sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XVI (2ª parte)

Olhar perdido na vastidão do mar, ainda tentava acompanhar o pequeno ponto no horizonte. Não podia acreditar que Crow seguia para longe dela naquele navio detestável. Como permitira que ele fizesse essa loucura? Devia tê-lo sedado com alguma das ervas que tinha guardadas naquele armário da sua cabine; ou tê-lo amarrado ao mastro do convés ou ameaçado matar-se para fazê-lo desistir de partir para entregar-se a um julgamento de onde certamente não sairia vivo. Sentia-se vazia, com o coração sangrando, indo para a terra de seu pai para recuperar uma herança, que de bom grado daria toda em troca da vida de seu amor. Seus pensamentos eram todos de Crow. Ainda podia sentir o corpo rijo e cálido contra o seu na última noite que passaram juntos. Tentava afastar sua imagem nas galés do The Conqueror, rebaixado a posição de prisioneiro, tal e qual Castilhos. Não era justo. Apesar da promessa de Arthur de que dispensaria tratamento diferenciado a ele, Ana não conseguia confiar num homem que se dizia amigo e acabava levando-o para julgamento por uma rainha que era conhecida pela inclemência. Alguém que mandara decapitar a própria prima, como ouvira dizer, não podia ser boa pessoa. Também ouvira falar a respeito do tipo de julgamento e punições contra piratas e só isso a fazia estremecer ao imaginar o que aguardava por Crow. As lágrimas, antes profusas, agora estavam secas pela brisa fria que vinha do norte, marcando seu rosto.

Valentina já perdera a noção do tempo que Ana estava agarrada àquele corrimão do convés, estaqueada na murada, indiferente aos homens que passavam por ela e baixavam a cabeça em silenciosa demonstração de pesar e compreensão por seu estado melancólico... Não sabia com quem preocupar-se mais. Brett ainda precisava de cuidados e repouso devido ao ferimento conseguido na luta entre Crow e Castilhos, enquanto Ana a assustava com seu comportamento depressivo. Tinha medo que ela cometesse alguma loucura. Para seu alívio, Peter assumira a direção do Highlander até que Brett estivesse pronto para desempenhar o posto de capitão. Além de tudo isso, ainda havia no ar a insatisfação entre os homens a respeito do lugar para onde navegavam. Devido a guerra, as águas espanholas não eram nada convidativas, principalmente para um navio com nome inglês. Temia algum motim, apesar de saber que eles estavam motivados pelo pedido de Crow de que cuidassem de Ana em sua ausência. Junto a esse fato, havia a grande probabilidade de encontrarem algum carregamento de ouro pelo caminho. Depois da traição feita por Sam, sua confiança nos piratas de Crow caíra consideravelmente. Eram poucos aqueles por quem daria a mão para queimar. Por tudo isso, sentia-se insegura nessa viagem, apesar de Castilhos, sob algumas ameaças, ter devolvido os documentos que provavam a procedência de Ana, o que lhes daria salvo conduto... Pelo menos, em teoria. Respirou fundo e decidiu aproximar-se de Ana para consolá-la e convidá-la para ir ver Brett. Talvez assim pudesse distraí-la, ao mesmo tempo em que veria qual o estado atual de seu homem.

Tão logo se afastaram do Highlander, Arthur dera a ordem para se livrarem do corpo de Cristóbal, que já começava a incomodar o olfato da tripulação. Para alívio de todos e, principalmente de Castilhos, que compartilhava a cela com o nobre defunto, o corpo foi embrulhado em panos e jogado ao mar sem cerimônia alguma. Crow tentava se distrair rememorando as aventuras do passado com o comandante do The Conqueror, porém a imagem de Ana chorando enquanto se despediam continuava esmagando seu peito. Agora já não se sentia tão confiante em sua própria resolução, mas dera sua palavra de que se entregaria à justiça inglesa e assim o faria. O desejo de ter uma vida estável com Ana é o que o impelia a continuar no seu plano de rendição.
Os dias se passaram lentamente, mas ao fim de pouco mais que uma semana, a costa inglesa foi alcançada. Ao desembarcarem em Dover, apesar das tentativas de Arthur em requerer a custódia de Crow, o chefe da milícia local foi irredutível, ordenando sua prisão no infecto presídio local até poder transferir os piratas para Londres. Com muito custo, conseguiu que Crow ficasse sozinho em uma cela, evitando a companhia de Castilhos e de alguns de seus comparsas que foram mantidos vivos. Mesmo em celas separadas, não havia como evitar os comentários sarcásticos do espanhol, já que apenas grades separavam os cubículos um do outro.
- Ouvi dizer que você se entregou de livre e espontânea vontade. Es cierto?
Crow decidiu não responder para não iniciar uma conversa desagradável, porém o sujeito era irritantemente implicante.
- No lo creo!... kkkkkkkkkk – continuou, aceitando o silencio de Crow como uma afirmação. – Parece que a senhorita Ana tem o dom de enlouquecer os homens... Donde estaba la cabeza, mi amigo?...
- Em primeiro lugar, não sou seu amigo e, em segundo lugar, se tocar no nome de Ana mais uma vez, acabo com você na primeira oportunidade que tiver de colocar as mãos no seu pescoço.
- Perdón... – disse com um meio sorriso malicioso – Mas não creio que poderás sair daqui tão cedo para cumprir sua promessa... Amigo.
Mesmo diante do semblante fechado de Crow e de seu silencio, o pirata hispânico não descansou e continuou com seu discurso.
- Você realmente acredita que vamos ter um julgamento?... Talvez você consiga alguma intervenção a seu favor... Es verdad... – refletiu compenetrado – Quanto a mim e meus caros companheiros... – disse apontando para as outras celas – Duvido que a sentença seja outra além de... Muerte!... O que é uma pena, pois ainda tenho muito para fazer nessa vida... Gostaria de ter uma chica formosa para me juntar, que me acompanhasse em minhas viagens... Una chica como a bela Valentina, por exemplo... – completou lançando um olhar malicioso para seu colega inglês.
Crow sabia que estava tendo sua paciência testada pelo pirata, por isso fechou os punhos, crispou a boca, mas não falou nada. Apenas deitou-se em seu catre, de costas para o outro e fingiu que ia dormir.
- Apesar de nossas desavenças, não me considere seu inimigo, Capitão Crow... Lembre-se que estamos na mesma nau encalhada... Talvez precise de mim...
Crow quase riu diante da afirmação canalha de Castilhos, mas preferiu manter-se quieto. Talvez o espanhol se cansasse e calasse a boca. Para sua sorte, foi o que aconteceu.

Os dias se passaram e nenhuma novidade a respeito da transferência dos piratas para Londres era comentada. Crow já começava a ficar desanimado quando, numa certa manhã, foi levado para a sala do chefe da prisão. A chama de esperança de que finalmente sua situação voltaria a ser definida apagou-se imediatamente quando ultrapassou a porta e viu Arthur postado ao lado de um homem de idade, que estava de costas, olhando pela minúscula janela gradeada que iluminava o reservado. Não disse nada, pois sua voz se extinguiu ao perceber quem era o visitante. O homem virou-se lentamente. O rosto familiar, porém envelhecido, apresentava os olhos brilhantes por lágrimas represadas, que acabaram por rolar ao vê-lo.
- Meu filho... – disse Sir Timothy Lodwick com a voz pequena e emocionada.
- Arthur... – dirigiu-se Crow ao amigo com amargura, momentaneamente ignorando seu pai. – Por que o trouxe aqui?
- Ele não queria que eu viesse, filho... Eu insisti.
Arthur mantinha-se cabisbaixo, envolvido pela emoção do reencontro de pai e filho depois de tantos anos separados e numa situação nada confortável para ambos.
- Não queria que fosse assim... – lamentou Crow, sentindo-se um derrotado.
Apesar de os ressentimentos da adolescência com relação a seu pai já terem sido parcialmente curados, não gostou da sensação de encontrar-se com ele na prisão, como um salteador a espera de castigo. Até então jamais se preocupara com a opinião do pai sobre suas opções de vida. No entanto, ali, diante dele, sentia-se envergonhado por voltar a aparecer, depois de tanto tempo, como um pirata, um homem fora da lei, que vivia de pilhagens; alguém do qual jamais poderia se orgulhar.
Naquele momento, Timothy só tinha um pensamento que o atordoava desde que soubera da presença de Nigel em Dover. Pedir o perdão de seu filho por tê-lo abandonado quando mais precisava de um pai; por ter permitido que outros se encarregassem de sua educação; por não perceber que seu filho era a coisa mais preciosa que sua amada esposa lhe deixara e a quem ele, cego por sua dor egoísta, maltratara e desprezara.
- Vou deixá-los a sós...
Arthur deixou o recinto sombrio e, agora, mergulhado em profundo silencio. Nenhum dos dois Lodwick fez menção de evitar sua saída. Foi como se ele não existisse. Ambos estavam mergulhados em suas dores, procurando palavras que pudessem aliviar seu sofrimento.
- Agora que já viu em que seu filho se tornou não precisa mais suportar a minha presença... – disse melancólico Crow de cabeça erguida, pronto para enfrentar a calma ira de Sir Lodwick.
- Nigel... Eu não vim aqui para acusá-lo...
- Deve estar satisfeito ao ver que tinha razão e que eu nunca fui bom o suficiente para ser seu filho.
- O quê? O que está dizendo? Acha que estou satisfeito vendo-o numa prisão? Que tipo de homem me considera?
- Um homem que rejeitou seu filho desde o nascimento. – desabafou.
O ar tornou-se mais denso. A verdade havia sido dita. Uma verdade cruel que atingia aos dois de formas diferentes, mas igualmente lacerante. Os segundos se passaram como se fossem horas... De repente, não suportando mais a culpa que o consumia, Timothy cambaleou e levou a mão ao peito, como se pudesse controlar a dor que sentia com esse simples gesto. Crow atravessou o espaço que o separava do pai em dois largos e rápidos passos ao perceber o impacto de sua acusação.
- Pai! O que está sentindo? – perguntou aflito, esquecido momentaneamente dos antigos rancores. Tentou fazê-lo sentar numa das cadeiras da saleta. – Droga! Você não devia ter vindo!
Timothy segurou o braço de Nigel, impedindo-o de continuar e obrigando-o a encará-lo. Seus olhos acinzentados, marejados, lembravam um dia de tormenta no mar, e o desespero neles impresso denunciavam o medo da morte sem redenção.
- Meu filho... Me perdoe... – a voz embargada foi engolida pelos soluços que vinham do fundo de sua alma.
Jamais tinha visto seu pai chorar ou pedir perdão para alguém. Seu sofrimento era palpável. Por instantes, não soube o que fazer. Acabou finalmente por ajudá-lo a sentar, procurando uma palavra de conforto que não conseguia proferir.
- Você tem todas as razões do mundo para me odiar, Nigel... – As palavras saiam trêmulas e frágeis, tal e qual sua aparência.
- Não precisa dizer nada, pai... – disse comovido. – Eu já o perdoei...
- Nigel, meu filho... Eu preciso lhe dizer o quanto me orgulho de você... Soube que, mesmo sem meu apoio, você entrou na Marinha e fez uma carreira brilhante. Antes de partir em sua última viagem, meu amigo Krane falou sobre o que Drake fizera a você. Sei o quanto deve ter sofrido com mais essa decepção. Cheguei a pensar em matar aquele corsário miserável... Depois você sumiu e... Vivi num inferno sem notícias suas... Pensei que havia morrido... Até que há dois dias, Arthur Greenville surgiu dizendo que você estava bem e muito perto de mim...(N.A.: Dover fica no condado de Kent, onde mora Timothy Lodwick)
- Numa prisão ... – resmungou Crow, envergonhado.
- Ele me contou tudo que lhe aconteceu até chegar aqui. Sei que se entregou por causa da jovem sobrinha de Sir Edmond Boyle, que você resgatou... Santo Deus! Temos tanto que conversar, Nigel... Tanto a explicar...
- Quando eu sair daqui redimido de meus crimes, nós poderemos conversar.
O olhar subitamente pesaroso de seu pai, preocupou-o.
A porta abriu-se subitamente e por ela entrou o chefe da milícia com cara de poucos amigos.
- Seu tempo acabou, Sir Lodwick. Sinto muito. Tenho que levar o prisioneiro de volta a sua cela.
- Filho... Eu farei tudo que estiver ao meu alcance para tirá-lo daqui, nem que tenha que falar pessoalmente com a rainha.
O semblante do militar delineou sarcasmo ao ouvir a afirmação de Lodwick, o que Crow preferiu ignorar.
Não houve abraços ou mesmo uma despedida formal entre pai e filho. Seus olhares apenas se cruzaram, pacificados e cúmplices. Nada mais precisava ser dito.

(continua...)


Boa tarde, meus amados leitores (se é que ainda tenho algum depois de tanta demora para escrever a continuação desse romance...rsrsrs). Era meu desejo acabar essa história antes do final de ano, mas parece que vai ser impossível fazer isso. Ainda tem algumas coisas para acontecer até o final desse romance, mas não deve demorar muito mais. Talvez um ou dois capítulos, como disse da última vez.
Mais uma vez quero agradecer os comentários, sempre carinhosos e estimulantes, aos parabéns pelo meu filho e aos votos de fim de ano. Muito obrigada!
Espero que curtam essa nova postagem, que ficou sendo mais pesada, principalmente pelo encontro entre Nigel e o pai, que já tinha sido definido desde o início do livro, mas ainda não sabia como seria. Finalmente ele aconteceu e acho que ficou bom. O que acharam?
Gostaria de deixar uma linda mensagem de Ano Novo para vocês, por isso escolhi alguns versos do nosso poeta Mário Quintana:
"O Ano Novo ainda não tem pecado:
É tão criança...
Vamos embalá-lo...
Vamos todos cantar juntos a seu berço de mãos dadas, a canção da eterna esperança"

FELIZ 2012 PARA TODOS!!! AMOR, PAZ, SAÚDE E DINHEIRO! QUE ESTE QUARTETO ESTEJA PRESENTE EM TODOS OS DIAS DO NOVO ANO!
BEIJOS!!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XVI (1ª parte)

- Nigel! – gritou Ana, que antes de chegar aos braços de Crow assistiu à tentativa de Castilhos em eliminá-lo e a queda de Brett após defender seu amigo.
Abraçaram-se fortemente, com a felicidade do reencontro esmaecida pelo infortúnio de seu companheiro.  Depois de uma rápida e significativa troca de olhares, que bastou para transmitir o alívio de estar novamente juntos, a atenção se voltou para Brett que já se encontrava aninhado nos braços de Valentina, no chão do convés.
- Não se preocupe... – disse gemente de dor, acariciando com o olhar a face, úmida pelas lágrimas, de quem o acalentava. – Não será dessa vez que ficará livre de mim, Tina.
- E quem disse que quero me ver livre de você, seu pirata do inferno?
- Vamos levá-lo para o Highlander! – afirmou Crow abaixando-se até onde o imediato estava caído. – Aguente firme, Brett...
- Vocês têm um cirurgião a bordo? – perguntou Arthur.
- Não temos médico no Highlander, mas podemos cuidar dele – respondeu Crow atordoado.
- Como? Não sabem a extensão do ferimento. Nós temos um cirurgião que pode tratar dele. Pela nossa antiga amizade... Por favor, aceitem.
Antes que Crow pudesse interferir, o capitão inglês ordenou a remoção do ferido para sua própria cabine.
Brett foi levado às pressas para os aposentos de Greenville, onde prontamente o médico de bordo o atendeu e proibiu seus acompanhantes de entrarem, até que pudesse avaliar o ferimento.

Enquanto os piratas hispânicos e, agora prisioneiros, eram alinhados e acorrentados, Arthur Greenville ordenou a liberação de alguns barris de um destilado de cevada trazido da Escócia para ser distribuído entre os grumetes e os piratas de Crow. Estes últimos voltaram ao Highlander satisfeitos com a vitória e a bebida, mas preocupados com Brett. Liam ao saber do ocorrido imediatamente ofereceu-se para ajudá-lo, mas retornou carrancudo quando foi informado que a tripulação contava com os serviços de um oficial médico muito competente e que sua ajuda não era necessária.
A angústia pesava principalmente sobre três corações. Os minutos escorriam lentamente. Ana e Crow  abraçados observavam o andar de vai e vem nervoso de Tina.  A falta de palavras de consolo tornava ainda mais angustiante a espera.
Após organizar a reclusão dos prisioneiros, falar com seu imediato e ordenar os reparos necessários à boa navegação do El Tiburón, Arthur Greenville pode finalmente ir ao encontro de Crow e das duas mulheres. Apesar de tudo, estava satisfeito com os troféus que levaria para a Rainha Elizabeth como prova de seu triunfo contra um dos grandes inimigos dos navios ingleses. Isso certamente lhe traria prestígio inestimável e finalmente deixariam de louvá-lo apenas como filho de Sir Richard Greenville.
- O Dr. Wilde já deu notícias de Brett? – perguntou ao aproximar-se do  pequeno grupo.
- Ainda não... – respondeu Crow.
- Se ele não aparecer aqui em um minuto para dar notícias, vou invadir essa maldita cabine e saber o que está havendo. – reclamou Tina no limite de sua paciência e apreensão.
Arthur não conseguia disfarçar sua curiosidade pela jovem morena, vestida como um rapaz, que tivera a coragem de matar o homem que ameaçava Ana de Villardompardo. Entretanto, percebera, por suas atitudes, que seu coração já pertencia a outro; alguém que anos atrás fora seu amigo e que, agora, podia estar agonizante.
Não houve tempo para a invasão de Tina, pois o Dr. Wilde surgiu através da porta da cabine com uma cara carrancuda.
- O ferimento foi profundo, mas perfurou apenas pele e músculos. – disse, finalmente. – Ele vai sobreviver.
- Podemos vê-lo? – perguntou Crow com esperanças renovadas.
Antes que o médico respondesse, Tina avançou porta adentro, empurrando-o para o lado.
- Parece que sim – respondeu Dr. Wilde tentando equilibrar-se para não cair ao chão.  Olhou para o casal que ainda aguardava a sua frente e afastou-se da porta, antes que sofresse novo empurrão. – Bem... Podem entrar.
- Brett! – exclamou Tina ao vê-lo consciente e sentado sobre a cama, jogando-se sobre ele, abraçando-o como se quisesse prendê-lo para sempre junto ao seu corpo, arrancando-lhe um sorriso de satisfação e um uivo de dor.
- Oh! Desculpe! – disse ela afastando-se um pouco quando percebeu que o machucara sem querer.
- Não foi nada – disfarçou.
- Ele precisa descansar, pois perdeu muito sangue – orientou aborrecido o homem de barba branca e olhar arguto que o tratara e fizera o curativo. Retirou-se logo a seguir para cuidar de outros feridos que certamente o aguardavam após o combate.
- Ainda bem que não precisarei me preocupar em contratar outro imediato. – brincou Crow.
- Obrigada por salvar a vida de Nigel – disse Ana profundamente agradecida.
- Não foi nada. Eu tenho uma dívida impagável com ele... – redarguiu esboçando um melancólico sorriso.
- Que tipo de bebida esse médico lhe deu para acalmar a dor e deixá-lo a falar bobagens? – ironizou seu capitão.
- Que dívida impagável é essa que eu não conheço? – perguntou Tina curiosa.
- É melhor deixarmos o Brett descansar... – desconversou Crow.
- E quanto a Castilhos e Cristóbal? – perguntou Brett também tentando mudar o assunto.
- Castilhos está preso e, quanto a Cristóbal... Tina mandou-o numa viagem só de ida para o inferno.
- Como assim?
- Eu o matei. – confessou tranquilamente diante do queixo caído de Brett – Por que a surpresa? Esquece que fui criada entre piratas? Além disso, aquele miserável teve o que merecia.
- Nigel... – intrometeu-se na conversa o comandante do The Conqueror, que até então permanecera discretamente de lado, a escutar a conversa. – Agora que Brett está fora de perigo, precisamos conversar.
Crow estranhou o tom sério de seu velho conhecido.
- Vocês se conhecem? – interrompeu Tina.
- Sim! – exclamou Crow alegremente, batendo nas costas de Arthur  – Que grosseria a minha não apresentá-los. Este é o  Capitão Arthur Greenville,  ou Little Rich, como ele era mais conhecido entre os marinheiros de Sua Majestade. Ele era nosso companheiro no navio Enterprise, Ana – explicou, dando a entender que o oficial inglês sabia da história da família Villardompardo e de seu destino.
- Por que Little Rich? – perguntou Tina sem notar a expressão de desagrado do detentor do apelido.
- O nosso amigo é filho do grande comandante Sir Richard Greenville, um dos maiores navegadores da Rainha. – continuou, voltando a encarar o oficial. – Foi uma surpresa e um grande prazer reencontrá-lo aqui, Arthur, comandando seu próprio navio.
- Para mim também foi uma surpresa encontrá-los de uma maneira tão inusitada... Devo minha vida a você, Nigel. Tenha certeza que não esquecerei sua atitude se um dia  for necessário lembrá-la...
Crow tornou-se sério e pensativo.
- Entendo o que quer dizer, Arthur. Sei que, como oficial da Marinha inglesa tem um dever a cumprir.
- Sobre o que vocês estão falando? – perguntou Ana preocupada.
- Falaremos disso mais tarde – disse numa tentativa de apaziguar o olhar inquieto das duas jovens. –  No momento, estou curioso sobre a senhorita Ana, como a encontraram e qual a relação com Castilhos.  
- Ah, meu amigo... Essa é uma longa história.
- Gostaria de ouvi-la se não se importa... Podemos conversar na sala de mapas e deixar o Brett descansar.
- Eu ficarei aqui com ele. – falou Tina olhando para o seu amor ferido. – Também precisamos conversar um pouco.


Na sala de cartografia, que era também o gabinete e a biblioteca do The Conqueror, Arthur estava impressionado com a história do encontro de Nigel com Ana, de seu desejo de voltar a Inglaterra para se casarem e da terrível perseguição praticada por Castilhos a mando de Cristóbal de Villardompardo.
- Então os documentos que provam que a senhorita Ana é a herdeira estão em poder de Castilhos?
- Tudo leva a crer que sim.
- E quando a senhora pretende retornar a Espanha para tomar posse do que é seu?
- Não... Ainda não pensei... sobre isso... – disse reticente olhando para Crow.
- Deve pensar nisso, Ana. – disse Crow – Arthur tem razão. É a herança que seu pai deixou e, agora que Cristóbal morreu, não existe nenhuma razão para que não assuma seus direitos naquela terra.
- Você viria comigo? – perguntou para Crow.
- Isso vai depender do Capitão Greenville. – observou circunspecto – Creio que ele está num dilema, afinal sou um desertor e um pirata.
- Dilema? Que tipo de dilema?... – Ana temia pelo que estava prestes a ouvir.
- Desertor? – surpreendeu-se Arthur, deixando a pergunta de Ana no ar.  
- Eu abandonei meu posto em Dover, lembra?
- Drake nunca o denunciou por deserção. Ele o deu como dispensado do serviço. Se isso foi por arrependimento pelo que fez naquele dia ou por gostar de você ou por não querer se incomodar, ninguém nunca saberá. O fato é que não houve acusação alguma de deserção. Nesse sentido seu nome está limpo.
- Bem, isso já é uma boa notícia.
- O que pesa sobre você é o fato de ter atacado alguns navios ingleses que levavam passageiros da corte de nossa Rainha, o que a deixou especialmente brava... Apesar de ter nos ajudado e salvado minha vida, Nigel, ainda assim teria o dever de prendê-lo e levá-lo a julgamento na Inglaterra.
- Por favor! Não pode fazer isso! – exclamou Ana desesperada ao imaginar que poderia perder Crow.
- Eu sabia que isso aconteceria mais cedo ou mais tarde, Ana – consolou abraçando-a.
- Então, vamos para a Espanha! Tanto faz o lugar onde viveremos. O que importa é que fiquemos juntos.
- Arthur, é possível o Brett seguir com Ana para a Espanha no Highlander?
- Não vou a lugar nenhum sem você! Não tente me ignorar! – alterou-se aflita.
- Acho que posso dar um jeito nisso, visto que não há outra maneira.
- Então está resolvido. – finalizou Crow com voz firme, tentando esconder de Ana a dor em seu peito por ter de deixá-la mais uma vez. Pelo menos Brett e Tina estariam junto a ela. Sabia que podia confiar sua vida aos dois.
- Que tipo de amigo é você? – gritou Ana com Arthur. – Como pode fazer uma coisa dessas?
Crow precisou segurá-la para evitar que ela se lançasse contra o homem.
- Calma, Ana...
- Interrogarei Castilhos e pegarei os documentos de Villardompardo. Vou deixá-los sozinhos agora... – Olhou para Ana com visível pesar. – Peço que me perdoe, senhorita. Estou apenas cumprindo meu dever...
Greenville saiu cabisbaixo, deixando Ana furiosa com a atitude de Greenville e  a decisão autoritária de Crow sem levar a sua opinião em conta.
- Se pensa que vai resolvendo assim a nossa vida, está muito enganado! – disse ameaçadora – Não vou permitir...
Antes que terminasse a frase, sua boca foi calada pela de Crow, que a tomou em seus braços e a beijou com vigor.
- Estava louco para beijá-la desde que a vi livre daquele miserável do Cristóbal. – sussurrou junto ao pescoço delgado, provocando em Ana um arrepio gostoso que quase a fez esquecer o motivo de sua irritação.
Os lábios famintos desceram através da pele quente e macia, chegando ao colo, onde era possível sentir as batidas aceleradas de seu coração. As mãos corriam ansiosas pelas curvas, do dorso às nádegas, percorrendo saudoso um caminho conhecido e insaciavelmente desejado.
-  Nigel... Você não pode me abandonar agora... – falou com a respiração ofegante enquanto era prensada contra a parede da sala e seu corpo coberto pelos carinhos voluptuosos de Crow.
Tentava afastá-lo, porém sem muita convicção, pois, nos últimos dias, passara incontáveis horas ansiando por um momento como aquele.
- Por favor... Não se afaste de mim de novo... – suplicou em voz baixa e entrecortada.
- Eu a amo, Ana... – declarou-se de encontro a sua boca num sussurro.
Não resistindo mais,  Ana deixou-se levar pelo desejo ardente que a dominava. Entre beijos e gemidos, Crow levantou a saia que o impedia de tocá-la mais intimamente. A ânsia por unir-se a ela da forma mais completa possível era insuportável.   Possuiu-a ali mesmo, entre livros, cartas de navegação e mapas, sufocando os dolorosos pensamentos a respeito de uma nova separação. Unidos em êxtase e em desespero pelo que estava por vir, permaneceram abraçados um ao outro, como a tábuas de salvação, enquanto abrandavam a saudade.


Assim que os três saíram da cabine, Tina virou-se para Brett.
- Pensei que você fosse morrer...
- Como já disse... Não se livrarão de mim tão fácil. – sorriu, desviando o olhar de Tina.
- O que você disse foi: Não será dessa vez que ficará livre de mim, Tina. – imitou-o – O que quis dizer com isso?
- Foi uma maneira de falar... – continuou sem poder encará-la.
Delicadamente, ela pegou seu rosto e virou-o de forma a poder olhar diretamente em seus olhos.
- Eu morreria se o perdesse, Brett... Por que não pode dizer o mesmo para mim? – Sua voz tornara-se trêmula e o rosto transfigurou-se em mágoa.
- Eu não posso... Ah, Valentina... Não me olhe desse jeito... Eu não mereço você...
- Se disser isso mais uma vez, eu juro que termino o serviço que Castilhos deixou inacabado. – disse irritada.
- O que quer que eu diga? Que a amo mais que tudo? Que quando pensei que fosse morrer só pensei em você e em declarar o meu amor antes do fim?
Um sorriso floresceu nos lábios de Tina.
- Acho que vou procurar Castilhos e dar-lhe um beijo em agradecimento...
- Só por cima do meu cadáver – ameaçou com uma careta de dor ao sentir o ferimento fisgar. – Ao invés disso... Que tal beijar a mim? – acabou por dizer fitando-a ternamente.
- Com todo o prazer...
Depois de se beijarem como se fosse pela primeira vez, Tina afastou-se e olhou-o de forma inquiridora.
- Agora quero que me conte que dívida é essa que tem com Crow e se isso tem a ver conosco.
Brett pareceu subitamente incomodado. Mexeu-se na cama entre um gemido e uma careta de dor, como para melhorar sua posição na cama.
- Vai contar ou vou ter que torturá-lo? – insistiu Tina.
- Está bem... Parece que hoje é o dia das declarações sob ameaça...
Tina acabou por sorrir e ele continuou.
- Antes de conhecer Nigel Lodwick, eu era apenas parte da escória humana nas ruas de Londres. Vivia de pequenos furtos; jogava e roubava nos dados; entre outras coisas piores. Foi nessa época que o conheci.  Tínhamos quase a mesma idade e ele frequentava o mesmo bar onde, nos fundos, eu aplicava meus golpes com os dados. Por coincidência e por sorte, um dia, no momento em que Nigel saía do bar, dois brutamontes resolveram acabar comigo, pois haviam perdido uma pequena quantia de moedas e desconfiaram de trapaça.  Ao ouvir os gritos que vinham do beco atrás da taverna, Nigel foi verificar o que estava acontecendo e partiu em minha defesa. Entrou beco adentro gritando pela milícia. Ao verem o tamanho do vulto que corria em nossa direção e pensando ser a polícia, como bons larápios, os sujeitos acharam melhor me soltar a enfrentar a prisão. Eles teriam me surrado até a morte, não fosse o Nigel. Desde então nos tornamos amigos.
- Essa é a dívida que tem com ele?
- Essa foi a primeira de muitas outras dívidas... Nigel sempre me tratou com grande consideração e tenho muita vergonha ao lembrar como demorei a reconhecê-lo como um verdadeiro amigo.
- Como assim?
- Eu não sou uma boa pessoa, Tina... E isso não se refere a ser um ladrão, pois na verdade é o que ainda faço até hoje... Refiro-me a algo mais profundo...
- Eu não entendo, Brett... Sobre o quê está falando?
- No início eu pensava em enganar Nigel. Eu sabia que sua família era rica... Não conseguia acreditar que alguém pudesse me tratar bem sem interesse algum. Passei grande parte de minha vida sendo escorraçado por todos. Desde que meu pai... – Parou de falar repentinamente como que arrependido do que viria a dizer.
- Desde que seu pai...?
-Nada... Nada... Nigel foi a primeira pessoa a me tratar como ser humano. É isso que eu queria dizer... Ensinou-me a ler e escrever. Mostrou-me outros valores, muito diferentes daqueles que eu conhecia. Quando ele resolveu se alistar na Marinha, me convidou para fazer o mesmo. Senti-me um novo homem, recebendo por meu trabalho e tendo um amigo ao meu lado. Passei quase três anos vivendo como um homem normal. Foi então que aconteceu o incidente com Ana e sua família.
- O que isso tem a ver?
- Nigel nunca lhe contou?...
- O que ele nunca me contou, Brett?
- Sabe as marcas nas costas dele?
- Sim, mas...
-  Eu fui o carrasco, Tina. Foi a mim que Drake ordenou que o chicoteasse sem piedade... E eu não tive coragem de me negar, por medo de sofrer penitência igual... – Sua face estava transtornada pela lembrança do passado   quando a olhou – Agora percebe por que não sou digno do seu amor?
- Você estava sob as ordens de um assassino, que era seu comandante. Não podia se negar a cumprir ordens. Não pode se culpar por isso. Tenho certeza que Crow não o culpou.
- Não há perdão que tire a culpa por minha covardia naquele dia. Pior me senti quando ele não embarcou três dias depois de estarmos ancorados em Dover. Saber que ele havia decidido desertar sem falar comigo, só fez aumentar aquele sentimento destrutivo dentro de mim. Mais tarde, pude entender que ele não quis me envolver em sua deserção. Cerca de dois meses depois pedi meu desligamento da Marinha, o que foi bem vindo por eles, já que meu comportamento estava sendo muito inadequado nos últimos tempos. Tornei-me um grumete relapso e inconveniente.  Terminei por trabalhar em alguns navios mercantes, bebendo e jogando; numa vida não muito diferente da que levava antes de conhecer Nigel. Alguns anos depois, o navio em que eu trabalhava foi atacado por piratas. Mais uma vez o destino quis dar uma nova guinada em minha vida. O navio pirata era o Highlander. Nigel, ou Crow, como já era conhecido então, não pensou duas vezes quando me encontrou. Convidou-me no ato para fazer parte de sua tripulação. Desde então, jurei que jamais lhe viraria as costas e que morreria de bom grado por ele.
- Brett... – Segurou-lhe mais uma vez a cabeça, carinhosamente,  para poder encará-lo de frente – Você já mostrou mais de uma vez o seu valor. Não há quem não o admire dentre os tripulantes do Highlander ou onde quer que passe. Se não fosse um bom homem, eu não sentiria o que sinto por você. Já é hora de esquecer esse passado e começar a viver... Viver comigo...
Mais uma vez uniram seus lábios, selando finalmente um compromisso tão ansiado por ambos.

(continua... )


Finalmente consegui postar uma parte do capítulo. Desejava poder fazer o capítulo integral, mas não foi possível. Nem vou cansar vocês com minhas mazelas nestas quase duas últimas semanas, mas pelo menos posso dizer que uma das minhas batalhas foi vencida. Meu filho passou no vestibular para Publicidade e Propaganda da ESPM Sul. Isso realmente foi uma grande notícia. Ainda estou me beliscando para saber que não é um sonho...rsrsrs. No meio de tantos estudos (estou quase pronta para fazer vestibular também) e outros probleminhas caseiros variados, a minha inspiração foi para as cucuias. Simplesmente eu não conseguia decidir os próximos passos de meus piratas queridos e suas amadas. Depois de muito pensar e matutar enquanto dirigia para o trabalho  ou servia de motorista dos filhos ou cozinhava, só hoje à tarde defini minhas próximas ações no romance, que já se aproxima do fim (acho que faltam apenas dois capítulos). Agora estou me sentindo mais leve e feliz. Isso sempre acontece quando consigo gerar mais um pedacinho da minha história.
Espero que me perdoem pela demora e que gostem do resultado de tanta matutação...rsrsrs.
Como sempre, gostaria de agradecer do fundo do meu coração aos comentários que recebi na última postagem. Esse estímulo é muito significativo para mim, como sabem. Sem ele, já teria desistido do blog.
Beijinhos a todos os meus pacientes leitores!

domingo, 27 de novembro de 2011

O Corsário Apaixonado - Capítulo XV (2ª parte)

Ana não conseguia parar de andar dentro daquela cabine, tal sua ansiedade e sentimento de impotência, sem lugar para onde fugir da presença desagradável do irmão de seu pai. Seu coração comprimia-se dentro do peito cada vez que imaginava o que teria acontecido à Nigel,  aos seus amigos ou, mesmo com Didier. Teria ele se aliado a Sam para entregá-la ao tio por dinheiro? Custava a acreditar, pois apesar de ladrão e mesquinho, parecia nutrir certo afeto de pai por ela... Ainda que, reconhecia, de maneira quase imperceptível. Esforçava-se para crer que Nigel estava bem e atrás deles. O Highlander estava quase pronto para partir na última vez  em que o visitara. Como gostaria que tudo aquilo fosse apenas um mau sonho e que de uma hora para outra pudesse acordar nos braços de seu amor. Em certos momentos perdia todas as esperanças e pensava em maneiras de escapar da cabine e pular em mar aberto. Preferia morrer a enfrentar a luxúria do abominável Cristóbal. Sua aflição sofreu um baque ao ouvir um estrondo seguido de um estremecimento, que a fez desequilibrar e ser jogada contra a cama. Assim que se recuperou, pode ouvir os gritos de Castilhos e de seus piratas. Parecia que estavam sendo atacados. Seria Crow que os tinha alcançado? Será que suas preces tinham sido ouvidas? Correu para a porta, apesar de saber que estava trancada por fora. Tentava ouvir qualquer coisa que lhe sugerisse a promessa de que logo seria libertada. Assim que colocou o ouvido colado a madeira com cheiro de bolor, ouviu a chave girando na fechadura e foi empurrada para trás violentamente. Nem bem tinha se recuperado do susto, viu a figura de Cristóbal, de olhos arregalados e assustados, entrando atabalhoadamente, fechando a porta às suas costas e passando a chave.
- O que está havendo? – perguntou esperançosa.
- Estamos sendo atacados – respondeu imediatamente, mas logo percebeu a expectativa de Ana e maldosamente tratou de tirar-lhe qualquer esperança de voltar aos braços do pirata inglês -, mas não é pelo seu amante. Infelizmente, um navio da marinha inglesa detectou nossa presença e está em nosso encalço... Só espero que Castilhos saiba realmente dirigir essa tina de madeira e escapar desses lambe-botas da Elizabeth – finalizou com a voz amedrontada, pois, apesar de seus títulos e riqueza, era um grande covarde, afinal.
Seu medo de ser detido pelos ingleses ou de morrer num confronto em alto mar era maior que o seu desejo de seduzir Ana. Por isso dirigiu-se até a escotilha e de lá tentou ver como se desenvolvia a perseguição, segurando, trêmulo e aflito,  a bainha de seu punhal. Tivera algumas aulas de esgrima por exigência de seu pai, mas nunca realmente se interessara pelas armas e lutas corpo a corpo. Sempre fora Ramon que mostrara desde tenra idade coragem para os combates e ânsia em aprender o manejo da espada. Já Cristóbal preferia maneiras mais ardilosas e inermes de eliminar seus inimigos, como calúnias, venenos e o uso da adaga nos desprevenidos. Ao vê-lo distraído, Ana levou os olhos até a fechadura da porta, mas decepcionada percebeu que a chave havia sido retirada e guardada por seu tio. Só lhe restava aguardar os acontecimentos.
No convés, Castilhos gritava ordens, preparando-se para o pior. A cada minuto tornava-se mais difícil esquivar-se da iminente ofensiva. Ordenou aos canhoneiros o primeiro ataque mirando as galerias da nau inimiga, revidando o tiro de aviso que recebera pouco antes. Seria obrigado a lutar e mostrar ao comandante inglês o erro que havia cometido ao tentar capturar o El Tiburón.


 - Navios à vista!! Todos ao convés!
Ao ouvir aquele grito, Crow saiu correndo de sua cabine seguido por Brett. Valentina já estava enroscada nas cordas, subindo através delas para o alto do mastro de onde poderia enxergar melhor as embarcações próximas.
- É o El Tiburón? – Crow perguntou gritando com a esperança renovada.
- Não dá para ter certeza! Um dos navios parece ser da marinha inglesa  e está perseguindo o outro mais a frente... Um galeão!
Animado, decidiu-se, mesmo antes de ter a certeza de que aquele era o navio de Castilhos.
- Vamos ajudar esses ingleses. Partir para o ataque, seja ele de Castilhos ou não! – bradou sua ordem, provocando exclamações de satisfação dos piratas a sua volta que clamavam por um pouco de ação.
- Não é melhor termos certeza antes? Acho arriscado nos metermos  entre duas embarcações inimigas durante uma batalha, principalmente quando as duas não simpatizam conosco. – argumentou Brett.
- Preciso fazer alguma coisa para não enlouquecer. Os homens precisam de uma recompensa por estarem unidos a mim nessa missão de resgate apenas por lealdade. Além disso, talvez eu precise começar a fazer as pazes com a Inglaterra. Quando eu voltar para lá com Ana, quero ter minha vida de volta. E se for Castilhos... Não vejo a hora de por minhas mãos naquele patife.
- É... Talvez tenha razão – disse mais animado em relação à Crow, que pela primeira vez desde a saída de Eleuthera, demonstrava algum entusiasmo – Estou às suas ordens, Capitão!
- Icem a bandeira inglesa quando estivermos mais próximos! – O Highlander possuía bandeiras de várias nacionalidades que eram içadas conforme a origem de suas vítimas – A toda velocidade, ao ataque! Canhoneiros preparados!
Logo as manobras de aproximação do local foram iniciadas e, em vista da velocidade com que se deslocavam, facilmente chegaram até eles.  Para satisfação de Crow, a bandeira pirata no alto do mastro do galeão foi avistada e o nome do El Tiburón pouco depois se tornou evidente. Crow não conteve um grito de satisfação, e ordenou que mirassem os canhões nos mastros principais, evitando  as galerias inferiores, onde imaginava que Ana estivesse aprisionada.
Pegos de surpresa, os espanhóis só viram a segunda bandeira inglesa alcançá-los quando sofreram o primeiro tiro de canhão, que os pegou em cheio no mastro central.  Não tiveram tempo para reagir, pois a maior parte deles estava brigando com os oficiais ingleses, que já faziam a abordagem do navio inimigo e davam as boas vindas à ajuda inesperada. O segundo tiro atingiu parte da proa. Quando o Highlander emparelhou com o El Tiburón, grossas cordas foram lançadas para facilitar a ancoragem junto ao inimigo. Dessa maneira, preso entre as duas naus, não havia como ele escapar. Crow foi o primeiro a pular para dentro do galeão.  Empunhando sua espada,  iniciou a derrubada daqueles que ousavam enfrentá-lo. Com uma fúria incontida, não dando a menor chance de sobrevivência aos seus azarados oponentes, procurava ávido ao castelhano que lhe roubara sua mulher. Brett o seguiu, porém com uma outra missão em mente: afastar aqueles que tentavam aproximar-se de Tina, que acabara de surgir munida de espada e punhal, pronta para o combate como qualquer um de seus pares. E ela lutava bem, para orgulho e  desespero do imediato.
Quando Crow finalmente percebeu a presença de Castilhos, este se encontrava sobre o comandante inglês, quase vencendo a luta. Antes que pudesse desferir o golpe fatal no oficial com seu sabre, Crow o surpreendeu, empurrando-o para longe e colocando-se entre os dois homens. Ao ajudar o jovem oficial a levantar-se,  reconheceu nele um antigo amigo do seu tempo de serviço na Marinha Real. Sem tempo para confraternizações, Crow voltou-se para Castilhos, que restabelecido do brusco empurrão, encarou-o com ódio e partiu para cima dele cortando o ar com o fio de sua espada, avançando rapidamente, tentando atingi-lo de todas as maneiras. Para seu infortúnio, Crow conseguia barrar todas as investidas com a sua rapieira, herança de seu mentor Capitão Hawk. 
Rapieira
Uma arma esguia, que era geralmente roubada devido ao seu alto preço, era muitas vezes feita sob medida para nobres. O pirata que a possuía tinha que ter mais experiência em combate, devido as proporções da arma.São geralmente espadas com a lâmina relativamente longa e fina, ideal para golpes de perfurações e uma proteção de mão com complicados filetes de metal, o que a torna uma bela arma.

O choque entre as armas originava faíscas no ar, tal a brutalidade dos golpes do aço contra aço.  Em um dos assaltos, a lâmina de Castilhos atingiu o braço de Crow de raspão, cortando o tecido de sua camisa, provocando um pequeno sangramento que não deteve seu contra-ataque violento.
- Onde está Ana? – bradou irritado.
- Está segura! Assim que eu acabar com você, terminarei minha missão entregando-a na casa de seu futuro marido! – dardejou a língua venenosa, deixando Crow emocionalmente desarmado por um momento.
-Marido?
Ele só não foi ferido novamente, pois Brett chegou a tempo de evitar o golpe, colocando sua espada entre a de Castilhos e o pescoço de Crow.
Tão logo esse se recuperou, partiu para cima de Castilhos mais uma vez. Brett deixou-os, desviando o olhar apreensivo a procura de Valentina. Poucos instantes depois, o capitão do Highlander conseguiu, num golpe de mestre, arrancar a espada das mãos de Castilhos e colocá-lo sob sua mira na ponta da rapieira.
- Agora me leve até onde está Ana ou enterro isso em sua garganta – ameaçou.
 Aos poucos, os gritos e o tilintar das espadas foram acalmando-se e os espanhóis foram dominados ao verem seu líder fora de combate. O comandante inglês agora observava atento ao confronto dos dois homens a sua frente, sem entender que tipo de rixa pessoal estava ocorrendo entre o pirata espanhol e seu velho companheiro.
Antes que Castilhos pudesse falar, outra voz, pedante e autoritária, surgiu vinda da ponte. Todos os olhos se voltaram para Cristóbal, que segurava Ana firmemente com um dos braços envolvendo sua cintura enquanto a mão livre segurava um punhal com o fio colocado ameaçadoramente sobre o delicado pescoço.
- Crow! Se quer que ela continue viva, solte o Castilhos e deixe-nos seguir nosso caminho. 
Castilhos esboçou um sorriso no canto de sua boca, intimamente surpreendido pela iniciativa do, até então, inútil duque. Apenas continuou mudo com medo de que qualquer movimento seu pudesse aprofundar ainda mais a ponta da espada de Crow separando  sua cabeça do resto do corpo.
O capitão Arthur Greenville resolveu se manifestar, perguntando a Crow um esclarecimento sobre o que estava acontecendo.
- Nigel, agradeço a sua ajuda, mas pode me explicar o que está havendo e quem é a dama?
- Ela é Ana de Villardompardo, filha do Duque Ramon de Villardompardo e de Eleanor Boyle.
Arthur arregalou os olhos. Sua memória o levou uma década no passado, quando tinha apenas dezesseis anos e servia no Enterprise.  Ainda lembrava o dia em que o admirável imediato de Francis Drake rebelara-se contra seu comandante em defesa de duas mulheres, mãe e filha, e recebera uma cruel punição por seu ato.  Jamais esqueceria a acusação de suposta bruxaria para justificar a atitude covarde de lançar ao mar, para a morte certa, duas inocentes indefesas.
- Diga ao seu conterrâneo para nos liberar imediatamente ou corto esse lindo pescocinho – gritou Cristóbal mais uma vez, com voz tensa.
Como se o tempo houvesse se estagnado, soldados e piratas petrificados pregaram os olhos em seus comandantes a espera de ordens sobre o que fariam a seguir.
Quando Crow começava a afastar a espada de Castilhos, uma sombra surgiu atrás de Cristóbal ao mesmo tempo em que Ana dava uma violenta cotovelada na barriga do tio, conseguindo escapar do seu garrote. Antes que ele pudesse reagir, seus olhos pareceram saltar das órbitas e, com a boca entreaberta, mudo pela dor lancinante em suas costas, caiu morto feito um tronco apodrecido, direto sobre o chão de madeira da ponte do El Tiburón.
Atrás dele surgiu a figura de uma mulher, vestida como um bucaneiro, ainda segurando o punhal que cravara nas costas do homem.
- Tina! – exclamou Ana surpresa e agradecida pela presença da amiga que acabara de salvá-la.
- Acho que tem alguém lá embaixo louco para abraçá-la.
-Nigel! – exclamou sorrindo e correu através dos poucos metros e vários combatentes que a separavam de seu amor.
Aproveitando-se do momento, Castilhos conseguiu levantar e colocar-se em posição de ataque contra Crow. Quando sua espada cortava  caminho até o peito do inglês, Brett colocou-se mais uma vez interceptando o golpe, mas dessa vez com seu próprio corpo, que acabou sendo trespassado pela lâmina.
Dois gritos foram ouvidos. O grito de Valentina soou aterrorizado enquanto o outro, de Arthur, ordenava que os marinheiros ingleses ali postados agarrassem o espanhol antes que ele pudesse fazer mais algum estrago. Tudo isso se passou em frações de segundo. Crow avançou raivoso sobre seu agressor, com ganas de matá-lo com as próprias mãos, quando foi impedido pelo oficial inglês.
- Levem-no para o The Conqueror e tranquem-no na cela junto com o corpo de seu cúmplice! – ordenou Arthur referindo-se à Castilhos e Cristóbal. – Deixe ele aos meus cuidados. – disse em tom mais baixo para Crow. – Elizabeth não vê a hora de mandá-lo para o cadafalso, com um pouco de sofrimento antes...
(continua...)

Oi, meus queridos leitores! Sinto muitíssimo pela demora em postar essa continuação, mas diversos compromissos e um ligeiro bloqueio criativo não permitiram que eu escrevesse durante vários dias nestas últimas semanas. Finalmente , há dois dias a inspiração voltou e consegui dar continuidade ao meu relato. Espero que tenham gostado e que eu tenha conseguido passar toda a ação e drama  que se passaram diante de meus olhos. Sei que parei numa parte que provocará preocupações a quem acompanha o romance de Brett e Valentina, mas prometo que logo volto para o melhor ... ou pior dessa história.
Muito obrigada pelos comentários dos amigos e amigas que eu amo muito e daqueles que chegaram pela primeira vez nesse meu cantinho, como o querido Ewerton Lenildo, do blog Papel de Um Livro.
Beijos a todos vocês e até a próxima postagem!!