domingo, 27 de novembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XV (2ª parte)

Ana não conseguia parar de andar dentro daquela cabine, tal sua ansiedade e sentimento de impotência, sem lugar para onde fugir da presença desagradável do irmão de seu pai. Seu coração comprimia-se dentro do peito cada vez que imaginava o que teria acontecido à Nigel,  aos seus amigos ou, mesmo com Didier. Teria ele se aliado a Sam para entregá-la ao tio por dinheiro? Custava a acreditar, pois apesar de ladrão e mesquinho, parecia nutrir certo afeto de pai por ela... Ainda que, reconhecia, de maneira quase imperceptível. Esforçava-se para crer que Nigel estava bem e atrás deles. O Highlander estava quase pronto para partir na última vez  em que o visitara. Como gostaria que tudo aquilo fosse apenas um mau sonho e que de uma hora para outra pudesse acordar nos braços de seu amor. Em certos momentos perdia todas as esperanças e pensava em maneiras de escapar da cabine e pular em mar aberto. Preferia morrer a enfrentar a luxúria do abominável Cristóbal. Sua aflição sofreu um baque ao ouvir um estrondo seguido de um estremecimento, que a fez desequilibrar e ser jogada contra a cama. Assim que se recuperou, pode ouvir os gritos de Castilhos e de seus piratas. Parecia que estavam sendo atacados. Seria Crow que os tinha alcançado? Será que suas preces tinham sido ouvidas? Correu para a porta, apesar de saber que estava trancada por fora. Tentava ouvir qualquer coisa que lhe sugerisse a promessa de que logo seria libertada. Assim que colocou o ouvido colado a madeira com cheiro de bolor, ouviu a chave girando na fechadura e foi empurrada para trás violentamente. Nem bem tinha se recuperado do susto, viu a figura de Cristóbal, de olhos arregalados e assustados, entrando atabalhoadamente, fechando a porta às suas costas e passando a chave.
- O que está havendo? – perguntou esperançosa.
- Estamos sendo atacados – respondeu imediatamente, mas logo percebeu a expectativa de Ana e maldosamente tratou de tirar-lhe qualquer esperança de voltar aos braços do pirata inglês -, mas não é pelo seu amante. Infelizmente, um navio da marinha inglesa detectou nossa presença e está em nosso encalço... Só espero que Castilhos saiba realmente dirigir essa tina de madeira e escapar desses lambe-botas da Elizabeth – finalizou com a voz amedrontada, pois, apesar de seus títulos e riqueza, era um grande covarde, afinal.
Seu medo de ser detido pelos ingleses ou de morrer num confronto em alto mar era maior que o seu desejo de seduzir Ana. Por isso dirigiu-se até a escotilha e de lá tentou ver como se desenvolvia a perseguição, segurando, trêmulo e aflito,  a bainha de seu punhal. Tivera algumas aulas de esgrima por exigência de seu pai, mas nunca realmente se interessara pelas armas e lutas corpo a corpo. Sempre fora Ramon que mostrara desde tenra idade coragem para os combates e ânsia em aprender o manejo da espada. Já Cristóbal preferia maneiras mais ardilosas e inermes de eliminar seus inimigos, como calúnias, venenos e o uso da adaga nos desprevenidos. Ao vê-lo distraído, Ana levou os olhos até a fechadura da porta, mas decepcionada percebeu que a chave havia sido retirada e guardada por seu tio. Só lhe restava aguardar os acontecimentos.
No convés, Castilhos gritava ordens, preparando-se para o pior. A cada minuto tornava-se mais difícil esquivar-se da iminente ofensiva. Ordenou aos canhoneiros o primeiro ataque mirando as galerias da nau inimiga, revidando o tiro de aviso que recebera pouco antes. Seria obrigado a lutar e mostrar ao comandante inglês o erro que havia cometido ao tentar capturar o El Tiburón.


 - Navios à vista!! Todos ao convés!
Ao ouvir aquele grito, Crow saiu correndo de sua cabine seguido por Brett. Valentina já estava enroscada nas cordas, subindo através delas para o alto do mastro de onde poderia enxergar melhor as embarcações próximas.
- É o El Tiburón? – Crow perguntou gritando com a esperança renovada.
- Não dá para ter certeza! Um dos navios parece ser da marinha inglesa  e está perseguindo o outro mais a frente... Um galeão!
Animado, decidiu-se, mesmo antes de ter a certeza de que aquele era o navio de Castilhos.
- Vamos ajudar esses ingleses. Partir para o ataque, seja ele de Castilhos ou não! – bradou sua ordem, provocando exclamações de satisfação dos piratas a sua volta que clamavam por um pouco de ação.
- Não é melhor termos certeza antes? Acho arriscado nos metermos  entre duas embarcações inimigas durante uma batalha, principalmente quando as duas não simpatizam conosco. – argumentou Brett.
- Preciso fazer alguma coisa para não enlouquecer. Os homens precisam de uma recompensa por estarem unidos a mim nessa missão de resgate apenas por lealdade. Além disso, talvez eu precise começar a fazer as pazes com a Inglaterra. Quando eu voltar para lá com Ana, quero ter minha vida de volta. E se for Castilhos... Não vejo a hora de por minhas mãos naquele patife.
- É... Talvez tenha razão – disse mais animado em relação à Crow, que pela primeira vez desde a saída de Eleuthera, demonstrava algum entusiasmo – Estou às suas ordens, Capitão!
- Icem a bandeira inglesa quando estivermos mais próximos! – O Highlander possuía bandeiras de várias nacionalidades que eram içadas conforme a origem de suas vítimas – A toda velocidade, ao ataque! Canhoneiros preparados!
Logo as manobras de aproximação do local foram iniciadas e, em vista da velocidade com que se deslocavam, facilmente chegaram até eles.  Para satisfação de Crow, a bandeira pirata no alto do mastro do galeão foi avistada e o nome do El Tiburón pouco depois se tornou evidente. Crow não conteve um grito de satisfação, e ordenou que mirassem os canhões nos mastros principais, evitando  as galerias inferiores, onde imaginava que Ana estivesse aprisionada.
Pegos de surpresa, os espanhóis só viram a segunda bandeira inglesa alcançá-los quando sofreram o primeiro tiro de canhão, que os pegou em cheio no mastro central.  Não tiveram tempo para reagir, pois a maior parte deles estava brigando com os oficiais ingleses, que já faziam a abordagem do navio inimigo e davam as boas vindas à ajuda inesperada. O segundo tiro atingiu parte da proa. Quando o Highlander emparelhou com o El Tiburón, grossas cordas foram lançadas para facilitar a ancoragem junto ao inimigo. Dessa maneira, preso entre as duas naus, não havia como ele escapar. Crow foi o primeiro a pular para dentro do galeão.  Empunhando sua espada,  iniciou a derrubada daqueles que ousavam enfrentá-lo. Com uma fúria incontida, não dando a menor chance de sobrevivência aos seus azarados oponentes, procurava ávido ao castelhano que lhe roubara sua mulher. Brett o seguiu, porém com uma outra missão em mente: afastar aqueles que tentavam aproximar-se de Tina, que acabara de surgir munida de espada e punhal, pronta para o combate como qualquer um de seus pares. E ela lutava bem, para orgulho e  desespero do imediato.
Quando Crow finalmente percebeu a presença de Castilhos, este se encontrava sobre o comandante inglês, quase vencendo a luta. Antes que pudesse desferir o golpe fatal no oficial com seu sabre, Crow o surpreendeu, empurrando-o para longe e colocando-se entre os dois homens. Ao ajudar o jovem oficial a levantar-se,  reconheceu nele um antigo amigo do seu tempo de serviço na Marinha Real. Sem tempo para confraternizações, Crow voltou-se para Castilhos, que restabelecido do brusco empurrão, encarou-o com ódio e partiu para cima dele cortando o ar com o fio de sua espada, avançando rapidamente, tentando atingi-lo de todas as maneiras. Para seu infortúnio, Crow conseguia barrar todas as investidas com a sua rapieira, herança de seu mentor Capitão Hawk. 
Rapieira
Uma arma esguia, que era geralmente roubada devido ao seu alto preço, era muitas vezes feita sob medida para nobres. O pirata que a possuía tinha que ter mais experiência em combate, devido as proporções da arma.São geralmente espadas com a lâmina relativamente longa e fina, ideal para golpes de perfurações e uma proteção de mão com complicados filetes de metal, o que a torna uma bela arma.

O choque entre as armas originava faíscas no ar, tal a brutalidade dos golpes do aço contra aço.  Em um dos assaltos, a lâmina de Castilhos atingiu o braço de Crow de raspão, cortando o tecido de sua camisa, provocando um pequeno sangramento que não deteve seu contra-ataque violento.
- Onde está Ana? – bradou irritado.
- Está segura! Assim que eu acabar com você, terminarei minha missão entregando-a na casa de seu futuro marido! – dardejou a língua venenosa, deixando Crow emocionalmente desarmado por um momento.
-Marido?
Ele só não foi ferido novamente, pois Brett chegou a tempo de evitar o golpe, colocando sua espada entre a de Castilhos e o pescoço de Crow.
Tão logo esse se recuperou, partiu para cima de Castilhos mais uma vez. Brett deixou-os, desviando o olhar apreensivo a procura de Valentina. Poucos instantes depois, o capitão do Highlander conseguiu, num golpe de mestre, arrancar a espada das mãos de Castilhos e colocá-lo sob sua mira na ponta da rapieira.
- Agora me leve até onde está Ana ou enterro isso em sua garganta – ameaçou.
 Aos poucos, os gritos e o tilintar das espadas foram acalmando-se e os espanhóis foram dominados ao verem seu líder fora de combate. O comandante inglês agora observava atento ao confronto dos dois homens a sua frente, sem entender que tipo de rixa pessoal estava ocorrendo entre o pirata espanhol e seu velho companheiro.
Antes que Castilhos pudesse falar, outra voz, pedante e autoritária, surgiu vinda da ponte. Todos os olhos se voltaram para Cristóbal, que segurava Ana firmemente com um dos braços envolvendo sua cintura enquanto a mão livre segurava um punhal com o fio colocado ameaçadoramente sobre o delicado pescoço.
- Crow! Se quer que ela continue viva, solte o Castilhos e deixe-nos seguir nosso caminho. 
Castilhos esboçou um sorriso no canto de sua boca, intimamente surpreendido pela iniciativa do, até então, inútil duque. Apenas continuou mudo com medo de que qualquer movimento seu pudesse aprofundar ainda mais a ponta da espada de Crow separando  sua cabeça do resto do corpo.
O capitão Arthur Greenville resolveu se manifestar, perguntando a Crow um esclarecimento sobre o que estava acontecendo.
- Nigel, agradeço a sua ajuda, mas pode me explicar o que está havendo e quem é a dama?
- Ela é Ana de Villardompardo, filha do Duque Ramon de Villardompardo e de Eleanor Boyle.
Arthur arregalou os olhos. Sua memória o levou uma década no passado, quando tinha apenas dezesseis anos e servia no Enterprise.  Ainda lembrava o dia em que o admirável imediato de Francis Drake rebelara-se contra seu comandante em defesa de duas mulheres, mãe e filha, e recebera uma cruel punição por seu ato.  Jamais esqueceria a acusação de suposta bruxaria para justificar a atitude covarde de lançar ao mar, para a morte certa, duas inocentes indefesas.
- Diga ao seu conterrâneo para nos liberar imediatamente ou corto esse lindo pescocinho – gritou Cristóbal mais uma vez, com voz tensa.
Como se o tempo houvesse se estagnado, soldados e piratas petrificados pregaram os olhos em seus comandantes a espera de ordens sobre o que fariam a seguir.
Quando Crow começava a afastar a espada de Castilhos, uma sombra surgiu atrás de Cristóbal ao mesmo tempo em que Ana dava uma violenta cotovelada na barriga do tio, conseguindo escapar do seu garrote. Antes que ele pudesse reagir, seus olhos pareceram saltar das órbitas e, com a boca entreaberta, mudo pela dor lancinante em suas costas, caiu morto feito um tronco apodrecido, direto sobre o chão de madeira da ponte do El Tiburón.
Atrás dele surgiu a figura de uma mulher, vestida como um bucaneiro, ainda segurando o punhal que cravara nas costas do homem.
- Tina! – exclamou Ana surpresa e agradecida pela presença da amiga que acabara de salvá-la.
- Acho que tem alguém lá embaixo louco para abraçá-la.
-Nigel! – exclamou sorrindo e correu através dos poucos metros e vários combatentes que a separavam de seu amor.
Aproveitando-se do momento, Castilhos conseguiu levantar e colocar-se em posição de ataque contra Crow. Quando sua espada cortava  caminho até o peito do inglês, Brett colocou-se mais uma vez interceptando o golpe, mas dessa vez com seu próprio corpo, que acabou sendo trespassado pela lâmina.
Dois gritos foram ouvidos. O grito de Valentina soou aterrorizado enquanto o outro, de Arthur, ordenava que os marinheiros ingleses ali postados agarrassem o espanhol antes que ele pudesse fazer mais algum estrago. Tudo isso se passou em frações de segundo. Crow avançou raivoso sobre seu agressor, com ganas de matá-lo com as próprias mãos, quando foi impedido pelo oficial inglês.
- Levem-no para o The Conqueror e tranquem-no na cela junto com o corpo de seu cúmplice! – ordenou Arthur referindo-se à Castilhos e Cristóbal. – Deixe ele aos meus cuidados. – disse em tom mais baixo para Crow. – Elizabeth não vê a hora de mandá-lo para o cadafalso, com um pouco de sofrimento antes...
(continua...)

Oi, meus queridos leitores! Sinto muitíssimo pela demora em postar essa continuação, mas diversos compromissos e um ligeiro bloqueio criativo não permitiram que eu escrevesse durante vários dias nestas últimas semanas. Finalmente , há dois dias a inspiração voltou e consegui dar continuidade ao meu relato. Espero que tenham gostado e que eu tenha conseguido passar toda a ação e drama  que se passaram diante de meus olhos. Sei que parei numa parte que provocará preocupações a quem acompanha o romance de Brett e Valentina, mas prometo que logo volto para o melhor ... ou pior dessa história.
Muito obrigada pelos comentários dos amigos e amigas que eu amo muito e daqueles que chegaram pela primeira vez nesse meu cantinho, como o querido Ewerton Lenildo, do blog Papel de Um Livro.
Beijos a todos vocês e até a próxima postagem!!

segunda-feira, 14 de novembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XV (1ª parte)


A cabeça doía muito. Abriu os olhos temendo que seu pesadelo fosse realidade. Seu coração não queria reconhecer o que seus olhos viam. Estava na cabine de um navio, que não era a mesma na qual estivera por quase duas semanas com Crow. Onde estava? Insistia na pergunta da qual já sabia a resposta. Tentou levantar da cama onde estava, mas seu corpo parecia negar-lhe os movimentos. Aquilo não podia estar acontecendo... Suas últimas lembranças a levavam para o quarto de Didier, para onde Sam a levou aflito com o estado de saúde do amigo. Quando entraram, logo notou a desorganização exagerada do aposento que parecia ter sido revirado por ladrões a procura de ouro. O velho francês parecia estar acordando naquele momento e surpreendeu-se com sua presença ali, aparentando bom estado de saúde, não fossem os olhos inchados e a voz arrastada pela ressaca.
Foi então que sentiu uma pancada forte na cabeça e perdeu a consciência.
Não lembrava como fora colocada atravessada no lombo de um cavalo.  Ouviu ao longe  uma voz, que supôs ser do cavaleiro que a segurava, falando em espanhol para Sam.
- Vamos! Sígueme! - mandou que montasse no outro animalque o esperava e saíram em desabalada corrida rumo ao norte, provavelmente em direção ao El Tiburón, onde alguém estaria a sua espera muito ansioso.
Por medo ou devido a pancada na cabeça, perdera novamente os sentidos, para acordar somente agora, naquela cabine.
- Espero que esteja se sentindo bem, minha querida.  Ainda bem que Castilhos deu um fim àquele estúpido que bateu em você dessa maneira. Poderia tê-la matado, o bandido.
Ana estremeceu ao ouvir a voz de Cristóbal e o pavor tomou conta de seu ser ao perceber que não estava sonhando e sim vivendo seu pior pesadelo. Lutando contra a apatia de seus músculos e a dor, sentou-se sobre a cama, encolhida contra a guarda e encarou seu algoz.
- Por favor... Leve-me de volta. Eu não quero nada seu. Tenho vivido minha vida sem exigir nada dos Villardompardo e assim pretendo continuar. Portanto não precisa temer em perder sua fortuna ou seu título. Eu lhe peço...
Um sorriso aparentemente piedoso surgiu no rosto do espanhol.
- Minha cara, você terá tudo que lhe é de direito assim que chegarmos à Cádiz. Por que pensa que a estou levando de volta?
- Para matar-me ou colocar-me em prisão perpétua num calabouço na torre de seu castelo.
Ouviu uma gargalhada inadequada brotar da garganta do tio vilão.
- Como pode pensar uma coisa dessas de mim? Sou seu tio e você é sangue do meu sangue.
- Não seja hipócrita. Lembro muito bem o que aconteceu em Villardompardo e o que levou meu pai a fugir de suas próprias terras temendo pela vida da mulher e da filha.
- Do que você pode lembrar, meu bem? Era apenas uma criança mimada que de nada podia entender. Não me julgue por suas antigas lembranças infantis.
Ana não conseguia entender o que tio pretendia com aquela conversa cheia de falsidade.
- Mas eu já disse que não quero nada dos Villardompardo. O único dessa família a quem eu amava, meu pai, está morto.
- Não, minha querida, você vai aprender a amar a outro Villardompardo... Eu.
Ana não podia crer no que ouvira.
- O quê?
- Regozije-se minha bela. Logo seremos marido e mulher e viveremos em plena felicidade em nosso reino na Anadaluzia.
- Você está louco? – levantou-se da cama de súbito, apavorada,  tal o impacto das palavras ouvidas, aproximando-se da porta – Jamais casarei com você!
Ela viu o sangue subir ao rosto do odioso parente, demonstrando impaciência e raiva por sua insubmissão. Não tinha para onde fugir daquela presença maléfica. Sentindo-se sufocar sob o olhar ensandecido de Cristóbal, pensou em sair dali e ir para o convés. Quando procurou alcançar a maçaneta da porta, essa se abriu e por ela surgiu Castilhos, com seu costumeiro olhar  malicioso, que logo percebeu as fagulhas de discórdia no ar e tratou de acalmar os ânimos. O que ele menos precisava no momento era uma mulher querendo pular mar adentro ou começando a agitar seus homens com gritos desesperados.
- Estou interrompendo alguma discussão familiar? – perguntou com voz apaziguadora, fechando a porta atrás de si.
- Quem vocês pensam que são para me sequestrar? Exijo que me levem de volta imediatamente! – exclamou Ana, sabendo que não teria muitas chances de ser obedecida, como bem constatou no instante seguinte.
- Dona Ana, como sabe, seu tio está financiando essa viagem e apenas obedeço suas ordens ... – argumentou com olhar matreiro.
- Ele já pagou tudo que prometeu? – perguntou Ana pensando em colocar um contra o outro e tirar proveito disso.
- Este é um assunto entre seu caríssimo tio e eu. – Ele tinha experiência suficiente para saber onde ela queria chegar com aquela insinuação. Continuou com sarcasmo – Agradeço o seu sincero interesse sobre meus honorários, mas acredito que o duque saiba com quem está lidando e não tentará ser nada menos que honesto comigo.
- Pois eu não teria tanta confiança assim. Sabia que ele é um maldito de um viciado em jogos de azar?
- Não admito que fale assim de mim, Ana. – protestou Cristóbal mais que indignado com o teor das palavras da sobrinha.
- E eu não posso admitir essa arbitrariedade que está fazendo comigo.
- Eu deixei os jogos, se quer saber. Quando Eleanor se foi com Ramon caí em tal prostração que nem meus vícios sobreviveram. – disse com tristeza real.
Começando a ficar aborrecido com aquela conversa, Castilhos sugeriu a Cristóbal que deixasse Ana sozinha e o seguisse para o convés para se acalmar. Os assuntos familiares entre os dois eram um pavio que  estava enterrado em um barril de pólvora, pronto a ser aceso. Sendo assim, precisava separá-los durante a viagem para que esta se desenrolasse sem maiores incômodos. 
Antes que eles saíssem ainda ouviram a ameaça de Ana.
- Quando Crow conseguir alcançá-lo vai acabar com vocês dois.
- Por que tem tanta certeza disso? Que eu saiba ele estava pretendendo levá-la para a Inglaterra e pedir resgate ao seu outro tio, o inglês. – redarguiu Castilhos.
- Pois está enganado. Ele vai pedir a benção de meu tio pelo nosso casamento.
- O quê? – vociferou Cristóbal com a voz alterada. – Benção?  Casamento?
- Como pode ver, meu tio, já sou uma mulher casada e os seus planos de união comigo não poderão se realizar. – explicou triunfante.
- Sua vadia! – gritou e partiu para cima dela com ferocidade, sendo impedido de alcançá-la por Castilhos, que o segurou fortemente pelo braço – Entregou-se para aquele pirata? Como pode?
- Vamos parar com isso! Venha, Cristóbal! Essa conversa não vai levar a lugar algum! – exigiu Castilhos que já desejava colocar uma mordaça em Ana e amarrar Cristóbal em um dos mastros do El Tiburón.
Uma batida na porta conseguiu calar os ânimos por alguns instantes.
- O que é? – perguntou Castilhos.
- Está tudo bem, capitán?
- Sim. Logo estarei na proa. – respondeu aliviado com a interrupção – Vamos, Cristóbal. Vamos deixar a dama descansar e esfriar a cabeça lá no convés. – disse com autoridade.
Tão logo se viu à sós, Ana deixou-se cair sobre a cama e chorou copiosamente. Pensava em Nigel e no incêndio que o afastara dela dando oportunidade àqueles bandidos que a levassem embora. E se o incêndio tinha sido criminoso, estariam Nigel e todos os outros bem? Com todas essas aflições em mente e coração, maldizia seu triste destino. Temia o que estava por vir.


Navegavam há três dias. Crow conseguira reunir os homens, carregar o Highlander com víveres e partir no início da noite no mesmo dia do rapto de Ana.  Parecia encontrar no trabalho a única motivação para viver. Trabalhava incansavelmente lado a lado com marujos no convés, verificava constantemente a direção e a velocidade dos ventos, verificava exaustivamente as rotas que poderiam levar o Highlander mais rapidamente à Cádiz. A barba por fazer que lhe sombreava o rosto e as manchas escuras sob os olhos devido à falta de sono davam-lhe um aspecto de morto vivo. A tristeza tornara-se sua máscara e as palavras eram usadas economicamente.
Didier tinha sido deixado em Eleuthera por Crow para evitar mais aborrecimentos. Os documentos que ele trazia escondido em seu barrete tinham sido descobertos por Sam e levados para Castilhos. Eles comprovavam a origem de Ana e a reconheciam, como única e legítima herdeira da fortuna dos Villardompardo.
Brett estava preocupado com seu amigo, pois desde o sequestro arquitetado por Castilhos e Cristóbal, ele mal conseguia dormir ou comer.
Ao lado da preocupação por Crow, Brett enfrentava uma inquietação a mais. A apatia de seu capitão em relação a tudo que não se referisse à jornada em busca do salvamento de Ana permitira que um problema fosse criado. Um problema apenas para o próprio Brett, diga-se de passagem. Crow permitira o embarque de um novo tripulante que ameaçava a sua tranquilidade e roubava sua atenção. Pensava assim quando viu o motivo de sua aflição mover-se agilmente entre os outros tripulantes e aproximar-se de seu deprimido  amigo. Ela vestia-se como um homem, mas seu andar lembrava o de uma gata.

- Crow, você precisa descansar e comer alguma coisa, senão como poderá lutar para recuperar a Ana daqueles patifes?
Crow lançou um olhar para Valentina e fez um meneio de cabeça que parecia significar uma concordância com a sugestão da jovem.
Ela sorriu, concluindo que conseguira alcançar seu objetivo e enroscou seu braço em torno do dele e disse:
- Pedi ao Liam que preparasse uma sopa especial para você. Vamos até a cozinha e....
- Ainda tenho muito a fazer aqui, Tina, e...
- Nada disso. – interrompeu-o antes que ele pudesse arranjar uma desculpa para evitar a refeição oferecida. – Sem desculpas. O que tem a fazer pode esperar. Precisa se alimentar primeiro e adquirir forças para ir atrás da Ana.
Ele retribuiu a ordem inclusa na afirmação com um sorriso amarelo e carinhosamente deu alguns tapinhas leves sobre a mão de Tina que repousava em seu braço.
- Está bem... Eu vou tomar a sopa de Liam. Você tem razão, Tina. Acho que só o ódio que sinto por aqueles dois miseráveis que me levaram a Ana não será suficiente para acabar com eles.
- Eu vou com você.
- Não precisa. Pode confiar. Vou me alimentar. – retrucou com voz firme.
Separou-se dela e, com um olhar de agradecimento pela preocupação da filha de Hawke por ele, beijou-lhe o dorso da mão.
- Enquanto me alimento, seria bom você conversar com o meu imediato. Cada vez que ele a vê andando entre os homens parece que vai sofrer um colapso nervoso.
- Deve ser impressão sua. Ele já deixou bem claro na nossa última conversa que não queria saber de mim.
- Você realmente acredita nisso?
- Ele ainda não me deu motivos para pensar diferente.
- Acho que deve insistir. Vá até lá enquanto eu experimento a "deliciosa" sopa de Liam.
Crow afastou-se deixando Valentina sozinha em suas dúvidas a respeito do interesse de Brett por ela. Ele estava lá, na ponte de comando, esforçando-se por desviar o olhar do local onde ela estava. Pegou-o por duas vezes a fingir que não a tinha visto. Isso a divertiu. Talvez Crow não estivesse totalmente errado. Determinada a acabar com aquele jogo de "bemmequermalmequer", rumou em passos firmes para a ponte onde ele agora conversava com Bald, a quem chamara no momento em que a viu deslocar-se em sua direção com expressão decidida. Ele conhecia aquele olhar muito bem. Quando ela o alcançou, ele manteve seu diálogo despretensioso com Bald que logo entendeu o motivo das palavras sem sentido que saíam da boca de Brett.
- Bem, acho que chegou alguém que vai poder atender suas solicitações, senhor... – disse o velho marujo com sorriso de escárnio e retirou-se sem dar tempo a qualquer contestação do imediato.
Brett  virou-se simulando surpresa ao ver Tina.
- Precisa de alguma coisa?
- Preciso. – disse encarando-o firmemente, tornando-o cauteloso.
Um calor em seu peito alertou-o do perigo naquele olhar voraz. Engoliu em seco e resolveu tentar mudar o rumo da conversa.
- Vi que estava conversando com Crow.
- Pensei que não havia nos visto... Parecia tão compenetrado em suas funções aqui na ponte... – disse irônica aproximando-se um pouco mais dele.
- Sim... Quer dizer... Não... Isto é, eu vi quando conversavam. – começava a ficar nervoso com a proximidade dela.
- Consegui convencê-lo a ir tomar um pouco de sopa... – falava sem tirar os olhos de cima dele.
- Ah... Isso é muito bom. Ando preocupado com ele...
- Ele me pediu para conversar com você.
- Pediu, é?...
- Quero ter uma função entre a tripulação já que faço parte dela agora.
- Função? Como assim?
- Quero trabalhar! Não posso ficar parada.
- O seu lugar é lá na cabine onde deve permanecer para não ficar dispersando a atenção dos homens nesse navio.
- Está com ciúmes? – insinuou chegando ainda mais perto dele, quase encostando a ponta de seu nariz no queixo de Brett.
- C-laro que não! – respondeu visivelmente perturbado.
- Então porque ficou nervoso com o meu pedido.
- Não fiquei nem estou nervoso. Apenas estou tentando preservá-la.
- Ora, Brett! – disse rindo e se afastando um pouco para deixá-lo respirar – A maioria desses homens me conhece desde criança quando eu viajava com meu pai. O Highlander já foi minha casa por um bom tempo. Só fiquei em terra depois que Hawk morreu... – Baixou os olhos por um momento demonstrando a tristeza daquela lembrança, mas logo se recuperou e continuou. – Portanto não há motivos para se preocupar com minha segurança.
- Não existem funções para mulheres neste navio. – disse secamente evitando o olhar de Tina, que continuava a encará-lo divertida com as expressões de desconforto do imediato de Crow.
- Parada não vou ficar.
Ele pensou um pouco, irritado com a insistência dela.
- Então fique na cozinha ajudando Liam, se ele deixar, é claro. – riu para si mesmo da sugestão oferecida sabendo de antemão como o cozinheiro era ciumento de suas funções e que não admitia auxiliares.
- Pensei em algo ao ar livre como, por exemplo, ficar no timão. – retrucou fazendo-se de desentendida com a indicação dele.
- Já temos quem faça isso.
- Ah, Brett... Seja bonzinho... Eu quero apenas trabalhar. Não estou acostumada a ficar parada. Por favor... – suplicou sedutoramente.
Sentia-se num beco sem saída, sem saber o que fazer, quando viu um dos tripulantes surgir carregando um balde cheio de água e um esfregão. Seu rosto imediatamente iluminou-se e percebeu que se lhe desse uma função bem cansativa, talvez ela se cansasse logo e parasse de insistir naquela ideia absurda de trabalhar como um de seus homens.
- Limpeza do convés? – exclamou desagradavelmente surpresa com a ordenação de Brett, mas logo se deu conta que sua negativa em aceitar a proposta do imediato o faria vencedor da barganha. – Será um prazer manter esse navio limpo, senhor. Posso começar imediatamente.
Sem esperar a confirmação, deixou Brett com expressão de espanto com a sua rapidez em aceitar o considerado pior trabalho dentro de uma embarcação.
Viu-a seguir em direção ao grumete que já começara a jogar água e iniciava o uso do esfregão na madeira gasta. Tina falou algumas poucas palavras ao jovem pirata e, logo, iniciou ela própria a esfregação do convés, enquanto o rapaz saía todo sorridente depois de passar seu cargo adiante. Nenhum dos homens que estava por ali ousou rir ou provocá-la. Pelo contrário, olhares de reprovação voaram em direção a Brett, que deu de ombros, apesar de mantê-la em constante observação, sorrindo internamente admirando a determinação da jovem.

(continua...)


Olá, pessoal! Peço desculpas pela demora e por deixar apenas metade do 15ºcapítulo. Logo colocarei a 2ª parte dele. Parece que a última semana foi mais curta que todas as outras (ou eu é quem estou ficando muito mole...rsrsrs). Um dos motivos de meu atraso na postagem foi por algo muito agradável,  por sorte. É que fiquei envolvida em fazer uma homenagem para a pessoa que foi ( e ainda é) minha fonte de inspiração para descrever minhas personagens masculinas. O ator Gerard Butler completou 42 anos no dia 13 de Novembro e, graças ao estímulo de minha grande amiga Nadja, arranjei um tempo para fazer um vídeo como tributo à carreira desse maravilhoso ator escocês e grande ser humano. Ela fez uma postagem belíssima dedicada a ele no seu blog Sonhos e Sons e utilizou o meu vídeo como um dos componentes para tal. Vale a pena ver como ficou.
Dessa vez deixei meus agradecimentos aos comentaristas do capítulo anterior no local dos comentários da postagem de 3 de Novembro. Muito obrigada a todos que vem quase que diariamente verificar o andamento da minha história, que deixam ou não seus comentários, e que acompanham de alguma forma o meu blog.
Um grande beijo a todos vocês, meus queridos!


quinta-feira, 3 de novembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XIV (2ª parte)



Atualização

Ana já não aguentava mais ficar encerrada entre aquelas quatro paredes. Precisava de ar e de ficar sozinha para pensar em tudo que estava acontecendo. Pediu a Tina que lhe trouxesse algo para comer, pois não tinha almoçado e, tão logo a jovem desceu à cozinha, pegou um xale, envolveu a cabeça e os ombros e saiu sorrateira sem que ninguém a visse. Podia ouvir as vozes dos homens discutindo com Crow  na sala. Sabia do perigo de encontrar com Castilhos ou com seu tio, mas precisava sair dali para respirar ar puro ou enlouqueceria.
Perdera a conta das horas em que se sentira perdida, irada com a existência inútil que passara a levar depois da morte de seus pais, roubando para sobreviver, arriscando a pele dia a dia, sob o risco de ser presa ou mesmo de sofrer agressões físicas ou de ser morta por alguma de suas vítimas, aguentando as bebedeiras e as agressões verbais de Didier... Nesses momentos de revolta fugia. Corria através das ruas de La Rochelle e sempre acabava na praia, junto ao lugar onde Didier enterrara o corpo de sua mãe. Ali ficava ajoelhada, chorando, maldizendo seu destino. Aos poucos ia se acalmando. Às vezes podia jurar que ouvia a voz suave de Eleanor a embalá-la, vinda por entre as árvores, ao som da brisa leve. Lembrava dos bons momentos que tinham passado juntas e a lembrança do amor materno a tranquilizava, como se a própria mãe estivesse ali para lhe dar consolo e mostrar-lhe  que tinha de continuar sobrevivendo com a esperança de algum dia encontrar sentido em sua vida. Encontrar Crow foi como jogar um bálsamo sobre todas as feridas abertas ao longo de tantos anos vazios. Finalmente tudo fazia sentido. Entretanto não contava com seu odioso e incansável tio que, ao que parecia, não descansaria enquanto não colocasse as mãos nela. Fosse para matá-la ou torná-la prisioneira. Sabia que Crow faria de tudo para evitar isso, e que no momento achava que a melhor solução era levá-la para a Inglaterra. Talvez tivesse razão...
Mergulhada nesses pensamentos chegou à praia com lágrimas nos olhos. Surpreendeu-se com formações rochosas diversas que ocupavam grande parte da estreita faixa de areia. O silêncio só era quebrado pelo som das águas revoltas que arrebentavam  nas pedras. Procurou abrigo entre elas e sentou-se à sombra de uma das rochas. Ali, nada lembrava a praia onde Eleanor fora enterrada, mas apesar disso, a imagem dela ocupava seu coração e sua mente, emprestando alívio a suas angústias. Não saberia determinar quanto tempo ficou ali a "conversar" com Eleanor, imaginando as palavras que sua mãe lhe diria se ali realmente estivesse. 
O sol já emitia seus últimos raios e o lusco fusco atordoava a vista, quando Ana ouviu um barulho de pisadas aproximando-se sobre o terreno arenoso. Seu coração disparou sob o medo de ser encontrada por Cristóbal. Levantou-se e escondeu-se atrás de uma das rochas, lembrando de uma das orações que sua mãe a ensinara quando pequena.


Terminada a reunião, Crow convidou Brett para o jantar e dirigiu-se ao quarto para encontrar Ana. Lá chegando, não encontrou nem ela nem Tina. Imaginou que tivesse saído para dar uma volta. Desceu novamente à sala e decidiu sair à procura delas. A noite já estava chegando e não era recomendável que elas estivessem andando por aí sozinhas, principalmente depois das visitas da manhã. Já na rua, viu Tina com olhar apavorado segura por Brett que tentava ouvir o que ela falava agitada.
- Calma, Tina! Ela não deve estar longe.
Então Tina viu Crow aproximar-se.
- Crow! Eu a deixei por alguns minutos no quarto e ao voltar ela não estava mais lá.
- Como? Pensei que estavam juntas!
- Saiu sem me avisar. Pediu algo para comer e quando voltei ao quarto ela havia sumido. Já procurei em todos os cantos aqui da chácara, mas não a encontrei.
- Quanto tempo faz isso, Valentina?
- Mais ou menos uma hora, eu acho... – O sentimento de culpa pelo desaparecimento de Ana aumentou ainda mais ao ouvir seu nome por extenso sair da boca de Crow. Ele só a chamava daquele jeito quando estava muito chateado com ela.
- Por que não me avisou que ela tinha sumido? – perguntou quase gritando, não escondendo sua irritação.
-Não queria preocupá-lo à toa nem atrapalhar a reunião... Sinto muito – respondeu cabisbaixa recriminando-se a si mesma intimamente.
- Vou pegar um dos cavalos e percorrer a praia e os arredores – disse finalmente, sem desculpar-se pelo modo como a estava tratando.
Não conseguia pensar em mais nada que não fosse Castilhos e Cristóbal colocando suas mãos sujas encima de Ana e isso provocava uma dor tão profunda em seu peito que quase o impedia de respirar.
- Vou com você, Crow – ofereceu-se Brett.
- Então vamos logo. Valentina, você fica aqui para o caso dela voltar.  E não a deixe sair novamente em hipótese alguma, nem que tenha que amarrá-la numa cadeira. Entendeu?
Quando acabavam de selar os cavalos, a voz de Abe surgiu nas sombras da pequena passagem que levava à trilha da praia.
- Capitão!
- Agora não, Abe! Fale com Tina. Brett e eu temos que sair. –disse sem olhar para o menino.
- Para onde vão? – perguntou uma voz feminina bem conhecida de Crow.
- Ana! – imediatamente ele desvencilhou-se da sela e correu ao encontro dela que vinha de mãos dadas com o menino, com um sorriso nos lábios.
- O que houve? – perguntou inocentemente, parecendo ter esquecido os riscos que a cercavam.
- Como o que houve? – perguntou ele segurando-a pelos ombros e certificando-se que ela estava bem, olhando-a por inteiro. – Por que você saiu sem avisar? Pensei que a tinham capturado!... Não faça mais isso! – ordenou num misto de irritação e alívio por vê-la tão despreocupada, mas a salvo, abraçando-a fortemente logo em seguida.
- Graças a Deus! – bendisse Tina. – Fiquei com medo de apanhar de Crow pela primeira vez na vida...
- Me perdoem... – rogou ao se dar conta dos rostos aflitos que a cercavam. – Eu precisava ficar sozinha e respirar um pouco de ar. Por isso sai e fui até a praia para pensar. Não percebi o tempo passar, até que o Abe apareceu dizendo que a Tina estava me procurando. – Me perdoa, Nigel – falou baixo e afundou-se em seus braços.
- Eu vi a Ana saindo de casa e indo para a praia. Vi a Tina sair um tempo depois gritando o nome da Ana. Aí fui até a praia. A Ana estava chorando e eu fiquei cuidando dela de longe. Não queria incomodar. Ela parecia triste. – falou Abe de um só fôlego, com medo de represálias.
Tina abaixou-se até poder fitá-lo nos olhos.
- Por que não me disse que a Ana tinha ido para a praia, Abe? – tentava não parecer irritada e tranquiliza-lo. – Você viu que eu a procurava... Sabe que tem algumas pessoas querendo levá-la embora daqui contra a vontade? Por isso eu estava nervosa.
- Quis fazer uma surpresa prá você... – disse sem conseguir olhar os adultos a sua volta.
- E fez uma surpresa e tanto, meu bem. - Tina suspirou, enquanto o abraçava sorrindo aliviada. – Que susto, Ana...
- O importante é que você está aqui e bem... – terminou Crow por dizer, agora mais calmo. – Que tal irmos jantar?


Aparentemente refeitos do susto causado pelo desaparecimento de Ana,  reuniram-se todos para o jantar. Notaram a falta de Didier, que mais uma vez saíra para ir à vila a convite de Sam. Crow começara a reparar que o grau de intimidade entre os dois homens vinha aumentando desde a chegada em Eleuthera. Achava aquilo um pouco estranho, tendo em vista o mau humor crônico de Didier e a personalidade sombria de Sam, que não costumava fazer amizades facilmente. No momento reconhecia que essa ausência do pai adotivo de Ana era bem vinda, levando em conta as últimas  grosserias do francês maldizendo a "filha" por esta se negar a assumir seus direitos e riquezas na Espanha.
Encerrada a refeição, enquanto Crow e Brett discutiam alguns detalhes acerca da futura viagem, Ana e Valentina recolhiam as crianças para o dormitório conjunto.  Depois que Brett saiu e Tina se recolheu, batidas fortes se ouviram na porta, causando um sobressalto em Ana. Não era ninguém além de Sam e Didier. Esse último vinha carregado pelo pirata, tal seu estado de embriaguez.
- O que aconteceu? Ele está bem? – perguntou Crow aborrecido.
- Sim. Posso deixá-lo no quarto?
- Deixe que eu o levo.
- Não, Capitão. Faço questão. Não se preocupe.
- Muito obrigado, Sam, mas nós cuidaremos dele agora. – disse Crow com firmeza, assumindo o fardo de carregar Didier.
- Obrigada, Sam. Vá descansar – aconselhou Ana, perguntando-se o que estaria havendo com Didier. Ele nunca bebera tanto. Talvez a companhia de Sam não lhe estivesse sendo benéfica. O velho ladrão embriagava-se de vez em quando, mas raras vezes ela teve de levá-lo para casa em estado semelhante àquele. Porém, em Eleuthera, não saia mais do bar e estava se tornando rotina cair no sono totalmente bêbado.
- Como preferirem... – disse Sam amolado, pois sua real intenção era dar um jeito de ficar sozinho no quarto do francês para procurar pelos documentos que prometera à Castilhos. – Então... Boa noite.
Acabou por dar as costas e sumir na escuridão.
Já no quarto, colocado na cama por Crow, teve as botas retiradas por Ana. Verificaram que ele dormia pesadamente e que no dia seguinte certamente estaria com uma bela de uma ressaca. Deixaram  o quarto ao som dos roncos de Didier.


Dois dias se passaram e os reparos do Highlander estavam quase terminados. Diminuíra a apreensão entre os moradores da chácara da Aldeia do Falcão. O galeão denominado El Tiburòn não fora mais visto nas redondezas ao sul de Eleuthera. Crow, apesar de tudo, permanecia preocupado com a aparente calmaria. Não conseguia acreditar que Cristóbal Villardompardo tivesse desistido de levar Ana para a Espanha. Não o conhecia a fundo, mas não imaginava existir um homem que pagasse a alguém como Castilhos e enfrentasse uma viagem como a que enfrentou da Europa às Caraíbas, apenas para certificar-se que a sobrinha estava viva e desistir tão facilmente de levá-la. Havia alguma coisa errada nisso tudo. Por isso, continuava atento e mantendo Ana sob sua vista praticamente o tempo todo. Deitavam-se juntos à noite, com sua espada e o punhal permanecendo sob o colchão ao seu alcance.
Tentava não transparecer suas desconfianças para não deixá-la aflita, mas tinha certeza de que ela compartilhava em silêncio das mesmas suspeições.
- Você acha que eles ainda estão pela ilha, não? – perguntou Ana em meio a escuridão do quarto, nos braços de Crow, ao sentir que ele ainda não dormira.
- Quem? – revidou tentando disfarçar a surpresa pela pergunta.
- Não tente disfarçar, Nigel. Sei que não acredita que eles tenham desistido. Tampouco eu. Não sou nenhuma idiota.
Ele sorriu na penumbra.
- Tenho certeza disso... – declarou-se a abraçando com mais força. – Em dois dias o Highlander estará pronto para partir.
- Acha que eles podem tentar uma sabotagem?
- Deixei o dobro de homens para vigiar o navio no ancoradouro. – tranquilizou-a e deitou um beijo no topo de sua cabeça, acariciando seus cabelos. – Não se preocupe com isso. Logo estaremos a caminho da Inglaterra e Cristóbal não poderá fazer mais nada contra você.
- Eu te amo, Nigel... – sussurrou após alguns instantes.
- E eu... – disse enquanto rolava sobre ela de forma a poder ficar frente a frente e roçar-lhe os lábios – Não posso mais imaginar minha vida sem você, Ana – confessou antes de cobrir sua boca com um beijo apaixonado.

Na manhã seguinte, acordaram mais tarde que o normal. Tina já saíra com as crianças para a escola do pastor. Didier não apareceu para o café, fazendo-os deduzir que passara mais uma noite bebendo na taverna da vila. Brett os aguardava para deslocarem-se até o Highlander e definirem a partida para o dia seguinte após Crow certificar-se das condições do navio. Mal tinham acabado o café, quando ouviram os gritos desesperados de Cora.
- Fogo, fogo!!!
Levantaram-se sobressaltados e foram para os fundos da casa de onde tinham partido os gritos. Lá chegando depararam-se com uma coluna de fumaça que se elevava  acima da região onde ficava a pequena igreja. Cora vinha correndo ao lado de Abe.
- O que está havendo? –gritou Crow para eles.
- Abe veio avisar que a escola está pegando fogo!
- O quê? Meu Deus! – desesperou-se Ana.
Ao ouvir sobre o incêndio e sabendo que era lá onde Tina se encontrava, Brett correu ao estábulo, montou num dos cavalos e saiu em desabalada para lá. Crow correu para pegar outra montaria.  Já se preparava para colocar Ana em sua garupa quando Sam apareceu avisando que Didier não estava passando bem e gostaria que ela desse uma olhada no pobre coitado. Dividida, Ana resolveu ficar para atender seu pai adotivo, pois sentia-se na obrigação de cuidá-lo. Crow e Brett dariam conta do incêndio.
- Não saia daqui, Ana. Espere voltarmos! – ordenou enquanto colocava Abe na garupa, que pedira para acompanhá-lo. – Cuide dela, Sam.
- Não se preocupe! – exclamou com um estranho sorriso.
- Eu ficarei bem! – disse Ana.
Ditas essas palavras, Crow partiu em disparada.

 A paróquia não era muito longe. As labaredas logo puderam ser vistas. O fogo consumia as paredes de madeira do pequeno salão contíguo à igreja onde o pastor dava as aulas para os pequenos. Alguns dos alunos estavam do lado de fora do prédio gritando aflitos.
O pastor acabara de sair com uma das órfãs nos braços e parecia com dificuldade para respirar. Rolos de fumaça negra escapavam pelas janelas e portas. Brett desesperou-se ao não ver Tina do lado de fora. Por isso desceu de sua montaria e lançou-se sem cuidado através da porta principal do salão para tentar achá-la. Logo Crow o seguiu, pedindo a Abe para ficar ao lado do pastor que estava sentado sobre uma pedra ao lado da menina salva por ele e de mais cinco alunos que tinham saído logo no início do incêndio.
- O senhor está bem?
- Acho...cóf... que sim... cófcóf... – respondeu entre uma tossida e outra.
Poucos segundos depois, Brett saía abraçado à Tina que carregava um dos meninos no colo, seguidos por Crow que trazia os últimos dois pequenos a serem resgatados, um em cada braço. Haviam tirado todos  de dentro do salão. Infelizmente não tinham como salvar o prédio. A estrutura de madeira rapidamente foi devorada pelas chamas e o teto começou a ruir poucos minutos depois de estarem todos a salvo.
- O que aconteceu, pastor?  Como esse fogo começou? – questionou Crow.
- Não sei, meu filho! Eu estava dando meus ensinamentos às crianças quando a fumaça surgiu e logo o fogo invadiu a sala onde estávamos.
- Tina! Você está bem? – perguntou Brett preocupado com Tina que estava tendo um acesso de tosse.
- Estou bem, estou bem... – respondeu impaciente e olhou ao seu redor – Onde está a Ana?
- Ficou em casa. Didier não estava passando bem e ela achou melhor ficar para cuidar dele até voltarmos.
- Isso não está me cheirando bem... Crow, volte até lá e fique com a Ana. O Brett e eu cuidamos do pastor e das crianças. Vamos levá-los na minha charrete.
- Deixei Sam cuidando dela, mas... Você tem razão... Esse incêndio pode ter sido criminoso...  Mas como saberiam que ela ficaria só? Sam?, pensou. De repente foi possuído pelo medo de que tudo aquilo pudesse ter sido criado com o intuito de afastá-lo de casa.  – Vou para casa!
Crow imediatamente montou em seu cavalo e retornou a todo galope para a chácara. Chegando lá, seus piores temores tornaram-se realidade. Não havia sinal de Ana em lugar algum. Gritou por Cora, mas não obteve resposta. Encontrou-a desacordada no chão da cozinha. Correu ao quarto de Didier, onde o encontrou caído no chão, com a boca ensanguentada, em meio aos móveis totalmente revirados.
Ao ouvir o francês gemer, ergueu-o e tentou fazê-lo falar.
- Didier! Didier! O que aconteceu?
- Marie... Marie! – gritou mais consciente  e fixou os olhos amedrontados em Crow – Sam! Aquele maldito! Se fazendo de amigo...
- O que tem o Sam? Onde ele está?
- Ele levou Marie para Castilhos!
Crow sentiu a cabeça ferver e o coração gelar. Sam o traíra!
-Ele queria os documentos que provavam que a Marie era uma Villardompardo. – continuou o velho.
- Documentos?
- Sim. Eu os peguei antes de partirmos de La Rochelle. Sabia que eram importantes para Marie, mas não imaginava o que continham.
- Por isso o quarto está revirado? Ele estava procurando por esses papéis?
- Sim. Ele ameaçou matar Marie na minha frente se eu não lhe entregasse os documentos. Eu os tinha escondido no meu barrete e acabei entregando a ele. Bandido! Miserável! Depois que pegou o que queria, me deu um soco e eu cai desmaiado.
Crow o ajudou a se levantar e sentou-o na cama.
- Didier, espere aqui. Vou tentar achá-los.
Dizendo isso, saiu correndo, da mesma maneira que chegara. Logo Tina chegaria e cuidaria de Cora e de Didier. Agora precisava encontrar o maldito pirata. Montou em seu cavalo e saiu em direção à praia ao norte de onde estava, tentando imaginar onde Castilhos teria ancorado seu navio de forma a ficar sem ser visto por todos esses dias.  Cerca de quinhentos metros além da casa, viu um homem jogado em meio a alguns arbustos. Ao aproximar-se identificou o moribundo.
Desmontou rapidamente, olhando em redor para certificar-se que não tinha mais alguém por perto. Pegou o homem pela gola da camisa encharcada de sangue e sacudiu-o com violência, esperando obter alguma informação que o auxiliasse no paradeiro de Castilhos, que pelo jeito já o dispensara como ajudante.
- Sam, seu desgraçado! O que fez com Ana? Onde está Castilhos? Fale!
Ferido mortalmente com um golpe de espada no coração, Sam mal conseguia falar, pois já perdera muito sangue.
- Ele mentiu para mim... O miserável...
- Onde está o navio dele? – perguntou novamente sacudindo-o com fúria e desespero.
- Está... mais ao norte... na Enseada da Tartaruga – disse reticente e com voz enfraquecida.
De posse da preciosa informação, desvencilhou-se do traidor, mas foi impedido pela mão em garra que com inesperada força o segurou.
- Perdão, Crow...
- O que você fez não tem perdão. Agora me solte e vá logo para o inferno!
Com um puxão violento, levantou-se e montou mais uma vez em seu cavalo e correu na direção indicada por Sam.
Depois de percorrer em torno de dez quilômetros a galope, contornando elevações rochosas que dificultavam o acesso a dita enseada.
Crow chegou a tempo de ver o El Tiburón içar suas velas e partir com o vento a seu favor.  Dois cavalos pastavam soltos junto às gramíneas próximas à praia, o que explicava a rapidez com que eles tinham alcançado a enseada. Não pensou duas vezes e refez o caminho de volta, amaldiçoando Castilhos e Villardompardo, imaginando no que faria quando colocasse as mãos neles. O Highlander, pronto ou não, teria de partir imediatamente no encalço do espanhol.

(continua...)



Ao ouvir essa música, essa semana, não pude deixar de pensar em como ela traduz o que o Crow deve estar sentindo agora que viu a Ana arrancada de seus braços e resolvi deixar o vídeo da música para ilustrar a postagem. 
Concordam comigo?
http://www.youtube.com/watch?v=YO9THtRWb2s&feature=youtu.be
Meus queridos! Pensei que não fosse conseguir publicar hoje. Já está muito tarde e preciso levantar muito cedo amanhã. Por isso, vou publicar o capítulo e amanhã retorno para complementar essa postagem e agradecer aos meus  leitores e amigos pelos comentários recebidos. Espero que tenham gostado desse capítulo. Agora vai começar a perseguição em alto mar e a briga do Crow para recuperar a sua amada. Aguardem!
Beijos a todos vocês, meus seguidores muito amados!
Como havia dito ontem à noite, voltei para os meus agradecimentos semanais e também para corrigir alguns errinhos devido ao meu estado sonolento de ontem...rsrsrs
Como sempre, quero mandar um superbeijo para as minhas queridas amigas e irmãs de coração, a Lucy (obrigada tb pelo teu carinhoso comentário lá no Clube de Novos Autores sobre a resenha do Um Amor no Deserto), a Aline, minha parceira escritora (ainda vamos retomar aquele romance, viu?)e a Nadja, tb parceira com seu blog Sonhos e Sons (maravilhoso!!). Além disso tivemos as visitas dos talentosos escritores Marli Carmen, Amandio, Dennis Lenzi e Evanir, meus amigos e colegas no Clube de Novos Autores. Fiquei muito feliz com a visitas das blogueiras e divulgadoras da nossa literatura nacional, a Daniele ( Chá, Biscoitos e um Livro para Acompanhar), a Phann (Moda e Eu), a Cleide ( As Palavras que Eternizam o Mundo) e a minha lindinha Raphinha, outra parceira muito querida, com seu blog Doce Encanto. Outra boa surpresa foi a presença, mesmo que por acaso, como ele mesmo falou, do Andy Santana, com seus comentários fofos e que é dono de um blog muito fashion. Para quem gosta de moda, cinema, celebridades, o Antena Parabólica é um prato cheio.
Bom, gente, acho que não esqueci de ninguém. Considerem-se todos beijados e acarinhados. Muito obrigada pelo apoio e incentivo à continuar com meus voos romanticos.
Até logo!!
PS: Aproveito para agradecer ao Luiz Fernando, meu amigo poeta, que foi o primeiro a comentar a nova postagem. Quem ama entende os sentimentos que a letra dessa música do David Guetta traduz. Estou em falta contigo, querido, mas logo vou te visitar e ler os teus versos lindos que emocionam e homenageiam aquela pessoa tão especial para todos nós, a Léia. Beijos!!