sábado, 28 de janeiro de 2012

O Corsário Apaixonado - Capítulo XVIII

Palácio de Villardompardo


Pelo menos esses dois estão felizes, suspirou Ana, pensativa ao ver Brett e Valentina caminhando de mãos dadas entre os canteiros de flores dos jardins do Castelo de Villardompardo, rindo de alguma bobagem que ela havia dito. Apesar da boa acolhida recebida por Esteban em sua antiga residência, não conseguia sentir-se à vontade. Visitara todos os seus locais favoritos da infância nas redondezas e relembrara os momentos mais felizes que passara junto aos seus pais antes da tragédia que os levara embora, mas a falta de notícias de Crow a estava deixando doente. Algo lhe dizia que ele estava em perigo.  Não via a hora de deixar a Espanha e seguir para a Inglaterra. Haviam se passado quase duas semanas que estavam ali e ainda não conseguira uma audiência com o arcebispo para garantir o que era seu por direito. Pensou que seria fácil; dizer que estava viva, voltar correndo para os braços de Crow e decidir o que fariam de suas vidas. Agora o tempo estava passando e ela, presa naquela terra, distante, sem saber o que estava acontecendo com ele.
- Ana...
- Ah, Don Esteban... – respondeu surpresa, virando-se em sua direção.
- Pensando em seu Nigel?
- Sim...
- Tenho boas notícias. Meu emissário acabou de chegar. Conseguiu a bendita audiência com o Arcebispo de Córdoba para amanhã pela manhã. Ele estará em Las Torres, que fica a poucos quilômetros daqui, fazendo uma visita a um amigo que mora no mosteiro da cidade, e aceitou recebê-la lá mesmo. 
Ana respirou fundo e sorriu diante de tal novidade.
- Já não era sem tempo.
- Você tem os documentos que seu pai lhe deixou, não?
- Sim... Eu os guardo comigo desde que minha mãe faleceu. Cristóbal tentou roubá-los de mim, mas não conseguiu.
- Aquele miserável! Quando penso que ele propôs casar-se com você, tenho ganas de matá-lo de novo. O arcebispo vai querer saber o que aconteceu com ele.
- Não se preocupe. Eu saberei o que dizer. Já havia pensado nessa possibilidade...
- Que bom...
- Don Esteban, gostaria de agradecer por receber meus amigos, sem levar em conta a nacionalidade do Brett.
- Ele é irlandês, não? – perguntou piscando um olho, brincalhão.
- É... É claro... – respondeu Ana sorrindo,  grata pela compreensão do amigo, mantendo a farsa.
- Ana, saiba que pode contar comigo como se fosse seu pai. Sei que jamais substituirei Ramon, mas estarei aqui sempre que precisar de mim... Está bem?
Emocionada, não pode evitar uma lágrima escorrer sobre seu rosto. Esteban abraçou-a, confortando-a, entendendo o que se passava com a jovem.
Ana agradeceu comovida e correu para contar a novidade à Brett e Valentina.

- Então, isso significa que poderemos partir em muito breve! – entusiasmou-se Brett. – Preciso avisar Liam e Bald. Eles andam preocupados com o Highlander atracado em Cádiz, assim como eu.
Valentina deu um beliscão em seu braço, para lembrá-lo de não perturbar Ana com suas apreensões.
- Ai! Este doeu, Tina!
- Não se preocupem. – Ana os tranquilizou esboçando um pálido sorriso – Também não vejo a hora de poder voltar a Inglaterra e acabar com essa tortura.
- Ele vai estar bem, Ana. O Crow sabe se cuidar... – animou-a, tentando esconder o seu medo pela vida do amigo.
- Brett, – disse subitamente séria –  partiremos depois de amanhã para Cádiz, independente do que esse arcebispo disser. Não posso mais aguentar essa espera. Sinto que Nigel precisa de mim... Amanhã retomo os direitos de minha família e vou atrás dele. Já esperei demais!
- É assim que se fala! – vibrou Tina com a volta da determinação de Ana, saindo da apatia em que se encontrava ultimamente.

No dia seguinte, Ana negou-se a subir na carruagem colocada a sua disposição por Esteban, preferindo ir a cavalo, junto com  o administrador e um pequeno grupo de homens armados para defendê-los de salteadores de estrada. O trajeto de cerca de trinta quilômetros foi rapidamente percorrido.  Antes da hora marcada pelo secretário do Arcebispo, representante da coroa espanhola na província de Jáen, Ana e seus acompanhantes chegaram a Las Torres, uma pequena cidade que crescera em torno do mosteiro onde o religioso a atenderia.
Após uma espera de mais de duas horas, uma sala privada foi aberta para a audiência extraordinária concedida pelo clérigo à pretensa Duquesa de Villardompardo.
Mosteiro de Las Torres
- Vossa Excelência Reverendíssima... – cumprimentou Ana com uma grande mesura, conforme a orientação de Esteban quanto à forma de ela conduzir-se perante a autoridade eclesiástica.
- Aproxime-se, minha jovem. – disse ele, estendo-lhe a mão para que ela beijasse o anel episcopal em seu dedo anular.
O arcebispo era um homem de meia idade, cabelos brancos e expressão cansada, mas bondosa.
- Sinto interromper  vossa visita ao mosteiro e ao vosso amigo, mas tenho urgência em resolver este problema. – disse após afastar-se um pouco conforme exigia o protocolo.
- Meu secretário falou sobre a sua solicitação... Tem algum documento que a reconheça como filha do Duque Ramon de Villardompardo?
- Sim, V. Ex.ª Rev.ma    respondeu Ana prontamente entregando os documentos ao secretário, um sacerdote alto e muito magro, que se aproximou dela a um gesto do arcebispo. Pegou os documentos e prontamente levou-os ao seu superior.
De posse dos papéis, leu-os atentamente. Por fim, fitou-a por alguns instantes e finalmente falou.
- Saberia me dizer o que aconteceu com Cristóbal?
- Meu tio conseguiu encontrar-me, mas infelizmente acabou perdendo a vida durante um ataque ao navio que nos transportava. – afirmou isso com a melhor expressão de pesar na face, graças aos anos passados junto a Didier aprendendo a causar compaixão nos incautos.
- Tem como provar isso?
- Apenas minha palavra e o anel com o selo do ducado que ele usava quando morreu – afirmou, lembrando do momento em que Arthur havia lhe entregue a jóia, exatamente pensando que ela poderia ter alguma utilidade mais tarde.
- Acho que posso confiar em sua palavra – disse o padre com um sorriso benevolente e voltando o olhar para os papéis em suas mãos. – Aqui  há uma carta escrita pelo duque onde ele registra que sua única filha apresenta uma marca de nascença em forma de coração no pescoço. É possível mostrá-la a mim?
- Sim, V. Ex.ª Rev.ma. 
Ana aproximou-se respeitosamente da cadeira de espaldar alto, em madeira delicadamente entalhada, onde o arcebispo estava sentado e ajoelhou-se diante dele, curvando o pescoço e afastando os cabelos para evidenciar a prova que confirmaria sua ascendência.
- Bem, parece que não há dúvidas. A senhora é mesmo a herdeira do Duque de Villardompardo. Que isso seja registrado nos autos da Igreja e levado ao conhecimento do Rei Felipe II – ordenou diretamente ao seu secretário.
- Obrigada, V. Ex.ª Rev.ma.
Quando pensava em retirar-se, o arcebispo voltou a falar-lhe.
- Você é casada, minha filha?
- Sim, excelência! – exclamou Don Esteban prontamente, surpreendendo Ana e deixando o clérigo aborrecido com sua intervenção.
Ana, mesmo sem saber o motivo da interferência tão drástica de Esteban, resolveu confirmar sua resposta na mesma hora.
- Sim, V. Ex.ª Rev.ma, mas infelizmente meu marido não pode me acompanhar, pois está na França tratando de negócios.
- Ah, então está tudo resolvido.
- Perdão... Não entendi...
- Para manter suas terras e seus bens, precisa de um marido que os administre, caso contrário, perderá seus direitos.
- O quê? – disse indignada, esquecendo do tratamento reverente que mantivera até agora. – Isso é um absurdo!
- V.Ex.ª Rev.ma, pode nos liberar? Minha senhora está muito nervosa pela ausência de notícias do marido, mas em sua falta, eu me comprometo a administrar as propriedades, como vinha fazendo  até agora com a anuidade de  Don Cristóbal.
- Eu compreendo... Nós esperaremos seis meses pela volta do marido da Duquesa, caso contrário, ...
- Caso contrário...? – perguntou Ana.
- Nós encontraremos um bom marido para a senhora. Não se preocupe...
Ana ficou sem fala tal sua indignação quanto ao tratamento dispensado por ser ela uma mulher e não um filho varão. Antes que pulasse no pescoço do arcebispo, coisa que Esteban passou a temer ao ver a expressão de raiva em seu rosto, ele a retirou rapidamente da sala de audiência improvisada, fazendo muitas reverências e agradecimentos pela boa vontade de V.Ex.ª Rev.ma.
- O que esse bispo está pensando? – indagou Ana furiosa, quando ficaram a sós, com a discriminação que estava sofrendo apenas pelo fato de ser mulher.
- Calma, Ana! Eu me esqueci de lhe contar sobre esse detalhe.
- Por isso falou que eu era casada?
- Sim. Pelo menos ganhamos tempo. Ele indicaria um marido a sua revelia imediatamente, se não dissesse que era casada.
- Mas isso é um completo absurdo!
- Olhe... Vamos para casa e lá discutiremos como resolver esse problema.
- Vou partir hoje mesmo para Cádiz, Don Esteban. Vou atrás de Nigel.
-  Aí temos outro problema.
- Que problema? Eu caso com ele e fica tudo bem.
- Esqueceu que ele é inglês e que a Espanha está em guerra com a Inglaterra?
Ana revirou os olhos e depois os fechou, abaixando a cabeça, em postura de derrota.
- Então... Não há o que fazer. Minha vinda foi inútil e vou perder tudo que era de minha família.
- Talvez um casamento de conveniência...
- E o senhor acha que vou me submeter a um casamento de conveniência? Jamais! – afirmou categórica.
- Talvez seja a única saída possível para esta situação. Não posso permitir que coloque fora o patrimônio de sua família.
- Também não quero que isso ocorra, Don Esteban. Tenho seis meses para pensar em como resolver esta situação. Quem sabe a guerra chegue ao fim...? Até lá, hei de encontrar uma saída. No momento, tenho que lhe pedir que continue tomando conta de Villardompardo. Eu preciso viajar até a Inglaterra e tentar saber o que está acontecendo com Nigel, senão enlouquecerei.
- Eu entendo, minha filha... Eu entendo.... Vou tentar achar uma solução. Talvez esteja certa. Muita coisa pode acontecer em seis meses. Vá encontrar o seu Nigel e não se preocupe. Eu continuarei cuidando de tudo por aqui.
- Muito obrigada, Don Esteban...
Após uma refeição frugal no mosteiro, retornaram para o castelo. Chegaram ao início da tarde e logo Ana comunicou aos amigos de sua resolução, para alegria de todos. De comum acordo, decidiram que Liam e Bald partiriam imediatamente para a costa de Cádiz, para reunir a tripulação e preparar a caravela, enquanto Ana, Brett e Valentina seguiriam na manhã seguinte, pouco antes do alvorecer.

Após a refeição conseguida por Castilhos, Crow sentia-se melhor e  os acessos de tosse pareciam ter sido aliviados pelos goles de vinho. Continuaram a navegar nas partes mais profundas do rio para evitar que alguém tentasse interceptá-los. Vez por outra viam pequenas embarcações levando mercadorias que certamente seriam vendidas no mercado de Londres. Cruzaram com uma caravela de origem portuguesa, que provavelmente trazia sal, vinho e azeite aos ingleses, que nem se apercebeu de sua presença.
Em poucas horas, Crow identificou a cidade de Gravesend ao avistar a torre da igreja e perceber o movimento um pouco maior de barcos, que tinham ali uma de suas entradas na grande ilha, vindos do Mar do Norte.
- Creio que é aqui que descemos. – alertou Crow – Vamos remar para a margem direita. Daqui seguiremos a pé rumo a Ashford, o que significa mais umas doze horas de caminhada.
- Que tal conseguirmos um lugar para repousar? –perguntou Castilhos lembrando a agradável noite anterior.
- Acho que não devemos abusar da sorte. Ninguém nos garante que não haja soldados nos acompanhando pelas margens e que estejam apenas aguardando o momento para nos prender.
-Não somos tão importantes assim, caro amigo...

- Talvez tenha razão... Porém, de qualquer

maneira, não gostaria de arriscar. Agora que

chegamos até aqui, não pretendo voltar.
- Usted tiene razón...

Alcançaram a margem direita após certo esforço

para escapar da corrente. Tão logo

desembarcaram, soltaram o bote ao sabor das

correntezas que levavam ao estuário do Tâmisa.
- Creio que conseguiremos nos aguentar com

essas frutas que sobraram e tendo a água do rio

para beber. Melhor partirmos o quanto antes.
Castilhos concordou com a cabeça. Não perderia

tempo em discussões com seu "guia". Apesar do

que dissera para Crow a respeito de seus motivos

para retirá-lo da prisão, sua principal motivação

fora o total desconhecimento dos caminhos que o

levariam de volta a Dover. Antes da admiração

por seu anfitrião na Inglaterra, vinha o amor por

sua pele. Certamente, na atual situação bélica

entre seus países, um espanhol foragido da prisão,

pedindo informações sobre o melhor caminho a

seguir em terras inglesas, seria no mínimo uma

temeridade. Não queria voltar tão cedo para as

masmorras de Elizabeth.

Seguiram caminho fora das estradas

convencionais, andando entre árvores e

plantações. De vez em quando paravam para beber

a água que substituíra o vinho na garrafa

conseguida por Castilhos na noite anterior. As

maçãs conseguiram amenizar a dor causada pela

fome. Crow voltara a tossir e parecia mais fraco

que seu colega de fuga. Já era noite alta quando

alcançaram Ashford.

- Bem, Castilhos, eu ficarei por aqui. Basta seguir

para sudeste e logo chegará ao mar. Siga para a

esquerda, seguindo a orla, e chegará em Dover...

Espero ter sido útil e que você consiga recuperar o

El Tiburón. – disse Crow, mostrando que não se

enganara totalmente com Castilhos, mas não

culpava o espanhol por suas reais intenções, pois

no fim das contas, não aguentaria ficar por muito

mais tempo naquela cela em Old Bailey.

- Não quero que penses que o tirei da prisão

apenas para guiar-me até aqui, amigo... – explicou

sem fitar Crow nos olhos. – Eu realmente ouvi a

conversa entre os guardas sobre deixar-nos

apodrecer na prisão e...
- Acredito, Castilhos, e agradeço por sua ajuda. -

falou sério, após uma nova crise de tosse.
- Precisa cuidar dessa tosse, Crow...
- Você é um sujeito muito estranho, Castilhos...

Espero que consiga escapar.
- Crow, quem sabe venhamos a nos encontrar por

esses mares muito em breve...
- Quem sabe...
- Entonces... Adiós! – despediu-se com um grande

sorriso e um floreio com os braços. Virou-se e

sumiu na direção que Crow lhe indicara. Este

balançou a cabeça, achando graça do jeito do

pirata e, em seu íntimo, realmente desejando que

ele tivesse sorte em sua empreitada. Agora, tinha

que preocupar-se apenas consigo mesmo e chegar

o quanto antes a sua casa. Sentia-se cada vez mais

fraco. Precisava recuperar suas forças para poder

pensar o que faria agora que seus planos de

redenção pela justiça elisabetana haviam falhado.

Com nova crise de tosse, tomou a direção da casa

de seu pai que ficava a menos de uma hora de

caminhada dali.


Antes de o dia amanhecer, conseguiu vislumbrar

os telhados da propriedade dos Lodwick

sombreados pela luz da lua. Estava exausto.

Demorara mais do que esperava para chegar até 

ali graças à sensação de fraqueza e aos acessos de

tosse que o incomodavam cada vez mais

frequentemente. Quando se deu conta, estava

diante do cemitério da família. Percorreu os

túmulos de seus antepassados até chegar ao de sua

mãe e de sua tia Tammy, que ficavam um ao lado

do outro. Havia flores colhidas recentemente

sobre ambos e a grama a sua volta era mantida

bem cortada. Ali se deixou ficar, até que o sono e

o abatimento tomaram conta de seu corpo e ele

acabou por dormir sobre o túmulo de Tammy.



- Bom dia, senhor Lodwick – cumprimentou

Duncan, um dos trabalhadores de Timothy

Lodwick, ao entrar na biblioteca onde este tomava

seu café matinal.


- Bom dia, Duncan. - respondeu elevando

mansamente os olhos do livro em suas mãos. -

Algum problema? - perguntou curioso, arqueando

as sobrancelhas, pois não era comum aquele tipo

de "invasão", sobretudo naquele horário da

manhã.
- Um homem estranho foi encontrado desacordado

sobre o túmulo de Miss Tammy. Devemos chamar

a milícia de Ashford para levá-lo?
- Como? Desacordado? – Uma luz de esperança

passou por seus olhos e o coração bateu mais

forte. – Claro que não! Onde ele está?
- Nós o deixamos lá mesmo, senhor. Deve ser um

mendigo ou um ladrão que invadiu suas terras

com má intenção.
- Porque um ladrão dormiria no cemitério? – falou

aborrecido com as conclusões de Duncan,

levantando-se imediatamente de sua cadeira. –

Arranje uma carroça para trazê-lo para cá e mande

selar o meu cavalo. Vou junto com você!
Em menos de cinco minutos, Timothy estava a

caminho do cemitério. De longe reconheceu seu 

filho, apesar da magreza e da barba crescida.

Desceu do cavalo e correu até ele. Logo estava

com Crow em seus braços, tossindo e muito fraco

até para falar.
- Duncan! Me ajude a levá-lo para a carroça.

Pegue o meu cavalo, corra até Ashford e busque o

Dr. Hall enquanto eu o levo para casa.
- É o senhor Nigel?
- Sim. Vá logo! E, Duncan... Não fale para

ninguém que Nigel está aqui. Entendeu? Nem para

o doutor. Diga que eu não passei bem a noite e

que preciso de seus cuidados. Isso é importante.

Não conte sobre Nigel para ninguém! – voltou a

ordenar.
- Sim, senhor!

Ao abrir os olhos, percebeu que estava deitado

sobre uma cama macia, de lençóis limpos e que

dois homens cochichavam num canto do quarto...

Do seu antigo quarto... Estava em casa! Um dos

homens era seu pai e o outro, um desconhecido, o

que o preocupou.
Timothy olhou de soslaio para a cama e notou seu

movimento.
- Nigel! Meu filho! Você acordou!

Crow tentou sentar-se na cama, mas não

conseguiu.
- É melhor evitar esforços, meu caro. – aconselhou

o homem alto e bem apessoado.
Como Crow lançasse um olhar preocupado sobre

o estranho, seu pai interveio para esclarecer sobre

tal presença e tranquiliza-lo.
- Este é o Dr. John Hall, meu filho. É um jovem e

brilhante médico que tem nos dado a honra de

atender nossa comunidade nos últimos dois anos.
- Muito prazer, Nigel. Seu pai me falou muito

sobre você.
- Então sabe que sou um fugitivo.
- Pode contar com minha discrição a esse respeito.

O que interessa agora é tratá-lo para que fique

saudável novamente. Creio que a prisão não fez

nada bem a sua saúde, mas com os devidos

cuidados, boa alimentação e minhas poções, ficará

bem.
- Poções? – perguntou entre uma crise de tosse e

outra.
- O Dr. Hall acredita no poder das ervas e plantas

medicinais, filho. Nada daquelas sangrias ou

sanguessugas. – explicou o pai satisfeito, já que

sempre odiara os tratamentos médicos

tradicionais.
- Conheci um bom médico com as mesmas

crenças. Ele foi banido de sua terra pelos próprios

colegas por causa disso.
- Como era o nome dele? Talvez o conheça...
- Duvido... Ele era escocês e já faleceu. Chamava-

se Brian Hawke.
- É... Infelizmente, não o conheci.
- Bem, o importante é que você vai ficar bem, meu

filho. Vou levar o bom doutor até a saída e volto

para conversarmos um pouco.
Crow permaneceu deitado, com uma curiosa

sensação de bem estar. Estava em casa, depois de

tanto tempo, com a atenção e preocupação de seu

pai voltada para ele. Tão diferente de quando

partira dali há mais de dez anos. Era muito

estranho ver-se novamente em seu quarto, onde

tantas vezes se refugiara para chorar revoltado

com a rejeição paterna. Isso fazia parte de um

passado triste e longínquo e que agora nada tinha

em comum com o presente. Apesar de tudo isso,

Ana e a saudade que sentia dela voltavam a

consumi-lo. Seus pensamentos insistiam em

procurá-la, imaginando se ela conseguira rever as

terras de sua família na Espanha e se ainda

pensava nele.
(continua...)

Oi, pessoal! Nesse capítulo gostaria de ressaltar a presença

do Dr. John Hall, que é uma personagem da vida real, um

médico muito famoso no seu tempo, exatamente por ter

métodos bastante diferenciados e eficientes de tratamento.

Como havia citado Shakespeare anteriormente, lembrei de

citar o Dr. Hall, que em 1607 casou-se com Suzanne, filha do

dramaturgo, e que foi responsável pela sua mudança de

opinião a respeito dos médicos para melhor. Claro que aqui

no meu romance inventei que ele estaria trabalhando em

Ashford, antes de mudar-se para Stratford-upon-Avon, onde

conheceu Suzanne, que lá morava com sua mãe e irmãos,

enquanto seu pai trabalhava no teatro em Londres.
Espero que estejam gostando. Acredito que o próximo
capítulo seja o último desta história. Já tenho o rascunho final, mas ainda preciso descrever os detalhes (o que leva um pouco mais de tempo...rsrsrs), mas se tudo correr bem, quero encerrar este romance antes de minha viagem de férias na semana que vem.
Gostaria de agradecer aos comentários carinhosos das minhas queridas Rudy, Lucy e Evanir na última postagem.
Muito obrigada a todos voces que de uma maneira ou de outra me acompanham nessa aventura.
Um grande beijos a todos!

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O Corsário Apaixonado - Capítulo XVII (2ª parte)



Haviam se passado três semanas desde a sua transferência para a prisão em Londres, onde aguardaria julgamento, segundo o chefe da milícia em Dover. As celas de Old Bailey ficavam quase à beira do Tâmisa, o que significava umidade e ratazanas em excesso infestando a prisão. Pelo que sabia, nos últimos tempos, Sua Majestade estava morando oficialmente no Castelo de Richmond, afastada dos problemas corriqueiros da grande Londres. Já desistira de pedir aos guardas que o informassem sobre o andamento de seu caso. Em troca só recebia ordens para calar-se ou grosserias. Não sabia o que tinha acontecido a Castilhos e seus companheiros. Haviam sido separados por ocasião do transporte para a capital. Não mais ouvira aquele sotaque hispânico a querer puxar conversa ou simplesmente fazer qualquer tipo de implicância para tirá-lo do sério falando de Ana ou de Valentina. Isso certamente significava que o pirata espanhol não se encontrava por perto. Na sua atual situação chegava a sentir saudades da companhia infame, pois o mantinha alerta e perto da realidade. Seria esse um indício de perda de sua sanidade mental? , perguntava-se Crow. Agora, ali naquela cela fria e úmida, gemidos e gritos distantes o advertiam sobre a triste realidade que estava vivendo. Tentava elevar seu pensamento para perto de Ana, imaginando como ela estaria e se teria chegado à Espanha. Evitava pensar nos perigos a que estava exposta, contando apenas com a ajuda de Brett e de Valentina. Em seus sonhos a via chorar; às vezes, ela vinha consolá-lo e, muitas vezes, a via em seus braços, em meio aos algodoeiros de Eleuthera. Amaldiçoava cada despertar, pois caía no pesadelo da cela imunda em que estava sendo obrigado a viver dia após dia, questionando sua resolução de entregar-se à justiça discutível de Elizabeth, que, segundo ouvira dizer, vinha deixando na mão do amante o cargo de regente. Aí , lembrava-se de seu pai. Ele ainda o visitara mais duas vezes em Dover. A cada visita se surpreendera e se sentira gratificado com as mudanças no modo de agir do velho Lodwick. Poder sentir o afeto sincero do pai e livrar-se das mágoas que o envenenaram durante anos era uma das coisas que o faziam refletir sobre o lado positivo de sua rendição.

Certo dia, os sons da prisão foram abafados por vozes e risos que vinham do exterior do prédio. Parecia mais uma festa popular que arrastava a população para as ruas. Não havia maneira de Crow olhar para fora, pois a única janela que possuía era muito pequena e situada na parte mais alta da cela, próxima ao teto. Passado algum tempo, ruídos estranhos surgiram mais perto de onde estava. Atordoado pela fome e pelo desanimo, não conseguia identificar o que estava acontecendo. Foi quando ouviu um ranger na fechadura da porta da cela. Mais uma vez a esperança de que finalmente seria levado ao seu julgamento devolveu-lhe novo ânimo. Entretanto, o rosto que surgiu na fresta aberta o fez imaginar que estava tendo mais um pesadelo.
- Finalmente o encontrei, hombre! Venha comigo!
O pirata espanhol estava emagrecido e a barba espessa o fazia parecer ainda mais com um mouro. Segurava uma espada e trazia um punhal preso ao cinturão.
- Castilhos?? O que está fazendo aqui? – perguntou buscando reunir forças para combater o espanhol. - Vim sacarlo daqui! Ou vai querer morrer nessa prisão fedorenta, cercado de ratos, quando poderia estar nos braços de sua amada?
- O quê? – Crow não conseguia acreditar no que ouvia.
- Não temos tempo para conversas! Camina! Aproveite enquanto o meu lado samaritano ainda está no comando. – disse e puxou Crow para fora do cubículo.
Passaram por alguns guardas desacordados, provavelmente vítimas do pirata.
- Espere! Não vou sair daqui. Há poucas semanas você tentou me matar e quase acabou com a vida de Brett. Por que tenho que acreditar que agora quer salvar minha pele?
- Eu os ouvi dizer que iriam nos deixar apodrecer nessa prisão. – explicou, apontando com a espada para os homens desacordados. – Não achei justo que isso acontecesse comigo ou... com você. Certa vez lhe disse que ainda precisaria de minha ajuda...
Abaixou-se junto ao corpo de um dos soldados que estava caído, apossou-se de sua espada e a jogou para Crow.
- ¡Tómalo!! Vamos precisar para sair daqui.
Nesse instante surgiram dois soldados, que foram surpreendidos pela dupla esfarrapada e de aspecto doentio, mas cujos olhos brilhavam como fogo e cuja vontade de viver falava mais alto que o medo de morrer. Não demorou muito para que fossem eliminados. O resto do caminho até a saída foi percorrido sem interrupções.
- O que está acontecendo? Onde estão os outros? – perguntou Crow antes de um acesso de tosse.
- A maioria dos guardas foi requisitada para manter a ordem nas ruas. – respondeu Castilhos com expressão preocupada com o estado de Crow. – Parece que está havendo a inauguração de um teatro na margem oposta, de um tal de... Shakespeare. Já ouviu falar?
- Não, mas se escaparmos daqui, irei agradecer-lhe pessoalmente... um dia.
Apenas outros dois homens vigiavam a saída. Sem dificuldades, Castilhos e Crow os dominaram, apesar da má alimentação e falta de exercícios das últimas semanas.
- Como conseguiu sair da sua cela? – perguntou Crow curioso.
- Fingi que tinha morrido.
- Como? – tentava entender quando tossiu mais um pouco.
- Matei alguns amiguinhos roedores que me visitavam e, quando eles começaram a cheirar mal, foi só me deitar no chão da cela e esperar...
Assim estava explicado o terrível cheiro exalado pelo capitão do El Tiburón. Crow sorriu e continuou sua fuga. Não pode deixar de admirar a sagacidade do espanhol e sua capacidade de tirar vantagem da própria desgraça. No momento seguinte, já corriam pela rua, escapulindo através dos becos barrentos até poderem misturar-se às pessoas que aguardavam a vez para embarcarem numa das diversas barcas que faziam a travessia do Tâmisa em direção ao The Globe Theater, como era chamado o mais novo teatro da cidade. 
Londres no século XVI
 (A prisao de Old Bailey pode ser vista na margem inferior à esquerda; um prédio arredondado) 
Tinham que afastar-se o máximo possível da prisão, antes que fosse dado o alarme de sua fuga.
- Amigo, você está com péssima aparência... – disse Castilhos.
- Bem... Posso dizer o mesmo de você, acrescentado ao fedor de rato morto.
Levando em conta que as condições de higiene entre a população em geral não eram das melhores, os dois fugitivos deram um jeito de misturar-se aos convivas e embarcar num dos botes que faria a travessia. Em menos de quinze minutos, entre alguns narizes ofendidos e olhares de esguelha, já se encontravam diante do Globe.

- Que tal pegarmos emprestadas algumas roupas?
- Talvez seja uma boa ideia. – concordou Crow antes de mais um acesso de tosse.
- Creio que debe ver a un médico assim que possível, hombre...
Seguiram em direção aos prédios vizinhos, ao longo da margem. A curiosidade levara grande parte das pessoas para apreciar o espetáculo dos barcos que enchiam de cores as águas do rio e as explosões que pipocavam nos céus, provocadas por um estranho invento trazido da China e encomendado pelo novo dono do teatro. Entre os becos, encontraram alguns varais com roupas esquecidas pelos donos, já secas. Escaparam sem ser vistos e foram vestir-se longe do local do furto. Conseguiram um pouco de água para lavar-se, retida da chuva em vasilhames no fundo de uma casa, o que serviu para amenizar o mau cheiro.
- Pensei que tivesse sido julgado e morto. Deixei de ouvir sua voz irritante há vários dias... – comentou Crow irônico tentando esclarecer as causas da fuga e os motivos que levaram Castilhos a ajudá-lo.
- Sabia que ia sentir minha falta, amigo... – sorriu sarcasticamente – Tive que me calar para fazer os carcereiros pensarem que eu não estava bem e tornar minha encenação de muerto mais verdadeira.
- Por que me ajudou, Castilhos? – lançou a pergunta secamente.
- Meu amigo Crow... Apesar de nossas diferenças, sei reconhecer um homem de valor. Sei que nunca simpatizou comigo, mas também nunca me amolou... Por desgracia, acabei por me enrolar com aquele sujeito desagradable, Cristóbal, que me ofereceu uma pequena fortuna. Cheguei a sonhar com uma aposentadoria dessa vida... Deu no que deu... – lamentou sacudindo os ombros displicentemente. – Tinha de honrar minha palavra e conseguir o resto do pagamento, por isso o ajudei e acabei perdendo tudo e me colocando contra usted. Na prisão tive tempo de pensar muito sobre isso e resolvi me redimir. Então, ouvi aqueles patetas rindo e comentando sobre como a Rainha andava "ocupada " com seu novo amante e decidira esquecer os piratas nas masmorras. Foi aí que decidi escapar daquele inferno e tirá-lo de lá.
- E seus marujos?
- Os pobres coitados não tiveram chance. O chefe da milícia de Dover resolveu julgá-los lá mesmo e... Adivina qué? Pena de muerte. Serviriam como distração para o povo depois da nossa partida. Ainda tengo la esperanza que alguns deles tenham conseguido sobreviver.
- Não sei se devo confiar em você, Castilhos...
- Não precisa confiar. Já está livre. Siga o seu caminho e eu seguirei o meu.
- Para onde vai?
- Para Dover.
- O quê?
- O meu navio ainda está lá. Se tiver sorte, um ou dois de meus homens devem estar esperando que eu apareça. Pego o El Tiburón e desapareço. Se quiser vir comigo... – ofereceu.
- Não, obrigado...
- Posso levá-lo até Dona Ana. Ela está na Espanha, não? – Preferiu não falar em sua esperança em rever Valentina, por quem ficara impressionado.
O olhar de Crow nublou-se pela tristeza.
- Sim ... – acabou por responder após tossir um pouco. – Mas, antes de encontrá-la, ainda tenho alguns assuntos pendentes aqui na Inglaterra. De qualquer forma, obrigado pelo oferecimento. Podemos seguir juntos até Ashford, em Kent. Lá nos separamos e você segue para Dover, que fica a menos de quatro horas de viagem a pé.
- Esplendido! Então usted muestra el camino e nos vamos!
Já livres de seus trajes da prisão e com cheiro e aspecto pouco melhores, saíram do beco esgueirando-se até voltarem às margens do rio. Crow, tentando disfarçar a tosse que insistia em incomodá-lo, sugeriu que pegassem um bote e navegassem através do Tâmisa até Gravesend.
- De lá seguimos a pé até Ashford, onde nos despedimos.
- Espero que tenha um médico para onde você vai... Tem que cuidar dessa tosse, hombre...
- Tem certeza que não levou nenhuma pancada forte na cabeça, Castilhos?
- Por quê?
- Não o estou reconhecendo...
- Talvez não me conheça tão bem assim... – disse em tom amistoso.
O próximo problema da dupla de piratas era conseguir um bote que pudesse levá-los até Gravesend, no condado de Kent, o que não seria muito fácil haja vista que todas as embarcações disponíveis estavam ocupadas trazendo curiosos, comerciantes e ciganos para a mais nova atração da cidade. Aqueles que não conseguissem entrar no novo teatro poderiam apenas aproveitar a festa que ocorria na parte externa, com apresentações de músicos, malabaristas, venda de guloseimas e artesanato e danças ciganas.
- Acho que já achei o nosso transporte... – disse Crow, olhando de soslaio para Castilhos depois de identificar um bote solitário chegando às margens.
Ficaram aguardando que o homem prendesse a corda num dos pilares ali existentes. Ele saiu do barco, olhou para os lados sorrateiro, parecendo estar a procura de algo ou de alguém. Logo em seguida ouviu um assobio que vinha de um das casas da margem. Uma mulher fazia sinais para que o homem fosse imediatamente até ela. Ele deu um sorriso matreiro e correu até a jovem senhora, abandonando o barco sem pestanejar. Tão logo o provável amante sumiu casa adentro nos braços de sua amada, Crow e Castilhos correram até a beira do rio e pegaram a pequena embarcação emprestada.
- Já imaginou quando ele sair com as calças nas mãos, fugindo de um marido furioso e não encontrar o barco? – perguntou Castilhos.
- Vai pensar duas vezes antes de cornear alguém e aprenderá que deve vir com um cavalo e não com um barco, para poder fugir mais rápido. – respondeu Crow unindo-se em gargalhadas ao espanhol. Começaram a remar o mais rapidamente possível em direção ao sul através do Tâmisa, usando as últimas forças de que dispunham. Os estômagos roncavam, pois ambos estavam famintos. Logo o cansaço falou mais alto e, como já estavam distantes do centro de Londres e não havia sinal algum de perseguição, abandonaram os remos dentro do bote e deixaram-no seguir ao sabor da correnteza que os levaria ao seu destino, Gravesend. Sentiam-se cada vez mais fracos e tontos, quando avistaram um pomar na margem direita do rio. Apesar do risco de serem pegos pelo senhor da terra, a fome falou mais alto. O céu tingira-se de cores alaranjadas, anunciando o pôr-do-sol, por isso a decisão, em comum acordo, de comerem algumas frutas e descansarem sob as árvores em terra firme. Remaram até um local onde poderiam esconder o bote sob alguns arbustos e desceram com cuidado, atentos a qualquer ruído. Ao seu alcance, encontraram macieiras repletas de maçãs quase maduras. Beberam da água do rio e colheram alguns cogumelos que cresciam por ali. Depois de aplacarem a fome, guardaram algumas frutas para o resto da viagem e foram estudar o local. No lusco-fusco do início da noite, viram uma luz ao longe, provavelmente vinda da casa do proprietário das terras. Crow não tinha certeza de onde se encontravam, mas acreditava que já estavam no Condado de Kent, próximos à Dartford.
- E se tentássemos conseguir abrigo por essa noite com o dono desta terra? – indagou Castilhos.
- Acho muito arriscado. Você é facilmente identificado como espanhol e, portanto, considerado inimigo por qualquer inglês. Teríamos problemas.
- Você não confia em meu poder de persuasão?
- Só se quiser persuadir alguém a matá-lo. Com essa cara de mouro-esfomeado-recém-saído-da-prisão você não vai conseguir nada por aqui. – brincou Crow não acreditando que Castilhos pudesse estar falando seriamente.
Em poucos instantes, ele se certificaria que o sujeito era louco. Castilhos sorriu, pensou e acariciou a própria barba.
- Veremos, amigo!
Dito isso, o pirata levantou-se agilmente e, sob os protestos de Crow, caminhou em direção à luz tremula que podia ser vista em meio às arvores, a cerca de quinhentos metros de onde estavam.
- Esse sujeito é mesmo maluco. – comentou consigo mesmo e levantou-se para ir atrás de seu companheiro de fuga.
A casa era simples, parecendo mais a morada de um roceiro. No quintal dos fundos, avistaram uma mulher vestida humildemente, pegando água de um pequeno poço. Levava um pano enrolado sobre os cabelos e um rosto suado e carrancudo. Crow parou escondido entre algumas folhagens, mantendo distância para não ser percebido. Ao contrário, Castilhos continuou a caminhar em passos firmes e lentos na direção da camponesa. Crow já imaginava qual seria a tática de seu amigo, e sorriu à meia luz.
- Ó formosa mulher! – exclamou Castilhos para espanto da própria – Estava passando por perto e, quando a vi, meu coração disparou...
A jovem assustada pegou um ancinho que descansava junto a uma cerca e apontou para o intruso, encarando-o com expressão aterrorizada e muda.
- Calma, minha querida... Não se assuste. Sou amigo... Apesar de querer ser bem mais que isso, cariño, depois de conhecê-la…
Ele se movia como um grande felino, ameaçador e sensual, olhando para sua vítima como se quisesse hipnotizá-la; algo que parecia estar conseguindo. Ela não despregava os olhos dele, e tampouco  fazia qualquer movimento de ameaça com a arma que tinha nas mãos.
- Minha bela dama, que tal soltar esse objeto hediondo que não combina com usted e pode machucar suas lindas mãozinhas. – falava mansa e melodiosamente. – Sou apenas um pobre andarilho, necessitando de um pouco de comida...
- V-você não é inglês...
- Que esperta que és...!! – bajulou-a – Infelizmente, minha pobre mãe inglesa apaixonou-se por um bravo espanhol, antes dessa guerra toda começar... Agora sou perseguido por todos... Daí levo minha vida como andarilho, sem lar ou qualquer afeto...
Crow, de onde estava, ao ver a cena de sedução, fazia força para não rir. Pensou que devia voltar ao The Globe e oferecer Castilhos para trabalhar como ator nas peças do dono do teatro... Como era mesmo o nome dele?...
Aos poucos, à medida que o pirata se aproximava e falava palavras dóceis e galantes, o ancinho foi sendo deixado de lado e a expressão de terror foi dando lugar a de compaixão e curiosidade. Bastaram apenas alguns poucos minutos de conversa mansa para que ele fosse convidado a entrar. Mostrou-se compadecido quando soube que ela perdera o marido há alguns meses e que, por sorte, o dono da terra a mantivera na casa, mediante alguns favores, obviamente.
Depois de compartilhar a mesa e a cama da recente viúva, horas mais tarde, quando o dia mal amanhecera, deixou-a dormindo profundamente, com um largo sorriso de satisfação nos lábios. Ao sair, levou consigo uma garrafa de vinho e o que sobrara da lebre e das batatas assadas do jantar. Durante a noite, Crow voltara às margens do rio, perto do bote escondido, para que sua tosse não o denunciasse. Conseguira uma pele de carneiro, que estava pendurada na cerca do pequeno curral da propriedade, para cobrir-se e aquecer-se, pois as noites começavam a ser mais frias com o final do verão. Castilhos o acordou, colocou os víveres conseguidos dentro do bote e partiram imediatamente para Gravesend.

(continua...)

Gostaria de agradecer aos comentários na última postagem e me desculpar novamente pela demora em postar.
Pois é, o Castilhos acabou  surpreendendo. Ele até que ficou simpático... Esse é um personagem  que anda me inspirando para uma outra história. Quem sabe... Acho que vou deixá-lo guardadinho no meu banco de ideias. Olha que ele não é de se jogar fora...rsrsrs.
Agora estou tentando cumprir o compromisso de terminar esse romance até o final de Janeiro, por isso, mãos a obra!
Beijos a todos!!!