sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo VIII


MAURO



ANA


- Alô?
- É você, Mauro?
- Sim, sou eu.
- E então? Já o encontrou?
- Já! Acho que você já pode vir para cá. Não temos muito tempo. Além disso, você está perdendo terreno. Parece que ele já encontrou companhia. Uma linda companhia.
- Como assim? Quem?
- Não sei. Nunca a vi antes. Deve ter conhecido no hotel.
- Está bem. Vou tentar pegar o vôo que sai daqui às 23 horas e chego aí amanhã pela manhã. Ele está na casa do lado ou no Mairi?
- Na casa, é claro. Sabe que eles nunca gostaram de ficar com os hóspedes. Nenhum deles. De qualquer forma, eu me hospedei em outro hotel próximo ao Mairi, para não levantar suspeitas, caso os seus planos “românticos” não dêem certo. Você sabe muito bem o que eu penso a respeito deles. Ele é diferente do irmão e ficou ainda mais irritado quando você estupidamente se jogou prá cima dele...
- Vamos parar por aqui. – ela atalhou-o – Isto não é assunto para discutirmos no telefone. Quando eu chegar aí, conversamos. Ligo quando estiver pegando o carro para Maragogi.
- Estarei te esperando. Um beijo.
- Beijo. Até breve! – despediu-se friamente.
Mal tinha desligado o telefone, Ana pegou sua agenda e procurou o número da empresa aérea onde ainda tinha algumas milhas a resgatar. Esta era uma das poucas regalias que ainda sobravam de seu casamento com Guilherme. O resto tinha sido tirado por seu irmão. Aquele infeliz ia ter volta. Ele não sabia com quem estava lidando. Depois de aguentar conviver com aquele chato, virar uma viúva com uma mão na frente e outra atrás, não era nada justo. Teria sua vida de volta, custasse o que custasse. Recusava-se a retornar a vida de pobreza, de ter que trabalhar sol a sol por migalhas, e um patrão que achava que tinha direitos sobre sua vida e sobre seu corpo. Não tinha suportado conviver com Guilherme a troco de nada. E quanto a Mauro, se livraria dele assim que possível. Sentia-se capaz de tudo para recuperar a riqueza e o respeito daqueles hipócritas da alta sociedade.
Conseguiu completar a ligação e logo já havia feito a transação. Sua passagem estaria esperando no Galeão no balcão da empresa. Perfeito. Pegou sua mala e colocou suas melhores roupas e lingeries sensuais. Tudo valia para conquistar aquele miserável. “Marcos ainda pensa que sou uma romântica. É outro imbecil. Estes homens são uns tolos. Mal sabe ele que se o meu plano A não funcionar, já tenho o meu próprio plano B”, pensou.
Ainda tinha algumas horas pela frente. Precisava dar um jeito nas unhas e no cabelo. Tinha que ficar irresistível. Ele voltaria a comer na palma da sua mão. Só uma coisa a deixara preocupada. O que Mauro tinha dito a respeito de uma outra mulher. Provavelmente alguma outra aventura. Ele sempre tinha alguma socialite enganchada. Nunca ficava com nenhuma, pois sempre esteve apaixonado por ela, seu amor impossível. Esta não deveria ser diferente. Logo que a visse novamente, lacrimosa, pedindo perdão e declarando seu amor eterno e mal compreendido, ficaria com ela. Tinha certeza disso. Antes de pegar seu estojo de unhas, conferiu a pasta com as procurações feitas por seu advogado. Ainda não tinha certeza se iria precisar delas, mas como diziam: “o seguro morreu de velho”. Com uma expressão sarcástica no rosto, pensou na sua próxima vítima e lembrou que pelo menos este deveria ser agradável durante uma transa. Era uma pena ele nunca ter se permitido deitar com ela. Soltou uma risada diante destes pensamentos e voltou à sua preparação para a viagem de logo mais.



Fora mais um dia memorável. Olhava para Isadora, deitada ao seu lado tão bela e alheia de seus problemas. Lembrou de sua emoção ao assistirem juntos ao pôr-do-sol na beira da praia, depois daquela tarde de amor, na pousada de Alex. Voltou a angustiar-se com a sua situação junto a ela. A cada hora passada ficava mais difícil de manter aquela farsa. Porém, o medo de perdê-la, de ser rejeitado como um mentiroso, de ser comparado ao cafajeste do seu ex-noivo aumentava proporcionalmente àquele sentimento que amadurecia dentro dele. O melhor seria contar-lhe tudo de uma vez e esclarecer quem ele realmente era e explicar os motivos que o levaram a esconder sua identidade verdadeira aproveitando-se do engano dela. Seu relacionamento estava apenas começando e estava sendo uma experiência extraordinária. Jamais se sentira tão bem na companhia de uma mulher e a queria cada vez mais. Seu desejo e a necessidade de tê-la ao seu lado eram crescentes e quase assustadores. E pensar que fora para Alagoas procurando paz e meditação. Mas encontrara algo muito melhor... Faltavam apenas seis dias para que as férias de Isa acabassem e ele não podia mais imaginar-se sem ela. Estava decidido. Voltariam ao Mairi no dia seguinte e à noite contaria tudo à Isadora. Não podia mais sustentar aquela situação. Assim, decidido, beijou-a levemente nos lábios, fazendo-a exalar um suspiro e aconchegar-se ainda mais em seus braços.

Após o café, ainda aproveitaram a praia e saíram logo após o almoço. Despediram-se de Alex e puseram-se no caminho de volta à Maragogy.
- Está tão calada hoje. Aconteceu alguma coisa? – ele perguntou sem desviar o olhar da estrada.
- Nada... É que... – reticente, buscava uma melhor maneira de entrar no assunto que vinha protelando em tocar – Tenho tentado não falar sobre isso para não estragar o clima entre a gente, mas...
- Pode falar. Acho que até sei o que tem preocupado você.
- Sabe? – perguntou, aliviando um pouco a tensão em que estava, quando ele fez um sinal de afirmação com a cabeça, sem olhar para ela – É que... Bem... Você sabe que eu devo voltar para São Paulo em poucos dias.
- Sei... – disse contraindo de leve os lábios, num sorriso tristonho.
- Pois é. Você é uma pessoa especial, inteligente... Quer voltar comigo?
- O quê? – ele quase freou o carro. Olhou-a incrédulo, diminuindo a marcha.
- É... Eu posso arrumar um emprego para você lá. Acho que você tem condições de ser um bom profissional em qualquer área que escolher. Ser pescador está muito aquém das suas possibilidades.
- Você está... – não conseguiu terminar a frase e começou a gargalhar, deixando-a chocada com sua reação.
- Desculpe se o que falei o deixou ofendido. Não toco mais neste assunto. – disse irritada.
Ele acabou por estacionar o carro no acostamento e virou-se para ela, com uma expressão de admiração e carinho.
- Não, Isa. O que você falou me deixou extremamente envaidecido. Pensar que você chegaria ao ponto de me sustentar para que a gente fique junto é algo com que jamais sonhei que pudesse ouvir – disse segurando as mãos dela entre as suas.
- Então? Você volta comigo? – perguntou cheia de esperança.
- Princesa, acho que precisamos conversar antes de tomar uma decisão tão radical. Tem muitas coisas sobre mim que você não sabe e que preciso esclarecer.
- Você não me quer. É isso? – perguntou, sentindo-se desconsolada com a sensação de ter sido atingida por um balde de água fria.
- Não, Isa. Não é isso. Lembra que eu te falei que tinha alguns problemas e que teria de contá-los um dia. Acho que chegou a hora e...
- Lucca, não me importa que você seja pescador ou o que quer que seja. Eu estou apaixonada por você, se é que ainda não percebeu – silenciou-se repentinamente, como que arrependida de suas palavras. – Droga! Eu não queria dizer isso assim, desta maneira.
- Foi a declaração mais sincera e comovente que já ouvi...
- Então já ouviu muitas outras declarações de amor, não? – indagou com um sorriso amarelo.
- Não muitas, mas logo descobria que eram falsas – respondeu com amargura na voz – Tenho muito para lhe contar. Mas não agora. A minha história também é muito longa para ser contada num banco de buggy, no meio de uma estrada empoeirada, sob um sol forte e uma temperatura de mais de 30 graus – Levou sua mão ao rosto de Isadora, fazendo uma carícia na linha de seu queixo – Você pode esperar?
Como podia negar alguma coisa aquele homem?
- Posso... – afirmou, pegando a mão que a acariciava e beijando sua palma.
- E tem mais uma coisa – segredou-lhe, fitando-a profundamente - Eu também estou apaixonado por você, “se é que ainda não percebeu” - Enlaçando-a com o braço, puxou-a para mais perto, inclinando-se para beijar os lábios que se entreabriram num sorriso de pura felicidade e o receberam sedentos de amor.


Lucca a deixou no resort pouco antes das 16h e foi para casa tomar um banho e preparar-se para buscá-la logo mais para jantarem e terem a conversa prometida por ele. Ainda sentia-se flutuar e a frase dita por ele na beira da estrada ainda ressoava em seus ouvidos como um acalanto. Não podia negar que estava um pouco apreensiva sobre o teor da conversa que teriam. Mas depois de saber que era correspondida em seu amor por ele, o que poderia acontecer de errado? Era óbvio que eles continuariam a se encontrar. Talvez houvesse algum impedimento no início pela distância em que moravam um do outro, mas isto poderia ser facilmente resolvido. Dependia dele. Tomou um prolongado banho de banheira. Queria estar bem relaxada para ser uma boa ouvinte, como ele fora para ela.
ISADORA
Às sete horas da noite ela já estava pronta a esperá-lo na recepção do Mairi. Depois de 15 minutos de espera começou a tornar-se impaciente. Ele não costumava atrasar-se. Algo poderia ter acontecido. Falou com o recepcionista do hotel para saber se alguém tinha deixado recado, mas nada havia no escaninho do bangalô 12. Ás 7h30m decidiu ir até a casa dele. Esperara demais. Alguma coisa devia estar errada. Voltou para os fundos do Mairi, na direção da praia. Caminhou pela praia já pouco iluminada, pois a noite chegava cedo por ali, e a lua, encoberta por algumas nuvens, lançava poucos e insuficientes raios sobre a areia. Já próxima ao bangalô, viu uma luz na janela. Bateu na porta. Abriram-na e Jonas apareceu, deixando-a mais uma vez surpresa.
- Boa noite... O Lucca está?
- O seu Lucca... deve estar na outra casa – disse vacilante.
- Outra casa? Ah! Ele foi cuidar de algum problema na casa aqui atrás? É isso?
- Não sei não, senhora...
- Mas o que o senhor está fazendo aqui?
- Eu... Eu estou esperando por ele.
- Mas ele está no casario aqui atrás?
- Acho que sim... Olha, dona, não quero confusão com o seu Lucca. É melhor a senhora conversar com ele.
Vendo a agitação em que deixara o homem com tantas perguntas, resolveu ir atrás de Lucca para saber o que estava acontecendo e esclarecer de uma vez por todas aquele mistério.
- É o que eu vou fazer – afirmou irritada com a situação – Muito obrigada.
Respirou fundo e embrenhou-se pelos fundos. O portão estava aberto e, ao longe pode ver que havia luzes acesas na bela casa. Aproximou-se cautelosamente, através do jardim, até chegar à porta de vidros quadriculados que estava fechada. Ouviu vozes, que falavam alto. Uma delas era de uma mulher. Engoliu em seco e chegou mais perto, de onde, escondida pelas sombras do jardim, pode ter uma visão da sala de onde vinha a aparente discussão. Foi então que seu coração sobressaltou-se e suas pupilas contraíram-se para poder enxergar melhor a cena que se desenrolava diante dela. Uma jovem muito bonita, muito próxima de Lucca, passava a mão em seu pescoço, sem que ele oferecesse resistência alguma. Agora falava em tom inaudível e lhe lançava um olhar sedutor. Logo a outra mão alcançou a cabeça dele e o puxou ao encontro de seus lábios. E eles se beijaram... Sentindo o chão ceder sob seus pés, Isadora sentiu uma necessidade de fugir dali. Seu cérebro rodava a procura de uma explicação para o que vira, mas não encontrava. Buscava ar para respirar, mas parecia não encontrar. Não tinha coragem de olhar mais nada. Loucas hipóteses passavam por sua mente naquele momento. “Talvez o grande mistério fosse esse. Ele devia ser amante da dona da casa. Por isso não se preocupava com dinheiro. Era um gigolô. Talvez nem morasse lá mesmo. Como ele tinha dito que era do Rio... Tinha sido levado pela amante. E ela queria levá-lo para São Paulo. Meu Deus! Ele só trocaria de amante para continuar sendo sustentado... Não! Não pode ser”. Um grande desespero tomou conta de Isadora, enquanto as idéias mais terríveis a agitavam. Como pudera iludir-se daquela maneira. Ele quase tinha conseguido enganá-la dizendo que estava apaixonado por ela. Tinha que haver outra explicação... Mas qual? Não sabia se teria coragem de falar com ele depois do que tinha visto. Atravessou o portão florido, em direção à praia, quase derrubando Jonas que estava parado, provavelmente aguardando os acontecimentos. Talvez ele soubesse de tudo. Por isso vacilava tanto ao falar, chamava Lucca de “seu”.
- O que aconteceu, dona?
- Pergunte ao “seu Lucca”! – gritou exasperada.
Continuou correndo pela praia até as escadas do Mairi, chegando na segurança do chalé número 12, onde trancou-se e jogou-se sobre a cama a chorar. Continuou a envenenar-se com os piores pensamentos a respeito de Lucca, despedaçando seu coração, enquanto soluçava desesperadamente. Tentava controlar-se e buscar outra explicação menos infeliz para o que vira, mas não conseguia. Não podia acreditar que se deixara enganar mais uma vez. Passava na memória todos os momentos que passara junto à Lucca, seus olhares, suas palavras, seu carinho e sensibilidade. Será que ele ia contar a ela a verdade? Talvez ele estivesse realmente apaixonado e quisesse mudar de vida... Mas como poderia confiar nele?
Passaram-se mais de 30 minutos desde que ela saíra correndo do casario amarelo. Ainda estava deitada em sua cama, com o rosto afundado no travesseiro, tentando controlar o choro, em meio a soluços intermitentes, quando ouviu as batidas na porta.
- Isa! Isadora! – gritou Lucca aflito – Por favor, abra! Precisamos conversar!
Alarmada, não conseguia reunir forças para falar ou levantar-se da cama. As lágrimas voltaram a brotar intensas e a garganta ficou apertada, sufocando-a.
Ele podia vê-la atirada, chorando, através das cortinas entreabertas da janela. Estava a ponto de colocar a porta abaixo a murros, mas resolveu conter-se para não assustá-la ainda mais. Os murros tinham que ser dirigidos a uma outra pessoa em especial, que insistia em transtornar sua vida.. Aquela que certamente causara aquela reação de Isadora. Jonas chegara esbaforido na casa, pensando que alguma coisa muito ruim tivesse acontecido, no momento em que ele colocava Ana para fora. Depois de acalmar o homem, conseguiu que ele verbalizasse o encontro com Isadora e a ida dela até lá. Certamente ela vira aquela infeliz beijando-o.
- Isa, minha princesa, por favor. Abra esta porta. Não sei o que você viu, mas posso explicar.
Como não obtivesse resposta, ligou para a recepção de seu celular. Identificando-se, ordenou que conseguissem a cópia da chave do bangalô 12 imediatamente.
- Pois não, senhor – respondeu prontamente o recepcionista que o atendeu.
Não demorou mais que cinco minutos para que a chave estivesse em suas mãos.
Agradeceu à camareira que o atendera e dispensou-a educadamente.
Isadora já se perguntava se ele tinha desistido, quando ouviu a chave girar na fechadura da porta. Virou-se na cama assustada e sentou-se a espera do invasor.
- Como conseguiu a chave? O que você quer aqui? – perguntou asperamente ao ver Lucca entrar no quarto.
- O que acha que quero aqui, Isa? Nós tínhamos combinado que eu a pegaria na frente do hotel às sete horas. Por que não me esperou? – falava mansamente, tentando acalmá-la – Jonas me disse que você esteve lá a minha procura e acabou por ir à casa principal para me encontrar.
- Sai daqui, Lucca. – implorou com a voz por um fio.
- Não. Não antes de ter aquela conversa que combinamos que seria hoje. Não quero te perder, Isa. Você precisa me ouvir antes de tirar conclusões precipitadas – aproximou-se devagar e dobrou os joelhos até ficar numa posição em que podia fitá-la nos olhos. Isadora tentou levantar-se e fugir de seu olhar, mas ele a segurou pelos braços, obrigando-a a ficar sentada onde estava. – Agora olhe para mim, Isa.
- Lucca... Eu vi você beijando aquela mulher... – acusou-o, com a voz trêmula, sem coragem de encará-lo.
- Você pode ter visto aquela víbora me beijando, mas certamente não viu quando eu a repeli e expulsei da minha casa – explicou com voz firme – Agora deixa eu contar a minha história? Você está me devendo isso, lembra? Prometeu que me emprestaria seus ouvidos quando eu precisasse.
- Estou cansada de ser enganada, Lucca. Eu esperava tudo de você, menos mentiras, traição... – queixou-se mortificada.
- Isa, meu único e grande erro foi o de ter mantido você na ilusão que eu era um simples pescador. Foi só isso. E, ironicamente, mantive esta farsa até hoje exatamente por ter sofrido tantas decepções e mentiras, como você.
- Como assim? E o que você é então? Um gigolô? É amante daquela mulher? Faz-se passar por rico para ela? – perguntou, finalmente conseguindo enfrentar Lucca de frente.
Lucca não conseguiu evitar o riso diante das teorias absurdas de Isadora, mas tentou conter-se para não irritá-la ainda mais.
- Gigolô? Amante? Me fazer de rico? Isa, meu amor, o que você andou criando nesta cabecinha?
- O que queria que eu pensasse, vendo vocês se beijando naquele casarão?... E ainda fica rindo de mim como se eu fosse uma idiota! – exclamou aborrecida com o riso dele.
- Você não é uma idiota... – disse, olhando-a com carinho - ... Eu te amo, Isa, e não vou te perder por causa de um mal entendido. Diga que vai ouvir o que tenho a dizer, por favor... – suplicou, segurando o queixo de Isa com uma das mãos. Percebendo que ela não o recusava, aproximou a boca de seus lábios, apenas roçando-os – Por favor...
– E como vou saber se o que me diz é verdade, que não continua a me enganar? – indagou com a voz fraca, resistindo contra a vontade de beijá-lo.
- Me ouça. Quando eu terminar, você poderá me julgar como quiser, está bem?
Ela o olhou magoada, mas assentiu de leve com a cabeça. Com um suspiro aliviado, Lucca levantou-se, puxou uma cadeira para perto dela, sentou-se e começou a contar os acontecimentos que determinaram seus atos até aquele momento.
- Acho que é melhor começar esclarecendo quem eu sou. Na verdade, meu nome é Lucca Girard e sou herdeiro da rede hoteleira da qual o Mairi faz parte – Isadora não pode reprimir a expressão de espanto que surgiu ao ouvir aquela declaração. Não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
- Mas o que você fazia naquele casebre na beira da praia? Eu o vi mais de três vezes ali antes que a gente começasse a sair junto.
- Quem mora naquela casa é o Jonas. Ele é o nosso caseiro, mas eu costumo ficar por ali por causa do barco e por que gosto de ficar até mais tarde admirando o mar. Quando o Mairi estava em construção, eu costumava ficar muito tempo naquele bangalô com meu pai. Tenho ótimas recordações daqueles dias... Depois que o Mairi ficou pronto e a outra casa foi construída para receber a família nas férias, o bangalô virou a casa do zelador.
- Por isso você nunca estava lá de manhã cedo... O quarto desarrumado, com roupas que não pareciam ser as suas... – relembrou Isadora em voz alta.
- Foi a única peça da casa que deixei sem arrumar naquele dia por causa da sua visita... Achei que seria demais invadir tanto a privacidade do Jonas. Já bastava tê-lo expulsado do seu canto por aquela noite.
– Então ... – tudo começava a se encaixar e a esclarecer as desconfianças de Isadora.
- Na verdade, eu moro no Rio – continuou – Estou só passando alguns dias aqui. Vim para descansar e colocar minhas idéias no lugar antes de assumir a direção da nossa empresa. Muitas coisas desagradáveis aconteceram nos últimos meses e eu precisava de um tempo antes de tomar posse de um cargo tão importante.
- Por que você escondeu essas coisas de mim, Lucca?
- Espero que me perdoe, Isa, mas usei o seu equívoco quanto a minha origem para saber se você seria capaz de gostar de mim pelo que eu sou, não pelo que eu tenho, entende? Comecei a sentir-me atraído por você, mas não a conhecia. Todos os dias eu pensava em contar a verdade, mas acabava cedendo ao medo de ser enganado novamente. E pode ter certeza que já sofri muitas desilusões para chegar a este ponto... Quando você surgiu com aquela estória de eu ser pescador, achei engraçado. Adoro pesca submarina e é o que costumo fazer para relaxar quando venho para cá. Não menti quando confirmei que trabalhava com turismo, já que ganho a vida com hotéis turísticos. O resto eu fui adaptando ao que você dizia. Você me fisgou quando empinou o nariz para recusar minha ajuda, dizendo que podia, sozinha, colocar aquele caiaque no mar. Mas eu ainda estava muito magoado com alguns fatos recentes da minha vida para reconhecer que você era diferente das outras.
- E aquela mulher... Faz parte destes “fatos”? – perguntou, ainda insegura e ciumenta, apesar de ter ficado envaidecida com as declarações dele a seu respeito.
- O nome dela é Ana e é minha ex-cunhada – respondeu melancólico.
- O seu irmão descobriu o caso de vocês, por isso é “ex”? – sentiu-se péssima ao tentar feri-lo com este tipo de indagação maldosa, mas o ciúme ainda a intoxicava. Pior foi encarar o olhar tristonho de Lucca, quando ele rebateu:
- Meu irmão está morto, Isa. Ele morreu há cinco meses num acidente de carro. Eu nunca tive um caso com Ana, apesar de ela ter tentado muitas vezes. Minha relação com o Guilherme sempre foi a melhor possível. Ele era o meu melhor amigo. Jamais pensaria em traí-lo... – sua expressão era de dor e remorso.


GUILHERME
Compreendendo a dificuldade de Lucca em tocar naquele assunto, ficou apenas olhando-o em silêncio, esperando que ele se recuperasse e continuasse sua explanação.
- Guilherme era mais velho que eu apenas dois anos, mas era uma pessoa excepcional. Amigo, sincero, responsável, talentoso e... – sua voz sumiu na emoção - ...e todas melhores qualidades que possa se esperar de alguém. Quando nosso pai faleceu, ele assumiu a direção da empresa e eu passei a ser seu vice. Foi então que surgiu a Ana, a mulher que você viu hoje. Linda, inteligente, sedutora, ela foi apresentada por um amigo em comum. Guilherme caiu de quatro por ela. Não posso negar que eu também me apaixonei, ou pensava que sim. Mas ela escolheu Guilherme desde o início. Em poucos meses eles estavam casados. A mim restou apenas amargar um grande sentimento de culpa por desejar a mulher de meu irmão. Depois de um ano, começaram a ter alguns problemas. Ele viajava muito e era comigo que ela vinha desabafar, queixando-se de solidão. Cheguei a ficar com raiva de Guilherme por achar que ele não lhe dava a atenção merecida. Às vezes ela brincava que tinha escolhido o irmão errado e eu, imbecilmente, achava graça daquilo. Não percebia que ela estava flertando descaradamente comigo.
- E vocês chegaram a?... – Isadora queria saber até onde fora este relacionamento entre cunhados.
- Nunca. Nunca nosso relacionamento passou disso. Eu não poderia olhar meu irmão novamente se a tivesse tocado de alguma forma. Continuava a ser apenas seu amigo, ignorando suas insinuações. Mas comecei a notar que Guilherme passou a agir de forma estranha. Parecia triste e abatido. Dizia que era o estresse no trabalho, as viagens, os compromissos. Acabava mudando de assunto. Aparentemente o relacionamento entre dois ia bem, apesar de tudo. Foi então que aconteceu o acidente.
Lucca novamente fez uma pausa e seus olhos lacrimejaram.

LUCCA

- Lucca... – ela sentiu vontade de abraçá-lo e consolá-lo, mas freou-se e ficou aguardando que ele se acalmasse. Poucos segundo se passaram e ele continuou.
- Ana aparentou estar arrasada com a perda de seu marido logo que soube da notícia. Mas não demorou muito a recuperar-se. Uma semana depois já nem parecia lembrar. Saia todos os dia a fazer compras, viajava nos fins de semanas com amigos que não conhecíamos, ia a festas sem dar satisfações. Minha mãe ficou muito magoada com estas atitudes, mas não falava nada. Até que um dia, Leandro, um velho amigo da família, durante uma visita comentou comigo que havia visto Ana em atitudes muito íntimas com um conhecido nosso. Ficou surpreso, pois não havia nem um mês que Guilherme se fora e ela já estava com outro homem. Mais surpreso fiquei eu quando soube quem era o tal conhecido. Era Mauro, o mesmo “amigo” que nos apresentara Ana. Não sabia o que pensar de tudo aquilo. Ainda insisti com Leandro para averiguar se não havia algum engano. Não havia. Ele mesmo presenciara as demonstrações de carinho exacerbado e explícito entre os dois. Naquele momento lembrei na tristeza em que Guilherme se encontrava nos últimos meses. Pensei que talvez ele tivesse descoberto que estava sendo traído. Depois desta conversa, procurei entre os pertences de Guilherme, sem que Ana soubesse, algo que me esclarecesse aqueles fatos. Não sabia bem o que procurava, até que, olhando a agenda telefônica de Guilherme – ele não confiava em agendas eletrônicas, por isso carregava sempre consigo uma pequena agenda de couro – encontrei o nome e o número de uma agência de detetives. Liguei e marquei um encontro com o dono. Um homem chamado Sinval Telles. Ele me contou que Guilherme o procurara uns sete meses antes para investigar sua mulher. Ele suspeitava que ela o traía, mas precisava ter certeza. Com pouco menos de dois meses de investigação, descobriu que ela tinha um amante de longa data. Desde antes do casamento com Guilherme. E o nome dele era Mauro. A partir daí, eu contratei Telles para aprofundar sua averiguação. Acabamos por descobrir que Mauro, antes dele nos apresentá-la, vivia cheio de dívidas para manter uma fachada de playboy e poder continuar circulando na sociedade, fazendo negócios escusos e pequenas chantagens. Um verme. Ana era uma garota de programa até conhecer Mauro. Telles descobriu que, depois do casamento com Guilherme, grande parte da gorda mesada que ela recebia para seus gastos pessoais iam para a conta de Mauro. Além disso, eles continuavam a se encontrar clandestinamente. Conseguimos apurar extratos bancários, contas de motéis visitados pouco antes e depois do casamento. Nesse meio tempo Ana deve ter reparado que eu me distanciara, pois mal falava com ela. Então começou novamente o seu jogo de sedução. Aí pude ver como ela realmente era. Revoltado, imaginando como Guilherme se sentira ao descobrir tudo, decidi tirar todos os direitos que ela tinha a herança de Guilherme. Procurei o melhor advogado neste tipo de causa e levamos todas as provas do adultério e das más intenções da dupla desde o início. Quando ela soube que iria voltar à mesma situação econômica de antes do casamento, fez um escândalo, tentando colocar a culpa em Mauro, dizendo que fora obrigada a fazer tudo aquilo, e que amava meu irmão. Acabei por expulsá-la de casa. Isto tudo aconteceu há algumas semanas.
Isadora estava pasma com a narrativa de Lucca. Aquela Ana fazia César, seu ex-noivo, parecer um mero aluno do jardim de infância no curso “Golpe do Baú”. Percebeu que ele estava trêmulo e com o rosto transtornado pela raiva quando parou de falar.
- Então você veio para cá... – estimulou-o a terminar sua história.
- Depois que Guilherme morreu, acabei assumindo interinamente como diretor até todos os trâmites burocráticos terminarem. Depois que descobri a traição de Ana e de Mauro e o sofrimento à que ela tinha submetido meu irmão, não me senti em condições de atuar na empresa. Estava muito mal. Por isso pedi um tempo, antes de assumir legalmente, e vim para cá. Infelizmente, aquela desgraçada descobriu onde eu estava e veio atrás de mim pedindo perdão e tentando me seduzir. Aquilo que você viu hoje foi parte da atuação dela querendo me conquistar e recuperar o que perdeu.
- E você realmente não sente mais nada por ela? – perguntou receosa.
- Você ainda sente algo pelo César? – retrucou ele irritado.
- Não, é claro!
- Isadora, você acha que eu posso ter algum sentimento que não seja repulsa depois de saber tudo que ela e o seu amante armaram contra o meu irmão, fazendo ele de bobo todo este tempo, fazendo-o sofrer tanto que ... – mais uma vez sua voz sumiu embargada.
- Que o quê, Lucca?
- Eu acho que Guilherme se matou.
- Como?
- Não sei... Fico pensando no estado de abatimento em que ele andava ultimamente, consumido pelo que descobrira. Ele amava demais aquela cobra. Descobrir que ela nunca o amara e que o traía desde antes do casamento deve tê-lo levado a tamanha depressão que...
- Por que você pensa isso?
- O carro dele bateu contra um muro. As pessoas que viram o acidente disseram que ele estava em alta velocidade e foi direto contra o paredão. A polícia disse que ele deve ter perdido o controle e acabou saindo da avenida onde estava rodando. Só que Guilherme sempre foi muito cauteloso na direção. Nunca ultrapassava limites de velocidade... Não sei, mas isto não me sai da cabeça.
- Lucca... Eu nem sei o que dizer diante de tudo isso que você me contou... – disse Isadora.
- Só diga que me ama e que acredita em mim... – suplicou Lucca.
Vendo-o tão fragilizado, com aquela expressão de menino desamparado, Isadora não pode resistir e rendeu-se aos seus instintos, que lhe diziam que ele estava sendo completamente honesto e que precisava muito dela naquele momento. Levantou-se da cama, aproximou-se e o abraçou, colocando a cabeça dele contra o seu peito e acariciando-lhe os cabelos.
- Eu acredito, Lucca... – Segurando seu rosto entre as mãos e fazendo que ele a olhasse, continuou num murmúrio – Eu te amo...
- Isa... – comovido, puxou-a contra si, fazendo-a sentar-se em seu colo, invadindo-a através do olhar – Você me perdoa?
Ela o apreciou durante alguns segundos, muito séria, como que analisando a fundo o seu pedido, deixando-o preocupado. Enfim, lhe respondeu.
- Só se você jurar que nunca mais vai mentir para mim, seu bobo – impôs, com ar sisudo e sobrancelhas arqueadas, ao mesmo tempo em que apertava a ponta do nariz dele.
Aliviado e com um brando sorriso, declarou.
- Eu juro, meu amor... Nunca mais...
Naturalmente, mais uma vez envolvidos pela ternura e pelo desejo, beijaram-se longamente, como se estivessem voltando a se encontrar depois de uma longa separação.



Oi, meus queridos! Desculpem pela demora, mas este era um capítulo importante, onde todo o mistério do Lucca é finalmente esclarecido. Por isso tive que ter mais cuidado. Podem criticar se acharem algum detalhe não esclarecido ou que possa estar fora de contexto. Mas não pensem que a estória pára por aí. Aguardem mais algumas emoções...hehehe! Olha eu dando uma de Glória Magadan. Bom, agora entreguei feio a minha idade... Que horror! A maioria de vocês nem deve saber quem foi esta escritora de novelas(ótimas, por sinal, apesar dos enredos rocambolescos) que marcou época há muitos anos.
Mas mudando rapidamente de assunto, me despeço aqui, esperando que tenham gostado da estória do Lucca. Volto em breve.
Muitos beijos e agradecimentos por todo o carinho das minhas fiéis leitoras!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo VII

Já era o meio da tarde. Ela estava ali, ao seu lado, de olhos fechados, os cabelos esparramados sobre o travesseiro, respirando mansamente, o corpo enroscado no seu, com a mão sobre o seu peito. Não lembrava há quanto tempo não experimentava momentos como este. Talvez nunca os tivesse vivido. E tudo acontecera tão rápido. Era como se tivesse passado toda a vida procurando por ela e agora finalmente a encontrara. Mas junto a esta certeza estava a sombra da mentira. Não lhe agradava em nada estar mantendo uma ilusão a respeito de sua origem. Sabia que tinha sido uma suposição inicial dela, mas que ele não tinha feito nada para negar ou corrigir. No fundo, se aproveitara desse engano para ter certeza de que Isadora o queria apenas pelo que ele era como pessoa e não por outros interesses. Ele estava tão magoado com as traições que sofrera e presenciara, que não conseguia mais acreditar que houvesse mulheres como Isadora no mundo. Mas logo ele esclareceria tudo, no momento certo. Ela entenderia.
- Lucca... – murmurou Isadora, abrindo os olhos.
- Sim, minha preguiçosa? – respondeu, apertando-a um pouco mais contra si.
- No que estava pensando?
- Pensei que você estava dormindo.
- Não. Estava só de olhos fechados, pensando em parar o tempo neste dia, nesta tarde...
- Pois eu estava pensando no mesmo – disse, virando-se na cama, de modo a ficar sobre ela, encarando-a com ternura e acariciando-lhe o rosto. – Pensando em como eu tenho sorte e em como você é linda.
Ele já sentia o desejo tomar conta dele mais uma vez, quando ela o abraçou e passou a arranhar-lhe as costas suavemente.
- Nós vamos ficar doentes assim... – sorriu com malícia ao perceber as mudanças físicas em Lucca – Que tal um banho e comer alguma coisa depois? Estou faminta.
- Eu também... – A voz soou mais rouca e seu olhar denunciou como ele pretendia saciar esta fome.
- Assim você vai enjoar logo, logo de mim... – reclamou em meio a um suspiro, enquanto ele afundava a cabeça em seu pescoço, roçando o nariz na pele quente e delicada, cheirando-a.
- Está bem... – cedeu por fim – Vamos tomar um banho... Juntos. Quero ver se a banheira de hidromassagem está funcionando. – Levantou-se agilmente como um felino, surpreendendo-a, despretensioso.
Isadora quase suspendeu a respiração ao ver aquele corpo esguio e forte movendo-se por seu quarto, a caminho do banheiro. Ouviu o som da água começando a encher a banheira. Logo ele apareceu com ar de safado na porta, encostando-se no batente.
- O que faremos enquanto a banheira não enche?
- Podíamos pedir uma refeição aqui no quarto. Que tal? – se fez de desentendida quanto à provável idéia de Lucca sobre a melhor maneira de preencher aquele espaço de tempo.
- Está com vergonha de desfilar comigo por aí? – insinuou, divertido com a maneira como ela se esquivava de suas intenções “indecorosas”.
- Claro que não. – respondeu, sentando-se na cama preocupada, achando que realmente ele pudesse achar aquilo dela. – Jamais terei vergonha de você... Nunca pense uma coisa destas.
- Estou brincando... – ele foi até o seu encontro, sentou-se na cama e a abraçou. – Acho que uma refeição aqui vai ser ótima. Mas é melhor você mesma fazer o pedido, pois o gerente poderá achar que está hospedando mais alguém aqui sem pagar a diária. - Olhou-a sorrindo e deu um beijo na ponta de seu nariz – Vou ver se o nosso banho já está pronto, princesa.

Os dias se passavam com num sonho, mas apesar disso, Lucca continuava sendo um mistério para ela. Encontrou com Jonas mais duas vezes naquela semana, sempre saindo ou chegando na cabana. Dava alguma desculpa sem olhá-la nos olhos e sumia. Isadora desconfiava de algo, mas não criava coragem para perguntar nada à Lucca com medo de deixá-lo incomodado. Perguntava-se por que motivos um cara como ele, inteligente, sensível e visivelmente culto, vivia como pescador, quando poderia escolher outro meio de vida? Seria ele era um excêntrico que resolvera deixar tudo para simplesmente viver na praia? Ou simplesmente alguém que tivera azar na vida? Ainda faltavam sete dias para que ela retornasse a São Paulo. Tentava não pensar sobre isso, mas estava resolvida a pedir que Lucca fosse com ela. Ele poderia trabalhar no escritório de arquitetura até definir o que faria. Ou que não fizesse nada. Ela podia sustentá-lo... Aquela idéia era absurda e tinha certeza que Lucca rejeitaria. Tentava desesperadamente imaginar uma alternativa à separação iminente deles. Este futuro incerto a deixava angustiada e triste, mas não deixava isto transparecer aos olhos dele. Estava perdida nestes pensamentos, quando ouviu o telefone tocar.
- Sim?
- Já está pronta? – perguntou a voz conhecida.
- Já... Onde você está?
- Aqui na frente do hotel.
- Que misterioso... Aonde você vai me levar?
- Surpresa – murmurou – Venha logo... – e desligou.
Isadora sorriu. Todos os dias ele inventava alguma coisa diferente para fazerem. Ou um passeio ou um jantar, em algum lugar pitoresco. Sempre a surpreendia, fazendo-a esquecer suas angústias.. Dirigiu-se para a recepção. Tão animada estava com a surpresa que Lucca estava preparando que nem notou um homem, que estava sentado num dos confortáveis sofás, observando-a. Seus olhos a seguiram até o buggy, que estava parado diante da grande palapa, e continuaram grudados nela e em seu acompanhante até que o carro sumisse na estrada. Só então ele levantou-se e pediu algumas informações sobre ela ao recepcionista, dizendo-se estar vagamente lembrado dela, mas não tinha certeza se ela era realmente a mesma pessoa que pensava conhecer. Assim que sua curiosidade foi satisfeita, agradeceu, foi ao estacionamento, pegou seu carro e voltou para o hotel próximo dali onde que estava hospedado.

- Para onde o senhor vai me levar? – perguntou mais uma vez, entusiasmada com o passeio que se iniciava, depois de lhe dar um beijo rápido nos lábios.
- Se eu disser vai perder a graça – disse misterioso, mas divertindo-se com a aflição pueril dela.
Seguiram na direção sul até chegarem a Japaratinga, local onde havia um rio só transponível por balsa. Já tinham feito aquele percurso por ocasião da visita à Carro Quebrado.
- Vamos voltar àquela praia deserta? – indagou, sem conseguir conter a curiosidade. Recebeu apenas um sorriso enigmático como resposta.
Logo notou que o caminho não era o mesmo, pois entraram numa localidade chamada Porto de Pedras e foram por uma estrada de terra desconhecida. Eram 13h30min quando atravessaram os portões de uma pousada escondida entre coqueirais. Isadora ficou boquiaberta com o charme das construções, das piscinas e dos jardins do lugar. Lucca dirigiu-se ao estacionamento.



- Pronto! Chegamos, Dona Curiosa. Gostou?
- É lindo, Lucca. Vamos almoçar aqui?
- Almoçar, passar a tarde, jantar...
- O quê? Como assim?
- Não se preocupe. O dono é meu amigo e me deve alguns favores – tranquilizou-a antes que ela falasse sobre os gastos. Não podia recriminá-la por preocupar-se com a situação econômica dele. – A cozinha deles é fantástica e conhecida em todo o Brasil. Gostou?
- Adorei. Você não existe... – disse virando-se de lado, enroscando os braços em torno do seu pescoço e dando-lhe um beijo na bochecha.
- Não faça assim, se não vou ter que pular o almoço... – brincou, depois de desfazer o laço em torno do pescoço e beijar suas mãos.
Desceu do buggy e contornou-o, para ajudá-la a descer.
- Oi, Lucca! – gritou um homem que saía do interior do que seria a recepção.
- Oi, Alex! Tudo bem? – cumprimentou-o jovialmente – Vocês estão fazendo um ótimo trabalho aqui.
- Estamos tentando. Boa tarde, senhorita – cumprimentou à Isadora – Seja bem vinda à nossa humilde pousada.
- Boa tarde. Sua pousada é linda e charmosíssima – elogiou, arrancando um largo sorriso cheio de orgulho.
- Esta é Isadora, Alex, de quem eu falei.
- É um grande prazer recebê-la aqui, Isadora. Mas vamos entrar, por favor. Vou levá-los ao restaurante.
Alex era um homem de aparência jovem, mas que devia estar um pouco além dos quarenta anos. Era baixo, magro e tinha os cabelos castanho-escuros já tomados pelos grisalhos. Estava vestido de bermuda branca e camiseta amarelo-mostarda. Era extremamente simpático. Isadora estava encantada com a recepção. Parecia que Lucca era muito bem quisto na região.
Alex levou-os até uma simpática mesa no restaurante à beira da piscina, numa construção semelhante à das palapas, com cobertura de sapê, sem as janelas convencionais, fechado por laterais de cerca de 70 centímetros de altura, forradas por esteiras de vime. Os móveis eram de junco e as cadeiras tinham almofadas revestidas por um tecido bege e verde, com motivos marinhos. Não havia muitas pessoas almoçando. Parece que a maioria dos hóspedes preferia ficar beliscando iguarias na beira-mar ou em volta da piscina. Foram atendidos por um garçom, assim que Alex retirou-se, deixando-os à vontade.



Depois do delicioso almoço, Lucca a levou para passear pelas dependências da pousada e pela praia, que era praticamente deserta. Isadora estava encantada com a simplicidade das construções, que se tornavam charmosas e requintadas devido à decoração de bom gosto. Na área em torno das piscinas podiam ser vistos grandes almofadões coloridos sobre algumas esteiras estratégicamente colocadas, quiosques sob palapas menores com espreguiçadeiras e confortáveis poltronas feitas de fibras naturais, áreas de repouso com redes multicolores penduradas, convidando para uma sesta. Tudo ali atraía o hóspede para o repouso e o relaxamento. Outra coisa que ela notou é que não havia crianças correndo para lá e para cá, como no Mairi. Lucca informou-a que ali só eram permitidos maiores de 16 anos, exatamente para seduzir os casais em busca de tranquilidade e privacidade a dois.






Terminado o passeio, percorreram o caminho até uma das “locas”, como Alex chamava os bangalôs dos hóspedes.
- Vamos nos trocar e aproveitar a praia? – sugeriu Lucca, ao abrir a porta – Ou quer descansar um pouco?
- Nós vamos ocupar este bangalô? – perguntou, parada diante dele, lançando um olhar indiscreto para dentro da “loca”.
- Sim. Por que não? Podemos dormir aqui hoje, se quiser.
- Você já está com tudo planejado, não? - começando a achar a idéia de ficar fora do resort por uma noite, na companhia de Lucca, muito atraente.
- Não. Tudo depende de você querer ou não. Não gostou daqui? – perguntou, enroscando os braços ao seu redor e aproximando-a de si.
- Adorei, mas... – interrompeu-se, acabando por ceder aos encantos do lugar e aos de Lucca. No fundo preocupava-se com os luxos que ele andava fazendo para agradá-la, sendo um simples pescador. Aquilo não estava certo. Não queria que ele se sentisse mal com a preocupação dela, mas teriam que conversar sobre isto mais cedo ou mais tarde.
- Mas... O quê?
- Nada. Eu adoraria ficar aqui. – disse finalmente, encostando a cabeça no peito de Lucca.
- Então já está resolvido. Só resta decidir o que fazer agora, mas com você agarradinha em mim assim, já começo a não ter dúvidas. – insinuou, beijando seus cabelos.
- Você só pensa nisso? – retorquiu falsamente irritada.
- Ao seu lado é difícil pensar em outra coisa. – sorriu malicioso, já a pegando no colo e entrando “loca” adentro. O interior da habitação acompanhava o clima externo. A decoração repleta de produtos nativos, como abajures de palha, artefatos de cerâmica, vasos com flores naturais da região, rendas e fuxicos, colchas coloridas se fazia presente nos mínimos detalhes, que lembravam um pouco a do resort. O hóspede sentia-se bem acolhido num lugar como aquele. Poderia dizer-se que o decorador tinha sido o mesmo nos dois locais, só que com algumas diferenças que levavam em conta o tamanho do lugar e o tipo de frequentador. Dessas coisas Isadora entendia, pois tinha feito vários cursos de decoração durante a faculdade, para complementar seus estudos em arquitetura. No centro do amplo quarto, uma bela cama king size dava as boas vindas ao casal.



Antes que ele a deitasse na cama, pediu que a colocasse no chão.
- Hoje eu quero despir você... – falou no seu ouvido, tendo sua idéia imediatamente aceita, como demonstrava o largo sorriso de surpresa e excitação que Lucca exibiu ao ouvir o seu comando.
- Sou todo seu, então... – respondeu enrouquecido pelo anseio do que estava por vir, colocando-a de pé, a sua frente, deixando os braços caídos ao lado do corpo, abandonando-se ao bel-prazer dela.
Perdida naquele brilho verde dos olhos de Lucca, que a incendiava, ela começou a acariciá-lo, passando os dedos de leve sobre a camisa de algodão branca que ele usava, excitando-o, até alcançar os botões, que foram sendo retirados de suas casas, um por um, até expor a pele bronzeada do seu tórax e os pelos escuros que o recobriam. Ali ficou a brincar com ele, alisando-o com as palmas das mãos, vagarosamente desde o peito, através do abdômen rijo, chegando até a cintura, onde passou a tocar a área entre a pele e o cós de sua bermuda, tentadoramente, arrancando-lhe interjeições de prazer. Já podia ver que seus carinhos surtiam efeito quando tocou-o na altura do púbis e sentiu a rigidez e a pulsação de seu desejo através da sarja.
Segurando-se para não agarrá-la e sucumbir à vontade de possuí-la, Lucca sentiu a mudança do curso das mãos, que voltaram aos ombros e começaram a despir sensualmente sua camisa. Depois de jogá-la ao chão, Isa voltou a procurar a parte inferior de seu torso e iniciou a busca pelo botão de sua última peça de roupa. Ele não vestia nada por baixo, como ela suspeitara.
- Você quer me deixar louco... – murmurou Lucca com a voz embargada, aproximando o rosto dos cabelos dourados de Isadora.
- Agora é a sua vez de tirar a minha roupa... – sussurrou, passando o comando da ação para ele.
Contendo sua vontade de despi-la o mais rápido possível, pôs-se a repetir o tormento cometido por ela, ajudando-a a despir lentamente a baby look verde e espalmando as mãos sobre seu peito, massageando suavemente os mamilos eretos, enquanto ela ainda estava com os braços elevados e presos pela camiseta. Tão logo ela se desvencilhou da peça, ele a enlaçou pela cintura e, abaixando-se, docemente abocanhou o seio direito, fazendo-a jogar-se para trás, deliciada com o calor da língua quente, a trabalhar em círculos sobre a pele delicada e sensível. Repetiu o mesmo com o seio esquerdo, provocando-lhe espasmos prazeirosos no baixo ventre. Agarrou-se a ele desesperada, procurando-o, desejando tê-lo dentro de si com urgência. Então, foi a vez dele retirar a saia de tecido leve e arrancar a calcinha que ainda a cobria. Alucinado pela volúpia, Lucca elevou-a do chão, segura pelas nádegas, enquanto ela agarrava-se a sua nuca, percorrendo seu pescoço com beijos e lambidas. Ao deitar-se, já sem consciência de certo ou errado, abriu-se para Lucca, puxando-o contra ela, fazendo-o encaixar seu quadril entre suas pernas. Soltou um grito abafado ao senti-lo penetrando-a. Ele, por sua vez, cego pelo torturante espera, com os músculos tensos e doloridos, passou a investir contra o estreito canal, túrgido e úmido, gemente e arfante, cada vez mais rápido e imperioso, até que a ouviu chamar o seu nome entre os gritos de prazer. Logo a seguiu, afogando-se nela e em si mesmo, soltando um rouco estertor ao atingir o clímax.






Fiquei contente em saber que gostaram do sexto capítulo. Imagino que devam gostar deste também. Não coloquei o nome da pousada que aparece nas fotos( que na verdade são duas, do mesmo dono) para não ser obrigada a cobrar merchandise... Brincadeira. Eu não teria problema nenhum em fazer propaganda pois são pousadas reais e maravilhosas. Na verdade, uma delas é a Beijupirá (que só atende a adultos) e a outra, que é a que conheço, pois aceita crianças, é a Borapirá. Devo dizer que tive uma experiência ótima em minha estadia lá e gostaria muito de repetir. Elas se localizam no município de Porto de Pedra, em Alagoas.
Úm beijo e até o próximo capítulo!

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo VI

Acordou com o som do telefone tocando em sua cabeceira. Por alguns instantes ficou tentando lembrar-se de onde estava. Sorriu preguiçosa ao lembrar o sonho que tivera, onde Lucca a beijava. Parecia tão real... Não se lembrava de como tinha voltado para casa depois do jantar na casa dele. Aliás, não lembrava muita coisa depois do café que ele oferecera. Por sorte, pedira ao serviço de despertar, antes de sair na noite anterior, para acordá-la cedo. Não queria chegar atrasada. Tinham que aproveitar a maré logo cedo, segundo lhe informara Lucca. Levantou-se e notou com surpresa que não sentia dor de cabeça alguma, apesar de saber que passou um pouco da dose de vinho. Sinal de que o vinho era realmente de boa qualidade. De repente lhe passou pela cabeça que talvez ele tivesse pego aquele vinho na casa em que ele era zelador. Seria possível? Não tinha como saber, pois não teria coragem de perguntar e correr o risco de ofendê-lo. Lavou-se, vestiu seu biquíni comportado e colocou uma nova saída de banho curta, de algodão branco, com detalhes em renda, que comprara especialmente para aquela temporada. Ainda tinha mais de uma hora até as oito e trinta. Passou pelo restaurante e tomou um café preto e comeu uma panqueca de tapioca com presunto e queijo, que era irresistível. Foi para praia. Esperaria por Lucca na porta de sua casa.
Ao chegar lá, mais uma vez o buggy já não estava no galpão. De qualquer maneira, aproximou-se mais da casa e já ia sentar-se sobre uma banqueta de madeira que tinha por ali, quando a porta se abriu repentinamente. Arregalando os olhos e dando um passo para trás, viu, com surpresa, sair um homem completamente estranho, um pouco mais jovem que Lucca, de bermuda e camiseta, a esfregar os olhos. Ao ver Isadora, teve um sobressalto, mas conseguiu dizer:
- Bom dia, moça. Deseja alguma coisa?
- Bom dia. Por favor, estou procurando pelo Lucca...
Neste momento, ouviu-se o ronco do motor de um buggy. Era Lucca chegando.

- Isa! Chegou mais cedo? O que houve? – perguntava enquanto saltava do carro aparentemente apreensivo.
- Acordei e, como não tinha mais nada para fazer, vim encontrá-lo, mas... – disse, voltando o olhar para o outro homem parado na porta da casa.
- Ah! Este é o Jonas. Ele ajuda a cuidar dos jardins da casa aí de trás. Ele me pediu para dormir aqui esta noite. Não é mesmo, Jonas?
O Jonas pareceu meio confuso a princípio, mas acabou concordando.
- É isso mesmo. Se não fosse o seu Lucca eu não teria onde dormir.
- Mas você não disse que havia uma empresa de jardinagem que cuidava desta parte? – comentou, achando tudo aquilo muito estranho, inclusive o tratamento dado pelo pretenso jardineiro ao zelador.
- Pois é. Ele trabalha na empresa, mas é meu amigo também. – Lucca parecia estar procurando desculpas para a presença de Jonas ali – Bem, Jonas, vou ter de sair com a senhorita. Espero que faça as pazes com a sua mulher e volte para sua casa. Vamos, Isa?
- Sim, senhor – respondeu Jonas, confuso.
- Sim, senhor – disse Isadora, desconfiada.
Lucca tirou o barco do galpão e, com a ajuda de Jonas, levou-o até a beira do mar. Foi até o buggy e tirou duas máscaras de mergulho com snorkel e colocou-as no barco. Pôs a lancha na água e ajudou Isadora a subir. Ligou o motor e acenou para Jonas, que continuava parado na porta, observando sonolento toda a atividade do amigo. Ao sentar-se, percebeu que Isadora estava com expressão estranha.
- O que foi? –perguntou.
- Nada... É que levei um susto quando vi o... Jonas saindo da sua casa.
- Pois é. Depois que a deixei no Mairi, ontem à noite, ele apareceu, dizendo que tinha brigado com a mulher e não tinha onde dormir. Não tive outra opção a não ser permitir que ele dormisse lá. Mais alguma dúvida?
- Você me deixou no hotel?
- Não lembra? – indagou com ar desaprovador.
- Não, não lembro de nada.
- Você é mesmo fraquinha para bebidas alcoólicas, não?
- Acho que sim. Não estou acostumada a beber... – Lembrou do sonho que tivera naquela noite, mas não falou nada. Certamente devia ter sido um sonho mesmo – Mas como eu fui parar na minha cama?
- Eu a coloquei lá, é claro. – disse rindo.
Ela emudeceu envergonhada.
- Não precisa ficar com vergonha – continuou como se soubesse o que se passava com ela – Isto acontece. Não estou pensando mal de você por conta disso. Está bem? – afirmou categórico.
- Está bem... – sorriu amarelo.
Seguiram mar adentro, até chegar nos arrecifes, um pouco mais longe do que ela tinha estado no primeiro encontro deles. Levaram cerca de meia hora até alcançar o local. Conforme Lucca lhe dissera, lá as piscinas eram mais largas e os corais muito mais bonitos e com maior variedade de peixes.
Era um espetáculo ver as extensas áreas de água azul celeste, de uma transparência estonteante, que se formavam entre os corais. Àquela hora dia podia-se andar com água pouco acima da cintura dentro destes poços naturais, repletos de vida marinha. Lucca lançou uma âncora para fora do barco, para que pudessem descer com mais tranqüilidade. Isadora tirou a sua túnica de algodão e pegou a máscara com snorkel que Lucca lhe alcançava. Ele foi o primeiro a descer e a colocar a máscara, para depois ajudá-la. Ela não conseguiu evitar um leve estremecimento e uma curta interrupção da respiração quando Lucca a segurou pela cintura com as duas mãos para ajudá-la a descer. Temeu que ele pudesse ter notado, pois a encarou de um modo estranho, enquanto vacilava entre soltá-la ou não. Mesmo com a água entre seus corpos, podiam sentir o calor que irradiavam e a onda de desejo que os rondava.
- Tenha cuidado com os corais. Trouxe um par de tênis? – cortou o tenso silêncio com voz enrouquecida.
- Sim. Estão na minha bolsa. Devo calçar agora?
- Não. Mas depois, poderemos caminhar entre as piscinas por cima dos corais. Vai gostar da experiência. Já mergulhou com snorkel?
- Já, mas dentro de piscinas de clube, quando era adolescente – riu nervosa. – Nunca no mar.
- É a mesma coisa. Só tem de cuidar para não ficar com a abertura do tubo dentro da água. Siga-me. Quero te mostrar uma coisa. – e mergulhou.
Ela o seguiu, tentando seguir as instruções dele. Aproximaram-se dos corais que estavam a sua frente e Lucca fez sinal para que ela olhasse à sua direita. Maravilhada, Isadora pode vislumbrar uma grande quantidade de peixes multicoloridos a transitar entre mini cavernas, formadas por pedras cobertas por uma espécie de vegetação, algumas como se fossem minúsculos labirintos tortuosos, outras como florestas com arbustos, árvores e até flores, que moviam-se, demonstrando vida. Ela se sentia como uma criança visitando um zoológico pela primeira vez. Estava extasiada com a riqueza de vida que podia existir numa formação rochosa como aquela. De vez em quando, Lucca chamava a sua atenção para outras formações e novos habitantes que viviam ali.

Depois de ficarem um bom tempo nadando, Lucca levantou-se e ficou de pé. Ela imitou-o, para saber o que ele ia orientar a seguir.
- Quer dar uma caminhada por cima agora?
- Sim! – respondeu – Ah, Lucca! Que coisa maravilhosa isto aqui. Nunca pensei que pudesse ser tão lindo.
- Também não canso de vir aqui para admirar isto tudo... Vamos até o barco para colocar os tênis?
- Sim.
Voltaram a mergulhar, fazendo o caminho de volta sob a água para não perder um só momento da paisagem submarina que os circundava. Lá chegando, Lucca ajudou-a a subir e disse que levaria a lancha até uma parte em que as piscinas estavam um pouco mais rasas. Mais uma vez o motor foi acionado, levando-os a um ponto mais distante, próximo à linha onde as ondas do mar aberto açoitavam as rochas. Depois de estacionar o barco, ele desceu com cuidado e ofereceu ajuda à Isadora.
- Cuidado onde pisa, pois tem alguns lugares onde existe uma espécie de limo que pode fazê-la escorregar. – Apesar de tê-la avisado, continuava a segurá-la pela mão firmemente, receoso que ela pudesse cair e machucar-se.
- Pode deixar. Vou ter cuidado – agradeceu, já interessada em chegar rapidamente ao local onde vários poços rasos podiam ser vistos.
Lucca seguia logo atrás, sempre cuidadoso, com medo da impetuosidade de Isadora frente à sua curiosidade e deslumbramento. Esta, por sua vez, não conseguia deixar de expressar seu entusiasmo por meio de incansáveis interjeições e suspiros. Quando terminaram o passeio sobre os recifes, Isadora manifestou o seu desejo de mergulhar mais uma vez. A maré já começara a subir e ficaria mais interessante ficar dentro das piscinas. Com a concordância de Lucca, ele a levou a outra piscina natural. Esta era bem maior que a anterior e a incidência do sol, naquela hora, sobre as águas límpidas, tornava o azul ali quase que fosforescente. Desta vez, Isadora resolveu mergulhar sem a ajuda de Lucca. Ele ficou observando-a do barco, também extasiado, não com a beleza dos recifes, mas sim da mergulhadora iniciante que explorava o ambiente sob o mar.
Repentinamente, uma câimbra terrível surgiu em sua panturrilha esquerda, fazendo-a desorientar-se pela dor e mergulhar mais fundo, colocando o tubo de ventilação abaixo do nível da superfície. Sentiu a água penetrar-lhe pela boca e a sensação de sufocação presente somou-se à dor muscular. Ao ver que Isadora estava em dificuldades, Lucca lançou-se na água e foi ao encontro dela, que já conseguira firmar-se na perna direita, com a cabeça acima do nível da água, tossindo convulsivamente.
- Isa! Você está bem? – perguntou apreensivo, segurando-a pela cintura e tirando a máscara para que ela pudesse respirar melhor – O que houve?
- Tive uma câimbra... Mas já está passando. – conseguiu dizer antes de um novo acesso de tosse.
- Talvez seja melhor irmos embora agora – sugeriu, enquanto acariciava o rosto de Isabela, com os olhos muito atentos sobre ela e lutando contra o desejo de beijá-la novamente.
- Não... Já passou... – Encontrou o verde profundo dos olhos de Lucca a seduzi-la. O toque suave daquela mão em sua pele a fez amolecer e ansiar por tornar real o beijo que provara no sonho da noite anterior. Instintivamente, entreabriu os lábios, provocando-o. O desejo tomava seu lugar e o coração batia descompassado. Queria aquele homem como nunca desejara alguém mais. A atração que ele exercia sobre ela era indiscutível e acabava por sobrepor-se a quaisquer medos que a assombrassem.
- Isa... – murmurou, já não conseguindo mais segurar-se. Aquela boca exigia o seu beijo. Aproximou-se ainda mais do seu rosto e tocou-lhe os lábios num leve roçar, contento seu ímpeto de invadi-la e assustá-la. Notando que não era repelido, passou a mordiscar suavemente o tecido carnudo e avermelhado que vibrava ao seu toque. O hálito adocicado de Isa o envolvia, arrebatando-o e exigindo a conquista de mais espaço. O gemido de prazer dela o alcançou, levando-o a ir mais fundo, adentrando com sua língua e sentindo a dela, ainda tímida, mas ansiosa por experimentá-lo. Ele a estreitou ainda mais, comprimindo os seios rijos contra o seu peito. Ela também o desejava, pensou num lampejo, regozijando-se. Afastou-se um pouco para admirá-la. Os olhos que permaneciam fechados, numa expressão de deleite, e os lábios entreabertos mostravam que ela queria mais. Foi então que, não controlando mais seus anseios, tornou a beijá-la. Desta vez, faminto e ávido, sendo totalmente correspondido. Isa sussurrava seu nome, entre suspiros, quando passou a beijar a curva do seu pescoço, lambendo e mordicando-o. Sentiu-a agarrando-se a ele, cravando os dedos em seus músculos das costas, como se quisesse penetrá-lo através da pele, jogando o quadril para frente, procurando-o. A água os envolvia num abraço morno e seu movimento ondulante só fazia aumentar ainda mais o desejo de ambos. Com uma das mãos, segurou-a firmemente nas costas enquanto a outra desceu espalmada entre os seus seios, arrancando a parte superior do biquini. Os beijos seguiam, chegando aos mamilos rosados, abocanhando-os e fazendo Isa arquear-se para trás de prazer. Procurando um apoio, Lucca levou-a até o barco, apoiando-a contra o casco de madeira, segurando-a nas nádegas e permitindo que ela o enlaçasse com as pernas, enquanto ele afastava o tecido do traje de banho e iniciava sua posse. Em movimentos lentos, mas eficientes, ele a penetrou, arrancando-lhe um grito de satisfação.
Sentia todos os seus músculos internos contraírem-se. Queria, mais do que nunca, fundir-se àquele homem, ser completamente sua. Insanidade ou não, já era tarde para voltar atrás. O êxtase estava próximo, quando começou a mexer os quadris alucinadamente e pode ouvir as palavras amorosas que vertiam de Lucca. Foi quando uma explosão de sensações difundiu-se por seu corpo, seguida do brado de Lucca, que acabou por inundá-la com seu calor. Acolhidos pelo mar, permaneceram durante alguns segundos agarrados um ao outro, como se o afastamento pudesse resultar em dor. A onda de exultação que os envolvera, resultava agora numa prazerosa sensação de relaxamento.
Lucca foi o primeiro a dizer alguma coisa. Seus primeiros pensamentos ao recuperar a consciência do que tinha acabado de acontecer foram o medo de ter machucado Isadora de alguma maneira ou de que ela já estivesse arrependida e não quisesse vê-lo mais. Recriminava-se por não ter conseguido conter-se, mas sabia que agora era tarde e tinha que enfrentar as consequências de seus atos.
- Você está bem? – perguntou afastando-a e lhe alcançando a parte superior do biquíni que ele deixara na borda do barco.



- Sim... – E pegou a peça, observando-o ajeitar seu calção. Ele parecia distante e teve medo que ele estivesse arrependido ou que ela não tivesse correspondido satisfatoriamente a ele. Ela procurava o seu olhar, mas ele desviava, causando-lhe uma pontada de agonia no peito – Pode me ajudar a fechar o biquíni aqui atrás? – disse virando-se de costas.
Depois de ajudá-la, subiu para dentro do bote, enquanto terminava de recompor-se. Assim que a viu pronta, estendeu os braços para içá-la para dentro. Neste momento, ficaram frente a frente e Isadora não resistiu mais e impediu que ele a abandonasse para ligar o motor.
- Lucca, o que houve? – disse, revelando aflição. – Você ficou frio e distante de repente. Não foi como você esperava? Ou foi só uma transa de momento e você vai sumir agora?
- O quê? – ele não acreditava no que estava ouvindo. – Não! Isa, nunca tive uma experiência tão maravilhosa como esta que tive com você.
- Então por que está assim, sem me encarar ou falar comigo?
- Por que eu pensei que pudesse tê-la machucado, ou que você me odiasse pelo que aconteceu. – conjeturava constrangido – Acho que forcei você a esta... situação. E eu sinto muito se...
- Lucca – sua voz agora era doce e confortante – Eu amei cada segundo... Não vou negar que tive medo, mas eu ansiava por este momento. Neguei muito este sentimento, mas admito que o desejava e muito. Cheguei a sonhar esta noite passada que você me beijava...
Ele sorriu aliviado.
- Não foi um sonho, querida. Aconteceu de verdade quando a levei para o Mairi ontem à noite.
- Como? – perguntou agradavelmente surpresa.
- Você estava um pouquinho tonta, depois do jantar, e o café que eu fiz, muito fraco. Assim, perguntei o número do seu bangalô, antes que dormisse, e a carreguei até lá.
- Carregou?
- No colo, ora. Você não tinha condições de caminhar e logo estava adormecida. Mas juro que não tinha intenção de me aproveitar de você – remendou quando viu o sorrisinho maldoso em seus lábios. – Sério!
- Está bem... Eu acredito em você... – confiou, acariciando-lhe a face com a mão esquerda.
Enternecido com o seu gesto, ele continuou sua descrição da noite anterior.
- Quando chegamos, enquanto eu abria a porta, você entreabriu os olhos e pediu que eu a beijasse. Não pude resistir, pois era uma coisa que eu queria fazer desde que a vi irritada, discutindo comigo e tentando colocar, sozinha, aquele caiaque na água.
- Que raiva!
- Por quê? – indagou novamente apreensivo.
- Você me beijando e eu achando que era um sonho e não aproveitando o momento como devia – disse com expressão falsamente brava, fazendo-o rir.
- Você correspondeu direitinho, se quer saber. Tive que usar toda minha força de vontade para não sucumbir ao desejo de levá-la para cama e me deitar junto, ao invés de deixá-la e voltar para casa. – confessou enquanto contornava sua cintura com os braços para aproximá-la ainda mais de si.
- Então me mostra como foi esse beijo roubado para eu ver se foi igual ao do meu “sonho” – exigiu com a voz rouca.
- Não precisa pedir duas vezes...
Desta vez, plenamente consciente, Isadora deleitou-se mais uma vez na boca de Lucca. Quando terminaram de beijar-se, Isadora notou satisfeita, ao afastarem-se, sinais de que ele já a queria mais uma vez. Mas ele próprio reconheceu que deviam voltar.
- Este barquinho não vai resistir ao que estou pensando em fazer com você.
- Uau! E você vai me dizer no quê é que está pensando agora ou vou ter que esperar até chegar na praia?
- Até chegarmos ao seu quarto... – insinuou sedutor.
- Então temos que nos apurar e chegar o mais rápido possível lá – maliciando.




E aí, meninas? Satisfeitas com o capítulo? Espero que sim.
Só queria dizer, antes de me despedir, que estou muito feliz com a vinda do ator Gerard Butler ao Brasil, depois de mais de três anos. Ele está curtindo o Carnaval no Rio de Janeiro. Espero que ele aproveite bastante a estadia em nossa terra e que torne a voltar em breve e com mais frequência, esbanjando sua habitual simpatia e sensualidade.
Beijos à todas!

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo V

Não conseguia lembrar a quanto tempo não cozinhava cantando. Também desistira de pensar nas implicações daquele jantar. Isadora era diferente de outras mulheres. As palavras que ela dissera à tarde ressoavam em seus ouvidos, fazendo-o sorrir. Este sorriso desaparecia quando ele começava a pensar o que ela sentiria se soubesse que estava sendo enganada. Continuaria a sentir-se tão bem na sua companhia? Esperava que não... Aquilo era só um detalhe. Quando se conhecessem melhor ela entenderia suas razões. Melhor era não pensar nisso agora. Ela terminaria suas férias em breve e, provavelmente nem se falariam mais... Além disso, ela só o queria como amigo, nada mais. Talvez fosse melhor assim.
A mesa já estava posta e os camarões quase prontos quando ouviu duas batidas tímidas na porta. Ao abrir, lá estava ela, encantadora, com um conjunto de linha, composto por uma regata de listras, marinho e branco, e um casaco branco, que combinava perfeitamente com a calça, de corte reto, e as sandálias brancas, de salto baixo. Os cabelos castanho-claros estavam presos num rabo-de-cavalo. Levava nas mãos um pequena carteira de tecido estampado, com as cores do seu traje.
- Hum... Pode-se sentir o cheirinho lá no Mairi – disse assim que o viu.
- Tomara que o gosto esteja tão bom quanto o cheiro. – Ele sorriu e fez uma reverência – Entre, por favor.
Ela entrou e admirou-se da limpeza e da arrumação do interior da casa. A cozinha não estava bagunçada, como seria de esperar. Os móveis eram simples, mas as cortinas e almofadas em tecido de chita colorida davam um toque alegre e descontraído ao lugar. Até daria para pensar que por ali havia o toque de uma mulher.
- Lucca, que amor a sua casa por dentro. Não esperava que fosse assim. É muito aconchegante.
- Sinceramente acho meio exagerado, mas minha mãe... – interrompeu-se subitamente, como se tivesse dito alguma coisa errada.
- Ah, então foi sua mãe que decorou. Bem que senti o dedo de uma mulher aqui. Ela tem muito bom gosto. Onde ela mora?
- No Rio. Lembra quando lhe falei sobre o motivo do meu sotaque?
- É mesmo... – só então começou a prestar atenção em como ele estava elegante, vestindo apenas calça jeans escura e camisa de malha preta, com gola em V, de manga comprida.

- Às vezes ela vem me visitar e aí dá os seus palpites – falou enquanto terminava de colocar um pouco de sal numa das panelas sobre o fogão, evitando encará-la – Quer tomar alguma coisa? Refrigerante, vinho...
- Vinho? – pensou se não seria melhor manter-se totalmente sóbria durante aquele encontro. – Talvez seja melhor um refrigerante – disse afinal.
- Não se preocupe, pois o vinho que tenho é de boa qualidade. Não vai deixar você tonta tão fácil. – Ele parecia ter desconfiado de seus temores.
Ela sorriu, ruborizando um pouco.
- Está bem. Só um pouquinho.
Ela o observou abrindo a garrafa de vinho branco que tirou do frigobar colocado sob o balcão da cozinha. Verificava sua habilidade e charme em tirar uma rolha e notou que o vinho realmente parecia de boa qualidade. Ficou preocupada com o gasto feito por ele para aquele jantar, mas resolveu manter-se calada para não ofendê-lo. Mais uma vez surpreendeu-se ao ver que ele servia em dois cálices de cristal. Logo que o fez, entregou-lhe uma das taças e levantou a sua no ar.
- À amizade! – brindou com um estranho brilho no olhar.
- À amizade! – repetiu Isadora, para logo em seguida deliciar-se com a bebida oferecida e comentar – Você tem muito bom gosto, além de gostos um pouco caros, não?
- Digamos que eu seja exigente e goste de me permitir alguns excessos... Está com fome? – mudou rapidamente de assunto.
- Morrendo... – falou, lançando um olhar bisbilhoteiro para cima do fogão.
- Então, por favor, sente-se aqui – disse, puxando a cadeira de madeira e palha junto à mesa, onde, apesar da simplicidade da louça e dos guardanapos de papel, apresentava um simpático arranjo floral, com “mimos-de-vênus” vermelhos, dentro de uma casca de coco verde cortada ao meio.
Em seguida, serviu duas generosas porções de camarão com molho de catupiry e arroz branco nos pratos. Colocou um pouco mais de vinho nos cálices e sentou-se.
- Bom apetite – disse, liberando-a para provar suas habilidades culinárias.
- Hum, está uma delícia – comprovou após saborear a primeira garfada.
- É... Às vezes eu acerto – concordou, intimamente orgulhoso por ter conseguido agradar ao paladar de Isadora.
A conversa fluiu com os assuntos variando sobre o litoral nordestino, suas belezas naturais e de como o turismo irresponsável e a exploração imobiliária desenfreada poderia prejudicar tudo aquilo. Isadora surpreendia-se a cada momento com as idéias de Lucca sobre aqueles temas, demonstrando que estava bem informado. Evitavam falar sobre si mesmos, como se tivessem um acordo silencioso a respeito. Ao final da refeição, depois de degustarem uma saborosa cocada mole de goiaba, feita por uma das mulheres da vila próxima, e enquanto Lucca preparava um café, Isadora fez mais um comentário elogioso, diante do inusitado jantar.
- Parabéns, Lucca. Você é um ótimo cozinheiro. Poderia abrir um bistrô aqui mesmo ou na vila.
- Obrigado. Eu gosto de cozinhar... De vez em quando e para uns poucos amigos.
- Sorte deles. Eu não sei cozinhar nada. Já pensei até em fazer um curso, mas o César disse... – interrompeu-se abruptamente quando se deu conta de ter citado o nome do ex-noivo, baixando os olhos. Respirou fundo, tomou um gole do seu vinho e continuou – César era o meu noivo. Ele não achava necessário que eu cozinhasse. Dizia que teríamos uma cozinheira e que eu não precisava me preocupar com isso... Acho que o vinho está fazendo efeito... – sorriu tristonha.
- Se não quiser falar dele, não precisa – disse Lucca, compreensivo.
- Talvez seja bom desabafar. Não consegui ainda falar sobre ele e os motivos que nos levaram a romper nem para minha própria família. Mas não quero estragar a nossa noite.
- Você jamais estragaria a minha noite, Isadora. – disse em tom afetuoso – Além disso, para que servem os amigos? – “... E eu gostaria de ser bem mais que isso, minha princesa”, pensou com amargura.
Ele apenas continuou atento às expressões de Isadora, esperando que ela se sentisse à vontade para dizer o que bem quisesse. Após beber mais um gole de vinho, ela começou a contar, a princípio acanhada, mas depois mais à vontade, como César tinha agido desde o início do seu namoro, ainda na faculdade, por interesse. Ele ficou sabendo que o pai de Isadora era um grande empresário da construção civil e imaginou que seu futuro estaria garantido se casasse com ela. Ficou furioso quando ela falou de sua intenção de começar do zero e não contar com a ajuda paterna, logo após a formatura deles, mas acalmou-se e voltou a adulá-la quando viu que ela era competente o suficiente para ter sucesso no ramo. Tornou-se sócio. Só recentemente, ela soubera que o dinheiro tinha sido emprestado por seu próprio pai, que encontrou no futuro genro a oportunidade de ajudar a filha sem ela saber, o que foi muito útil para César. Enquanto ela dava duro no escritório e ganhava reconhecimento e respeito, ele a traía com outras mulheres. Já estavam noivos e, cedo ou tarde, ela seria uma herdeira rica, naturalmente. Infelizmente ela levou seis anos para convencer-se de que ele era um grande aproveitador. Como se deixara enganar por tanto tempo é o que mais a revoltava.
- E como você soube de todas estas coisas a respeito dele?
- Ele fez questão de me contar em detalhes quando rompemos. – seus olhos ficaram marejados, mas ela segurou o choro.
- Me lembre de esmurrar este cara se um dia ele aparecer na minha frente – Lucca estava revoltado com tudo que ouvira até ali.
- Não se preocupe. Eu já me encarreguei de fazer isto e posso garantir que foi muito bom, apesar de quase ter quebrado a mão – disse, conseguindo esboçar um sorriso vitorioso que foi correspondido por Lucca com uma interjeição de contentamento.
- A gota d’água – continuou – foi quando descobri que ele estava negociando nossa empresa com uma concorrente. Desconfiei quando ele começou a inventar desculpas para que eu assinasse papéis em branco, que obviamente nunca assinei. Rompi o noivado e fiz questão de comprar a parte dele na sociedade, para não correr mais riscos. Com isso, meu patrimônio pessoal quase ficou zerado, mas valeu à pena para me livrar daquele verme. A empresa já tem um bom nome no mercado e muitos projetos grandes em andamento. Logo recupero o prejuízo.
- Tenho certeza que você vai conseguir superar tudo isto, tanto emocional como economicamente. Só fiquei curioso com uma coisa, Isadora...
- Com o quê?
- É admirável de sua parte querer vencer por suas próprias pernas, mas você parece ter verdadeiro horror à ajuda de seu pai. Por quê? Normalmente isto seria bem vindo pela maioria das pessoas.
- Lucca, vou te contar uma coisa que eu nunca falei para ninguém... – levou o cálice de vinho mais uma vez à boca – Foram incontáveis as vezes que vi meu pai lançando na cara de minha mãe que ela era uma incapaz e que não seria nada sem ele ou o seu dinheiro. Toda a vez que ela tentava arranjar algum trabalho ou pensava em voltar a estudar, ele reagia assim. E a cada vez, eu a via sentar-se num canto do quarto e chorar escondida, sem dizer nenhuma palavra de repúdio ao que ouvira. Acho que ele tinha ciúmes dela ou medo de perdê-la. Ela faz parte de uma geração que foi criada para ser esposa e mãe. Meu pai foi o primeiro a impedir que ela trabalhasse, pois não ficaria bem a sua mulher procurar um meio de sustento, quando ele era capaz de prover todas as suas necessidades. O que iam dizer se ela fosse para a rua trabalhar como uma qualquer? Esta era a idéia que ele e muitos homens de seu tempo tinham de um casamento. E a maneira que ele encontrou para mantê-la assim era humilhando-a e fazendo-a acreditar que era uma inútil. Eu jurei que nenhum homem jamais faria isso comigo. Por isso, depois de terminar meu curso, neguei qualquer ajuda financeira dele. Ele é uma boa pessoa e sei que me admira por eu querer ser independente, apesar de nunca ter admitido.
Lucca estava boquiaberto com tudo que ouvira e sua admiração e carinho por Isadora só crescia a cada instante e a cada palavra dela. Só lhe restava o medo de que Isadora ainda pudesse gostar do canalha do tal César. Achava improvável, mas tinha sido uma relação longa em que ela negou muitas das ações dele. Não tinha coragem de perguntar sobre isto agora. Talvez numa próxima vez ou... talvez não valesse a pena entrar neste assunto.
- Pronto! Falei, desabafei, exagerei no vinho e você deve estar louco para me ver pelas costas depois de tantas lamúrias ditas de uma só vez.
- Você está se sentindo melhor agora?
- Acho que sim... Bem melhor.
- Então é isto que vale. Não acha?
- Tem razão... De qualquer forma, desculpe por abusar dos seus ouvidos.
- Eles são todos seus, quando quiser... Além do mais, quem sabe eu não precise dos seus um dia destes.
- Você também guarda muitos segredos? – perguntou curiosa.
- Talvez um dia façamos a sessão “Lucca na intimidade”. Mas não hoje. – sua expressão era de amargura, apesar dos lábios contraírem-se num riso jocoso. – Que tal mais um pouco de vinho? – ofereceu, mudando o rumo da conversa rapidamente.
Isadora percebeu em sua atitude que ele enfrentara algo muito ruim, mas respeitou a sua vontade de permanecer calado sobre este assunto. Ela agora se sentia mais leve. Fosse o fato de ter contado suas infelicidades para Lucca ou o fato de já ter bebido além do que desejava, a verdade é que estava... alegre.
- Acho que vou parar de beber vinho. Está excelente, mas já estou ficando um pouco alta.
- Não parece... – constatou, abrindo um largo e sedutor sorriso.
- O senhor está com más intenções comigo... – brincou – Ainda tenho que fazer o caminho de volta até o Mairi, via praia.
- O café já está pronto. Quer um pouco?
- Adoraria. Mas antes, será que posso usar o seu banheiro?
- Claro. É naquela porta à direita.
Ela levantou-se e tudo pareceu mover-se a sua volta por alguns instantes. Lucca aproximou-se dela para prevenir uma queda.
- Tudo bem, Isa? – perguntou preocupado.
- Tudo bem – assegurou-lhe, se empertigando e sentindo o chão mais firme sob seus pés.
– Tem certeza que não quer ajuda para ir ao banheiro?
- Muito obrigada, mas posso fazer isso sozinha – respondeu dando-lhe uma piscada de olho.
Caminhou até onde havia duas portas, lado a lado, ficou na dúvida de qual era a certa. Entrou na da esquerda e descobriu que aquele era o quarto. Não parecia em nada com o resto da casa. Estava bagunçado e com roupas espalhadas por todo o lado. Alguma coisa parecia errada, mas não conseguia definir o por quê daquela sensação. Achou que era o efeito do vinho e não falou nem brincou com ele sobre o que vira.
- Acho que errei de porta – comentou alegremente, enquanto a fechava e dirigia-se para o lugar correto. Lucca apenas a observava divertido.
Já o banheiro era extremamente simples, mas cheirava bem e estava arrumado. Tinha até um arranjo de flores, semelhante ao da mesa de jantar, sobre a tampa da caixa do vaso sanitário. Definitivamente só o quarto não se encaixava com o resto. “Ele não deve ter tido tempo de arrumar, tadinho...”, pensou desculpando-o.
Quando saiu, ele já tinha retirado os pratos, organizado a cozinha e deixado duas xícaras de cafezinho fumegando sobre a mesa.
- Como diriam minhas primas, você já pode casar.
- Posso considerar isto como um pedido formal? – insinuou ele com um olhar maroto.
Isadora soltou uma risada nervosa e não respondeu à pergunta de Lucca, que permaneceu olhando-a intensamente. “Não brinque assim comigo...”, ambos pensaram ao mesmo tempo. Foi até a mesa e tomou o café em pequenos goles para não queimar a língua, enquanto sentia Lucca observando-a atentamente. Aquele olhar começava a desconcertá-la e a deixá-la excitada. Por que tinha bebido tanto vinho?
- Preciso mesmo ir embora. Já está tarde e amanhã temos o nosso passeio logo cedo – disse enquanto procurava sua carteira.
- Tem razão – disse Lucca resignado. – Eu vou com você até o Mairi – definiu ao entregar-lhe a pequena bolsa estampada.
- Não precisa não, Lucca. Eu posso achar o caminho sozinha.
- De jeito nenhum. Vamos lá que eu a levo. Não quero perder a minha contratante por aí.
- Por falar nisso, eu ainda não fiz o seu pagamento pelo passeio de hoje – lembrou de repente.
- Você me paga depois que completarmos o nosso pacote, ok? – disse com leve irritação na voz, que Isadora não percebeu naquele momento – Vamos agora. "Por que eu tinha de lembrar este maldito contrato turístico para ela?"
Abriu a porta e segurou-a pela mão, guiando-a para fora da casa.
Sem reclamar e sentindo-se ligeiramente flutuante, Isadora o seguiu. Na rua, deu um grande suspiro e exclamou, ao ver o mar a sua frente:
- Que noite linda!
Aí sentiu um a leve tontura e segurou-se no braço de Lucca.
- É melhor eu levá-la no colo.
- O quê? É claro que não... – Nem bem tinha acabado de recusar a ajuda quando foi erguida do chão. – Lucca, me solte. Até parece que não posso caminhar. Não estou tão mal assim. – falou com a voz meio sumida, segurando-se com os braços em torno do pescoço dele.
Notou que ele estava sério e preocupou-se com o que ele deveria estar pensando dela e deste seu comportamento deplorável.
- Lucca? – perguntou com a voz rouca.
- O que foi? – perguntou sem baixar os olhos ainda em tom rude.
- Desculpe por estar fazendo este papelão. Eu não estou acostumada a beber e acho que passei um pouco do meu limite. Não fique zangado comigo...
Ele não pode evitar um sorriso, diante daquele pedido de desculpas, voltando o seu olhar para ela e dando-lhe um beijo na testa.
- Quem disse que estou zangado com você?
- Ficou tão sério de repente, a pouco... – o sono e o vinho começavam a finalizar seu trabalho. As palavras já vinham com dificuldade e as pálpebras pesavam muito.
Notando que logo ela dormiria, Lucca perguntou em que bangalô ela estava.
- Doze... – foi a última coisa que ela conseguiu dizer antes de aconchegar-se melhor entre os braços que a seguravam e adormecer.
Lucca experimentou uma sensação de extremo carinho por aquela que se deixava abandonar em seus braços, tão doce e meiga que deixava o seu coração leve e emocionado. Continuou até atravessar os jardins do Mairi e chegar ao bangalô número doze. Para pegar a bolsa que tinha caído no regaço de Isadora, entre os dois, foi obrigado a colocá-la de pé, encostada a ele, segurando-a pela cintura, enquanto tentava abrir a carteira onde deveria estar a chave do apartamento. Quando conseguiu achá-la, Isadora abriu os olhos e pareceu não entender o que estava se passando.
- Chegamos, Isa – disse ternamente, enquanto Isadora continuava olhando para ele como que sob um encanto, continuando agarrada a ele firmemente.
- Lucca... – finalmente falou com a voz embargada, fechando os olhos e inclinando a cabeça para trás, oferecendo o rosto para ele. – Me beija?...
Não podendo resistir a um pedido como aquele, Lucca abaixou a cabeça e aproximou sua boca dos lábios que ele tantas vezes desejara nos últimos dias e a beijou. Finalmente podia sentir o seu gosto, deslizar na sua umidade e brincar com sua língua. Quando sentiu que ela rodeava seu pescoço com os braços, afastou-se um pouco, apenas para poder vislumbrar o rosto que continuava de olhos fechados, com os lábios entreabertos, à sua espera. Porém, subitamente ele caiu em si e lembrou-se que ela ainda estava sob o efeito do álcool, e que ele não podia aproveitar-se dela naquelas condições. Não queria que fosse assim, por mais que seu corpo reclamasse e exigisse que ele a beijasse mais incontáveis vezes e que a carregasse para a cama e satisfizesse seus instintos. Se tivesse que acontecer algo entre eles, que ela estivesse plenamente consciente disto. Por isso, terminou de abrir a porta, tomou-a novamente no colo e carregou-a para dentro. Colocou-a sobre a cama, o que a fez escapar um gemido, já adormecida novamente. Tirou suas sandálias e a cobriu com a colcha. Antes de sair do seu lado, cedeu à vontade de passar a mão em seus cabelos e acarinhar-lhe o rosto.
- Boa noite, Isa – sussurrou, antes de tocar-lhe de leve os lábios com os dedos.
Saiu sem fazer barulho e voltou para casa.



A coisa parece que está começando e esquentar. Aguardem o próximo capítulo...
Prometo postar o VI durante o feriado.
Por falar nisso, desejo a todos um Carnaval maravilhoso, seja para aqueles que vão pular e brincar, como para aqueles que, como eu, vou aproveitar para descansar um pouquinho. Para todos, sejam felizes e aproveitem da melhor maneira possível estes dias de folga.
Beijos!!

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Na Rede do Pescador - Capítulo IV

O dia seguinte chegou glorioso, com um sol radiante, num céu sem nuvens, sobre um mar sereno, de verde intenso, invadindo o quarto de Isadora muito cedo, e encontrando-a preguiçosamente agarrada aos seus travesseiros, despertando de uma noite sem sonhos, mas restauradora. Vestiu seu traje de banho, colocou a túnica de praia e foi até a piscina, onde ficou lendo um dos vários livros que havia colocado na mala, para atualizar-se com a literatura, relaxadamente sentada numa das cadeiras reclináveis. Apenas alguns funcionários do Mairi desfilavam àquela hora, cuidando dos jardins ou limpando as piscinas. Além daqueles, outros anônimos deviam estar trabalhando intensamente na cozinha e no restaurante, preparando-se para o início do desjejum, que começaria dentro de aproximadamente 30 minutos.
Depois de tomar um delicioso café da manhã, resolveu ir até a enfermaria para que lhe tirassem o curativo e verificassem se estava tudo bem.
- Vamos ver como está seu ferimento – falou a simpática enfermeira de plantão. – Parece que você tem uma ótima cicatrização. Apesar disso, é bom que continue com alguma proteção. Caso venha a molhá-lo, troque-o tão logo seja possível, aqui mesmo, conosco.
- Que bom. – Isadora respirou aliviada – Estava preocupada que isto pudesse estragar minhas férias.
- Não se preocupe, querida. Mais dois dias de curativo e sua mão estará bem.
- Muito obrigada. – despediu-se alegremente e saiu já decidida para onde iria a seguir.
Ao chegar ao bangalô de Lucca, não viu seu buggy e nem sinal de sua presença. Parece que alguém tinha acordado mais cedo também. Mesmo assim, aproximou-se e alguma coisa chamou sua atenção nos fundos da casa. Com cuidado, foi contornando o casebre, descobrindo que atrás dele tinha uma espécie de trilha que acabava em um interessante e charmoso portão de madeira, quase escondido por uma trepadeira repleta de flores vermelhas. Caminhou até ele e ao abri-lo, com facilidade, descobriu que a trilha continuava e acabava dentro de um imenso gramado, onde uma linda mansão repousava. Era uma casa de dois andares, em estilo mediterrâneo, pintada de amarelo e com detalhes em branco nas janelas e portas. O jardim era muito bem cuidado. Porém, parecia estar deserta.

O que a intrigou foi a ligação daquela bela morada com a humilde choupana na beira da praia. Ainda estava admirando o lugar, quando sentiu a aproximação de alguém. Ao virar-se, deu de cara com Lucca, que estava sério e com aquele olhar de preocupação estampado nas belas feições.
- O que está fazendo aqui? – perguntou rudemente.
- Bom dia, em primeiro lugar. Custa ser um pouco mais educado e cumprimentar ao invés de chegar sorrateiramente e me assustar?
- Desculpe, princesa. Não queria assustá-la – desculpou-se em tom mais ameno. – O que está fazendo aqui? – repetiu sua pergunta.
- Eu vim procurá-lo e descobri a trilha que tinha nos fundos da sua casa. Vim parar aqui a seguindo. De quem é essa casa?
- É de um pessoal que mora em outro estado. – respondeu hesitante.
- Você os conhece? É o zelador daqui? – investiu na única explicação que encontrava para a ligação entre as casas e a presença de Lucca por ali. Notou que a expressão dele desanuviou-se e ele sorriu.
- Sim! Eu cuido da manutenção da casa enquanto eles estão fora. Sempre é bom uma renda extra, não?
- Que bom, Lucca. Aliás, parabéns, pois ela está muito bem cuidada. Não imaginava que tivesse habilidades em jardinagem.
- Ah, isso... Na verdade, tem uma firma de jardinagem que cuida esta parte. Eu me responsabilizo por afastar os intrusos e pela manutenção interna. Por isso me assustei quando percebi que tinha alguém aqui.
- Ah, entendi. Desculpe mais uma vez. Parece que estou sempre deixando você preocupado, de uma maneira ou de outra. – sorriu envergonhada por tê-lo alarmado. – Mas é uma bela morada e muito bem projetada. Acredito que o interior deva ser igualmente admirável.
- Acho que sim... – fazendo-se de desentendido sobre o convite subliminar – Você fala como se entendesse do assunto. – falou repentinamente interessado.
- Eu sou arquiteta, por isso fiquei curiosa.
- Arquiteta, é? – sorriu. – Afinal, a que devo a honra da sua visita?
- Já esqueceu? Vim para fecharmos o preço do passeio como combinamos ontem.
- Ah, claro. Então, quanto me oferece? – estranhamente ele parecia divertir-se com esta questão.
- Eu me informei dos valores cobrados no hotel e resolvi propor-lhe... Cem reais? Pelo dia? É metade do preço no resort, como você tinha me sugerido. Se achar pouco, pode fazer uma contraproposta. – Iniciou a negociação, sem ligar a expressão de Lucca. Talvez estivesse nervoso por ter de falar em dinheiro com ela ou por não estar acostumado a este tipo de transação comercial. Por seu lado, por algum motivo, sentia-se um pouco desconfortável tratando da remuneração dele, apesar de ser uma mulher acostumada a lidar com tabelas de preço junto aos empreiteiros e operários que trabalhavam para o seu escritório.
- Vamos dizer que... – ele fez uma pausa dramática e continuou – Aceito!
- Ótimo! Quando podemos sair? Amanhã?
- Que tal... Agora? – “Ao inferno as dúvidas quanto a mantê-la longe. Vai ser bom ter uma companhia para passear por aí”, pensou animado.
Pega de surpresa, logo sorriu e respondeu efusivamente:
- Por que não? Vamos lá.
Ela tomou a frente, na direção da praia, não reparando no olhar ferino que a seguiu. “Afinal, talvez seja um dia divertido”, pensou ele.
Isadora pediu que ele aguardasse alguns minutos. Ia pegar sua bolsa de praia com algumas coisas necessárias para passar o dia fora. Estava muito excitada. Talvez um pouco além do que era de se esperar para a realização de um simples passeio turístico.
- Eu vou abastecer o buggy e a encontro aqui mesmo dentro de... Quinze minutos. Está certo?
- Ótimo. Já volto! – e saiu em passos apressados, que brigavam contra a dificuldade de correr na areia fofa da beira-mar.

A sensação do vento batendo em seu rosto, tendo aquela paisagem magnífica inundando seus sentidos era maravilhosa. Lucca demonstrava ser um ótimo guia. Realmente parecia conhecer todas as praias da região e sua história. Até o momento tinham visitado duas, mas decidiram parar para almoçar num modesto restaurante, de frente para o mar, que, segundo ele, era propriedade de pescadores. Ao chegarem, ele pediu que ela o esperasse no veículo e foi conversar com o dono, seu amigo. Desconfiou que ele estivesse tratando o preço e conseguindo uma refeição gratuita para si próprio, como era de praxe. Não entendeu as gargalhadas que se seguiram enquanto conversavam, mas quando terminaram, o proprietário da casa veio pessoalmente cumprimentá-la e acompanhá-la até uma das mesas melhor localizadas, com uma vista privilegiada, conforme ele sugeriu. Agradeceu e notou que Lucca a olhava discretamente encostado numa das colunas de madeira próxima ao balcão.
- Lucca! Por que não vem sentar aqui? – sentiu-se mal ao perceber que ele estava se posicionando como um simples empregado, evitando compartilhar a refeição com ela. – Por favor... – suplicou.
Ele se aproximou com um sorriso cativante.
- Acho que não fica bem sentar com a “patroa” na mesma mesa.
- Deixe de bobagem. Acho que já podemos dizer que somos um pouco amigos, não? Até passar a mão no meu bumbum você já passou – disse olhando-o de soslaio e ruborizando imediatamente. “Agora já falei, azar! Por que não calo a boca de vez em quando, só para variar?”, arrependeu-se tardiamente.
- O quê? – foi a vez dele de surpreender-se – Quando?
- No dia em que me ajudou nos corais. Esqueceu? Eu fiquei furiosa com você – Notando o embaraço dele, começou a rir.
Inesperadamente ele soltou uma gargalhada gostosa, quando se lembrou do que acontecera.
- Tem razão. Mas pode ter certeza que foi com a melhor das intenções.
- Eu sei... Então, pode me dar a honra de almoçar comigo?
- Claro. A honra será toda minha.
“O que ela está fazendo comigo? Eu não devia estar sentindo ou agindo dessa maneira. Por que ela tem de ser tão deliciosa, meiga e divertida?”
“O que eu estou fazendo? Deveria mantê-lo a certa distância ao invés de tratá-lo como amigo íntimo. Aonde eu vou parar neste ritmo?”
Fizeram seus pedidos e, enquanto almoçavam, Lucca lhe falava a respeito dos lugares que visitariam à tarde. Isadora estava encantada com os conhecimentos dele, que chegou a citar alguns lugares da Europa, comparando-os à paisagem local, como se já tivesse viajado para lá. Obviamente ele os conhecia de revistas, como ele próprio afirmou, ao perceber o espanto dela. Ele não parecia em nada com o rústico e ignorante pescador que ela imaginara. Sua conversa seria bem vinda em qualquer roda social de São Paulo. Enquanto esperavam o cafezinho, ao final do almoço, Isadora disparou uma pergunta:
- Por que você tem um sotaque diferente do resto do pessoal daqui? Parece mais com o carioca.
Parecendo embaraçado diante da pergunta, acabou por responder:
- É que minha mãe era carioca e vivi com ela uma boa parte da minha vida, no Rio. Satisfeita?
- Você também era pescador lá?
- Tornei-me pescador depois. – “Até onde vou ter que ir para escapar destas perguntas?”.
- O seu pai era daqui? Era pescador também?
- Esta é uma história muito longa e eu prefiro não lhe cansar contando-a – fixou o olhar num ponto do outro lado do restaurante onde estavam e Isadora entendeu que aquela conversa encerrava por ali.
- Acho melhor irmos logo, pois ainda temos muito que ver.
- Certo. Vou pagar a conta e vamos.
- Não se preocupe com isso. Já acertei tudo com o seu Ariel. Considere isto como incluído no valor do passeio.
- Não posso fazer isso. Não combinamos sobre o almoço. Assim não vai ganhar nada. Se considerar a gasolina e o almoço, o que sobra para você?
- O suficiente para minha diversão – sorriu e pegando-a pelo braço suavemente, levou-a até onde estava o buggy.
- Por favor, Lucca. Tem que aceitar o dinheiro do almoço.
- Olhe, se isso é tão importante para você, depois eu incluo o almoço no valor que combinamos.
- Assim é melhor – concordou mais aliviada.

Quando passavam por um extenso canavial, ele parou o carro junto a uma cerca de arame farpado e desceu.
- Onde estamos? – perguntou, ligeiramente inquieta com a súbita parada.
- Logo vai ver. Confie em mim. Precisamos seguir a pé deste ponto, mas verá que, ao fim, vale à pena. Venha! – disse pegando-lhe pela mão, como se isto fosse muito natural. Isadora simplesmente aceitou o comando e seguiu-o, sentindo o calor daquele toque subindo por seu braço e aquecendo seu corpo agradavelmente.
Caminharam alguns metros entre os pés de cana e, quando menos esperava, Isadora vislumbrou a imagem de um paraíso. Entre escarpas multicolores, encontrava-se uma praia deserta, com algumas enormes formações rochosas esbranquiçadas, que pareciam dinossauros esquecidos pelo tempo. Para completar a visão paradisíaca, o mar azul esverdeado e calmo, praticamente sem ondas cobria tudo, até o horizonte. Não havia mais ninguém ali. Apenas os dois.

- Que lugar lindo, Lucca... Como é o nome desta praia? – perguntou deslumbrada diante de tanta beleza.
- Chama-se “Carro Quebrado”. É linda, não? Deixei-a para mostrar por último, pois sabia que a surpreenderia. Pode ficar a vontade. Ela é toda sua – continuou a levá-la segura pela mão até as areias mais grossas e um pouco mais escuras que das outras.
Sorriu diante da face radiante de Isadora. Parecia uma criança descobrindo o mar pela primeira vez. Não cansava de admirá-la, mesmo quando se soltou de sua mão e correu para tocar as pedras à beira-mar ou enquanto observava atenta as falésias com suas areias de vários tons terrosos, dispostas em camadas.






- Acho que não vou resistir a tomar um banho nestas águas.
- Faça o que tiver vontade. Pode trocar o seu curativo quando voltar para o Mairi. Não foi o que a enfermeira lhe falou?
- Tem razão. Acho que não fará mal molhar um pouco, não?
- Vá em frente. – estimulou-a, enquanto se recostava em um dos “monstros de pedra”.
- Não vai entrar?
- Sou um profissional. Não posso me divertir enquanto estou trabalhando – retorquiu tão seriamente que Isadora quase acreditou.
- Você está brincando? Com este calor e um mar destes a nos convidar para um mergulho, eu libero você do seu profissionalismo – disse sorrindo.
- Já que insiste, não tenho como negar. – Tirou a camisa branca que vestia e exibiu seu peito bronzeado e os músculos tensionados no movimento, ficando apenas com a bermuda. O coração de Isadora disparou e seus joelhos falsearam.
- Vai ficar parada aí ou vai entrar comigo?
Pegou-a mais uma vez pela mão sã e puxou-a para a água. Em certo momento ela não resistiu aos passos largos e rápidos dele, caindo entre as ondulações suaves de água salgada e morna. Logo se levantou rindo, com a ajuda dele, que se voltou preocupado.
- Eu não devia ter corrido. Machucou-se?
- Claro que não. Mas exijo vingança! – exclamou, ao mesmo tempo em que lhe deu um empurrão para trás, soltando uma sonora gargalhada ao vê-lo cair com espalhafato. A partir daí, ficaram vários minutos brincando tal e qual crianças, atirando água um no outro, num jogo de pega-pega, mergulhos e muitas risadas. Quando se cansaram, voltaram para as areias, onde Isadora estendeu uma toalha, e deitou-se. Lucca, sem esperar convite, deitou-se ao seu lado, diretamente sobre a areia. Assim ficaram, com os olhares perdidos no infinito do céu azul, ao som do marulhar que ia e vinha.
- Isadora, posso fazer uma pergunta indiscreta? - Lucca aproveitou o momento para satisfazer sua curiosidade.
- Pode... – arriscou-se a aceitar a indiscrição dele.
- O que uma jovem e bonita arquiteta como você faz sozinha em férias no Nordeste, querendo manter-se longe dos outros turistas, num lugar onde você teria chances de conhecer alguém interessante?
O olhar de Lucca recaiu sobre ela, desconcertando-a.
Ela desviou o olhar do céu para ele, procurando uma resposta coerente, que não a levasse a se abrir com ele. Aqueles olhos verdes, intensos e sinceros, convidavam a intimidade, mas ali não era hora nem o local para confidências. Por isso respondeu com uma meia verdade.
- Eu tenho um escritório de arquitetura em São Paulo ao qual venho dedicando todo o meu tempo há cerca de cinco anos, sem intervalo para descanso. Nos últimos tempos, comecei a sentir mais do que nunca o estresse resultante deste trabalho. Por isso achei que estava na hora de parar alguns dias e recarregar as baterias.
- E você não tem ninguém? Um marido, noivo, namorado?
- Tinha um noivo, mas prefiro não falar sobre isto. Não quero estragar o nosso dia. – Sentando-se repentinamente, contemplou o mar num misto de tristeza e amargura e calou-se. Lucca respeitou seu desejo e deu por encerrada as perguntas pessoais. Mas ficou curioso em saber mais sobre este noivado e sobre quem seria o idiota que a tinha magoado daquela forma.
- Vou dar uma caminhada por aí. Quer vir junto? – ele perguntou após alguns minutos.
- Não, obrigada. Vou ficar deitada aqui aproveitando o sol e a paz deste lugar. – agradeceu com um pálido sorriso e deitou-se novamente.
- Volto em quinze ou vinte minutos para podermos levantar acampamento. – Depois de uma pequena pausa, continuou em tom muito terno. – Você está bem?
- Estou bem sim. Não se preocupe... – respondeu, envaidecida com a preocupação demonstrada por ele.
“O que está acontecendo? Eu não me reconheço mais. Nunca me comportei dessa maneira com ninguém. Por muito pouco quase abri minha vida pessoal para ele... Quem é este homem que me faz sentir tão bem? Que me faz voltar a ser criança. Ao invés de me desencantar por ele, cada vez mais me sinto atraída. Ele não é só atraente fisicamente. Suas maneiras, a sua conversa, sua voz, o seu olhar... Não parece ser um pescador sem estudo e sem educação. Quanto mais tempo passo ao seu lado, maior se torna o meu desejo de ficar junto e de conhecê-lo melhor.”

Assim que voltou de sua caminhada, Lucca convidou-a para partir. Já estava ficando tarde. Isadora concordou e imediatamente recolheu suas coisas e foi para o buggy onde ele já a esperava com o motor roncando. Não conversaram muito nesta volta, a não ser por alguns comentários a cerca das belezas naturais encontradas ao longo do caminho.
O sol já era apenas um clarão laranja-avermelhado no horizonte, encoberto por algumas nuvens brancas, através das quais saíam os derradeiros raios dourados, quando Lucca estacionou o buggy diante do acesso ao Mairi. Isadora continuou sentada ao seu lado, até que conseguiu verbalizar:
- Podemos fazer aquele passeio às piscinas amanhã?
Ele não pode evitar um sorriso.
- Tem certeza que quer que eu continue sendo seu guia turístico?
- Por que não? – indagou, mexendo em sua bolsa, evitando seu olhar.
- Talvez eu tenha sido inconveniente e tenha ultrapassado os limites com você? Afinal eu só um pobre pescador, sendo pago para servi-la, e não seu amigo.
- Lucca... – murmurou ternamente, virando-se de lado para encará-lo – Sinceramente, eu gostaria muito que você fosse meu amigo. O que houve agora à tarde foi uma dificuldade minha em falar sobre uma ferida que ainda não cicatrizou. Não foi nada com você. Além disso, o fato de ser um “pobre pescador”, como você se diz, não faz diferença alguma para mim. Não costumo avaliar meus amigos pela profissão ou pela situação econômica deles. Agora, se você tiver algum tipo de preconceito em relação a mim e não quiser ser meu amigo, eu vou ficar muito triste, mas não poderei fazer nada.
Surpreso e comovido com a declaração inesperada de Isadora, sentiu o coração acelerar e o desejo de abraçá-la e beijá-la quase o sufocou, mas seu autocontrole o permitiu apenas pegar sua mão carinhosamente e dizer:
- Não costumo sair por aí fazendo amizade com as turistas mais bonitas – declarou com um meio sorriso desajeitado – Mas você é diferente. Sinto-me muito bem na sua companhia e fico muito contente com o que acabei de ouvir. Terei o maior prazer em ser seu amigo...
- Então, está combinado – atalhou-o, com a voz enrouquecida – A que horas podemos sair para as piscinas amanhã, amigo?
Limpando a garganta e suspirando, Lucca respondeu:
- Em vista da maré, o melhor horário para ir até lá é em torno das nove horas. Teremos que sair às oito e meia. Está bom para você?
- Está ótimo! – exclamou, ainda tentando livrar-se do tremor que a percorreu quando ele a tocou, enquanto soltava sua mão dentre as dele. – Venha comigo até o bar para beber alguma coisa gelada.
- Acho que o pessoal do hotel não vai gostar da minha presença...
- Por que, se você for meu convidado? Deixe de bobagem. Ai de quem falar alguma coisa.
- Isadora – ele a segurou novamente, evitando que ela saísse do buggy – Não se preocupe. Eu tenho de ir mesmo para casa... – interrompeu-se por alguns segundos e seu rosto iluminou-se repentinamente – Por que não combinamos outra coisa? Que tal jantar comigo?
- Jantar? Onde? – perguntou animada.
- Na minha... casa. – por um momento pareceu ter dúvida na palavra a empregar – Não se importa? Prometo que não vai se arrepender. Sou um bom cozinheiro.
Não precisou de mais que cinco segundos para que ela respondesse, levantando o queixo, desafiadora:
- Fechado. É só dizer o horário que estarei lá – confirmou tentando parecer natural.
- Às oito e meia da noite está bom? Lembre que amanhã temos de sair cedo.
- Confirmado – concluiu e instintivamente aproximou-se dele de um pulo e deu-lhe um beijo na face. Virou-se rapidamente, não dando chance a ele de retribuir e saiu apressada, subindo as escadas do deck do Mairi quase correndo, enquanto ele a observava ainda aturdido, sentindo queimar o local do rosto onde ela o beijara.


Continuam gostando da nossa aventura com o Lucca e a Isa? Logo devo estar postando o quinto capítulo. Só queria dizer, que esta praia "Carro Quebrado" realmente existe no litoral de Alagoas e que as fotos foram tiradas lá. Quem tiver oportunidadde de conhecer, vale à pena. E é deserta...
Beijos!