sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo V

by Kodama e Fantin



Materializei-me em meu quarto em Malachy. Estava confuso e me maldizia pelo que tinha acabado de acontecer. O que ela estaria fazendo na Catedral àquela hora? Por que não estava cuidando de seu tutelado ou rezando em sua própria dimensão? Por que seu olhar me atraia tanto?... Eu só poderia desprezá-la por ser quem era e por servir àqueles que me jogaram no limbo. Saberia ela sobre os perigos que seu tutelado corria? Talvez devesse alertá-la sobre a possibilidade de Dominic estar sendo envolvido em algo indesejável.  Mesmo não gostando de minha “vida”, não admitiria a vitória deles novamente. Ariel... Ela parecia me odiar... Mesmo sem saber o porquê, sei que ela podia sentir o monstro por detrás de minha aparência humana. Sua pele era suave e perfumada... Sacudi a cabeça tentando evitar devaneios como aquele. O desejo da fera, com a qual eu era obrigado a conviver intimamente, às vezes tornava-se incomodo e inoportuno. Meu autocontrole novamente seria testado diante daquela jovem guardiã. Precisava certificar-me de suas intenções e da extensão de seus conhecimentos. Ainda estava incerto quanto à Dominic, que aparentava uma ingenuidade tocante. Não fosse minha experiência adquirida ao longo dos séculos, poderia confiar totalmente nele. Guardiões, demônios e humanos já haviam tentado destruir-me inúmeras vezes sem êxito... No íntimo, eu quase lamentava este fato... Contudo eu não podia simplesmente deixá-los vencer. Seria mais uma injustiça... Tentei mudar o rumo de meus pensamentos. Não queria atravessar o resto da noite a pensar em meus perseguidores e experiências ruins. Introduzi a imagem de Leonora em minha mente. Seu rosto suave, com algumas graciosas sardas a enfeitar-lhe a face angulosa, os irrequietos olhos azuis, os lábios cheios e rosados e os cabelos vermelhos e sedosos a emoldurar todo este conjunto de benfeitorias... E a voz... Se pudesse fazê-la ficar muda... Entretanto ela insistia em dar opinião em tudo. Opiniões nem sempre inteligentes, muitas vezes constrangedoras. Como era possível ter sido criada uma criatura tão encantadora e ao mesmo tempo tão... Imatura! Talvez fosse isso. A voz poderia ser mudada com o auxílio de uma fonoaudióloga... ou uma cirurgia de cordas vocais, na pior das hipóteses A maturidade e um bom professor, à semelhança de Pigmalião, poderiam dar conta da aparente mediocridade. Na verdade, tudo isso a nada levaria. Precisava compreender que Leonora era apenas uma casca do que fora Cath. Era apenas isso... Ou... Estariam as forças do mal por trás disso? Talvez a indução de Dominic a ir ao meu encontro... Subitamente fiquei aterrorizado. A semelhança de Leonora  com Cathela poderia ser sua sentença de morte... Seria possível que depois de tanto tempo eles voltassem a me rondar? Lembrei da presença que detectara na Catedral dias atrás.
No dia seguinte, depois de uma manhã de trabalho exaustivo, comandando e ordenando as finanças em meu escritório, resolvi aguardar a saída dos alunos na porta da escola de Leonora. Teria que ter muito cuidado ao cercá-la. Apesar de sentir-me extremamente atraído por sua aparência física, tinha plena consciência de que isso era totalmente inadequado no momento, principalmente se minha teoria quanto a ela ser uma isca fosse verdade. Outro motivo era que não gostaria de entrar em atrito com Dominic. Apenas olhá-la já era o suficiente para aquecer meu espírito. Minha intuição dizia que tanto Dominic quanto Leonora eram inocentes no que dizia respeito à trama em que estavam sendo envolvidos. Certamente em breve eu receberia a visita de meu velho, insistente e perigoso amigo.
Notei o olhar de repreensão de Angus pelo espelho retrovisor quando paramos diante da escola secundária e a figura peculiar de Leonora surgiu no portão. Desci do carro, deixando que ela me notasse. Em meio a dezenas de adolescentes agitados, muitos vestidos de maneira bizarra, mutilados por piercings ou tatuados como apenas os marujos faziam antigamente, a simples visão da jovem vestida simplesmente com um jeans surrado e um abrigo de lã azul, tendo os cabelos soltos sobre os ombros, era refrescante.
Ela abriu um lindo sorriso ao me ver. Despediu-se das amigas que a cercavam, não sem antes cochichar algo que as fez olharem diretamente para o carro onde eu estava e trocarem risinhos nervosos entre si. Com um modo de andar que certamente ela ensaiara por horas diante de um espelho em sua casa, atravessou a rua com o olhar fixo em mim. Quase foi atropelada por um ônibus escolar, não fosse seu guardião fazê-la tropeçar num paralelepípedo solto, distraído-a e fazendo-a parar a menos de um metro onde o veículo cheio de crianças passava alheio ao que poderia ter acontecido.  De alguma forma eu sabia que ele conseguiria evitar o acidente - o que, no meu conceito, poderia ter sido feito de forma mais elegante -, por isso me mantive sereno, apenas observando-a. Não saberia dizer se foi apenas uma impressão, mas me pareceu que o anjo de Leonora percebera a minha presença e me lançara um olhar malicioso... Provavelmente eu me enganara...  No entanto, o encanto foi quebrado quando ela se aproximou.  Leonora deveria ser uma garota mais recatada, mas  assim que conseguiu atravessar a rua em segurança, lançou-se em meus braços e ofereceu a face para um beijo. Criatura ingênua! Com esse simples gesto, seu delicado pescoço ficou a centímetros de minha boca e senti minhas presas rompendo a gengiva, loucas para aceitarem aquele oferecimento inconsequente.
Percebi que o guardião imediatamente assumiu uma postura defensiva, com a mão na espada e um estranho e flamejante olhar em minha direção. Mas não foi por receio dele que eu simplesmente me abaixei e depositei um beijo casto na face que Leonora me oferecia. Não. Foi por mim mesmo que o fiz. Para ter o prazer de sentir aquela fragrância de casta inocência e confiança em minha pessoa novamente. Inalei o perfume que se desprendia dos cabelos soltos e da pele rosada, como quem inala um perfume raro e fabuloso.  Esforcei-me para recolher as presas salientes e ao me endireitar, pude fitar um par de brilhantes e sonhadores olhos azuis.
Abri a porta do carro e, com um gesto, a convidei para que se acomodasse.  Ela o fez rapidamente, examinando fascinada o interior luxuoso da Mercedes.
- Então... Por que está aqui? – perguntou com a voz um pouco mais aguda que o normal, certamente pelo nervosismo. Seu guardião estava acomodado ao seu lado, acompanhando o diálogo, sem interferir.
-  Dominic pediu para levá-la para casa – menti, sem nenhum remorso. O anjo apenas arqueou uma sobrancelha.
- Dominic? Que estranho! Ele não me ligou avisando... Mas adorei a ideia!
Não manifestei qualquer reação à sua alegria. Tentava manter-me alerta. Só então, percebi que ela sorria de alguma coisa que Natanael cochichara em seu ouvido e que eu não consegui ouvir, mesmo com minha audição aguçada. Provavelmente tentava influenciá-la de alguma forma, já que ela certamente não poderia ouvi-lo.  Ela mascava um chiclete e parecia absorta em algum tipo de devaneio, pois seus olhos azuis estavam vagando, sem foco. Incomodado, tentei alterar o comportamento estranho.
- Você não quer se livrar desta... goma de mascar?
- Se te incomoda... Tudo bem... – ela tentava alterar o timbre da voz, para soar menos aguda, mas só a fazia mais incômoda ao aparelho auditivo. Já duvidava que aquilo tivesse conserto.
- Por favor... – disse aborrecido.
Observando-me curiosa, tirou a abominação macilenta da boca e procurou um lugar para depositá-la. Olhou-me então com expectativa, e não tive outro jeito a não ser pegar um lenço de linho, que costumava carregar no bolso do paletó – hábito adquirido em outros tempos –, e deixá-la depositar sua goma na superfície branca. Embrulhei-a, tentando parecer o mais normal possível, e tornei a guardar no bolso. Jogaria fora o conjunto assim que possível.
- Quer almoçar comigo? – convidei imaginando que, enquanto ela comesse, eu poderia apenas observá-la e esquecer todo resto.
- Claro! Sabe que... eu não deveria dizer isso, mas ... sonhei com você esta noite?! – disse terminando a frase bem baixinho, arrependida de ter contado.
Sorri. Criança tola..., pensei.
- Sério?! – disse apenas para incentivá-la a continuar.
- Pois é... Foi um sonho muito ... estranho. Posso contar? – perguntou como se falasse consigo mesma. A resposta do guardião foi negativa, pelo que pude entender, dado o desagrado que ela demonstrava após ele sussurrar novamente ao seu ouvido. Logo, a expressão foi substituída por outra, que eu também já havia visto muito, em minha longa existência: teimosia.
- Conte-me. – Sugeri em um sussurro, para aumentar o desagrado de Natanael que voltou a segurar a espada. A atitude do anjo me divertia, devo admitir. Ele tentava proteger a garota, mas sua atuação teatral era patética. Sorri, encorajando-a.
- Agora não. Onde estamos indo? – questionou subitamente ansiosa, dando-se conta, finalmente, que se encontrava sozinha em um carro com um homem estranho.
- Está com medo de mim?
- Não! É que... Gostaria de saber aonde vamos... – sua voz sumiu no meio da frase e percebi que o anjo me observava.
- Não tema. Vamos até minha casa. Meu cozinheiro é fantástico. – disse disposto a acalmá-la, tocando em seu braço com minha mão enluvada. – Aposto que você vai adorar.
                O sorriso que recebi tocaria meu coração, se eu tivesse um. Era de pura e simples confiança. O olhar se assemelhava ao de um animalzinho de estimação, cujo dono estivesse lhe fazendo um agrado. Tão inocente, sem sequer desconfiar que pudesse estar sendo levado ao abrigo de animais, para ser abandonado por lá. Pensei em Dominic e em sua zelosa guardiã. Não poderia submeter Leonora aos meus caprichos. Precisava estar atento a qualquer sinal de perigo e resistir às tentações, principalmente se pretendia levar adiante o estranho relacionamento que tinha com seu irmão mais velho.
                Angus já estacionara o Mercedes em frente às velhas escadas de pedra que levavam à porta de carvalho do castelo. Sorri para Leonora e abri a porta, tomando-lhe  a mão, pequena e morna, para guiá-la em direção ao interior do meu castelo. Apenas um olhar a Natanael, que já percebera que eu podia vê-lo, e ele abriu as asas em toda a imponência e nos seguiu, alguns passos atrás. Entramos e deixei a porta bater, barrando-lhe a entrada... Pelo menos por alguns instantes, pois logo em seguida ele atravessou a madeira maciça e secular com expressão desafiadora.
- A sua casa é linda, senhor Sinclair.
- Obrigado... Mas pode me chamar de Kyle...
Angus entrou na sala e dirigiu-se à Leonora, pedindo que tirasse o casaco, pendurando-o no cabideiro existente no hall de entrada.
- O almoço será servido imediatamente, senhor. – disse polidamente, permanecendo postado junto a nós, em atitude vigilante. Tínhamos, portanto, dois guardiões interessados em que aquele encontro não fosse frutífero.
- Antes quero mostrar uma coisa para você.
- Uma surpresa? – exclamou excitada.
- Siga-me, por favor.
Sem esperar uma segunda ordem, seguiu meus passos, curiosíssima acerca do que a aguardava. Atravessamos o grande salão que ela conhecera outro dia, chegando até uma das tapeçarias que cobriam parte da parede de pedra.
- Queria que eu visse esse tapete? – indagou decepcionada.
- O que está atrás do tapete... – Afastando a peça com a mão, expus uma porta de madeira muito antiga, com detalhes em ferro batido.
- Uma passagem secreta? – Senti  incendiar sua curiosidade. – Onde ela vai dar?
- Por aqui – indiquei o caminho ao abrir a passagem e mostrar os degraus estreitos e desgastados de pedra que subiam em caracol para o alto da construção.
Depois de algumas dezenas de metros na escada, seguidos indiscretamente pelo anjo de Leonora, ela parou levemente arfante e perguntou se ainda demorava muito para chegar onde eu queria.
- Apenas mais um minuto. Pode descansar um pouco.
- Pelo jeito você está em ótima forma.
- Nem imagina quanto... – falei esboçando um sorriso irônico ao imaginar a surpresa dela se soubesse minha idade real.
Finalmente chegamos ao topo onde mais uma porta semelhante a anterior encontrava-se fechada. Ao abri-la, estendeu-se diante de nós um pequeno jardim de inverno, com cobertura de vidro que permitia que a luz inundasse o local. O paisagista que eu contratara fizera um belo serviço. Canteiros com urzes e ajoncs em flor, trepadeiras e outras espécies de vegetação característicos do sul da Escócia formavam um adorável horto temático, algo inimaginável levando-se em conta a estação invernal em que nos encontrávamos. Em meio a este discreto ecossistema, de uma ampla janela envidraçada, descortinava-se a paisagem deslumbrante da baía do Mar do Norte. 
- Que beleza isso aqui... Deve dar um trabalhão para cuidar, não?
- O jardineiro que cuida é muito hábil.
- O que tinha aqui antes?
- Uma masmorra.
- Sério? Que legal!
- Não creio que esta seja a palavra adequada para descrever esta masmorra.
- Tá bom... Desculpe... – pediu chateada ao notar minha expressão entristecida.
- Uma jovem morreu neste lugar há muitos anos atrás... – engoli em seco a dor que sentia ao relembrar tal fato. – Ela foi capturada e preferiu morrer a se entregar aos seus raptores. Acabou por saltar desta torre.
- Coitada...
Perguntei-me por que diabos eu tinha levado aquela garota até ali. Com suas interjeições medonhas e palavras ocas,  maculava o santuário de Cath, mostrando o quão tolo eu estava sendo ao pensar que ela pudesse demonstrar qualquer resquício do espírito de minha amada.
- Estou morrendo de fome! – continuou alegremente, sem respeito algum.  – Este almoço sai ou não?
Devo ter expressado meu desagrado pela atitude de Leonora de forma tão escancarada, que o seu anjo abriu as asas sobre ela, em modo defensivo. Apenas sorri, achando graça do pobre coitado que tinha de proteger aquela jovem inconsequente.
- Sendo assim, vamos satisfazer seu apetite. Por aqui, por favor... – apontei o caminho de volta.
Mal tinha terminado a frase, surgiu outro ser diante de mim, batendo as asas furiosamente e fulminando-me com seu olhar flamejante. Era Ariel, a guardiã de Dominic. Por que diabos ela não cuidava apenas do seu protegido? Talvez achasse que o macho ao lado da jovem não fosse suficientemente eficaz para protegê-la?
- Leonora, pode descer sozinha? Quero ficar aqui mais alguns instantes.  Logo estarei junto a você.
- Tá certo. Tô indo! – aceitou imediatamente, sem comentários.
Deste modo, fiquei sozinho a enfrentar a bela anja superprotetora.
- Vejo que resolveu adotar os dois irmãos... O seu superior sabe disso? Creio que ele não gostaria dessa intromissão. Além disso, acho uma falta de respeito com seu colega.
- Foi ele quem me avisou sobre este encontro absurdo. O que está pretendendo com essa garota? Já conquistou o irmão... Quais suas intenções? – perguntou arrogantemente, erguendo as sobrancelhas de um modo muito atraente.
- Está com ciúmes? – Gostava de atiçá-la e de observar as reações dela. Cheguei a pensar ter visto suas faces corarem, se é que anjos podiam ter este tipo de reação.
- Você é muito pretensioso. Não pense que vai me enganar fazendo este jogo de palavras. Sei que deve ter algum motivo obscuro que o atrai para estes irmãos.
- Não poderia ser apenas uma atração física por uma bela mulher? Aprecio muito a beleza, assim como as notas musicais. Há algum pecado nisso, Ariel? – disse seu nome pela primeira vez.
- Ela ainda é uma criança!
- Que eu saiba, ela tem dezessete anos e é bem esperta. Logo fará dezoito e poderá legalmente fazer suas próprias escolhas. – Sentia-me especialmente excitado por provocá-la.
- Pensei que respeitasse Dominic como amigo.
- Eu o respeito. Quem está maliciando é você. Eu apenas quis ser gentil convidando-a para almoçar. Não tenho intenção de levá-la para cama... Hoje.
Ariel estava indignada e eu estava adorando irritá-la.
- Se você tentar seduzi-la de alguma forma, terá que se haver comigo e com Dominic.
- Vou adorar acertar contas com você, meu bem – afirmei sarcasticamente, deixando-a mais agitada.
- Está avisado! – ameaçou e sumiu no ar tão inesperadamente como tinha surgido, deixando um rastro de perfume celestial e delicioso.
Surpreendentemente senti uma agradável integração entre aquela anja e o memorial de Cath. Aspirei o aroma no espaço que ela ocupara há alguns instantes e comecei a descida para a sala onde Leonora certamente estaria me esperando faminta.

- Pensei que tinha me esquecido... – disse ela ao perceber minha presença, já sentada no lugar  preparado por Angus.
- Jamais esqueço minhas convidadas, principalmente quando são tão bonitas como você.
- Você me acha bonita? – indagou a insegura adolescente que ela era.
- Nunca lhe disseram isso?
- Na verdade, não... Sempre implicaram com as minhas sardas. Odeio elas!
- Pois eu acho que elas lhe dão um ar de sensualidade, que vai acompanhá-la mesmo quando estiver em idade madura.
- Fala sério? – perguntou deslumbrada com o elogio.
Eu apenas sorri.
- Bem, vamos ao nosso almoço.
Estranhei a ausência do guardião quando encontrei Leonora, mas foi apenas pensar nele, para vê-lo surgir atrás de sua protegida. Provavelmente estava em conferência com sua amiguinha intrometida.

(continua...)


Oi! Mais um capítulo do nosso novo romance. Queria agradecer à presença da Nadja e da Léia nos comentários, sempre prestigiando o blog e incentivando as minhas criações, no caso agora, em conjunto com a Aline, minha parceira. Queria agradecer também a presença da Joicy, minha nova seguidora e dona do blog http://joicy-santos.blogspot.com.br/ , onde ela dá um grande incentivo aos novos autores.
Hoje vou deixar aqui o booktrailer que fiz para o livro O Corsário Apaixonado e o link no Facebook, onde a Léia, carinhosamente, criou uma página para esse romance. Vão até lá curtir(aqui) e deixar seus comentários.
Um grande beijo, meus queridos!!Até a próxima postagem!



sábado, 21 de abril de 2012

O Vampiro de Edimburgo - Capítulo IV

by Kodama e Fantin


Estava intrigada com o tal milionário Sinclair que eu conhecera no dia anterior. Reconheci nele o homem que eu havia visto com Dominic na Catedral, antes da festa. Naquele final de tarde, retornara ao apartamento, encontrando apenas Leonora, assistindo TV enquanto tentava resolver exercícios de matemática. Chateada percebi que o tempo para meu protegido passara mais rapidamente que para mim. Concentrei-me para rastreá-lo e o localizei dentro da Catedral de Edimburgo. Me teletransportei para lá, porque era o meio mais rápido e fácil de um anjo se locomover, sem usar as asas.
            Surpreendentemente, cheguei bem a tempo de vê-lo parado dentro da nave, olhando pensativo para o homem alto, vestindo um sobretudo negro com a gola erguida, deixando entrever apenas parte dos cabelos castanho-escuros e levemente anelados. Naquele momento, o estranho estava deixando o templo. Curiosa, segui-o e o vi entrar num luxuoso carro preto, guiado por um motorista muito estranho.
Ainda oculta, me aproximei. O ar parecia mais frio que o indicado nos termômetros da rua e tive a péssima sensação de ser observada por algo nas sombras. O estranho voltou a cabeça na direção da Igreja. Mesmo através da barreira do vidro, pude ver aqueles hipnóticos olhos e me senti como se uma descarga elétrica tivesse me atingido. Fiquei paralisada  por um momento, sem saber que atitude tomar, enquanto o carro se afastava. Tudo o que conseguia ver a  minha frente eram aqueles olhos, verdes e misteriosos, com um brilho de infinita tristeza. Seria ele uma ameaça ao meu protegido? Ele faria parte da missão especial de Dominic? Tantas perguntas e nenhuma resposta satisfatória... Decidi não perturbar Dom em suas orações e fui esperá-lo em sua casa.
Qual não foi minha surpresa, quando chegamos na festa organizada pelo banqueiro, sobre o qual Dom estava escrevendo um artigo, e descobri que ele era o mesmo homem  que eu vira na Catedral.
Sinclair tornara-se um desafio para mim. Apesar de ele tentar disfarçar o poder que tinha de me ver, percebi que ele se divertia diante da minha surpresa ao reconhecer o fato.
Seu olhar me dava calafrios. Ou eu deixara de ser anjo ou os humanos estavam descobrindo seus talentos ocultos, algo que deveria ocorrer em um futuro muito distante. Outro acontecimento colaborou para me deixar ainda mais confusa a respeito desse homem.  Durante a recepção, após inúmeros pedidos de seus convidados, ele brindou a todos com uma curta apresentação. Acompanhado pelo quarteto de cordas que lá  estava, cantou uma linda canção chamada Con Te Partiró. Não posso negar que me senti literalmente nos céus ao ouvi-lo. Algo inacreditável vindo de alguém como ele, o que o tornava ainda mais misterioso.  Não era à toa que Dominic e Leonora estavam encantados com Sinclair;  considerando que até um anjo como eu ficara boquiaberta ouvindo aquela voz...
Jardim do encontro entre os anjos

Deixei os irmãos MacTrevor, ocupados com o desjejum, resolvida a chamar Natanael, o guardião de Leonora, e Yesalel, minha predecessora, para uma reunião de emergência, sem autorização superior. Teletransportei-me para o local do encontro e os chamei telepaticamente. O lugar estava deserto. Parecia um dos inúmeros jardins encontrados no interior dos antigos mosteiros erguidos pelos humanos na Idade Média. Bancos de pedra espalhados entre as árvores e arbustos repletos de flores brancas que exalavam um doce aroma. Este era um dos ambientes intermediários normalmente escolhidos pelos seres celestiais para suas reuniões de lazer ou de “negócios”. Eles pareciam mais agradáveis aos sentidos do que simplesmente a brancura monótona que inundava nossa dimensão.
Natanael surgiu em sua forma mais dramática, encarnando um legítimo cavaleiro do apocalipse. Armadura, asas expostas e espada em punho. Se não fosse tão engraçado, eu tremeria de medo. Mais discreta, surgiu Yesalel, em trajes brancos e vaporosos, face doce, cabelos louros e cacheados, como a maioria das representações feitas pelos humanos em suas obras de arte.
- Ora, ora, se não é Ariel, a rebelde... – foi logo me saudando Natanael.
- Ora, ora, se não é Natanael, o metrossexual dos céus... – redargui com a mesma ironia recebida.
Com uma carranca de meter medo em qualquer demônio, Natanael se aproximou me apontado a espada. Eu estava sentada em um dos bancos e lá fiquei encarando aquela espada muito polida e brilhante a poucos centímetros de meu nariz angelical.
- O que você quer, Ariel?! Não podemos ficar aqui de papo furado com uma encrenqueira como você. Desembucha! – ordenou ele. Em silêncio, Yesalel aproximou-se e o fez afastar a espada, que já estava me deixando nervosa, embora eu jamais fosse admitir tal fato.
Resolvi ir direto ao assunto, afinal eu também não tinha tempo a perder.
- Quero saber todas as informações que puderem me dar a respeito de Dominic MacTrevor – disse olhando agradecida para Yesalel e desafiadora para Natanael.
- Não entendo por que me chamou – argumentou ele com desdém – Minha protegida é Leonora. O que diz respeito ao seu irmão não me compete.
- Não se faça de desentendido. É claro que você deve saber algo que explique as habilidades do irmão da sua tutelada.
- Como o quê, por exemplo? – perguntou com um sorrisinho sarcástico, enquanto Yesalel permanecia como se a conversa não tivesse nada a ver com ela.
 – Por que meu novo tutelado tem uma pasta vermelha, pode me enxergar e falar comigo e em que tipo de confusão está envolvido? – disparei.
- Por que não pergunta a Yesalel? – questionou Natanael, que pareceu repentinamente lembrar-se da presença da protetora anterior de Dominic.
Devolvi o olhar arrogante do anjo.
- Estou perguntando aos dois.
Como Yesalel permanecesse quieta, Natanael tomou a dianteira e respondeu:
- Você deve ter recebido a pasta dele com todas as informações. Não sabe ler? Posso lhe dar algumas aulas, anjinho...
- Engraçadinho... É claro que li a pasta, mas ali só encontrei informações muito vagas... Mas se você, que vive na cola de Leonora por um bom tempo e não sabe de nada interessante, está dispensado – falei em tom de total desprezo e pena.
Tocado em seus brios de anjo guardião, ele não resistiu e começou a soltar o verbo.
- Para começar os MacTrevor descendem de uma antiga linhagem de escoceses que moravam nas Highlands.
- E?...
- Em torno do século XI, os MacTrevor acolheram os sobreviventes de um clã que foi atacado por uma horda de demônios, às margens do Rio Clyde. Poucos sabem sobre esse detalhe da história... Você sabe qual era o nome desse clã? – Notando meu ar de enfado, após alguns segundos de suspense, terminou por revelar. – Sinclair.
Tentei disfarçar minha surpresa, mas ele já tinha notado e sorriu com ar de superioridade.
- Então... Eles podem ser parentes?
- Ariel... Talvez haja algum motivo para não terem lhe dado informações tão básicas a respeito do seu protegido. O que você andou aprontando, docinho? – comentou Natanael.
Tive que engolir a provocação, afinal, ele realmente parecia ter mais informações que eu.
- A pasta que recebi tinha a ficha completa de Dominic, mas acho que algumas informações foram sonegadas e gostaria de saber o porquê. Agora você me diz que Sinclair pertence a um clã que se uniu aos MacTrevor no passado. Mas qual o significado disso?
- Você está supondo isso... Olha, Ariel...Se sua pasta não está tão completa a respeito dele, deveria falar diretamente com o chefe.
Suspirei, entregando os pontos. Até nos céus existem segredos..., pensei.
- Tudo bem. Recebi uma pasta que falava sobre uma pessoa comum  e conheci um homem com poderes raros nos humanos. O nosso chefe não parece muito disposto a me ajudar. Estou perdida e tenho que saber o que está acontecendo para poder fazer bem o meu trabalho. Posso ser rebelde e encrenqueira, como você diz, mas quero o bem para meu protegido. Quero ser capaz de cumprir corretamente minha missão, e não poderei fazer isso sem saber o que vocês sabem. Sendo assim, podem me ajudar? Por favor? – Acho que meu tom de voz absurdamente carente deve ter ajudado, porque os protetores assumiram as formas humanas, que usávamos para nos misturar, e se aproximaram. Finalmente Yesalel parecia disposta a entrar na conversa.
            Em alguns minutos, me inteiraram dos fatos sobre a família MacTrevor. Assim, fiquei sabendo que aqueles dois eram guardiões dos MacTrevor há mais de trezentos anos e que a família era protegida com especial atenção porque algum membro dela seria o escolhido para cumprir uma missão divina. Infelizmente,  eles  desconheciam que tipo de missão era essa e quem era o escolhido. Acabaram por declarar que a minha missão era proteger o meu MacTrevor das forças malignas que tentavam descobrir o escolhido e eliminá-lo. Entretanto, ninguém soube me dizer por que minha pasta tinha informações tão medíocres e porque, afinal, o chefe não me dissera nada relevante sobre aquilo.
            Com um tapinha consolador em minhas costas, Natanael partiu, imediatamente seguido por Yesalel.
            Eu ainda tentava digerir todas as informações quando ouvi um chamado dissimulado bem às minhas costas. Voltei-me. Em meio às brumas e efeitos metamórficos que às vezes usamos para permanecer camuflados, uma mão fez sinal para que eu me aproximasse. Assim que adentrei àquela névoa sobrenatural, pude observar minha companhia oculta. Era Yesalel.
- Por que estamos nos escondendo?! – perguntei.
- Como lhe falamos há pouco, existem forças malignas rondando Dominic e Leonora. Até sabermos exatamente porque e como elas se manifestarão, precisamos ter cuidado...  Ariel, preciso muito falar com você...
 - Por isso pedi essa reunião com você e Natanael, na qual você parecia completamente apática – falei irritada – Por que você foi afastada do caso Dominic, de verdade? – perguntei sem rodeios.
- Ele já lhe disse. – respondeu dando de ombros. – Nos apaixonamos. E meu julgamento pode ter sido ligeiramente afetado por isso. Assim, acho que você foi escolhida por ser exatamente o meu oposto. Eu sou loira, você é morena... Sou baixa, você é alta... Sou obsessiva com meu trabalho e você...
- Ei! Não somos tão diferentes assim nesse aspecto, sabia?! – ambas rimos, quebrando o gelo.
- Ariel, andei fazendo minhas próprias investigações sobre o caso MacTrevor. E com toda essa conversa sobre o defeito insanável da curiosidade e etecetera... Bem, o fato é que penso que Dominic é o escolhido.
- Se ele é o escolhido, estão está correndo perigo simplesmente por existir.
- Exatamente! Por isso não posso abandoná-lo. Tenho uma proposta...
- Qual?
- Vamos trabalhar juntas nesse caso. Você agindo normalmente, como se não soubesse de nada, e eu repassando as informações que conseguir levantar extraoficialmente.
- Ah, claro... E nos intervalos, você e Dom  se encontram para conversas extraoficiais sem monitoramento. – disse brincando.
- Sabia que eu sempre gostei de você?! – riu e me estendeu a mão para selarmos nosso pacto.  Aceitei prontamente sua ajuda. Afinal, sou uma rebelde e ir contra o sistema é meu passatempo favorito.

Os dias se passaram e, durante uma conversa com Dominic a respeito de como ele conhecera aquele estranho homem, Kyle Sinclair, soube que, aparentemente, tudo surgira com uma aposta inocente entre colegas de trabalho. Entretanto, eu desconfiava que forças obscuras se escondessem por trás desta simples casualidade.
- Não entendo por que você está tão preocupada com Kyle Sinclair. Parece Yesalel... Ele nada mais é do que um banqueiro excêntrico, que faz tipo para assustar seus concorrentes e se diverte impondo respeito aos que o cercam. – comentou Dominic.
- Você quer dizer medo e não respeito. Ele tem um humor muito estranho que me dá arrepios – argumentei.
- Pois eu gosto do jeito dele. Na verdade eu gostaria de ser como ele, principalmente em relação às mulheres. – brincou.
- Espero que Yesalel não esteja nos ouvindo... – falei rindo e olhando para os lados.
Ele gargalhou.
- Ela sabe que eu não sou o que costumam chamar de conquistador. Além do mais, não tenho interesse por nenhuma outra mulher... ou anjo..., que não seja ela – disse mostrando novamente sua expressão mais tristonha.
- Sinto muito por vocês dois. Se pudesse ajudar... Infelizmente, não posso ir contra os desígnios lá de cima... Apesar de às vezes considerá-los excessivamente rígidos... – Não sei bem por qual motivo meu pensamento foi para a bela e circunspecta face de Kyle.
- Eu sei, Ariel, e agradeço por sua preocupação conosco.
- Dom... Onde está seu pai? – perguntei surpreendendo-o.
- Por que esta pergunta agora?
- Lembrei que você me contou que ele disse que você era especial, bem como alguns outros membros de sua família, por algum motivo...
Seu rosto tornou-se sombrio.
- Meu pai está desaparecido há alguns meses. Ele é pastor.  Desde que minha mãe faleceu há dois anos, me deixou a  responsabilidade de cuidar de Leonora e saiu para trabalhar fora da Escócia. A última notícia que tivemos dele foi que estava na África, defendendo sua missão e seus protegidos contra os desmandos de um temível ditador. Isto foi há cerca de três meses.
- Desaparecido? Sabe quem é o anjo dele?
- Não... Ele nunca teve um anjo protetor...
- Como não? Todos têm um...
- Uma vez eu criei coragem e perguntei sobre seu guardião e ele não pareceu muito satisfeito com minha pergunta e mudou de assunto. Nunca mais voltei a falar sobre isso.
- Muito estranho... Talvez você não pudesse vê-lo...
- Não sei.
- Bem... Me fala mais sobre Sinclair.
O rosto de Dominic se iluminou com minha demonstração de  interesse por seu objeto de reportagem e suposto amigo. Logo abriu seu laptop e passou a me mostrar a sua pesquisa sobre Sinclair, com reportagens antigas, as raríssimas fotos e relatos de pessoas do seu círculo social, amigas ou não. Aparentemente, ele não sabia nada a respeito de uma possível ligação de seus clãs no passado longínquo.
Dominic parecia totalmente fascinado por esse Sinclair. Até Leonora, que deveria estar sonhando acordada com algum ídolo adolescente como Robert Pattinson, parecia estar encantada por ele.
Isso não cheirava bem, definitivamente. Pude perceber  naquela noite do recital que Sinclair era um homem muito diferente. Não deixava transparecer nenhum sinal de medo, ou mesmo de qualquer outro sentimento humano comum. De seu corpo soberbo exalava apenas luxúria. Era um ser que vivia para satisfazer-se, sem se importar, aparentemente, com as consequências de seus atos. Isso me assustava, bem como a sua capacidade de poder me ver.
O fato de Dominic ter o dom de me enxergar e tocar, eu até podia entender, após um grande esforço interpretativo. Contudo, Sinclair... Por que, afinal, aquele homem ameaçador podia me ver? Por que agia como se não temesse a hora do juízo final, na qual teria que justificar todos os seus atos terrenos? Por que colecionava mulheres como objetos de decoração e as usava sem remorso e sem acusações, sendo adorado por todas, sem exceções? Por que cantava como um anjo? E, principalmente, por que eu tinha a sensação de que ele não era quem aparentava ser? Ai, Jesus! Precisava urgentemente de conselhos. Mas Sam estava fora de cogitação. Dominic, idem. Então, só me restava os superiores.
Interior da catedral

Determinada, me teletransportei para a Catedral de Edimburgo a fim de fazer algumas preces. A noite estava fria; um vento gelado prenunciava a neve que logo cairia. Dentro da Igreja, tudo era silêncio. Um cheiro familiar e agradável de incenso e parafina das velas me acolheu, acalmando-me imediatamente.
A calma foi breve, entretanto. Cinco minutos depois da minha chegada, senti uma presença sombria naquele ambiente sagrado. Não estava em minha forma humana, mas sabia que poderia ser facilmente vista pelo recém-chegado. Kyle Sinclair.
Ele adentrou a nave, soturno, por uma porta lateral, com passos silenciosos, que não o denunciaria aos ouvidos humanos. Apenas a força da energia que dele emanava foi responsável por eu percebê-lo. Fiquei imóvel, enquanto ele se aproximava.
Sem uma palavra, Kyle avançou lentamente em minha direção, no centro da igreja, antiga e vazia. Pensei ter visto, por mínimo instante, um quê de surpresa em seus olhos. Imediatamente eles estavam fixos sobre mim. Senti como se estivesse presa em uma corrente invisível de força, incapaz de fugir, incapaz de pensar, totalmente a mercê de sua inescrutável vontade.
Estranhamente, não sentia medo. Sentia, sim, uma imensa necessidade de conhecê-lo; saber quem era ele de verdade. Com certeza foram meus olhos que lhe deram a pista. Com um sorriso de escárnio, ele se aproximou até estar tão perto que eu poderia tocá-lo, se tivesse forças para isso.
Meus braços pareciam pesar uma tonelada, minha mente começou a ficar confusa. Tinha diante de mim aqueles brilhantes olhos verdes que deixavam entrever uma mistura de tristeza, pena e ... desejo?!
Ele não falou. Apenas me fitou com os olhos dardejantes e tocou minha face. Um toque suave como o veludo, breve como uma brisa de verão. A mão grande e máscula era fria. Não apenas fria, mas gelada. As pontas daqueles dedos de pele macia roçaram minha face por um segundo, que pareceu eterno. Então, tão silenciosa quanto misteriosamente chegou, ele se foi.
Assim, como uma nuvem de fumaça, simplesmente desapareceu. Senti meu corpo todo tremer, invadido pelo frio do toque de seus dedos. A paz da Catedral também se fora. Restara apenas o silêncio. Silêncio que poucos minutos depois foi rompido pelo bater de asas de Natanael.
- O que está fazendo aqui? – perguntei surpresa.
- Vim conversar com você – respondeu ele com uma estranha seriedade.
- A respeito de?... – redargui irônica.
- É sobre este Sinclair.
- Quem? – continuei sarcástica.
- Não se faça de boba. Este sujeito que acabou de sair daqui e a deixou, digamos... agitada.
- Não sei sobre o que está falando. – Eu adorava irritar esse tipo de anjo presunçoso.
- Só vou dizer uma coisa para que a guarde bem nesta sua cabecinha de vento. Sinclair não é o que parece.  Dominic  pode estar correndo perigo. Se eu fosse você, ou manteria distância dele ou tentava dar um jeito de acabar com ele, antes que o mal seja feito.
- Como assim? O que está querendo me dizer?
- É só uma dica, meu bem. Cuidado com ele... Ou Dominic e você poderão se encontrar com o Criador muito antes do tempo, assim... num estalar de dedos – alertou estalando os dedos e sumindo no ar com um diabólico (o Senhor que me perdoe por estes termos, mas foi o que pensei na hora) esgar nos lábios que gelou minha alma.
Fiquei imaginando qual o intuito de Natanael em aparecer à minha frente, àquela hora, revelando que estava me espionando, para dar aquele conselho atemorizante. Esta teria sido a maneira dele de tentar proteger Leonora? Talvez quisesse minha ajuda, mas não queria dar o braço a torcer?... Ou ele queria apenas amedrontar-me-?... De qualquer maneira apenas me deixara mais curiosa e também mais cuidadosa quanto ao terreno onde estaria pisando dali para frente.

(continua...)


Oi!! O mistério continua... Espero que estejam gostando. Deixem seus comentários. Ele é importante para nós, Aline e eu.
Gostaríamos de agradecer a Léia, por seu comentário e pela maratona para terminar de ler o Corsário...rsrsrs  (muito obrigada, querida!), a Vanessa e a Cris. Voces são uns amores!
Espero voltar na próxima sexta, com mais um capítulo do nosso O Vampiro de Edimburgo.
Desejo a todos um ótimo dia 21 de Abril e que o sacrifício de Tiradentes seja lembrado, principalmente por nossos governantes.
Um grande e carinhoso beijo a todos que acompanham esse pedacinho de romance que é o blog Romances ao Vento!


sábado, 14 de abril de 2012

O Vampiro de Edimburgo

    by Kodama e Fantin


Final do Capítulo II

Desde que decidi fazer a reportagem sobre esse homem, amado pelos artistas e pelas mulheres e temido no mundo dos negócios, percebi que seus mistérios eram mais profundos do que eu imaginara. Ele não era apenas mais um playboy internacional cheio da grana e cercado por lindas mulheres. O mesmo banqueiro implacável que acumulava riquezas, também mantinha várias obras sociais e possuía um inusitado gosto pela música e, segundo aqueles que já tinham participado de suas famosas reuniões no castelo onde morava, era um barítono de voz angelical. Além destas ambivalências, sua vida pessoal era cercada por mistérios. De família muito antiga, era o filho único e herdeiro de uma imensurável fortuna. Apesar de todo o dinheiro que dispunha preferia continuar morando no secular castelo de sua família, localizado a trinta quilômetros do centro. Não era casado ou pelo menos ninguém tinha conhecimento da existência de uma senhora Sinclair, viva ou morta. Aparentava cerca de 35 anos, alto, com quase dois metros de altura, considerado muito atraente pelo sexo feminino. Seus olhos verdes, frios e penetrantes, aterrorizavam até grandes magnatas nos bancos e empresas, ao mesmo tempo em que faziam as mulheres se derreterem por ele. Se eu aprendesse como fazia isso, já teria valido a pena minha permanência ao seu lado. Apesar da fama de conquistador, jamais se ouvira nenhuma de suas conquistadas levantar a voz para falar mal dele. Por incrível que pareça, todas só tinham elogios a fazer sobre Sinclair e jamais revelavam as intimidades de seus encontros. Por sua vez, ele pouco circulava na noite de Edimburgo, apesar dos inúmeros convites, inclusive da realeza do Reino Unido, mantendo-se parcialmente isolado em sua residência. Em vista de seu gosto por óperas e apresentações de música erudita, os teatros eram os lugares mais frequentados por ele e onde acabava por se entrosar com a high society local. Aparentemente tinha poucos amigos íntimos ou nenhum. As viagens internacionais, que por ventura realizava, eram em geral a negócios.  Com o passar do tempo,  passei a admirá-lo e, o que deveria ser uma reportagem para a coluna de fofocas do jornal, deixou de ser importante. Eu ainda não sabia o que essa intrigante amizade significava, mas sentia que algo me atraia em Sinclair e, curiosamente, acreditava que ele sentia da mesma forma.

                          Capítulo III

Catedral de Edimburgo

Não estava certo a respeito do que me levara a entrar naquele lugar. Nada ali tinha algum significado ou fazia parte de minha vida. Num passado remotíssimo, talvez... Mas não agora.  A paz que reinava naquela nave, o silêncio das imagens de faces caridosas e resignadas, a beleza dos vitrais coloridos  mostrando imagens de mártires e santos, a pureza sugerida nos contornos das bochechas coradas dos querubins, estátuas feitas pelos homens para glorificar seu Criador... Nosso Criador... Olhei em volta e vi uns poucos coitados tementes a Ele, rogando por suas pobres existências, jogando preces aos céus em busca de alívio para seus tormentos, buscando uma saída de sua indigência física ou emocional... Ou ambas...
Antes que rodasse sobre meus calcanhares e me encaminhasse para a saída, o ranger das enferrujadas dobradiças da pesada porta de madeira da catedral de Edimburgo, invadiu o ar, interrompendo por instantes a calma sepulcral. Não olhei para trás, pois já sabia quem era o próximo e solitário visitante que se reuniria às almas ali presentes. De pé, imóvel, aguardei que ele se aproximasse de mim. Podia sentir o calor e o som de seu coração bombeando o inestimável fluído vermelho em suas cavidades, percorrendo artérias e veias, irrigando todo o seu corpo. Também era possível sentir uma aura de tristeza em torno dele, o que era raro em meu novo amigo.
- O que houve? – perguntei quando o senti às minhas costas, surpreendendo-o.
- Estou curioso para saber o que o trouxe até aqui. Nunca soube que fosse adepto de alguma religião.
- Sou agnóstico. O que me atrai em lugares como esse é o silêncio. Pode-se raciocinar melhor aqui que em qualquer outro local.
- Tem razão... – concordou Dominic, estranho e momentaneamente distante – Mas o que aconteceu para exigir tanta concentração? Algum problema?
Ele costumava ser um jovem alegre e espirituoso. Nunca o sentira triste como hoje. O que teria acontecido?
- Está sozinho? – percebi a ausência de sua etérea acompanhante.
- O quê? – inquiriu confuso.
- Brigou com a namorada? Foi isto que quis dizer... – insinuei.
- Por que pergunta isso?
- Você está tristonho... Nunca o tinha visto assim.
- Não sabia que era tão sensível a este ponto – respondeu amargurado.
- Não respondeu a minha pergunta.
- O repórter aqui sou eu – ousou dizer timidamente.
- Eu posso proibi-lo de me perseguir.
- Eu não o persigo.
- Por que está aqui, então?
- Esta foi a minha pergunta para o senhor no início deste jogo de palavras.
Ri com ironia do meu pobre amigo jornalista e dei por fim nosso breve encontro.
- Até mais, Dominic.
Olhei para ele compreensivo. Eu sabia o que era solidão e era isso que Dominic sentia naquele momento. Podia imaginar qual a razão, mas não estava interessado nela. Virei em direção aos portões de madeira ricamente trabalhados e carcomidos pelo tempo. Sem que ele ousasse me perguntar algo mais, saí em passos lentos e silenciosos, não menos infeliz do que quando entrei. O que eu esperava, afinal? Um milagre? Não acreditava mais neles.
Na rua em frente, o fiel Angus me aguardava ao lado do Mercedes negro.
Uma corrente de ar gelado atravessou o pátio e cravou-se sobre meus ombros com uma estranha familiaridade. Um vulto escondeu-se entre as sombras dos edifícios. Neguei sua presença. Era o melhor a fazer. John Knox permanecia em sua pose congelada, indiferente ao frio, ao coco dos pombos, que o visitavam em épocas mais quentes, e aos turistas vândalos que deixavam suas marcas em seu pedestal. Lancei um olhar para o alto e vi apenas a torre da igreja e os telhados de alguns prédios próximos, fincados no céu denso, carregado de nuvens escuras e frias, abandonadas precocemente pelo sol. Eram apenas cinco horas da tarde na capital escocesa, mas a noite invernal já tomara conta das ruas e dos sinistros prédios medievais da Royal Mile.
Royal Mile

Angus abriu a porta do carro. Pareceu-me apreensivo. Provavelmente captara a presença indesejada por perto.
- Senhor... – reverenciou-me.
- Obrigado, Angus.
Entrei e, sem que precisasse ordenar, ele tomou seu lugar à direção e seguiu para o Castelo de Malachy.
Castelo de Malachy


Os convidados daquela noite começaram a chegar. Finas iguarias e taças de espumante passaram a ser servidas. Enquanto alguns “habitués” conversavam e riam entre si, outros, vindos pela primeira vez, olhavam assombrados com a beleza da arquitetura gótica registrada nas paredes, teto e vitrais da mansão. Comentavam a sobriedade da decoração pouco adequada à morada de uma pessoa jovem como eu. Mal sabiam eles o quanto tudo aquilo tinha a ver com meu passado e modo de viver.
Em meio a este “teatro”, com o qual me deliciava observando as expressões e interpretações de meus “amigos”, chegou a senhorita Elisabeth Donovan, atraindo a atenção da maioria dos homens presentes. Aguardava sua aproximação, apreciando o seu “catwalk” e o vaivém de seus quadris, quando outra visão chamou minha atenção. Dominic acabara de chegar. Viera acompanhado por uma jovem e dois guardiões desconhecidos. Dos quatro, foi a garota, uma adolescente, que despertou meu interesse. Seus cabelos ruivos e os incríveis olhos azuis claros lembravam muito a minha Cath. Sua semelhança era impressionante. O olhar vivaz e o modo atrevido com que invadiu o recinto quase me deixaram sem fôlego. Pedi licença a Elisabeth e avancei na direção de meu amigo.
- Boa noite, jovem Dominic. Vejo que veio acompanhado – observei sem tirar os olhos da jovem.
- Boa noite, senhor Sinclair. Achei que não teria problema se trouxesse minha irmã, Leonora, para apreciar um pouco de música. Na verdade, ela insistiu muito. Devo dizer que ela sabe ser bastante persuasiva quando quer – disse fulminando a garota com censura.
- Meu caro Dominic, em primeiro lugar, já pedi que não me chame de senhor. Afinal somos amigos, não? Em segundo lugar, é uma honra e um prazer conhecer uma jovem tão bela e sedutora como sua irmã.
Minha última observação originou duas reações imediatas. Uma, vinda de Dominic, que envolveu seu braço protetor em torno dos ombros de Leonora, no que foi repelido instantaneamente. De outro lado, fui alvejado por olhares raivosos emitidos pelos outros seres ao lado do casal. Só então prestei atenção à guardiã. Alta, longos cabelos negros ondeados, que caíam em cascata até sua cintura e dona de brilhantes e ameaçadores olhos castanho-claros,  que, no momento, pareciam emitir chamas de fogo em minha direção. Não consegui deixar de olhar para ela e divertir-me com sua expressão. Ao sorrir, fui descoberto. Vi no olhar horrorizado da bela guardiã que ela percebera a minha habilidade em poder enxergá-la. Imediatamente, voltei-me para Leonora e Dominic, e continuei a conversar naturalmente, imaginando se em algum momento no passado a família de Dominic tinha se unido ao clã dos Sinclair. Era a única explicação para a semelhança de Leonora com Cath.
- Não precisa ter medo – falei dirigindo-me a Dominic – Não sou o Lobo Mau e tenho certeza que sua irmã não é a Chapeuzinho Vermelho.
A gargalhada estridente que saiu daquela adorável garganta foi minha primeira decepção com Leonora. Certamente sua risada não lembrava nem de perto a de Cath. Não consegui disfarçar minha decepção.
- Fiquem à vontade, por favor – disse fazendo uma breve reverência e lançando um novo olhar à guardiã, que ainda me fitava assustada.
Deixei-os e voltei para a companhia de Elisabeth, que já demonstrava sua insatisfação, destratando o garçom que lhe oferecia um canapé. Assim que cheguei ao seu lado, abriu um alvo sorriso e falou aliviada:
- Pensei que ia perder você para aquela adolescente. Não sabia que gostava de menininhas. – sugeriu maldosamente sexy.
- Você é uma menina, Elisabeth. Uma menina má e muito sensual... – disse, originando uma deliciosa covinha do lado direito da boca da mulher, demonstrando que lhe agradara minha insinuação.
- Não sei se posso levar isso como um galanteio ou como um desabono a minha pessoa... – indagou.
- Certamente como a primeira opção, minha cara.
Ela teria a oportunidade de provar o que eu dissera dentro de poucas horas, apesar de meu interesse ser apenas por uma questão de sobrevivência. Durante o coquetel e a apresentação do quarteto de cordas não conseguia deixar de olhar a bela Leonora, mas nas poucas vezes que iniciei algum tipo de diálogo com ela, a decepção era inevitável. Apesar disso, havia uma chance de ao menos eu tê-la em meus braços, de boca fechada, e imaginar que ela era minha Cath, mais uma vez. Isso se eu conseguisse ultrapassar a barreira de defensores que a acompanhavam incansáveis: seu anjo da guarda emplumado, Dominic e sua nova guardiã. Esta última, então, não se cansava de me fuzilar com seu olhar intrigado e desconfiado. Eles foram os últimos, ou melhor, os penúltimos, a sair da audição, o que resultou em um certo alívio, pois já não suportava ter que dividir minha atenção entre Leonora e minha escolhida da noite.
Tornara-me um amante hábil e sedento ao longo dos anos, que, apesar de não cultivar grandes delicadezas no ato, proporcionava grande prazer a minhas companheiras, que entre gemidos, gritavam ansiosas por mais. Vê-las assim submissas satisfazia meu lado mais escuro. O prazer da dominação e da posse sobrepujava o prazer sexual. Isso era o que me restava. Pelo menos me fora oferecido o dom de fazê-las esquecer o final destas noites, o que garantia a elas a lembrança do êxtase, ocultando o meu verdadeiro intento.
Enquanto via Elisabeth retorcer-se em meus braços, pensava em Cath, a quem possuíra uma única vez e que me dera amor e prazer suficientes para manter-me vivo, ligado àquela saudade.
- Kyle! Não me torture mais... Sou sua! Me possua agora! – gritava Elisabeth, arrancando-me de minhas lembranças dos dias em que possuía uma alma.
Introduzi-me na mulher sem piedade, com força, arrancando-lhe mais gritos e exigências, levando-a a múltiplos orgasmos. Enquanto ela resfolegava sob meu corpo, arqueando-se em meio a espasmos e palavras de desejo, acariciei seu belo colo, afastando seus cabelos castanhos revoltos, deixando a vista a jugular pulsante e túrgida. Senti a dor do crescimento dos caninos e a fome súbita tomar conta de meu ser. Curvei-me sobre ela, sedento e ataquei a pele alva e imaculada, cravando as pontas afiadas dos dentes e sugando-lhe o líquido precioso para minha triste existência.
Incontáveis vezes pensara em desistir de tudo, parando de me alimentar, acabando com minha miserável sina. Porém, o instinto de sobrevivência do animal em que estava transformado falava mais alto. Por muito tempo o desejo de vingança fora o grande responsável por impedir minhas motivações suicidas, mas com o passar do tempo este mote extinguira-se quase que completamente.
Exausta, minha fonte parou de contrair-se e relaxou em meus braços, sonolenta e fraca. Lambi seus ferimentos perfeitamente circulares, provocando uma imediata cicatrização, e disse algumas palavras hipnóticas. Quando acordasse, lembraria apenas da noite de prazer concedida por um amante experiente e generoso. Nada do monstro que a atacara sem dó.


(continua...)

Voltamos! Gostaram do nosso vampiro? Ele é meio torturadinho, mas isso não tira o charme dele, não acham? Já conseguiram visualizar o rapaz? Vou deixar duas fotinhos para que possam visualizar nossos heróis.
Adorei os comentários e agradeço do fundo do coração pelas palavras ditas a respeito do final de O Corsário Apaixonado e pelas boas vindas ao Vampiro de Edimburgo.  
Falando em O Corsário ..., andei recebendo novas sugestões de capas da minha amiga e nova parceira na divulgação do meu trabalho, a Carolina Lopes, do blog  Cantinho da Carolina http://cantinhocarolina.blogspot.com/, e gostaria de fazer uma nova enquete para definir o mais breve possível a capa definitiva para o livro. Acabei de fazer a revisão e a edição do romance e só falta escolher a capa. Como iniciei essa pesquisa e realmente desejo que os meus leitores participem dessa escolha, colocarei ainda esta semana as novas fotos concorrendo com a escolhida na primeira enquete. Ao verem as novas opções, creio que voces entenderão a minha dúvida...rsrsrs.
Aqui estão as fotos de Dominic e do Kyle Sinclair para que as meninas olhem e desfrutem com moderação.
Dominic MacTrevor

Kyle Sinclair

Beijos e até a próxima postagem!

domingo, 8 de abril de 2012

NOVO ROMANCE!!

Como havia prometido, iniciamos hoje a postagem de um novo romance. IniciamOS , porque é um romance feito a quatro mãos, por mim e por minha querida Aline Kodama. Estamos com esse projeto engavetado há cerca de um ano e finalmente resolvemos dar vida a ele.
Considerem esse como o nosso presente de Páscoa. O nome original era O Anjo e o Vampiro, mas como ocorreram algumas mudanças no texto, decidi mudar para O VAMPIRO DE EDIMBURGO. Às amigas leitoras, que são fãs, assim como a Aline e eu, de um certo ator escoces, já podem colocar sua imaginação a funcionar, pois o personagem principal deste romance é ele mesmo...rsrsrs. Para que possam conhecer um pouquinho mais da história, vou colocar uma parte do segundo capítulo.
Bem, vou deixar de trololó e começar a postagem.
FELIZ PÁSCOA A TODOS!!!

O VAMPIRO DE EDIMBURGO
(Romance de Aline Kodama e Rosane Fantin)


Moro entre os mortos
Entre a paz e o suplício
Entre a dor e a solidão.
Sou o corvo dos cemitérios
Sou a erva dos túmulos
Sou a lápide de pedra...
               
                          (Trecho da poesia Anjo Caído, de autoria de Aline Kodama)

                               


Capítulo I

Naquela manhã de quarta-feira, cheguei à Central dos Guardiões Celestiais como em todas as manhãs. Com sono e de péssimo humor, ouvi a voz de meu chefe, telepaticamente me chamando assim que entrei no complexo. Então, agarrando meu copo de kafo matinal,  segui até a sala dele.

Central do Guardiões Celestiais

            Não pensem vocês que vida de anjo é fácil... Não! Nossa vida é bem desgastante, por causa de todos os humanos idiotas que temos de proteger e todas as broncas que levamos se algo sai errado. Não somos infalíveis, infelizmente. Naquele mês, pelo calendário da Terra, eu já havia levado quatro broncas e ainda era apenas dia 15. Então, meu mau humor era justificado. Sem contar que nos últimos cem anos eu só havia recebido péssimas missões e obtido péssimos resultados, então eu não era uma pessoa particularmente bem vista no departamento. Às vezes me perguntava como chegara a ser convocada como anjo da guarda. Talvez eu não tivesse talento para a coisa.
            Caminhei devagar até a sala do Chefe do Departamento, ou apenas Sam, como nós, seus subalternos, o chamávamos. Infelizmente, ele já me esperava com a expressão que comumente usava quando queria me passar uma descompostura. Estava lá, sentado em sua enorme cadeira de encosto alto, parecendo ainda maior que o normal e me encarando sob as sobrancelhas cerradas. Antes de ser transferido para o nosso departamento, cujo motivo era desconhecido por todos, ele fazia parte dos anjos guerreiros, a elite da guarda de Deus... Amedrontador para qualquer um, eu diria. Menos para mim, que já estava acostumada com a cara feia e as broncas dele. Assim, fiz o que me restava fazer, ou seja, me sentei na cadeira em frente à escrivaninha dele e tomei calmamente meu kafo aguardando seu discurso. Ele não me fez aguardar muito, de toda forma.
- Ariel... Vejo que teve tempo de passar na cantina e pegar um kafo. Engraçado, pensei que tinha deixado claro que meu chamado era urgente. – disse ele naquela voz grave de ex- anjo guerreiro.
- Bom dia prá você também, Sam – Ele sempre odiava quando eu fazia isso... – Desculpe não ter trazido um para o senhor... Estou aqui, não estou?! Podemos tratar do assunto urgente agora.
            Com um olhar avaliador e nem um pouco amigável, Sam tomou uma pasta vermelha que estava sobre as demais que mantinha em sua mesa e me passou. Fiquei interessada na hora, porque as pastas vermelhas eram sempre as mais cobiçadas do departamento. Abri esperando encontrar o nome de um rei, um cantor famoso ou um astro de Hollywood... Que nada! Aquele nome não me dizia nada. Nunca tinha ouvido falar nele, então devia ser um humano absolutamente comum... Encarei Sam decepcionada.
- Dominic MacTrevor. Quem é ele?! 
O resto da ficha dizia que era repórter, residia em Edimburgo e tinha um emprego medíocre de repórter free lancer para um jornaleco da imprensa marrom.
- Ele é sua mais nova missão. 
Sam estava novamente com aquele seu sorriso peculiar, que somente repuxava um lado da boca, enquanto o restante permanecia imóvel. Nem era um sorriso, tecnicamente falando, mas era o que ele emitia quando estava se divertindo com alguma coisa. No caso, a diversão era eu. Ou a minha cara de decepção... Sei lá.
- Ahn... E esse Dominic já não é protegido de alguém?! O que aconteceu com... – Procurei o nome do guardião dele na pasta – Yesalel?
- Informação confidencial.
- Sei... O que devo fazer? Alguma instrução especial? Ele está correndo algum perigo imediato ou é só mais um fracassado que vai tentar se matar na primeira oportunidade?
- Como a cor vermelha dessa pasta está dizendo, ele é um caso especial.
- Porque será que estou tendo um péssimo pressentimento sobre esse caso?! Olha, Sam, se você quer que eu me saia bem nessa missão, é melhor me contar o que espera de mim. Por que tenho que proteger esse cara?!
- Ariel, Ariel... – Wow, meu nome duas vezes não era um bom sinal. Engoli em seco, imaginando se havia passado dos limites. –  A paciência é a primeira virtude que um anjo guardião deve possuir. – ele continuou seu discurso. – E a curiosidade é um defeito indesejável. Todas as informações que você precisa estão na pasta de seu tutelado. Sugiro que leia o mais rápido que puder e desça à Edimburgo para cumprir sua missão. – ordenou-me, lançando um olhar que assustaria um santo – E Ariel... Sugiro que a cumpra satisfatoriamente, dessa vez. Pode ir.
            Assim dispensada, agarrei a pasta vermelha e saí  dali vagarosamente, embora minha vontade era correr o mais rápido possível sem usar as asas. Infelizmente, o efeito dramático de desdém que imaginei pode ter sido prejudicado pelo copo de kafo que derrubei sem querer ao me levantar...
            Fui direto ao jardim que cercava o complexo, e me sentei para ler com calma as informações de meu mais novo protegido. Que tédio! Dominic MacTrevor não era um caso digno de uma pasta vermelha. Assegurei-me de ler calmamente todas as informações e nenhuma delas me respondeu por que o protetor anterior deixou o caso ou porque Dominic necessitava de maior atenção. Filho de um pastor, tendo uma irmã mais nova, cresceu na parte pobre da cidade. Poderia ter sido um integrante de uma das gangues de rua, mas trabalhou desde cedo para seguir o sonho de ser repórter. Estudando à noite num curso de jornalismo. Economizando o salário que recebia como barman nos pubs da cidade, comprou uma câmera usada e saiu fotografando gente que não queria ser fotografada para vender aos tablóides da imprensa marrom. É. Talvez ele precisasse mesmo de ajuda. Sabendo tudo o havia para saber sobre Dominic MacTrevor, na manhã seguinte, mentalizei o apartamento dele, cujo endereço se encontrava na pasta e me teletransportei para lá.
         
Apareci bem no meio da sala do minúsculo apartamento, que ficava no terceiro andar de um “Fish and Chips” no centro da cidade. Surpreendentemente, o lugar estava bem arrumado. O apartamento era composto da sala conjugada com a cozinha, um banheiro e um quarto. Fui até lá procurar Dominic. Era muito cedo, ainda, no mundo humano. O sol nem tinha saído direito, portanto concluí que a forma que respirava sob as cobertas era meu protegido. Enquanto eu esperava que ele se levantasse – ... ...pois a paciência é a principal virtude de um guardião – a forma se mexeu e afastou as cobertas. Qual não foi minha surpresa ao constatar que aquele ser adormecido ali não era Dominic, mas uma garota que deveria ter, no máximo, dezesseis anos!
            Como guardiã não posso julgar meus tutelados, mas aquela garota tinha um ar de pura inocência, acentuado pelas sardas e cabelos vermelhos desalinhados, que me atingiu como um soco no estômago. Que m* esse Dominic pensava para dormir com uma garota tão jovem! Fiquei indignada! Já estava quase voltando para a Central dos Guardiões, para pedir explicações ao Sam, quando a porta da frente se abriu. Sem conter a curiosidade, o que era um defeito indesejado em um guardião, me dirigi à sala.
            Um rapaz, de aproximadamente trinta anos, acabava de pôr um pacote com pães fresquinhos, de um cheiro delicioso, sobre o pequeno balcão que separava a sala da cozinha, e tirava o sobretudo muito gasto. Os cabelos tinham o mesmo tom avermelhado da moça no quarto e o rosto também era pontilhado de sardas. Ele olhou diretamente para mim e sorriu. Seus olhos azuis eram claros e brilhantes e o sorriso formava covinhas encantadoras na face.
- Bom dia! Eu sou Dominc. Você é minha nova guardiã? – perguntou de chofre, me encarando. Por um instante a surpresa me calou. Afinal, os humanos não podem nos ver, como regra. Pelo jeito aquela regra não se aplicava à Dominic. – Qual é o seu nome? – continuou conversando como se estivesse totalmente habituado a receber visitas de estranhos em seu apartamento todos os dias. Limpei a garganta antes de responder e aceitar a cadeira que ele me oferecia.
- Ariel. Meu nome é Ariel.
- Que nome mais adequado... – sorriu melancólico.
            No meio dessa conversa surreal, a moça antes adormecida se levantou e se juntou a nós, com um sorriso bonito e um apetite comum aos adolescentes. Dominic a recebeu carinhosamente, sem deixá-la perceber que estava acompanhado.
- Bom dia, Leonora! É bom correr, pois sua aula começa dentro de meia hora. Lave-se e venha tomar seu café – disse em tom paternal.
- Bom dia, mano. Não ia comer nada, apenas tomar um café preto... Mas esse cheirinho de pão  quente...huummm  – disse depois de estalar um beijo na bochecha do irmão e sair direto para o banheiro do minúsculo apartamento.
- Mais tranquila? – perguntou acompanhando o movimento da jovem com um sorriso.
- Falou comigo? – rebati – Por que eu estaria mais tranquila?
- Notei a sua cara quando entrei. Aposto que já estava pensando mal de mim.
- Como adivinhou? – sorri diante da argúcia de meu protegido.
- Não esqueça que sou um repórter e sou mais observador do que aparento.
Nesse momento, Leonora voltou já vestida com jeans e camiseta, carregando um grosso casaco de lã, gorro e cachecol da mesma cor vermelha em um dos braços. Apoderou-se de dois pãezinhos e um grande copo de café já servido por Dom, como ela o chamava. O irmão sorriu. Havia uma imensa ternura em seus olhos enquanto a observava sorver seu café apressadamente  e quando ela se despediu dele com outro beijo estalado. Antes que saísse, pude observar o surgimento de seu acompanhante celestial, Natanael, por quem eu nutria certa antipatia.
- Então, Dominc... Por que sua guardiã teve de deixá-lo? – perguntei assim que a dupla anjo/protegida saíram, surpreendendo-o.
- Seus superiores não contaram a você?  – Uma tristonha expressão tomou conta dele – Acho que eles não aprovam o tipo de relacionamento que surgiu entre nós...
Bom, as surpresas não acabavam mais, mesmo. Um humano apaixonado por uma guardiã e, pior, correspondido! Isso estava ficando interessante.
- Bem, mas isso só responde parte de minhas dúvidas. Falando nisso, como é que você consegue me ver e falar comigo? – perguntei sem me conter. Ele riu. Já estava me sentindo muito confusa, então o riso não me insultou.
- E tocar... – disse ele pegando em meu braço para minha maior surpresa – Posso vê-los desde pequenos. – explicou ele voltando sua atenção para um pãozinho de aspecto apetitoso onde ele começou a passar uma camada generosa de manteiga – No início fiquei com medo, mas meu pai disse que isso era um raro dom que apenas poucos membros de nossa família apresentavam. Não estou em nenhuma encrenca – continuou –... Não que eu saiba. Parece que nossa família sempre foi bem quista pelos protetores, por isso às vezes um de nós apresenta este poder. É uma graça divina... – disse ele rindo, mostrando as simpáticas covinhas.
            Encrenca. Aquilo me soava como encrenca, das grandes. Um protegido que pertencia à categoria das pastas vermelhas, que se comunicava com seu guardião e cujo pai parecia entender perfeitamente o motivo. Um sininho de alarme soou na minha cabeça. Seria ele escolhido para alguma missão divina? Com certeza Dominic não era o fracassado que parecia quando se lia a ficha dele. Ele tinha uma bondade que transparecia em sua voz, em seu sorriso. Até o modo como comia o pãozinho com manteiga e bebia o café já frio deixava entrever algo bom. Suspirei. Encrenca, sim. Para mim, que se falhasse mais uma vez seria transferida para... Sei lá, talvez os guardiões do Iraque!

Capítulo II

Edimburgo

Três semanas antes do encontro de Ariel com Dominic...


Entrei na redação do Sunday News, um dos jornais para o qual às vezes vendia minhas reportagens como freelancer. Após uma negociação difícil com o editor-chefe, consegui emplacar mais um artigo. Caminhei devagar pelo meio das baias dos repórteres da casa, ouvindo as conversas esparsas, já imaginando qual seria o tema de minha nova história, quando uma rodinha de colegas em frente à maquina de café expresso me chamou a atenção.
- Oi, rapazes. – Fui logo cumprimentando três conhecidos meus que conversavam entre si.
- E aí, Dom... Conseguiu emplacar mais uma?! – questionou um deles
- É, consegui sim...
- Dominic, os rapazes e eu estávamos fazendo uma aposta. Talvez você queira participar, se não for muito complicado prá você, já que é freelancer... – falou um deles.
- É isso aí. Vamos incluí-lo, galera! – entusiasmou-se o outro. Imediatamente minha curiosidade foi aguçada e não resisti.
- Tudo bem. Do que se trata? – logo que perguntei, ouvi um sussurro em meu ouvido. “Cuidado, Dom.” – Era Yesalel, minha guardiã, que estava sempre a postos e que somente eu podia ver e ouvir. Com um assentimento discreto de cabeça, voltei minha atenção para o trio que me encarava.
- Olha, Dom, o negócio é o seguinte... Nós estamos apostando sobre quem de nós vai conseguir entrevistar Kyle Sinclair, o banqueiro excêntrico metido a Don Juan.
- Kyle Sinclair... Ah, mas o cara nunca deu nenhuma entrevista. É praticamente uma missão impossível! – decepcionei-me.
- Impossível nada! Semana passada, aquela repórter enxerida do Tribune conseguiu marcar uma entrevista com ele.
- É... O problema é que, depois do encontro, ela não publicou nadinha! Estava tão encantada com o cara que disse não ter uma linha para escrever sobre ele ou seus negócios que interessasse ao público.
- O editor do Tribune ficou furioso! Então, lançou o desafio. Quem conseguir uma entrevista com o cara vende a reportagem para o Tribune por um bom dinheiro e ganha um emprego fixo no jornal. Além disso, fatura setenta e cinco pratas com a nossa aposta, pois cada um de nós vai entrar com vinte e cinco. O que acha? – O repórter sorriu, mostrando seus dentes pontiagudos e sua expressão lembrou a de um furão tentando assustar o seu predador.
- Dominic MacTrevor!!! – Era Yesalel novamente – Nem pense em aceitar essa proposta! Você sabe muito bem que não tem esse dinheiro para desperdiçar. Além disso, já vi esse Kyle Sinclair de longe e posso afirmar que é um homem perigoso e estranho. Me deu arrepios! – Eu permaneci em silêncio, enquanto ouvia as objeções de minha guardiã. Ela era mais como uma esposa grudada no meu pescoço o tempo todo do que um anjo da guarda.
- Tudo bem. Eu topo! – estendi a mão para selar o acordo.
Dominic! Você vai se arrepender! – Yesael se calou, enquanto eu seguia para o elevador. Ainda pude ouvir os comentários de meus colegas.
- Vocês acham que ele consegue? – questionou um deles para os outros dois que me observavam. - Que nada!
- De jeito nenhum! – responderam ambos ao mesmo tempo.
- Mas foi bom tê-lo incluído. Afinal, serão mais libras para o meu bolso! – o rapaz sorriu com arrogância, certo de que seria ele a ganhar a aposta.
- Isso é o que você pensa... – comentou o outro antes de se virar e voltar ao trabalho.
Infelizmente, para eles, estavam todos enganados e, em breve, seriam obrigados a desembolsarem vinte e cinco pratas cada um, direto para o meu bolso.
Marquei uma entrevista com a secretária de Sinclair na matriz do Sinclair Bank of Scotland. Já tinha lido e relido todos os parcos artigos que encontrei sobre ele nos jornais locais e internacionais. Sentado na antessala da presidência aguardei por mais de duas horas, simulando tranquilidade e paciência enquanto observava homens e mulheres entrarem altivos, confiantes, medrosos ou curiosos e saírem arrasados, derrotados ou simplesmente vazios. Quando ele finalmente me chamou através da elegante secretária, coloquei meu melhor sorriso no rosto e entrei na sala. Lá o encontrei sentado em uma bela e antiga cadeira forrada de couro negro, em frente a uma magnífica mesa de mogno, de costas para uma parede de vidro translúcido que transformava a cidade e os céus em uma obra de arte. Confesso que tive medo de ficar tonto, pois sofro de pânico em grandes alturas. Jurei que jamais me aproximaria daquela janela gigantesca. A sala era maior que todo o meu apartamento. Obviamente ele não me pediu desculpas pela demora em me atender mais de duas horas depois do horário marcado. Supus que esta fora uma artimanha para me fazer desistir do confronto. Enquanto tentava controlar minha fobia, ouvi sua voz firme.
- Em que posso ajudá-lo, senhor...? – olhou para algum tipo de anotação sobre a mesa – Dominic... MacTrevor?
- Bom dia, senhor Sinclair... Eu sou jornalista e... – Aquele olhar começava a me deixar nervoso e as palavras pareciam desaparecer de minha mente. Parecendo irritado, levantou-se de seu “trono” e andou até o paredão de vidro. Era uma figura impressionante, da qual não se podia ter ideia apenas através das poucas fotos que eu tinha visto em minha pesquisa prévia. Apesar de estar olhando a paisagem a sua frente, podia perceber que ele de alguma forma me observava, cheirando o meu desconcerto e meu medo.
- Seja breve, senhor jornalista, pois não disponho de muito tempo – Sua voz era áspera e cortante. - Sei disso, senhor Sinclair. Vou tentar esclarecer minha presença o mais rápido possível – Tentei esconder o tremor na voz e o rubor que tomava conta de minhas bochechas e fixei o olhar na vista da janela e, apesar do medo de altura, consegui raciocinar melhor – Quero acompanhá-lo, senhor Sinclair, durante alguns dias, para fazer uma reportagem completa sobre suas atividades, gostos, hobbies, habilidades...
- E por que eu permitiria isso? – interrompeu-me, virando-se para mim abruptamente.
- O senhor sabe que é uma personalidade muito importante dentro de nossa sociedade e internacionalmente. Não pretendo falar de seus negócios. Pelo menos não é esta a intenção da reportagem. Queremos mostrar o seu lado humano... – Imediatamente me arrependi de ter falado a última frase, sem entender bem o por quê. O milionário soltou uma gargalhada que me congelou a alma. Subitamente, da mesma forma que começou a rir, parou e seu olhar pareceu me atravessar e fixar-se em algo atrás de mim. Não saberia dizer o que desviou sua atenção e o fez endurecer sua expressão novamente. Só lembro que finalmente ouvi dele o que tanto desejava.
- Dominic, não vejo vantagem alguma para conceder-lhe o que me pede, mas, como simpatizei com você, poderá começar sua reportagem amanhã à noite.
- À noite, senhor?
- Tem algum outro compromisso? – perguntou secamente.
- Não, senhor, imagine! – respondi rapidamente recriminando-me por meu infeliz questionamento – É só dizer o local e o horário e lá estarei.
- Fui convidado para a estréia de La Bohème, de Pucini, no Theater Royal em Glasgow. Está convidado também. Esteja aqui, às 18 horas no heliporto deste prédio. Bom dia.
- Como? Ahn... Sim, senhor! – agradeci confuso, mal acreditando que conseguira minha permissão. Devo ter parecido um palhaço idiota saindo de costas e fazendo mil reverências para ele, apesar dele não ter contraído um músculo facial sequer.

Sentia-me extremamente deslocado quando cheguei ao heliporto do Sinclair Building e, sinceramente, meu anfitrião não fez nada para que eu me sentisse melhor. Ele parecia se divertir observando minha timidez. Por sorte, Yesalel me acompanhava, apesar de ter sido contra a minha nova empreitada. Ela estava linda naquela noite... Jamais me cansava de olhá-la. Ela não era muito alta, considerando o porte normal de sua raça, com um óbvio rosto angelical, adornado por cachos de cabelos louros e dona de grandes e doces olhos dourados.
Entramos no helicóptero após um breve cumprimento. Logo, o ensurdecedor som das hélices girando sobre nossas cabeças tornou qualquer tipo de conversação impossível. Em menos de quinze minutos chegamos ao telhado do Hotel Sheraton de Glasgow. Em vista de termos algum tempo antes de iniciar a ópera, pretendia fazer algumas perguntas à Sinclair, porém o nervosismo me impedia de raciocinar ou de me lembrar das perguntas que eu anotara em algum pedaço de papel perdido em meus bolsos. No restaurante, localizado no terraço do hotel, uma mesa nos aguardava, para minha surpresa.
- E então? Quer perguntar algo? –Sinclair perguntou tão logo nos sentamos.
- C-como? – redargui confuso.
- O seu trabalho. Quer começar agora?
- Trabalho?... Ah! Claro! Desculpe... Eu não esperava... Quer dizer... Deixe prá lá – conclui nervoso, sentindo um leve calor na face, o que o fez contrair o lábio para a direita, mostrando seu sarcasmo para com meu mal estar.
Enquanto eu tentava raciocinar, uma gota de suor surgiu em minha testa, pois percebia claramente a intenção do banqueiro em constranger-me. Ele apenas me encarava impassível. Yesalel cochichou em meu ouvido para que eu tomasse uma atitude imediatamente para acabar com aquela situação constrangedora. Com a ajuda dela, sentindo-me mais confiante, olhei com firmeza o homem a minha frente e o questionei:
- Parece que o senhor sente prazer em me ver constrangido, não? – decidi pela honestidade.
- Prove o vinho, Dominic. Acho que vai apreciá-lo... – disse, fingindo que não ouvira minha acusação, aproveitando que o garçom surgira pronto para servir um delicioso e caríssimo vinho tinto.
- Fique quieta! – cochichei para Yesalel, que não parava de me criticar, tentando ser discreto, mas provocando uma reação confusa do homem que nos servia.
- Falou comigo, senhor? – perguntou o garçom.
- Ahn? Não... Estava falando sozinho – disse atrapalhado, fazendo uma careta de desaprovação para o “vazio” ao meu lado.
- Costuma falar sozinho, Dominic? – perguntou Sinclair irônico.
- Não... Quer dizer... Às vezes...
- Tome o vinho. Vai ajudá-lo a relaxar um pouco. - Tem razão... Estou meio tenso – confirmei, elevando minha taça, sugerindo um brinde, ao qual não fui correspondido. Ainda nervoso, terminei de beber e, ao deitar o cálice sobre a mesa, acabei por derrubá-lo sobre a toalha branca. Apesar disso, Sinclair manteve-se indiferente, sem uma demonstração qualquer de surpresa ou desagravo.
Naquele primeiro encontro, obviamente não consegui extrair grandes informações a respeito de meu entrevistado. Antes e durante o intervalo da ópera, ele me permitiu circular ao seu lado, para que conhecesse um pouco daquele mundo dos muito ricos. Continuava com a sensação de que ele se divertia com a minha atrapalhação ao tentar explicar às pessoas o motivo de minha presença ao lado dele. 
Depois do espetáculo, já menos tenso, fui deixado no local de partida, no topo do prédio do banco. Agradeci a oportunidade que me oferecera e fui embora. Ali começara minha estranha amizade com o excêntrico Kyle Sinclair.

(continua ...)