sábado, 26 de março de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo VI


O dia amanheceu radiante em Willemstad, ao contrário do humor de Júlia, que se traduzia em um gosto amargo na boca e um belo par de olheiras visiveis no espelho do banheiro quando foi escovar os dentes. Vestiu uma calça jeans, uma camiseta regata amarela e um par de tênis e desceu para o salão onde era servido o café da manhã. Ali, viu alguns rostos que reconheceu como sendo de outros passageiros do vôo 1278. Alguns cumprimentos de cabeça, um ou outro sorriso, não correspondidos por ela. Incerta quanto ao motivo, seu interesse maior era localizar Bryan. Infelizmente estava sem sorte, pois ele não se encontrava no salão. Acabou por se sentar em uma das mesas de dois lugares junto a uma grande janela de vidro de onde era possível vislumbrar as piscinas do hotel. Júlia ficou com inveja das pessoas sorridentes e despreocupadas que circulavam por ali, sem aparentes inquietações a não ser curtir suas merecidas férias. As palavras frias de Miguel e as hipóteses de Bryan sobre ter alguém a vigiá-la estavam acabando com o que restava de sua calma para enfrentar problemas. Foi quando uma das garçonetes aproximou-se de sua mesa com um alvo e expansivo sorriso querendo saber o que gostaria de tomar: Café, leche o ambos? Serviu o café preto solicitado e simpaticamente perguntou se precisava de mais alguma coisa. Diante da negativa e do agradecimento, virou as costas e partiu em busca de novos clientes para seus bules térmicos. Algo em seu íntimo rebelou-se contra seu próprio estado de ânimo e censurou-a. Por que ficar gastando o primeiro dia de suas férias com pensamentos que não a levariam a nada? - “Estou no Caribe, numa linda e paradisíaca ilha, com sol brilhando e nada a fazer a não ser esperar a liberação de meu vôo... Por que fico me mortificando por causa de um futuro noivo ciumento e de um estranho que conheci há menos de vinte e quatro horas?” - Com esta nova orientação em mente, rumou à mesa do bufê onde a aguardavam inúmeras delícias, entre sucos, frutas, pães, frios e bolos variados. Tomaria um belo café da manhã e depois pensaria o que fazer com seu tempo livre.

Andou até a recepção, sem ver nenhum sinal de Bryan, e procurou se informar a respeito do seu vôo. Ficou sabendo que o avião já estava sendo reparado, mas a possibilidade de ciclone sobre o mar na rota para o continente havia retardado ainda mais a saída da ilha. Resignada, imaginou o que faria para passar o tempo e afastar os maus presságios.
- Señor, como se hace para conocer la ciudad e las playas? – perguntou utilizando seus conhecimentos de espanhol, aprendidos no curso de línguas que passou a frequentar após conhecer Miguel.
O recepcionista de meia-idade, que felizmente substituíra o jovem impaciente e afetado da tarde anterior, sugeriu que ela fizesse um passeio a pé pelo centro histórico da cidade, que escolhesse um dos restaurantes ao ar livre para o almoço e, depois, pegasse um táxi para levá-la a conhecer uma ou duas das praias que cercavam a cidade. Sugeriu o nome de algumas delas e desejou-lhe boa sorte. Antes de sair, pensou em deixar um recado para Bryan, mas acabou por achar melhor manter distância. Já tinha tido complicações demais nas últimas horas. Melhor ficar sozinha do que mal acompanhada. Agradeceu e partiu para o seu programa turístico de última hora. Pisou os pés sobre o calçamento da rua, inspirou fundo e seguiu em frente, na direção que indicava o pequeno mapa que recebera de souvenir na recepção e onde o gentil recepcionista marcara os locais mais interessantes a conhecer.
Willemstad

Enquanto andava pelas ruas, admirando a arquitetura e o colorido dos prédios do porto de Willemstad, começou a ter uma estranha sensação de estar sendo seguida. Certamente isso era devido à insinuação maldosa de Bryan a respeito de Miguel feita na noite anterior. Só o que lhe faltava agora era começar a ter alucinações. Apesar disso, de vez em quando dava paradas repentinas na sua caminhada e olhava para trás, quase certa de que pegaria em flagrante algum tipo de espião. Quando adolescente era fã dos livros de Ian Fleming, onde seu principal personagem às vezes viajava para locais como aquele em que estava agora, perseguindo perseguido por malvados espiões a serviço do mal. Riu ao lembrar como gostava de se imaginar como uma das bondgirls a serviço do charmoso agente... Em todos os sentidos.
Numa dessas paradas “estratégicas”, notou um homem baixo, moreno, usando óculos escuros, andando a poucos metros dela. Ao perceber que ela se virara e o encarava, parou de andar e desviou do caminho para olhar uma vitrine.Estaria vendo coisas? Por um momento teve medo, mas depois sacudiu a cabeça, chamou a si mesma de paranóica e se permitiu continuar. Visitou um museu e entrou em alguns prédios antigos. Depois de percorrer o centro histórico tombado pela UNESCO, chegou à área de comércio. Acabou por entrar em uma das lojas onde as vitrines anunciavam trajes de banho. Algumas compras mais tarde, quando saía novamente para a rua, foi empurrada contra a parede e teve sua bolsa arrancada. Mal teve tempo de reparar no rosto de seu atacante, quando viu Bryan, saído do nada a perseguir o assaltante pelas ruas até desaparecer numa rua colateral. Ficou paralisada. Olhou ao seu redor. Procurava alguém em um uniforme policial que pudesse ajudar, mas não encontrou. Uma das vendedoras que a havia atendido poucos minutos antes correu para acudi-la. Levou-a de volta ao interior da casa e ofereceu um copo de água. Em questão de poucos e sofridos minutos, em que pensou o pior, Bryan surgiu no umbral da loja carregando sua bolsa. Sentiu uma onda de alívio ao vê-lo ileso.
- Você está bem? – ele perguntou ainda ofegante, com o másculo rosto afogueado e gotas de suor a escorrer na testa. O cabelo estava sensualmente revolto.
- Estou... E você? Não está ferido? – Ela levantou ansiosa por tocá-lo e verificar pessoalmente sua pergunta, mas acabou por reprimir essa vontade.
- Não. Estou bem... – ele conseguiu esboçar um sorriso, satisfeito ao ver a preocupação genuína de Júlia – Consegui recuperar sua bolsa – disse levantando o volume que carregava na mão direita e caminhando na direção de sua proprietária.
- Onde você estava? Como viu o assalto?
- Eu estava andando por aí e a vi saindo desta loja. Em questão de segundos aquele pivete apareceu e fez o que fez. A única coisa que me ocorreu foi correr atrás dele.
- E o que aconteceu?
- Eu consegui alcançá-lo, peguei a bolsa e ele fugiu.
- E eu pensei que isso só acontecesse no Brasil... Céus!
- Qué suerte tener un esposo valeroso y guapo. – comentou a vendedora.
- Él no es mi esposo... – corrigiu acanhada.
- Sólo compartimos la misma habitación de hotel – manifestou ele, fazendo Júlia ruborizar.
- Mi amigo es muy lúdico – comentou sorrindo amarelo com a vendedora, para logo em seguida lançar um olhar de desaprovação para ele. – Gracias por todo. – agradeceu à jovem que a acolhera e que parecia muito disposta a fazer o mesmo por Bryan também.
- Muchas gracias, señorita. – Bryan reverenciou a moça, arrancando-lhe mais um “sorriso de Mae”, como Júlia passara a chamar todas as manifestações geradas pelas “gentilezas” de seu novo amigo.
- Precisava ter dito aquilo para ela? – falou quando já estavam andando pela calçada sem destino certo.
- Dito o quê? – se fez de bobo.
- Sobre dividir o quarto.
- Não é verdade?
- Sim... Mas não precisa anunciar isso para desconhecidos.
- Só para conhecidos, então? – continuou a implicar com Júlia – Acha que isso vai prejudicar a sua reputação aqui na ilha? – falou com olhar cínico de falsa preocupação.
- Bryan... – repreendeu-o bem-humorada, logo voltando a ficar séria – Muito obrigada.
- Pelo quê? Por manchar sua reputação?
- Não! Por ter se arriscado e conseguido recuperar minha bolsa.
- Bobagem.
- Bobagem nada. E se o rapaz estivesse armado?
- Está bem. – Não queria prolongar muito aquele assunto – Agradecimentos aceitos – finalizou mostrando os dentes alvos e perfeitos e mudou de assunto – Já almoçou?
- Ainda não tinha pensado nisso, mas já que falou... – De repente sentia-se feliz e segura por estar na companhia daquele homem mordaz, arrogante, cavalheiro, às vezes rude, às vezes galante e, surpreendentemente ... Encantador. Seria uma mulher de sorte aquela que o conquistasse. – Acabo de me dar conta que estou morrendo de fome.
- Então somos dois. Quando estava correndo atrás do seu assaltante, acho que vi um pequeno bistrô logo virando aquela esquina.
- Você não está falando sério... – encarou-o incrédula.
- Pode acreditar - e lançou um olhar maroto em sua direção.
- Você é doido! – e começou a rir.
Ele ofereceu seu braço, onde ela satisfeita se enganchou e foram satisfazer seu apetite.

- Ficou chateado comigo por ontem, não? – resolveu perguntar no final do almoço.
- Chateado por que?
- Sobre o que falei quanto a se meter em meus assuntos.
- Não lembro.
- Mesmo que não se lembre, quero que me desculpe. Eu estava cansada, meio bêbada e chateada por causa da maneira como Miguel me tratou ao telefone.
- Ele ligou de novo?
- Não.
Silêncio.
- Quais são seus planos para a tarde? Já sabe sobre o vôo?
- Soube que talvez fosse adiado mais um dia por causa de um ciclone – respondeu um pouco atordoada por ter se lembrado de Miguel e sentir-se culpada por estar aproveitando aquelas horas com outro homem. E gostando disso. Provavelmente Miguel não entenderia aquela sua nova amizade.
- Pois é. Por esta não se esperava. Estes fenômenos são comuns por aqui... Deve ter ficado chateada por ter que ficar mais um dia longe de seu noivo.
- Um pouco... Ele nem está em Santa Cruz para me receber. Pelo menos foi o que disse ontem. Assim, até vai ser bom ficar mais um dia aqui e aproveitar esta escala inesperada. Não conheço a família dele, por isso não gosto da idéia de chegar lá sem que ele esteja por perto.
- Então? O que faremos?
- Tem certeza que quer perder seu tempo comigo?
- Perder meu tempo? Que história é essa? Quando imaginei conhecer este lugar em companhia tão agradável?
Ela pensou ter visto um brilho diferente em seus olhos verde-oliva, mas logo tirou esse pensamento da cabeça. Ele estava sendo apenas simpático...
- Bem, se você não tem realmente outros planos... O recepcionista do hotel sugeriu que eu pegasse um táxi e pedisse para me levar a alguma praia aqui por perto.
- Ótima idéia!
 Era meio da tarde quando chegaram à praia de Cas Abao. Bryan, discretamente, havia se certificado de que ninguém os seguia quando entraram na condução e durante o trajeto até o complexo turístico. Júlia ficou deslumbrada com a pequena enseada, onde a faixa de areia branca contrastava com o verde do campo, próximo à beira-mar, de um lado, e o azul-turquesa das águas límpidas, de outro. A infra-estrutura montada para acolher os visitantes não interferia com a beleza natural do lugar. Palmeiras e palapas conviviam em harmonia, trazendo sombra e sossego aos olhos.
Cas Abao



Palapas na praia
Buscaram as espreguiçadeiras dispostas sob uma das palapas e sentaram-se relaxadamente, admirando a paisagem de sonho.
- Estou me sentindo num comercial de agência de turismo – comentou Júlia.
Ele riu e concordou.
- Acho que não vou resistir... Vou ter que tomar um banho neste mar – ela continuou.
- Pois eu acho que o local é muito familiar para exibições de nudismo – argumentou ele no seu já conhecido tom sarcástico.
- E quem disse que pretendo tomar banho pelada?
- De soutien e calcinha? – exclamou com fingido espanto – Não acho muito apropriado – balançou a cabeça.
- Então espere... – Para surpresa dele, ela se levantou tranquilamente e se dirigiu até um dos banheiros próximos ao bar local, carregando apenas a sacola da loja onde ele a encontrara no final da manhã.
Não demorou mais que cinco minutos para que ele visse Júlia surgir dentro de um biquíni azul-turquesa, como as águas do Caribe, que emoldurava o seu belo corpo, de pernas longas e bem torneadas, coxas grossas, quadril arredondado, cintura fina e seios cheios e firmes. Procurou esconder sua admiração e fazer algum comentário ácido sobre a surpreendente indumentária dela, mas não conseguia encontrar a voz. Indisfarçadamente a devorou com os olhos. Não esperava provocá-lo daquela maneira, mas de certa forma se sentiu satisfeita com o efeito obtido.
- Quer me acompanhar? – convidou-o sedutora.
- Bem que eu gostaria, mas como disse antes, não fica bem me despir aqui, na frente das crianças – olhou em volta onde pequenos grupos familiares se divertiam.
Sem dizer nada, ela tirou da sacola uma toalha de praia e depois esticou o braço para lhe alcançar um pequeno embrulho.
- O que é isso? – perguntou curioso.
- Um presente. Espero que sirva.
- Não posso aceitar, Júlia – disse subitamente sério, imaginando o que era.
- Não disse que gostaria de me acompanhar? Então, por favor... – pediu com um tênue sorriso, que acabou por convencê-lo.
- Mais um motivo para seu noivo me odiar. Isso era para ele, não?
- Compro outro presente depois – cochichou, piscando o olho.
Por fim pegou o pacote e foi até o vestiário. Quando retornou, Júlia precisou de toda sua concentração para não deixar cair o queixo. Nunca imaginou um funcionário público com um corpo daqueles. Já tinha percebido que ele era um homem elegante, mas com aquela sunga ... Tentou fixar o olhar no rosto de Bryan e controlar a respiração quando ele chegou mais perto.
Foto ilustrativa do calção de Bryan
(não é lindo?...O calção...)
- E então... Ficou bem? – disse de um jeito bonachão.
- Ficou... Ótimo! – “Será que ele tem idéia do efeito que tem sobre os hormônios femininos?”, pensou num suspiro abafado. – Que tal se, ao invés de ficarmos jogando conversa fora, entrarmos nesse mar. Quero ver se ele é de verdade.
- Vamos lá!
Instintivamente ele colocou levemente a mão sobre a cintura de Júlia, levando-a rumo às águas transparentes. Ela não conseguiu evitar um tremor que percorreu seu corpo de alto a baixo.
- Está com frio? – ele perguntou sem deixar transparecer que supunha o real motivo da pele arrepiada de Júlia.
- Um pouco – mentiu.
A água estava cálida e muito convidativa. Notaram que havia uma espécie de plataforma amarrada à praia, cerca de dez metros mar adentro, onde os visitantes podiam tomar sol ou saltar para um mergulho.
Vista aérea da praia e da plataforma
- Vamos até lá?
- Será que é muito fundo? – perguntou receosa.
- Não sabe nadar? – Não parecia estar desdenhando dela, apenas curioso.
- Sempre morei no interior até a adolescência, longe da praia, e meu pai nunca considerou nadar uma habilidade importante.
- Mas você não mora no Rio de Janeiro?
- É, mas raramente vou à praia, a não ser para pegar sol ou pular ondas. Por isso nunca me peocupei em fazer um curso de natação.
Ele balançou a cabeça, como se não entendesse aquele argumento, e logo abriu um sorriso.
- Não tenha medo. Eu a ajudo a chegar até lá.
Imediatamente pegou na sua mão e a puxou com cuidado, enquanto avançava contra as discretas ondulações da água que batiam em suas musculosas coxas. Logo a profundidade foi aumentando até que chegou aos ombros de Júlia.
- Ainda faltam uns cinco metros para chegar lá e está ficando muito fundo... Vá você que eu espero aqui. Fico aproveitando a água, que por sinal que está uma delícia.
Sem se preocupar em responder, ele a envolveu com os braços e a ergueu junto ao seu peito, no colo, como se fosse uma garotinha.
- Bryan! – exclamou surpresa, agarrando-se aos ombros fortes e rijos.
- Eu disse que a ajudaria a chegar até lá. Deve ter uma vista fantástica da praia. – falou sorridente, com a maior naturalidade, voltando a caminhar como se estivesse fora d’água.
Aquele contato tão íntimo a deixou tensa, mas à medida que eles avançavam a tensão foi diminuindo e ela teve que se esforçar para não deixar cair a cabeça e descansá-la sobre o amplo e aconchegante tórax. Em determinado momento, ele também não alcançou mais o fundo com os pés. Por isso, passou a nadar usando apenas um dos braços, enquanto com o outro mantinha Júlia firmemente junto a si, cingida pela cintura, de forma que ela ficasse com a cabeça de fora. Quando finalmente chegaram, ele a levantou, com mínimo esforço, e colocou-a sentada sobre a plataforma. Deu um impulso e arremessou a si próprio para fora d’água, sentando-se ao lado dela, admirando a paisagem. Júlia ainda sentia o coração descompassado e começava a ficar alarmada com as reações físicas que tomavam conta dela por causa daquele contato com Bryan. Buscava imagens de Miguel e do que costumava sentir por ele para afastar os maus pensamentos, mas nada era comparável ao fogo que tomava conta dela naquele momento.
- Você está bem? – perguntou ao virar o rosto para encará-la, notando que estava tensa.
- Eu estou bem, sim...
- Se importa se eu for dar um mergulho?
- Fique à vontade, por favor... – disse quase grata por poder ficar um pouco só e voltar a respirar normalmente.
Bryan com agilidade se colocou de pé, em posição para saltar e mergulhou, logo desaparecendo sob a plataforma. Por sua vez, Júlia resolveu aproveitar um pouco do sol e deitou-se de bruços. Passado algum tempo, olhou ao redor e não viu sinal de Bryan. Sentou-se e começou a se preocupar com sua ausência. Procurou enxergar abaixo da superfície, na praia logo adiante, no lugar onde haviam deixado seus pertences, mas não conseguia vê-lo. Já começava a entrar em pânico, quando viu uma grande silhueta com esnórquel vindo em sua direção sob a água. Soltou um suspiro de alívio ao vê-lo emergir ao lado da plataforma.
- Sentiu minha falta? – perguntou após deslocar a máscara de mergulho para o alto da cabeça e subir com a mesma facilidade de antes para sentar ao seu lado.
- Achei que tinha sido devorado por tubarões – revelou, brincando com algo que realmente chegara a pensar.
- Vim convidá-la para ver alguns comigo. Topa?
- O quê? – perguntou incrédula.
- Brincadeira... Venha. Trouxe algo para que possa mergulhar também – disse mostrando outra máscara com esnórquel.
- Nem sei como se usa isso. Além disso o meu mergulho máximo até hoje foi em piscinas, agarrada à escadinha – argumentou sorrindo.
- Olhe, vou ensinar como se usa esse equipamento. Confie em mim. Prometo que não vai se arrepender.
- Sei que vou, mas ... – resmungou, deixando-se persuadir por ele.
Após algumas explicações e demonstrações sobre o uso da máscara e do tubo a ela preso, Júlia criou coragem e, com a ajuda de seu “instrutor”, desceu da plataforma. Sempre segura por ele, conseguiu testar com êxito as orientações recebidas.
- Não se preocupe que vamos para um local mais raso. Vou ajudá-la a se manter próxima a superfície até chegarmos lá.
E assim foi. Da mesma maneira como ele a havia conduzido antes, foram até as formações rochosas que existiam num dos cantos da praia. Ao chegarem, ela voltou a sentir o chão arenoso sob os pés. Entretanto, a visão que teve sob a água, entre os corais existentes ali, foi tão fascinante que até esqueceu seu medo de afogamento.



Peixes e corais

 Peixes multicoloridos, dos mais variados tamanhos, nadavam entre corais e esponjas. As cores das formações calcáreas vivas variavam entre o marfim e o escarlate, passando pelo marrom e o rosa, entremeados por algas e esponjas em vários tons de verde. Tão extasiada ficou que acabou por soltar-se da mão de Bryan e arriscou-se a flutuar sozinha acompanhando o passeio dos peixinhos coloridos que antes só tinha visto dentro de aquários, em terra firme. Por alguns instantes esqueceu que devia manter-se próxima a superfície e abaixou-se um pouco mais para o fundo. Imediatamente a água penetrou pelo tubo, chegando a sua boca. Sentiu o líquido salgado penetrando suas vias aéreas rapidamente. Atento, ao perceber o que estava acontecendo, Bryan ajudou-a a erguer a cabeça para fora d’água e a firmar os pés no fundo . Tossindo desesperadamente, sentiu seu esnórquel arrancado e dois braços fortes levando-a para a segurança da praia que estava a poucos metros. Lá, Bryan a deitou com o abdômen voltado para baixo e, ajoelhado sobre ela, passou a massagear-lhe as costas, numa tentativa de ajudá-la a expulsar qualquer resquício de água que estivesse em seus pulmões. A tosse foi diminuindo aos poucos, sinalizando que o pior já passara. Com cuidado ele a virou de frente, observando as cores voltarem ao belo e pálido rosto. Afastou os cabelos úmidos e sujos de areia e acariciou sua face delicadamente, enquanto ela voltava a respirar normalmente.
- Está bem? – indagou com expressão séria e preocupada.
- Acho que sim... Desculpe...
- Desculpar? Pelo quê? – disse relaxando e deitando-se de lado, com o cotovelo apoiado no chão, de maneira a poder continuar observando-a – Acho que se saiu muito bem para uma primeira vez – sorriu sem tirar os olhos dela.
Num instante, num cruzar de olhares, foram magnetizados um pelo outro. Sentindo o calor do sol e a maciez cálida do terreno arenoso na pele, quase sem perceber, Bryan foi aproximando-se um pouco mais do rosto de Júlia, que por sua vez entreabriu os lábios como a espera de algo inegável e já esperado. Suas bocas se tocaram de leve, despertando um desejo que ambos vinham abrigando desde a chegada à Willemstad. Virando-se sobre Júlia, apoiado nos cotovelos, a boca de Bryan passou a explorar a face ainda úmida, passando a língua timidamente sobre as gotículas de água salgada restantes, arrancando-lhe pequenos suspiros. Naturalmente, ela elevou os braços e envolveu-o no pescoço, puxando-o para mais perto, sentindo o peso dele sobre seu corpo e retribuindo os beijos com ardor. Mais uma vez seus lábios se encontraram, mas já sem a suavidade de antes. Agora o beijo era mais ansioso e invasivo, unindo-os mais completamente. As mãos buscavam acariciar um ao outro e toda e qualquer noção de pudor se perdia. Ele tentara de todas as maneiras não desejá-la, mas o medo de perdê-la e a noção de fragilidade daquela mulher nublaram sua força de vontade levando-o a liberar seu instinto. Porém, uma nesga de consciência e responsabilidade levou-o a interromper a torrente de sentimentos que o envolvera, fazendo-o afastar-se bruscamente dela, deixando-a atordoada. Sentou-se rapidamente, escondendo a visível ereção.
- Talvez seja melhor irmos embora. Está ficando tarde. – falou com a voz enrouquecida.
Confusa e assustada com suas próprias emoções, apenas concordou e aceitou a mão que ele ofereceu para ajudá-la a levantar-se. Ambos não pareciam dispostos a discutir o que acontecera. Ela procurava a lembrança de Miguel para repreender-se e ele voltava a colocar os pensamentos na missão que tinha assumido. Pegou os esnorquéis que tinham sido jogados na beira-mar e foi devolvê-los no quiosque onde os alugara, enquanto ela ia até a palapa pegar a toalha de banho e as roupas secas dos dois. Tão logo estavam vestidos, saíram do complexo em direção ao táxi que os esperava no estacionamento público.

(continua...)




Demorei mais do que pretendia para postar esse capítulo pois tive uma semana meio conturbada no meio doméstico. Além disso, tornou-se um capítulo importante pois o nosso casal finalmente cedeu aos seus impulsos...hihihi... Gostaram? Lembrei muito de um outro casal que começou seu relacionamento junto aos corais de Alagoas (Lucca e Isadora).
Queria aproveitar para das as boas-vindas a mais uma amiga. A Pri, do blog Entre Fatos e Livros(http://fatoselivros.blogspot.com/ ). Como sempre, espero não me demorar muito para postar a continuação.
Beijos!!







sexta-feira, 18 de março de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo V



Ao voltar para seu lugar, Júlia viu Bryan desligando o celular. Parecia preocupado.
- Algum problema? – perguntou.
- Nada. Foi engano. – respondeu colocando o aparelho sobre a mesa – E você? Está melhor?
- Estou ótima!
- Então vamos pedir a sobremesa e um café bem forte – disse já acenando para o garçom.
- Sí, señor?
- Dos tiramissú e dos cafés fuertes, por favor.
- Hum... Tiramissú. Adoro! – exclamou alegremente. O efeito das margaritas perdurava.
Terminado o jantar, Bryan insistiu em pagar a conta. Júlia só parou de discutir quando ele lembrou que a nota seria entregue para a American Airlines e que ele seria reembolsado.
Ao saírem, Bryan não viu o homem suspeito. Talvez estivesse escondido. Contornou a cintura de Júlia com seu braço temendo que ela pudesse tropeçar. As ruas continuavam repletas de turistas. Num relance, ele viu o sujeito parado na esquina próxima apontando um celular na direção dos dois, como se estivesse tirando fotos, entre a confusão de turistas.
- Ei! Não precisa me segurar assim – objetou ela sem perceber que estava sendo fotografada.
- Tenho medo que você caia. – Nesse instante de distração, olhou para Júlia. Ao voltar a atenção para a esquina já não viu mais o “fotógrafo amador”.
- Acha que estou bêbada ao ponto de cair? – falou indignada, tirando a mão dele de sua cintura. – Pois está redondamente enganado. Posso estar um pouco tonta e falando mais do que devia, mas estou bem.
- Ok! Não precisa ficar brava – exclamou levantando as mãos no ar.
Nesse instante ela tropeçou num paralelepípedo desalinhado na calçada e, não fosse Bryan segurá-la, teria caído.
- Que ódio! É esse calçamento antigo – praguejou.
- É claro... – murmurou sarcástico enquanto a ajudava a recompor-se e a envolvia novamente pela cintura. – Por via das dúvidas, deixe-me ajudá-la a chegar ao hotel, está bem?
- Pare de insinuar que não estou bem... – Mais uma vez sentiu a rua girar a sua volta e a mão grande e firme aumentar a pressão em sua cintura – Acho que esta tequila daqui é mais forte que a do Brasil...
- Sem dúvida – concordou ele sorrindo.
Seguiram até o hotel, com Júlia permitindo que ele a apoiasse.
- Fale mais do seu noivo.
- Por que quer saber sobre ele?
- Eu já disse. Quero conhecer o meu assassino previamente.
- Miguel não é um assassino!
- As aparências enganam, minha cara.
- Você está brincando de novo... – sorriu debilmente – Ele pode ser ciumento, mas tenho certeza que não faria mal a uma mosca.
- Você mudou de assunto quando eu perguntei se ele era violento. Por quê?
- Mudei? Não lembro...
Entraram na recepção do hotel e Júlia separou-se dele gentilmente.
- Que tal um último café? – ele perguntou.
- Não... Quero dormir logo. Quem sabe se amanhã não tenho a boa notícia de que o avião está pronto para decolar?
- Pois eu estou gostando muito desta estadia inesperada aqui em Curaçao.
- Ah, mas você está de férias.
- Você também... – ele a lembrou.
Ela mordeu o lábio inferior de leve e arqueou as sobrancelhas, sorrindo e estampando uma expressão de “tem razão”. Depois disso, não falou nada. Apenas virou-se na direção do elevador e começou a caminhar devagar e elegantemente. Parecia estar totalmente sóbria ou, pelo menos, tentava parecer.
- Vou tomar um café antes de subir.
Ela não se virou. Apenas deu um abano com a mão direita elevada e entrou no elevador, desaparecendo andar acima. Bryan sorriu e seguiu para o bar do lounge.

O que deu em mim para ir jantar com este homem? , perguntou a si mesma enquanto voltava a se enrolar no roupão de banho que vestira antes. Não tinha nada próximo do formal para vestir. Levara apenas lingeries, duas camisolas de renda transparentes e um baby-doll curto. Tudo sexy demais para dormir no mesmo quarto com um estranho... Um estranho... Já não tinha mais esta sensação. Aquele jantar a fizera simpatizar com Bryan. Já não o sentia como um inimigo. Talvez um amigo. Aquela desculpa de tomar o último café certamente fora para deixá-la à vontade antes de dormir, assim como fizera à tarde. Demonstrava ser um cavalheiro. Apesar de não saber muito a respeito dele, as informações que tinha o faziam parecer alguém confiável. Funcionário da ONU, que gostava muito de passar as férias nas praias do Caribe, viúvo, com parentes morando na Bolívia e... Muito charmoso. Sacudiu a cabeça para tirar idéias errôneas da cabeça. Afinal ela tinha seu noivo, igualmente lindo e charmoso, esperando-a para apresentá-la a família. Abafou-se sob as cobertas, instintivamente deitada na beirada da cama, longe do sofá onde Bryan deveria deitar. Por sua mente passeavam as palavras dele ao investigar a personalidade de Miguel. Violento... Não. Ele nunca fora violento com ela, mas já o vira ser ríspido com vários garçons e com os motoristas que dirigiam os carros que costumava alugar em suas visitas ao Rio, relembrou. Às vezes tinha a sensação de que ele se segurava para não demonstrar seus aborrecimentos. Uma vez gritara com ela, descontente com as suas dúvidas quanto a acompanhá-lo à Santa Cruz, como sua esposa, e deixar definitivamente seu trabalho. Lembrou do susto que tomou ao ver a face vermelha, com uma expressão de raiva contida, tendo os punhos fechados em riste, avançando sobre ela. Isso durou poucos segundos. Logo ele pareceu se dar conta de que a assustara e tornou a ficar doce como sempre. Pediu desculpas e apenas rogou que ela pensasse melhor sobre seu pedido. Não queria estragar seu encontro com discussões inúteis, foi o que falou... Inúteis... Agora, pensando melhor, porque inúteis?... Seria por que ele tinha certeza de que ela cederia ao fim de tudo? Confiava tanto no seu poder de persuasão? Por que esse tipo de preocupação não surgira antes? Bastou um homem que conhecera a poucas horas fazer perguntas sobre Miguel para que ela desandasse a ter dúvidas a respeito de um relacionamento que durava oito meses... Nem era tanto tempo assim. Ahhh! Aquelas três margaritas haviam desarranjado seu cérebro. O melhor era dormir logo. Antes que Bryan terminasse seu café e subisse. Fechou os olhos com força. Tentou mentalizar a imagem de Miguel em sua mente, de seu beijo, de suas carícias... Oh! Abriu os olhos assustada, pois a imagem que insistia em surgir sobre a de Miguel era o sorriso irônico, os cabelos atraentemente rebeldes e o olhar verde flamejante de Bryan. Não estava acostumada a beber. Era isso. Forçou-se a pensar no trabalho, na visita que fizera à matriz de sua empresa em Nova Iorque, em seu pai e em como ele ficara orgulhoso ao receber seu telefonema contando sobre o reconhecimento de seu trabalho.
Enquanto tentava mudar a direção de seus pensamentos, ouviu a porta do quarto se abrir. Ficou imóvel, permanecendo de olhos fechados e o coração a disparar. Era ele que voltava. Entrou silencioso. Por alguns instantes não ouviu nenhum movimento, como se ele estivesse parado olhando algo... Ela! A respiração ficou difícil e a taquicardia impossível de deter. Pouco depois, ouviu um barulho como se ele estivesse abrindo a maleta para pegar algo. Logo a porta do banheiro se fechou e ela pode respirar melhor. De repente ouviu o chuveiro ser aberto e o box sendo fechado. Ele estava tomando banho. Mantenha-se calma... Ele é um gentleman... Será? Que situação... , agoniava-se, ao mesmo tempo em que se censurava por estar tão preocupada. Afinal ele não dera motivos para duvidar dele. Não parecia ser nenhum maníaco. Afinal era um funcionário público e viúvo... E se ele fosse um assassino? Ele insinuara tantas vezes que Miguel pudesse ser um. E se ele estivesse apenas projetando a sua própria personalidade no seu namorado? Não. Este tipo de pensamento não estava ajudando em nada a acalmá-la. Sentia os pés gelados. Devia ser o maldito ar condicionado que estava no máximo. E se levantasse rapidamente para aumentar a temperatura? O controle do ar estava a apenas uns dois metros de onde estava deitada. Com uma ligeira corrida alcançaria o controle e poderia voltar em segundos para o conforto da cama. Conforto? Mais parecia ter pregos nela agora, mas era melhor que encontrar-se com Bryan saindo do banho. Pensou mais um pouco e decidiu-se. Ainda se ouvia o som dos jatos de água sobre o corpo dele... Levantou-se sorrateiramente e correu em passos rápidos e curtos até o controle do ar na parede do corredor que desembocava no quarto. A luz não era suficiente para enxergar os números ou as instruções do comando. Droga! Bom, para aumentar a temperatura deve ter que se girar para a esquerda, obviamente. Assim o fez, quando ouviu os jorros do chuveiro emudecerem e a porta de correr do box sendo aberta. Com o coração quase a saltar pela boca, correu de volta para a “cama de pregos” e deitou-se o mais rápido que pode. Enquanto esperava a porta se abrir, sentiu que seu movimento óbvio ao mexer no ar condicionado fora um engano. O ambiente começou a gelar mais que o Polo Norte. Quando ele saiu do banheiro, soltou uma imprecação. Abrindo uma ligeira fresta entre suas pálpebras, Júlia o viu vestido apenas com uma cueca boxer branca e uma camiseta de manga curta da mesma cor, iluminado pela luz que emanava do banheiro. Estava diante do controle na parede buscando aumentar a temperatura ambiente. Inesperadamente olhou na direção da cama e para sua única ocupante. Ela estremeceu, temendo que ele pudesse imaginar que ela estava acordada e que tivesse sido a responsável por resfriar drasticamente o clima no quarto. Pensou ter visto ele esboçar um sorriso, mas a penumbra não lhe deu esta certeza. Sem falar uma palavra, ele pegou um travesseiro e uma colcha de dentro do armário e foi para o sofá. Ela ouviu o barulho quando ele se deitou. Quase caiu da cama quando a voz grave soou assustadoramente reconfortante e calma.
- Boa noite, Júlia...
Resolveu ficar muda para evitar qualquer tipo de conversa. Talvez o deixasse em dúvida quanto a ela estar ou não acordada.

O telefone celular tocou estridente no meio da madrugada. Incerta sobre aonde se encontrava, palpou a mesa de cabeceira a procura do interruptor do abajur do seu apartamento no Rio de Janeiro. Como não o encontrasse, abriu um pouco os olhos e viu o brilho do visor de seu aparelho piscando, avivando sua memória. O nome de Miguel brilhava na escuridão. O sono rapidamente se esvaneceu e ela se sentou na beira da cama para atender o chamado, sem notar que alguém observava sua movimentação ansiosa ali ao lado.
- Miguel? Alô? - a resposta pareceu demorar séculos.
- Alô? Júlia!
- Ai, que bom ouvir a sua voz... Tentei ligar inúmeras vezes para o seu celular, mas só sinalizava como “fora da área ou desligado". Onde você está? – Olhou o relógio digital que havia sobre a mesinha e constatou que era 1 hora da manhã.
- Calma... Eu soube o que aconteceu com o avião. Não estou em Santa Cruz, mas fui informado do que aconteceu com o vôo.
- Onde você está?
- Não importa. O que interessa é que você está bem... – Apesar da aparente preocupação com seu bem estar, o tom de sua voz era mecânico.
- Foi um susto e tanto. Pensei que o avião fosse cair...
- Eu acredito... – interrompeu-a – Está sozinha?
- O-o quê? – Não tinha como ele saber de nada... – Que pergunta, Miguel... Claro que estou sozinha... Onde você está?
- Estou ... na Europa... – respondeu vacilante – Talvez eu não esteja em Santa Cruz quando você chegar, por isso mandarei um motorista buscá-la.
- Por que não me avisou que ia viajar?... O quê está fazendo aí?
- Negócios. Quando estivermos juntos, conversaremos.
- Está bem... – Ela o notou estranho e distante. – Está tudo bem mesmo?
- Sim. Muito bem. Cuide-se.
- Nem um beijo?
- Um beijo... Boa noite.
Antes de terminar de responder ele já havia desligado o telefone, onde quer que estivesse. Na penumbra, continuou sentada na cama, a segurar o telefone, atraída pela luz do visor, com uma sensação de vazio no peito. Mesmo depois que a luminosidade se foi, ela permanecia em silenciosa meditação sobre o que se passara no último minuto. Miguel nunca falara com ela daquela maneira tão fria. Ou isso seria apenas uma impressão? Precisar pedir um beijo antes da despedida? Começou a se preocupar com ele. Devia estar acontecendo algum problema sério. Esperava encontrá-lo logo para saber o que era.
- Tudo bem, Júlia?
Ela estremeceu ao ouvir a voz de Bryan. Quase esquecera que não estava sozinha, tão incomodada ficara com a ligação de Miguel.
- Tudo... – e largou o celular sobre a mesa de cabeceira, voltando a se deitar, cobrindo-se até o pescoço com o lençol.
- Deve estar feliz agora que finalmente falou com ele.
- É que... – estava incerta sobre falar com Bryan a respeito de sua preocupação com o noivo, mas sua voz parecia tão tranquilizadora – Bem... Ele estava meio distante.
- Onde ele está agora? – perguntou como se não houvesse entendido o sentido da frase dela.
- Parece que ele está na Europa... Mas não foi isso que quis dizer... Ele estava diferente, parecia chateado com alguma coisa, frio... Não sei por que...
- Na Europa? ... – pensou alto. – Quer dizer... O que ele disse para fazê-la pensar assim?
- Ele estava muito... formal, estranho...
- Não disse em que lugar da Europa?
- Não... Pois é... Nem isso ele disse.
- Talvez seja impressão sua. Talvez culpa por ter mentido para ele.
- Mentido? Não menti para... – parou de falar ao lembrar que Bryan tinha razão – Será que foi isso?
- Por que você disse que estava sozinha? Ele perguntou?
- Sim... Será que ele ligou para o hotel e soube que eu estava com você?
- É uma possibilidade remota. A não ser que ele a esteja vigiando.
- O quê? – ela riu – Imagina! Por que ele iria me vigiar?
- Um noivo ciumento e rico poderia fazer isso.
- Mas nunca dei motivos para ele desconfiar de mim... – ponderou por alguns instantes –Não... Não acredito nisso. Bobagem! - a ansiedade tomou conta dela – Aliás, você não tinha nada que ficar ouvindo a minha conversa.
- É meio difícil estando no mesmo quarto, dormindo no sofá ao lado da sua cama. E quem desandou a falar da sua preocupação foi você mesma. Estou apenas tentando ajudar.
- Você está me deixando mais preocupada que nunca.
- Ok! Não está mais aqui quem falou. Boa noite!
O silêncio tomou conta das sombras que os circundavam. Os minutos se passaram.
- Bryan... – sussurrou. Pensou em pedir desculpas, pois ele tinha razão quanto a ela ter iniciado a conversa. Poderia ter simplesmente ter dito que estava tudo bem e fingir que voltava a dormir.
Ele permaneceu calado. Ela resolveu não insistir, mas custou muito a pegar no sono novamente tantas eram as apreensões que a rondavam.

(continua...)

Bem, agora tenho todo um capítulo pela frente para escrever e um fim de semana para aproveitar.
Ótimo final de semana para todas e muito obrigada pelos comentários, que me deixam muito feliz, e pelas mensagens  pelo meu aniversário.
Beijos, queridas!

PS: Não deixem de ler o romance da Aline lá em http://papeisavulsosdealinekodama.blospot.com/ Está uma delícia...  
















domingo, 13 de março de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo IV


Curaçao



Apesar da companhia de Bryan, do cansaço e da irritação devida aos incidentes ocorridos naquele início de suas férias, que a impediam de reencontrar Miguel, acabou contagiada pelo colorido do centro de Willemstad, com seus nativos alegres, falando o estranho dialeto papiamentu, uma mistura de espanhol, holandês e português, e turistas do mundo todo, andando sorridentes e despreocupados através do burburinho das ruas lotadas.


Curaçao à noite
Caminhavam em silêncio. Bryan parecia aborrecido com alguma coisa. Estranhou que ele não estivesse falante como antes, mas achou por bem não perguntar o motivo, com medo de ouvir algo desagradável. Além disso, não queria muita intimidade com seu companheiro de quarto. Já estava arrependida de ter aceitado seu convite para jantar. Ele parecia conhecer bem a cidade, pois andava com passos largos e rápidos, forçando Júlia a quase correr para não ficar para trás.
- Será que pode ir mais devagar, por favor? – exigiu.
Parecendo dar-se conta da dificuldade dela em segui-lo, diminuiu um pouco a marcha, sem objeções.
- Você está bem? – voltou a perguntar.
- Já estamos chegando ao restaurante. – respondeu olhando rapidamente para trás como se procurasse algo perdido na multidão.
- Tudo bem...
Logo estavam diante de um antigo prédio, de dois andares, pintado em amarelo sol, com mesas e cadeiras avançando pela calçada. Parecia não ter lugares livre e uma fila formava-se na entrada, mas isso não impediu que Bryan entrasse e falasse com o rapaz que estava no balcão servindo bebidas. Em poucos minutos foram levados por um garçom ao segundo andar, onde encontraram uma mesa posta e desimpedida próxima à sacada. Antes de sentar, ele se aproximou da pequena varanda e olhou para baixo, como se estivesse procurando por alguém.
- Está preocupado com algo? Viu algum conhecido?
- Não. Só precaução... – Voltou para a mesa e sentou-se, sem encará-la – Dizem que o índice de criminalidade aqui é baixo, mas quando se anda com um farol como este seu no dedo, precaução nunca é demais – Falou apontando com o olhar para o anel de brilhantes no dedo anular direito de Júlia.
- Você acha perigoso andar com jóias aqui? – perguntou, rapidamente escondendo a mão sob a mesa, temerosa de perder o presente de Miguel.
- Considero um chamariz desnecessário... Meio exagerado este seu noivo, não?
- Ele apenas quis demonstrar o seu... afeto por mim – respondeu com uma expressão de júbilo – Se você gostasse muito de alguém, não daria um anel como este?
- Primeiro: eu não teria dinheiro para comprar um diamante como este. Segundo: acho um desperdício de dinheiro... E terceiro: creio que existem maneiras muito mais interessantes e íntimas de demonstrar amor por alguém – sugeriu com os olhos e a voz o que seria o seu mais “interessante e íntimo”.
- Você costuma vir a Curaçao? – desviou o olhar e mudou de assunto, embaraçada por ele ter tocado em assuntos que não lhe diziam respeito: sua situação econômica e sua vida amorosa.
- Não. É a primeira vez – respondeu estreitando os olhos ao percebê-la encabulada.
- Então... Como...? – indagou com um gesto de dúvida.
- Como chegamos aqui? – ele sorriu – Enquanto você repousava hoje à tarde, dei uma volta, vi este lugar e fiz uma reserva. No hotel me disseram que eles servem uma excelente comida caribenha. Sem mistérios. Satisfeita?
- Olhe, já que estamos juntos nessa situação infeliz, que tal se parar de ser... – enquanto tentava achar a palavra exata para defini-lo, mordeu graciosamente o lábio inferior enquanto franzia as sobrancelhas. – ...Sarcástico.
Ele deu um meio sorriso, entregou-lhe um cardápio e fixou-se no seu próprio.
- Sinto muito... – continuou a olhar para o menu – Não estou de muito bom humor esta noite. Talvez não seja uma boa companhia.
- Ok! Vamos escolher o que comer – comandou, lutando contra a vontade de perguntar o que o tinha deixado mal-humorado.
Como ele manteve a atenção no pedaço de cartão retangular em suas mãos e aparentemente ali mergulhou a procura de uma sugestão para o jantar, ela passou a admirar o ambiente a sua volta. Talvez fosse a melhor solução no momento. Júlia observou as paredes caiadas em tons de amarelo, com algumas pinturas representando figuras nativas, além de quadros de santos, gaiolas de passarinho penduradas no teto, utilizadas como luminárias. Ao lado desta decoração casual, de forma inusitada, as mesas de madeira antiga eram ladeadas por variadas poltronas e cadeiras clássicas, em estilo século XVIII, forradas de veludo bordô, ou com revestimento de couro marrom.



Interior do Restaurante
- Ya elegido? – perguntou o garçom de pele reluzente.
- Para empezar, una margarita. Voy a tener la sopa de langosta y pescado a la parrilla. – falou em perfeito espanhol, entregou a carta ao garçom e olhou para Júlia – E você?
- Vou confiar no seu gosto e pedir o mesmo – afirmou, guardando sua admiração.
Ele não conseguiu esconder a surpresa ao ouvi-la.
- Agradeço a confiança – disse com um aceno de cabeça e continuou falando ao garçom – Para los dos, por favor.
Após alguns instantes de incômodo silêncio, ele perguntou:
- Está noiva há muito tempo? – apurou olhando para a mão direta de Júlia, que voltara a ficar sobre a mesa.
- Na verdade, ficaremos noivos lá em Santa Cruz. Ele quer a família presente.
- Ah, então ele é boliviano? Que interessante... Em que ele trabalha? Poços de petróleo?
- Não. A família dele tem uma empresa de importação e exportação – respondeu, ignorando a nova ironia.
- Importa e exporta o quê? Se é que posso perguntar...
- Alimentos. A agroindústria está muito desenvolvida em Santa Cruz.
- Deve estar mesmo e enriquecendo muita gente pelo visto.
- É... Acho que a família de Miguel não tem do que se queixar.
- Miguel... É este o nome do afortunado.
- É... – Foi interrompida pelo garçom que surgiu com duas margaritas sobre a bandeja.
Após a retirada dele, Bryan levantou seu drink e propôs um brinde.
- À uma possível amizade?
- Talvez... – respondeu incerta, mas acabou por erguer sua taça.
- E você ... Em que trabalha?
- Sou um humilde funcionário público.
- Está a serviço?
- Em férias. Vou visitar alguns parentes que moram na Bolívia – Sua expressão nublou-se momentaneamente, mas logo voltou ao normal.
- Alguém doente?
- Não. Por quê?
- Você pareceu preocupado.
- Impressão sua – objetou, enquanto chamava a atenção do outro rapaz que servia naquele andar – Por favor, dos más – solicitou sinalizando com o copo de margarita vazio.
- Não está tencionando me embebedar,está?
- Pode ter certeza... Que não. – respondeu com um sorrisinho no canto dos lábios – Além disso, eu estaria correndo sério risco de ser morto por um noivo enciumado.
- Isso sim pode ser uma certeza – confirmou bebericando o final da sua primeira margarita.
- Ele é violento, então? – insinuou.
Para alívio de Júlia, a sopa de lagosta chegou logo em seguida e ela preferiu não responder a inconveniente questão.
- Que delícia! Não imaginei que fosse ser tão boa... Picante...
- A culinária caribenha é bem temperada – explicou olhando-a como se estivesse estudando seus movimentos e expressões.
- Você parece conhecer bem o Caribe...
- Como eu disse, venho muito para estes lados.
As margaritas chegaram, interrompendo por alguns segundos a conversa.
- Que tipo de funcionário público é você para viajar tanto para estas ilhas?
- Um funcionário público que adora fazer turismo no Caribe em suas férias anuais.- redarguiu – E você? O que faz quando não está noivando?
- Quando não estou noivando – ela sorriu divertida – trabalho para uma empresa americana de cartões de crédito.
- Interessante...
- Eu sou advogada e desisti de fazer carreira solo. Acabei sendo contratada pela filial do Rio de Janeiro. Estou na chefia do setor de cobranças da empresa há um ano.
- Então fica confinada em um escritório o dia todo.
- Eu gosto do serviço burocrático e eles apreciam conselhos para melhoria do serviço. Agora mesmo, fui chamada pela matriz em Nova Iorque como prêmio por meu trabalho.
- Ora, parabéns! Você deve ser muito eficiente no que faz.
- Tento fazer o meu melhor.
- E... Como conheceu seu noivo? Não deve ter muito tempo para namoros. Além do mais ele sendo boliviano...
- Conheci Miguel durante uma exposição de arte lá no Rio. Vamos fazer oito meses de namoro.
- Ele mora no Rio?
- Não. Ele viaja muito por causa dos negócios da família, mas mora em Santa Cruz – comentou dando mais um gole em seu drink.
- Então não o vê com muita frequência.
- Ele costuma ir ao Rio a cada 15 dias.
- Ele deve estar mesmo apaixonado para enfrentar aeroportos e aviões a cada duas semanas.
- Ele é um amor... – disse com um brilho sonhador nos olhos, que provocou uma passageira sombra de reflexão no rosto de Bryan.
- Está apaixonada também, pelo visto.
- Dá para perceber? – perguntou sorridente.
A segunda margarita começava a fazer efeito.
- É evidente.
- Tudo seria perfeito se não houvesse um problema.
- Qual?
- Ter que deixar meu emprego e morar em Santa Cruz.
- Casando com ele você não vai precisar mais trabalhar, minha cara. Ele não é milionário?
- Sim, mas é que eu batalhei tanto para conseguir chegar onde estou... E sei que ainda tenho muito pela frente... Não sei se vou gostar de perder minha independência econômica, deixar de trabalhar para ficar em casa... Não sei... – divagou mais para si mesma do que para Bryan ouvir e terminou de emborcar o resto do seu copo. Olhou para o prato vazio da sopa.
Sem perceber, Bryan fez sinal para o garçom trazer mais dois coquetéis de tequila, cointreau e limão.
- Fale mais deste seu noivo... Talvez ajude falar dele para tomar sua decisão – argumentou diante da expressão perdida de Júlia.
- Ele é carinhoso, gentil, engraçado, mas...
- Mas?
Foi a vez de o garçom retirar os pratos fundos e trocar pelo apetitoso e alto filé de peixe-espada grelhado, acompanhado por bananas fritas. Assim que ele se retirou, após desejar bon apetit em papiamentu, Bryan voltou a insistir com Júlia sobre o seu “mas”.
- Como você estava dizendo, ele é muito bom, mas...?
- Por que está tão interessado?
- Talvez para conhecer melhor meu rival.
- Rival? – ela soltou uma gargalhada – Você não leva nada a sério...
- Está bem. Estou brincando, mas fiquei preocupado com sua dúvida.
- Dúvida? Preocupado? Por quê?
- Casamento é um passo muito sério.
- É casado?
- Já fui – respondeu com certa tristeza.
- Não deu certo?
Sem desviar o olhar do seu rosto respondeu:
- Ela morreu.
- Oh, sinto muito – Sem saber o que dizer ou perguntar, tomou um grande gole da terceira margarita. Sentiu-se tonta assim que baixou a cabeça e largou o copo sobre a mesa. – Acho que estou bebendo demais.
- Vai ser bom para relaxar depois de tudo que aconteceu.
- Só imagino a preocupação de Miguel quando souber. Vai querer processar a AA.
- Ele deve gostar muito de você...
- Ás vezes acho até um pouco exagerado. Ele me liga quase todo o dia, querendo saber tudo o que fiz, se estou bem, se nada está me afligindo... Às vezes fico com medo deste jeito dele... – receou em voz alta.
- Possessivo?
- Eu diria ...Ciumento... Não sei por que estamos falando disso. Eu nem o conheço direito e estou aqui a falar sem parar sobre a minha vida.
- Estamos nos conhecendo. Afinal vamos ter que dividir um quarto de hotel.
- Nem me lembre disso. – Ela fechou os olhos por alguns instantes e quando os abriu, disse – Vou ter que ir ao toalete. Acho que bebi um pouco demais.
- Quer ajuda?
- Não, obrigada. Acho que consigo chegar lá sozinha. – terminou de falar, pegou a bolsa e levantou-se – Puxa, estou um pouco tonta – observou sorrindo.
- Tem certeza que não quer ajuda?
- Absoluta. – respondeu com a voz um pouco mais alta que o normal e seguiu na direção da porta onde se encontrava um leque colorido indicando o banheiro feminino, que por sorte era naquele andar e não no inferior.
Bryan ficou atento a sua desenvoltura, temendo que ela pudesse cair, mas tranquilizou-se ao vê-la chegar sem dificuldades ao seu destino. Tão logo a porta do toalete se fechou, ele dirigiu-se até a sacada em frente à mesa e olhou para baixo. O homem que os seguira até o restaurante continuava ali, encostado na parede, fumando um charuto.

(continua...)


Como vêem estou tentando fazer capítulos mais curtos e conseguindo postar mais cedo. Não sei se vou poder continuar neste ritmo, mas vou tentar.
Estão gostando? Espero que sim, pois estou adorando escrever e viajar por Curaçao, que estou conhecendo através deste romance. Esse é uma das coisas que me atraem ao escrever. A possibilidade de pesquisar locais, costumes e tantas outras coisas. Viajar sem sair do lugar e levar os amigos junto...rsrsrs. Pelo menos essa é a intenção.
Até a próxima...
Beijos!!






segunda-feira, 7 de março de 2011

Pelo de Punta (Arrepiada) - Capítulo III

Um suspiro geral da tripulação e dos passageiros pode ser ouvido quando o vôo 1278 finalmente estacionou sobre a pista do Aeroporto de Curaçao. Depois da confusão normal, reclamações de quem tinha compromissos ou negócios em Santa Cruz, que era a grande maioria, explicações do representante da AA e do comandante, foi informado que todos ficariam hospedados num dos bons hotéis do centro de Willemstad, capital da ilha localizada há 10 quilômetros do aeroporto, com despesas de refeições incluídas, pelo prazo máximo de dois dias, tempo necessário para que fosse feito o conserto do equipamento avariado, já que não havia aeronaves disponíveis para substituição.
Cansada e desanimada pelo adiamento de seu encontro com Miguel, Júlia entrou no ônibus que levaria os descontentes viajantes para a hospedagem compulsória. À chegada, na recepção, foram orientados a aguardar a chamada pelo nome para pegar as chaves de seus quartos. Aos poucos, todos foram sendo acomodados. De repente, o recepcionista chamou o nome de Júlia e de outro desconhecido.
- Mr. Bryan Phillips e Mrs. Júlia Monteiro!
Estranhou ter sido chamada de senhora e por ter seu nome unido ao de outra pessoa. De qualquer forma seguiu em frente. Coincidentemente seu “colega” de viagem se colocou ao seu lado diante do funcionário. Depois disso veio o pior. Saber que dividiriam o mesmo quarto.
- O quê? – exclamou Júlia perplexa diante do que acabara de ouvir do homem gordo, suarento, de voz fina e trejeitos femininos, que se encontrava parcialmente protegido de suas mãos atrás do balcão da recepção – Está me dizendo que vou ter de ficar no mesmo quarto com este homem? Está brincando?
- Parece que não querem nos separar, querida. – ironizou Bryan apoiando seu braço na bancada de mármore, atraindo os olhares do recepcionista gay.
- Sinto muito, senhora... – se desculpou piscando os olhos nervosamente.
- Senhorita!
- Sinto muito, senhorita Monteiro, mas o hotel está lotado. Estamos tentando fazer o possível para acomodar a todos da melhor maneira.
- Eu me recuso a dividir um quarto com ele. Eu nem conheço este homem!
- Muito prazer... Bryan Phillips, a seu dispor – brincou ele oferecendo-lhe a mão em cumprimento, que obviamente foi recusada – Por mim, não tenho problema em ficar com você. Você ronca? – fez a pergunta em tom mais baixo, junto ao seu ouvido, de forma que o funcionário da recepção não ouvisse.
A face de Júlia tingiu-se nas cores do vermelho ao roxo diante da grosseria da pergunta.
- Prefiro dormir na recepção – disse cada vez mais indignada.
- Infelizmente isso não é possível, senhora – retrucou o jovem efeminado, lançando um olhar para cima indicando que sua paciência estava no limite, pois havia mais hóspedes para atender.
- SENHORITA! – Sua paciência também se esgotara – Não é possível que não tenha lugar em outro hotel nesta cidade. Quem é o representante da companhia aérea que está administrando esta hospedagem?
- Posso lhe afirmar que não há lugares em nenhum outro local da ilha, pois é alta temporada e todos estão lotados.
- Júlia, não existe outro jeito. – falou Bryan subitamente mais compenetrado. – Peço perdão pelo meu comportamento. Prometo que não serei inconveniente e agirei como se você não estivesse no mesmo apartamento. Será apenas uma noite, talvez duas...
- Não acredito no que está acontecendo... – lamentou sacudindo a cabeça inconformada.
- Senhor, o quarto já está pronto. Os cartões estão aqui. Logo mandaremos o mensageiro levar suas malas. É a suíte 402, no quarto andar. O elevador fica neste corredor em frente, à esquerda – finalizou com um sorriso arreganhado muito semelhante ao da aeromoça Mae.
- Ótimo. Muito obrigado. Vamos?
Júlia lançou um olhar gélido que fez murchar o sorriso recém nascido em seus lábios. Em vista disso, Bryan seguiu para o elevador. Júlia totalmente contrariada saiu pisando duro logo atrás dele, procurando o celular dentro da bolsa, lutando contra o peso da maleta de mão.
- Quer ajuda com sua maleta? – disse gentilmente ao entrarem no elevador.
- Não, obrigada! – respondeu sem despregar o olho do aparelho em sua mão que insistia em não dar sinal de vida.
- Deve ser a bateria...
- Não tem sinal...
- Quer usar o meu?
- Não, obrigada. Vou ligar do apartamento.
- Olhe... Sei que é uma situação desagradável dividir um quarto com alguém desconhecido e por quem você não nutre a mínima simpatia. Eu posso entendê-la perfeitamente – completou a frase dando ênfase na última palavra, com um brilho de ironia no olhar.
- Vou ligar para o meu noivo e sei que ele vai resolver esta situação.
- Ah! E quem é o seu noivo, se me permite perguntar?
- Não lhe interessa – rebateu sem despregar os olhos do celular em sua mão, ainda com esperança que algum sinal surgisse no visor.
Desceram do elevador. Foram até o número 402. Bryan abriu a porta e, com um gesto cortês, permitiu que ela passasse na sua frente. Ato contínuo, sentiu ela deter o passo. O motivo... Uma cama de casal. Enorme e convidativa.
- Não é possível...
- O sofá parece bem confortável – sugeriu Bryan, com voz bem humorada, indicando a peça que ocupava um recanto próximo à janela.
- Você não cansa de ser tão otimista?
- Desculpe por tentar ver as coisas pelo lado bom...
Enquanto ele olhava as instalações do banheiro, ela foi diretamente para a mesinha de cabeceira onde se encontrava o telefone. Primeiro pediu camas de solteiro na recepção, recebendo a informação de que não seria possível satisfazer sua solicitação por não haver qualquer cama a disposição no momento. Acabou por solicitar uma ligação para Miguel. Depois de várias tentativas sem sucesso, olhou a cama de casal, colocou a mão esquerda na cabeça, apoiando o cotovelo sobre o braço direito, e começou a chorar em silêncio.
- E então? Conseguiu? – indagou Bryan, que já estava na janela analisando o movimento intenso da rua diante do hotel e o colorido dos prédios a sua volta. Eram quase seis horas da tarde e o sol já batia em retirada.
Como não obteve resposta, voltou sua atenção para Júlia e a viu em pranto silencioso. Concluiu que ela fora vencida pela desesperança de melhorar sua situação. Reconheceu que estava pegando pesado com a jovem e acabou por sentar-se ao seu lado, na beira da cama, com o intuito de tentar consolá-la.
- As coisas não são tão ruins assim... Imagine se o avião tivesse sofrido uma pane mecânica e tivesse caído no mar... – Notando que esta observação não havia feito a expressão dela melhorar, continuou. – Pare de chorar, por favor... Não posso ver uma mulher chorando... E pegue o meu celular e faça esta ligação de uma vez.
Fungando e limpando os olhos discretamente, finalmente falou.
- Obrigada... Não vou insistir. Se conseguir falar com ele, só vou preocupá-lo. Provavelmente nem ele pode me ajudar mesmo – lamentou com voz chorosa e resignada.
- Eu insisto – parecia determinado a fazê-la ligar. – Talvez ele possa lhe dar um melhor consolo que eu... Só não diga que está comigo neste quarto, pois não quero ser vítima de um noivo ciumento.
Pela primeira vez, desde que se conheceram, a viu esboçar um sorriso.
- Está bem... – Aceitou o oferecimento e teclou o número de Miguel.
Depois de três tentativas, em que ouvia a voz mecânica dizendo para deixar o seu recado, desistiu, devolvendo o celular a Bryan.
- Então, eu vou dar uma saída, enquanto você toma um banho e relaxa. Volto dentro de uma hora. Por favor... Esteja decente – recomendou sério, batendo de leve com a mão em seu joelho, levantando-se imediatamente e saindo antes que ela pudesse criticar o deboche dele.
Seguindo o conselho, tão logo se viu sozinha, pegou uma muda de roupa íntima, que sempre levava em sua bolsa de mão em viagens, e foi verificar se o hotel dispunha de roupão de banho. Vestiria um até que sua mala fosse entregue. Dentro do armário havia dois robes brancos atoalhados. Pegou um e foi para o banheiro. Enfiou-se debaixo do chuveiro depois de ter certeza que a porta estava trancada. Sob os fortes jatos de água quente, perguntava-se onde estaria Miguel para ter tanta dificuldade em encontrá-lo. Pouco depois, seus pensamentos voltaram-se para Bryan. Ele, afinal, tinha sido gentil emprestando o celular e saindo do quarto para que ela ficasse à vontade para tomar banho. Talvez não fosse uma pessoa tão desagradável como tentava parecer. Esta impressão poderia ser fruto da sua irritação com o que ocorrera no aeroporto de Nova Iorque. Ele apenas tivera o azar de cruzar a sua frente no momento errado. Claro que ele era um sujeito extremamente sarcástico e convencido, mas... Era melhor manter uma distância razoável, sem intimidades, porém sem atritos ou rancores, já que teriam que dividir o mesmo quarto.
Terminado o banho, já seca, envolveu-se no roupão e, como as malas ainda não haviam chegado, deitou-se para descansar um pouco. A hora que fora determinada por Bryan ainda estava correndo. Esperava que suas roupas chegassem antes dele retornar. Contudo, o cansaço acabou por vencê-la. As pálpebras foram pesando mais e mais, o conforto felpudo e macio do roupão envolveu-a e o sono foi inevitável.
Nem a exclamação em alto e bom som que Bryan pronunciou, anunciando sua chegada para evitar constrangimentos, foi suficiente para acordá-la. Quando entrou, encontrou-a em sono profundo, encolhida sobre a cama. Parou por alguns momentos para observá-la mais atentamente. Nem parecia a mesma mulher irritada, contendo-se para não atirar o que estivesse à mão sobre ele, que encontrara no JFK. Sentia que tinha exagerado um pouco com ela, mas este costumava ser o seu jeito de defender-se das mulheres que o atraíam. Infelizmente ela o atraía... E muito. Tentava racionalizar os pensamentos, quando tocaram a campainha. Era o carregador, conforme verificou quando atendeu a porta. A bagagem foi deixada sobre um maleiro de madeira. Deu uma gorjeta ao rapaz e dispensou-o.
Olhou para Júlia. Agachou-se ao lado da cama e afastou com cuidado alguns dos fios castanho-claros que caiam sobre seu rosto. Parecia tão serena que achou por bem deixá-la descansar mais um pouco. Sentou-se no sofá, segurou seu Iphone e começou a teclar. Cansado como estava, acabou por cair no sono também.
Já era quase nove horas da noite quando Bryan despertou com a boca seca, efeito provavelmente provocado pelo ar condicionado. Júlia continuava na mesma posição em que a vira pela última vez. Foi até o banheiro, tomou um banho e arrumou-se para o jantar. Depois de pronto aproximou-se da cama, inclinando o corpo na direção de Júlia.
- Júlia... Júlia... – murmurou – Acorde...
Ela apenas franziu a testa, virou-se de frente e continuou dormindo. Quando se preparava para deixá-la, ouviu-a sussurrar o nome de Miguel e, curioso, aproximou-se um pouco mais. De súbito, teve o pescoço envolvido ternamente por um par de braços macios e quentes. Irresistivelmente atraído, com a boca muito próxima de seus lábios, ficou tentado a beijá-la, o que só não aconteceu porque ela abriu os olhos.
- O que está havendo? – exclamou surpresa libertando Bryan de seu abraço e empurrando-o para trás – O que você está fazendo?
- Quem estava me atacando era você! – defendeu-se indignado.
Confusa, levantou da cama e cingiu o roupão em torno de seu corpo mais firmemente, numa atitude de defesa.
- Eu estava tentando acordá-la para convidar para jantar. Acho que você estava sonhando com seu noivo...
- Por que diz isso?
- Você disse o nome dele e me agarrou. Homem de sorte, ele... – comentou malicioso.
- E o que você estava fazendo tão perto?
- Olhe – tentou mudar o assunto para evitar mais enfrentamentos – Já são mais de nove horas da noite e estou faminto. Queria convidá-la para jantar, mas pelo jeito o sono não lhe devolveu o bom humor. Assim, quero apenas anunciar que estou saindo. Boa noite!
Já estava quase batendo a porta quando a ouviu chamar.
- Bryan.
Por alguns segundos ele ficou paralisado, pensando se deveria voltar ou simplesmente fazer que não escutara sua voz. Voltou.
- Desculpe... – disse ela desconcertada – Eu também estou morrendo de fome. Pode esperar que eu me arrume? Vi que as malas chegaram...
- Eu a espero lá na recepção – disse secamente e virou as costas.

(continua...)


Pronto! Mais um capítulo... Curiosas? Acho que este Bryan vai atrapalhar um pouco a vida da Júlia. O que acham?...rsrsrs
Um feliz final de feriado a todas vocês.
Mil beijos!