domingo, 2 de setembro de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo XIX


by Kodama e Fantin


Ao ouvir o barulho de estilhaçar de vidro, forcei a entrada. Já me preparava para arrombar quando Damian apareceu e abriu a porta com mínimo movimento na maçaneta. Foi uma surpresa quando o vi surgir daquele jeito e me perguntei como ele descobrira que estávamos ali.  Pediu que esperasse do lado de fora. Pouco depois, saiu do quarto acompanhado por Kyle, que apresentava o olhar transtornado, num misto de fúria e desespero. Observei o sinal de meu pai  para que me mantivesse calado.  Enquanto isso, Leonora, após um breve instante em que abriu os olhos, voltara à inconsciência. Com ela acolhida em meus braços, caminhamos em silencio até a rua e lá encontramos a Mercedes a nossa espera. Nenhum sinal de Angus ou de qualquer outro ser. Kyle, mantendo o semblante sombrio, não admitiu que qualquer um de nós assumisse a direção, sentando-se no lugar do motorista sem dizer uma palavra,  sob o olhar atento de Damian. 
Yesalel estava mais pálida do que de costume. Acredito que estávamos todos em choque pelo que acontecera a Ariel. Minha mente tentava negar o ocorrido, ocupando-se com outros pensamentos, onde podia me refugiar da dor de saber que aqueles demônios estavam com ela. Kyle estava muito quieto, mas eu já o conhecia o suficiente  para saber que ele estava em erupção por dentro. Apesar de Ariel ou ele terem falado nada a respeito, eu já percebera que os dois estavam mais unidos depois da viagem a Praga. Depois de ver sua reação diante das evidencias do sequestro de Ariel, não restava mais dúvidas quanto aos sentimentos dele por ela. Porém, outros mistérios se acumulavam.  Até o momento, eu  não tivera coragem de perguntar  para Damian como ele conhecera Kyle e qual a ligação deles no passado. Talvez eu tivesse medo do que estava por ouvir. Sabia que eu herdara dele o dom – enxergar e conversar com anjos –,  porém nunca pensei muito sobre a razão disso. Sempre me pareceu algo natural, que eu não devia compartilhar com os outros de fora da família para não chocá-los. No fundo, sentia-me um humano diferenciado, o que me ajudou muito a vencer as dificuldades  na vida, principalmente na adolescência. Meu pai me ensinara a ter a humildade diante desse poder e não me utilizar dele para vangloriar-me perante amigos, ou mesmo, e principalmente, perante desafetos. Eu não devia permitir que essa dádiva afetasse minha vida, além do que, se eu saísse por aí dizendo que via anjos e falava com eles, já estaria em um manicômio há muito tempo.
Quando me dei por conta, tomamos o caminho oposto ao apartamento. Seguíamos para o centro histórico. Não acreditei quando paramos diante da catedral de Edimburgo. Será que eles pretendiam rezar por Ariel? O que significava isso? 
Recebi a ordem de ficar no carro com Leonora e Yesalel, enquanto Kyle e meu pai entravam com facilidade na Igreja, apesar das portas estarem trancadas àquela hora da noite.
Leonora continuava desmaiada, o que provavelmente era uma sorte. Imaginava por quanto tempo estivera inconsciente e o quanto teria visto ou ouvido durante os momentos em que permaneceu prisioneira dos demônios e de Angus. Conhecendo-a como eu conhecia, seria bem difícil encontrar uma explicação plausível que não a deixasse em total pânico, além do que ela já sofrera. Em meio a tudo isso, uma pulga atrás da orelha insistia em me incomodar.  Era a facilidade com que tínhamos conseguido resgatar Leonora pela segunda vez. Tudo levava a crer que ela tinha sido utilizada como isca... Por duas vezes. Preferi não pensar muito sobre a possibilidade de ela ainda não ter perdido sua utilidade para o tal Kolchak. Também me preocupava a ausência de Nathanael, que sumira mais uma vez. Por onde ele andava?
Poucos minutos se passaram, quando os dois retornaram. Kyle parecia menos torturado. Talvez eu devesse ter mais fé e rezar com mais frequência.
Finalmente chegamos ao apartamento. 
Damian conseguiu convencer Kyle a ficar conosco até o início do dia. 





A revelação de Damian devolvera um pouco de lucidez a minha mente. Eu estava a ponto de entregar os pontos para a Besta. Ainda buscava, sem sucesso, não imaginar como estaria Ariel. A imagem dela acorrentada naquele calabouço não me saía da cabeça... Calabouço... De repente, lembrei onde já tinha visto ambiente semelhante àquele... Malachy! Eles a tinham levado para Malachy, em um dos cárceres no subsolo do castelo, que eu havia mandado lacrar há centenas de anos, numa tentativa de apagar os vestígios de seu uso nos tempos dos antigos donos. Era lá que eles prendiam os humanos que serviriam de alimento. O calabouço era a despensa do castelo.
Tentava estabelecer um plano de ação, quando um vulto miúdo surgiu na penumbra da sala. Leonora!
- Elik?
A voz era a de Cathella, chamando por meu antigo nome. Eu disse a mim mesmo que isso não era possível, mas não pude evitar a emoção. 
- Cathella? 
- Elik... – Sua voz tornara-se musical, exatamente  como eu lembrava.
Ela se aproximou lenta e silenciosamente, como se flutuasse acima do assoalho. Vestia uma camisola ampla e transparente, o que tornava sua visão mais etérea, como num sonho.
- Meu amor... Senti tanta saudade...  – continuou falando, fluindo em minha direção, até chegar muito próxima e roçar os dedos delicados em meu rosto. Eu estava paralisado!
- Você...  não é...  Cathella – Consegui articular com muito custo.
Seu rosto transformou-se numa máscara de tristeza e dor, como se eu a tivesse esfaqueado.
- Não lembra mais de mim, Elyk? Já me esqueceu? – disse num sussurro torturado.
- O que quer? 
Apesar da tristeza em seus lindos olhos azuis, ela aproximou-se ainda mais até quase encostar seus lábios nos meus. 
- Você precisa me salvar...
- O quê? 
- Precisa acreditar em mim... – As palavras saíam de sua boca, cheias de doce súplica. –  Meu espírito continua preso a esse mundo e só você pode ajudar  a libertar-me.
- Como? – Eu não podia acreditar que estava dando atenção àquela criatura e, pior, quase acreditando que ela era real.
- Você precisa libertar meu espírito do corpo em que estou presa. Eu lhe imploro!
- Em que corpo você está... presa, Cathella?
- No corpo de Ariel... – afirmou duramente. – Precisa acreditar em mim, meu amor. Este foi o meu castigo por ter me atirado do alto da torre naquele dia fatídico. – disse a última frase  num tom tão baixo de voz, que seria inaudível para um ser humano comum. – Por que acha que se apaixonou por ela?
Meus pensamentos ficaram confusos. Lembrei-me das semelhanças entre as duas; de como Ariel lembrava Cathella... Então era essa a explicação para o que eu sentia?
- E como... Como eu poderia libertar você? – Fiz a pergunta antecipando a terrível resposta.
- Você precisa por fim a vida dela para que eu possa ser livre. 
- E como você está usando o corpo de Leonora para se comunicar comigo?
- Algo aconteceu esta noite que me permitiu usá-la e poder falar com você. Não sei como explicar. – As longas pestanas ruivas estremeceram e cobriram os olhos, num pedido silencioso de desculpas, que me fez engolir em seco. – Senti tanto a sua falta...
Subitamente, as ideias se tornaram muito claras em minha mente. 
- Onde ela está? – perguntei segurando seu queixo com delicadeza, obrigando-a a me encarar.
- Eu o levarei até lá. 
Cobri seus lábios entreabertos com um beijo casto e voltei a fitá-la inebriado.
- Vamos.





Abri os olhos, acostumando-os lentamente com a pouca iluminação. O cheiro de carniça e mofo feria meu olfato. Conseguia vislumbrar algum brilho nas paredes do lugar em que estava. Eram  pequenas infiltrações de água que vertiam em determinados pontos  e que refletiam a pouca luz que ali entrava. Procurei firmar os pés contra o chão de pedra. Notei uma porta de madeira com uma pequena abertura na sua parte superior, por onde se filtrava  a réstia de luz que me permitia observar melhor minha prisão. Era um calabouço muito antigo. Perguntava-me onde aquele demônio havia encontrado um lugar daqueles para me esconder. O medo passara a ser supérfluo. Aos poucos ele era substituído pela raiva. Assim que possível, gostaria de provar se os demônios tinham bolas. Minha capacidade de desmaterialização parecia anulada,  bem como a de me tornar incorpórea. Precisava sair dali. Precisava ver Kyle e contar quem eu era na verdade. Temia que Kolchak soubesse e usasse esse fato contra Kyle. 
Como dizem, pensando no demônio, ele aparece. Ouvi o som de passos no piso de pedra aproximando-se e logo a pesada porta de madeira deslocou-se, abrindo em minha direção. Kolchak e um vulto imenso, com a face escondida nas sombras de um capuz, como se fosse um temível carrasco, entraram. 
- Vamos levá-la para a torre! – ordenou ao ser encapuzado.
Permaneci quieta, apenas observando seus movimentos, enquanto meus pulsos eram liberados das algemas. Tão logo isso aconteceu, duas mãos pétreas aferrolharam-se sobre meus braços,  colocando-os para trás com brutalidade, impedindo qualquer tentativa de fuga. Não emiti nenhum gemido, apesar da vontade de gritar. Ao invés disso, continuei a cuidar os movimentos de Kolchak. Ele se aproximou um pouco mais de mim, com aquele seu sorriso de vilão de filme noir.
- Vamos dar um breve passeio.
- Antes, preciso testar uma teoria.
- O que disse?
Fiz a mira e elevei minha perna direita com o máximo de força que consegui, enfiando o pé diretamente no meio da virilha do sacana.
Não pude deixar de sorrir ao provar minha tese e ver o espanto e a dor estampados na cara do cretino. Sim, os demônios tinham bolas. Pena que sua recuperação era mais rápida do que nos humanos. Minha alegria momentânea acabou quando  meu rosto foi  esbofeteado fortemente.
- Leve-a daqui antes que eu termine o meu serviço antes da hora.
Fui carregada escadaria acima, sentindo o gosto de sangue em minha boca, mas ainda assim satisfeita por ter conseguido infligir dor naquele nojento. Chegamos a um enorme buraco numa parede de tijolos, provavelmente mais nova que o resto do calabouço. Ali uma escada de pedra em espiral continuava a subida. Tive um sobressalto ao reconhecer aquele como sendo o caminho que levava ao jardim de Cathella, dentro do castelo de Kyle. Kolchak me levara para Malachy! O medo do que estava por acontecer voltou amplificado.
O dia já amanhecera. Ouvi o suave ronco do motor de carro aproximando-se sem pressa da entrada do castelo. 
- Queira me dar licença, doce Ariel. Tenho que receber uma visita que, acredito, você vai adorar.
 Kyle?!, pensei. Dito isso, Kolchak desapareceu.

Castelo de Malachy


(continua...)


Oi, queridos! Sei que é uma maldade terminar esse capítulo assim, mas não consegui tempo para escrever mais e, como não queria deixar de postar, acabei fazendo essa malvadeza, talvez imbuída pelo espírito do Kolchak...rsrsrs... Brincadeirinha.
Por enquanto deixo com vocês a dúvida sobre o que o nosso herói fará a seguir.
Agradeço imensamente às minha queridas de sempre, Nadja e Léia; a Vanessa, de quem eu estava com saudades; ao meu querido amigo e incentivador, César Farias; a Lucy Marion, do blog Entre Linhas, em sua primeira visita, e ao meu caro blogueiro, escritor e amigo, J.R. Viviani, que me deixou envaidecida com seu comentário a respeito do livro O Corsário Apaixonado.   
Agora, só me resta dizer até mais, e continuar a escrever o final deste romance.
Beijos!! 

6 comentários:

  1. Querida! Estou adorando o suspense! Apesar de fazer muito tempo que não te ajudo em nada, essa estória está na minha veia... kkk Você está cada vez melhor, amiga! Bjão!!!

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  2. É muita tortura... e não é com relação aos personagens que estou falando!
    Rô, ainda bem que você reconhece essa maldade, rsrsrsr. O capítulo está maravilhoso amiga, emoção à flor da pele, já to com pena do Kolchak quando o Kyle o pegar, ele vai virar fumaça rapidinho, com direito a cheiro de enxofre e tudo.
    Fico imaginando qual foi a revelação do Damian e qual o novo plano desses demônios, quem era na pele de Leonora, são tantas dúvidas....
    Ah, mas o que mais quero é ler sobre quando Kyle finalmente libertar Ariel e eles esclarecerem todos os mistérios envolvidos, ai, ai, vai ser uma cena lindaaa esses dois finalmente juntos, tenho certeza absoluta, vou preparar uma caixa de lenços!
    Acho que teremos mais um livro publicado em breve.
    Sou tua fã!!
    Beijos amiga querida!!!!!

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  3. Maldade mesmo Rô, isso não se faz rsrsrsrs... olha mais eu duvido que o Kyle tenha caído nesta conversa fiada viu, mas vamos aguardar fortes emoções estão por vir e eu vou ficar aqui roendo as unhas né rsrsrsrs... bjosss

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  4. Ah! Rosane bota maldade nisso eu já tinha postado o capítulo anterior no facebook como penúltimo.. kkk Mas tudo bem assim a estória demora mais para terminar e desfrutamos mais um pouquinho do nosso vampiro.

    Super beijos.

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  5. Há que maldade !Mas vale a pena esperar pelo resto do enrredo.Beijos dioceli.

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  6. Momento tortura quanto às cenas dos próximos capítulos... hihihi
    Sei não, tudo está muito confuso, acho que tem muita agulha escondida nessa palheiro.
    E o nosso Kyle, coitado, doidinha de dar dó, mas quem não estaria?
    Beijinhos

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