matt. Ele nunca aceitou a minha posição dentro da Interpol. Sempre procurou um motivo para me afastar. Acho que agora ele conseguiu. Como eu não apareci no escritório hoje à tarde, ele deve ter imaginado que eu a roubei e fugi.
- Ah, meu deus! Eu dei um depoimento para a polícia que você havia roubado o meu anel.
- Como assim?
- Andries deu queixa do meu sumiço e, depois que eu cheguei ao hotel, uma policial me procurou, fazendo perguntas. No início, comecei a contar que eu havia conseguido fugir do meu sequestrador, como havíamos combinado... Aí, ela me disse que haviam pegado o Arent e que ele falou sobre você. Eu já estava furiosa por conta do desaparecimento do anel. Quando ela me falou aquelas coisas e mostrou a sua foto de procurado na Interpol, acabei contando tudo o que aconteceu.
- Como era essa mulher? – perguntou subitamente curioso.
- Por que quer saber? O que importa a cara da policial?
- Por favor...
- Ela era alta, muito bonita, cabelos castanhos e... Mais parecia uma modelo do que uma policial. Até andava como uma dessas top models.
- Elisabeth...
- Não. O nome dela era Emma, se não me engano.
- Elisabeth Donovan. Ela é uma ladra internacional. Andries foi quem a chamou?
- Acho que não, pois ele não a reconheceu e até estranhou a sua presença.
- O que mais ela lhe disse?
- Pediu que eu gravasse um depoimento no seu laptop, fazendo uma acusação formal de que você roubara minha joia.
Galen colocou a mão espalmada sobre o queixo e ficou com ar pensativo e aborrecido.
- É muito estranho.  Tem certeza que ela e Andries não se conheciam?
- Tenho... Ou eles souberam disfarçar muito bem.
- Parece que estão todos atrás de mim. A Interpol e todos os meus ex-colegas de profissão. Isso está muito estranho.
- Atrás de mim também.
Ele pareceu sair de seus pensamentos sombrios e a olhou com expressão culpada.
- Achei que a estaria protegendo mantendo-a ao meu lado, mas me enganei. Se quiser voltar para o Brasil, eu lhe devolvo o anel. Acabamos aqui. Eles vão continuar pensando que a joia está comigo e não irão atrás de você.
- Mas quando eles o pegarem e descobrirem que foram enganados...
- Não se preocupe. Tenho meus recursos para esclarecer a verdade e pegar todos eles. Você estará a salvo.
- Não estou apenas preocupada comigo. Se eles o pegarem, podem matá-lo. Você mesmo disse isso para me convencer a fugir com você.
- Exagerei um pouco para convencê-la. – disse com um sorriso irônico e encantador.
- Ahhh, Galen O’Neill! Como vou acreditar nas coisas que me diz?
- Desculpe, Filipa... Tem razão. Esse pessoal é perigoso, mas eu posso dar conta deles.

E se ele não pudesse dar conta? Ela ficaria bem e segura do outro lado do mundo, enquanto ele poderia ser assassinado por causa de uma esmeralda que nem estava em seu poder?, pensou Filipa. Continuava ouvindo aquela vozinha no fundo de sua consciência a lhe dizer para acreditar nele, por mais loucura que parecesse. Ou seriam aqueles olhos profundamente azuis ou aquela sombra de tristeza que via neles, por mais que sorrisse, que a tornavam disposta a segui-lo?
Tomou um último gole de seu café frio e, determinada,  revelou sua vontade para Galen.
- Já que chegamos até aqui, não pretendo voltar para o Brasil sem saber a origem dessa pedra e a ligação com a minha família. Portanto, vou com você para Paris encontrar o Professor Tirret.
- Não estou certo se essa é uma boa opção, Filipa.
- Eu não tenho opção, Galen.
Ele sorriu admirado com a coragem daquela mulher e a desejou ainda mais por isso.
(continua...)
 
 
Espero que tenham gostado das explicações do Galen. Agora Filipa decidiu que vai confiar nele. Tomara que não se arrependa... Acho que não...rsrs
O meu muitíssimo obrigada pelos comentários. Concordo plenamente com a frase que diz que quem tem amigos nunca está só. Um beijo e o meu eterno amor à Nadja, Léia, Ly, Lucy(que realizou uma supermaratona) e Luiz Fernando, que, mesmo depois de tanto tempo sem postagens, continuam firmes, vindo aqui deixando o seu carinho. Obrigada também ao Marcos, do Bicho do Mato, por sua lembrança no Dia Internacional da Mulher.
Espero estar de volta em breve para a continuação desse capítulo.
Beijos a todos!
 

sábado, 2 de março de 2013

A Cruz de Hainaut - Capítulo XIV(contin.)

 
Olá para as minhas amigas e amigos, seguidores que ainda persistem aguardando a continuação do romance A Cruz de Hainaut. Tenho que pedir milhões de desculpas por ter desaparecido do blog sem nenhuma explicação para o ocorrido. Eu mesma me surpreendi ao perceber que fiquei quase dois meses sem fazer qualquer postagem. O tempo passou muito rápido (e ainda continua correndo rápido demais, na minha percepção...). Obviamente passei por uma série de problemas que não permitiram que eu tivesse tempo ou inspiração para continuar o blog, mas também gozei um período de férias maravilhoso, que certamente serviu para amenizar o estresse e a depressão do final do ano de 2012. Infelizmente, as férias acabaram, os problemas ainda existem e tenho que conviver com eles... Coisas da vida. Como diz uma letra de música aqui na minha terra: ..." não podemo se entrega pros home, de jeito nenhum!" Sendo assim, cabeça erguida, tocar em frente e tentar abrir espaço para as coisas que nos dão prazer. Quero deixar aqui o meu agradecimento a Nadja, minha amiga de fé, que sempre tem uma palavra e um carinho para oferecer nas horas ruins. Muito obrigada, querida! Também quero agradecer aos amigos que, de uma maneira ou de outra, preocuparam-se com a minha ausência e me apoiaram. Um beijo grande a todos!
Retomando o fio da meada, nessa segunda parte do capítulo quatorze, conheceremos mais um personagem sitiado em Calais - Jean de Fiennes . Eduardo continua em sua reconquista pelo coração de Filipa. Na próxima postagem, que espero seja em breve, veremos como anda a situação da Filipa moderna em sua fuga de Amsterdã com o misterioso e sedutor Galen. 
Até mais!


Calais  - Janeiro de 1347


O inverno chegou intenso. Eduardo, juntamente com Filipa e seu filho mais velho, festejou o Natal em grande pompa, dentro de seu castelo de madeira, fazendo transbordar, propositalmente, sua alegria diante dos olhos e ouvidos dos ilhados cidadãos de Calais.  Em Janeiro de 1347, a neve cobria os campos em torno da fortaleza. A esperança em relação ao auxílio real de Filipe ainda persistia. Notícias levadas por emissários, que conseguiram romper o cerco inglês, contavam sobre como o soberano francês havia enviado cavaleiros às cidades e castelos vizinhos, numa tentativa de intimidar os inimigos e facilitar o acesso de alimentos à cidade. A fome ainda era um fantasma que os perseguia. Não fosse por alguns barqueiros experientes, que arriscavam a vida, trazendo mantimentos através do mar, a situação estaria muito pior. Naqueles primeiros quatro meses de cerco, Eduardo fizera inúmeras tentativas para invadir a cidadela. Iniciara com ataques utilizando pontes improvisadas para atravessar o imenso fosso que o separava dos muros, cordas e escadas, em tentativas de chegar às ameias do forte, passando pelo uso de aríetes, flechas incendiárias, lançamento de pedras e, finalmente, a utilização dos temidos canhões. Nada disso dera resultado. Calais persistia incólume em seu exterior. Se o medo de morrer nas mãos dos ingleses era grande, o racionamento de alimentos começava a gerar desespero e consequentes episódios de violência entre a população. As brigas junto à entrega das rações defronte à prefeitura ou pela visão de simples migalhas de pão nas mãos de outros, eram cada vez mais frequentes. Esta dura e triste realidade levou a uma difícil resolução dos gestores da cidade.Naquela fria manhã, no início de janeiro, Jean de Vienne andava de um lado a outro de sua sala de onde acabara de sair Fosseaux e outros representantes da comunidade. Com o coração pesado e temendo a ira divina, tentava convencer a si mesmo da falta de alternativas à situação a que estavam expostos. Era preciso eliminar as “bocas inúteis”, como seu comandante denominara aos miseráveis sem teto e mendigantes que pululavam pelas ruas a reclamar e roubar o pouco que conseguiam estocar. Não tinha ideia por quanto tempo Marant e Mestriel, os corajosos marujos de Abbevillle e profundos conhecedores da costa, conseguiriam driblar a vigilância dos soldados inimigos. Durante todo o outono, eles haviam levado pão e carne através das longas e perigosas noites, orientado outros barcos a fazerem o mesmo. As visitas tornavam-se mais raras à medida que o inverno avançava, mas eles ainda faziam suas entregas uma a duas vezes por semana.
Vienne foi arrancado de suas divagações pelos gritos vindos da praça principal. Os soldados da armada iniciaram as detenções dos ”inúteis”. Fosseaux previra que em menos de 48 horas conseguiria reunir algumas centenas deles na praça. O passo seguinte seria despejá-los para fora dos muros, onde morreriam de fome e frio ou cairiam nas graças do monarca inglês. Vienne já ouvira falar da benevolência da Rainha Filipa, mas não acreditava que ela fosse capaz de amolecer o coração de seu Rei.
A previsão do comandante mostrou-se correta. Para surpresa dos ingleses, dois dias depois da terrível  decisão, a ponte levadiça foi baixada por breves momentos, suficientes para expulsão de cerca de trezentos homens, mulheres e crianças de aspectos famélicos e vestidos em andrajos. Abordados, contaram sobre a resolução tomada pelo prefeito, escandalizando os soldados inimigos. Ao saber do ocorrido, o próprio Eduardo mandou acolher os  desterrados, alimentá-los com sopa quente e oferecer roupas para os mais desagasalhados. No dia seguinte, foram liberados para iniciarem a procura de outras terras onde pudessem buscar proteção.
Agradavelmente surpresa com a atitude benevolente de Eduardo, Filipa dirigiu-se a ele logo após a debandada dos pobres infelizes expulsos. Vê-la aproximar-se, altiva, mas com um discreto sorriso nos lábios, foi o bastante para que ele tivesse certeza de que marcara mais um ponto a seu favor, no intuito de reconquistar sua mulher. Nos últimos meses, tivera momentos de grande prazer com Filipa, que se mostrava mais carinhosa e menos arredia às suas investidas. 
- Algum problema, minha querida? – perguntou após praticamente expulsar os homens que estavam em sua companhia, alguns criticando, outros elogiando sua tática.
- Pelo contrário, vim lhe agradecer pelo que fez... Fiquei muito contente...
- Talvez eu tenha um coração, afinal... – disse com uma leve mesura.
- Você sempre teve um coração, Eduardo. Não fosse por isso, eu não teria me apaixonado por você. – disse desviando os olhos timidamente nas suas últimas palavras.
Animado pela inesperada declaração, pegou a mão de Filipa e levou-a aos lábios, beijando-a levemente. Depois com a outra mão, com o dedo indicador sobre seu queixo, elevou sua cabeça, para encará-lo.
- Apenas você consegue despertar essa pedra que mora em meu peito, Filipa. – falou amorosamente.
Ao ver as maçãs de seu rosto ruborizadas, voltou a falar.
- Você não costumava ser tão tímida quando me conheceu... – disse insinuante.
- Meu rubor não é por timidez, mas por alegria em ouvi-lo dizer que ainda consigo emocioná-lo de alguma maneira.
- Filipa... – disse, envolvendo-a em seus braços. – Você nunca deixou de me emocionar.
Antes que ela pudesse dizer alguma palavra de rejeição, beijou-a apaixonadamente e sussurrou palavras em seu ouvido, antecipando a noite por vir. O olhar que recebeu de volta já não demonstrava mágoa ou vergonha. Apenas desejo...
Por trás dos monumentais muros, um homem solitário mirava o céu límpido, salpicado de estrelas e dono de uma esplendorosa lua crescente.  Pensava em quanto tempo ainda teria para admirar coisas belas e simples como aquela. Acabara de sair da casa de seu amigo e sócio, onde costumava ir para conversar, hábito adquirido nos últimos meses. Jean de Fiennes retornara de uma viagem de negócios no início de Setembro, quando os ingleses iniciavam o cerco a Calais. Em seu caminho de volta, recebera notícias a respeito do que estava por acontecer em sua cidade natal e muitos o alertaram, tentando dissuadi-lo da loucura que seria entrar em uma cidade prestes a ser invadida e sobre a qual pairava a sombra da morte. Chegou a pensar em retornar a Brugges, de onde acabara de sair, e aguardar pelos acontecimentos. Era um homem solteiro, sem mulher ou filhos para quem voltar. No entanto, tinha amigos, como Eustache, a quem considerava como um irmão mais velho. Sendo um filho bastardo do pai de Andrieu d'Andries, sempre fora considerado um pária dentro da sociedade. Levava uma vida desregrada, fazendo pequenos serviços aqui e ali para poder sobreviver. Eustache fora a única pessoa que confiara nele e o empregara como mercador em seu negócio, iniciado quase vinte anos atrás. Movido pelo anseio de melhorar de vida e pelas palavras de estímulo e confiança do novo amigo, tornara-se o braço direito de Eustache.  Alguns anos mais tarde, recebeu o convite  para se tornar sócio no empreendimento. Jamais pode considerar a Andrieu como irmão. Foi ao lado de Eustache, Flora e seus filhos, que encontrara o verdadeiro significado da palavra família e conhecera os laços de carinho que o ajudaram a estruturar sua vida. Quando se conscientizou da importância dessa amizade e de tudo que dela resultara, não teve mais dúvidas. Voltou para Calais, pronto para enfrentar seu destino.
 
(continua...)