terça-feira, 11 de agosto de 2009

Erik - Capítulos X e XI


X




“Caro amigo Erik,
Esta carta tem por função tranqüilizá-lo a respeito do desenrolar de nossos planos. Tudo correu exatamente como planejamos. “Você” já está morto e enterrado em Paris. Maiores detalhes, eu fornecerei pessoalmente em nosso próximo encontro em Londres. Sinta-se liberado para iniciar a procura de um local para nossa nova loja e de uma casa para morarmos. Só lhe peço que ache uma casa com mais cômodos que a de Dover, pois pretendo levar adiante o plano de levar minha irmãzinha para morar comigo.
Espero que esta o encontre bem de saúde... Ao contrário do “monsieur” que deixei em Paris em seu lugar.
Um abraço, de seu amigo
Paul”

Sempre brincalhão este Paul. Finalmente, as notícias que tanto esperara. Apenas continuava curioso para saber como tudo tinha acontecido. Será que ele falara com Annie? Teria visto Christine? Como ela devia estar? Provavelmente, linda como sempre.
Será que continuava cantando?
Melhor não pensar mais nisso. Deveria agradecer por estar livre de meu confinamento naquele hotel de terceira classe. Poderia caminhar pela cidade, fazer um reconhecimento dos lugares e começar a procurar um lugar para morarmos e outro para a nova joalheria.
Ainda estava apreensivo de como seria recebido pelos londrinos com meu visual peculiar. Por isso, aproveitei as horas intermináveis em que fiquei naquele hotel, para criar um novo disfarce. Acabei optando pela máscara da face direita, que parecia o que melhor cobria meu defeito. A única diferença é que a fiz em cor neutra, de forma a ser mais discreta. Não queria chamar tanto a atenção ao andar pelas ruas. Assim, dei a ela uma cor que se assemelhava à cor da pele. O chapéu e roupas discretas complementariam meu traje. Meu inglês melhorara bastante com as aulas dadas por Paul. Assim, sentia-me um pouco mais seguro.
Londres fervilhava naqueles dias de início da primavera. Carruagens, pessoas passeando e conversando animadamente pelas ruas. Idéias e inventores pululavam por ali. Era o ano de 1872. O Tâmisa exalava um cheiro horrível, mas o Parlamento erguia-se magnífico às suas margens. A obra de reconstrução, depois do incêndio de 1834, havia sido concluída somente há 2 anos. Quanto tempo a Ópera de Paris levaria para ser reconstruída? Sentia uma certa nostalgia ao andar por aquelas ruas, lembrando de Paris, por onde passeava, geralmente à noite ou, muito bem disfarçado, durante o dia.
Durante minha caminhada, chamava um pouco a atenção. Era difícil para uma pessoa de minha estatura, de quase 1.90 m, passar despercebida, principalmente quando esta pessoa tinha metade do rosto coberto por uma máscara e usava um chapéu de abas um pouco mais largas que as ditadas pela última moda.
Conforme as informações obtidas no hotel, resolvi ir até Mayfair, onde o comércio mais requintado se encontrava. Fiquei sabendo que os membros da corte e da sociedade costumavam fazer suas compras naquela área. Assim, comecei minha procura de um local mais favorecido para abrir nossa joalheria. Depois de caminhar a manhã inteira, a sorte me sorriu ao descobrir um pequeno armarinho, na Bond Street, que estava sendo colocado à venda, pela esposa do falecido dono, por um bom preço. Só não fechei o negócio na mesma hora, pois queria a concordância de Paul. Ele deveria chegar em breve, segundo sua carta. Dei um sinal em dinheiro à viúva, para que ela garantisse minha preferência na compra. Esperava que Paul não demorasse muito a chegar, pois não confiei muito no olhar de cobiça e avidez da senhora. A minha impressão foi de que ela venderia para o primeiro que chegasse com o valor pedido, não importando se eu dera o sinal ou não. Ela havia passado o tempo todo a me observar, com olhos miúdos e assustados, coisa com a qual eu já estava acostumado. Ficou consternada quando, depois de vencer a curiosidade e perguntar qual o motivo da máscara, lhe disse que havia ferido meu rosto em batalha no México, lutando por Napoleão III, em 1865.
- Oh, mas lutou tão jovem e tão longe daqui. Pobre rapaz – Foi o comentário da velha senhora.
Já estava começando a achar divertido aquele comportamento das pessoas. Era curioso pensar porque um ferimento de guerra era menos aterrorizante que um defeito de nascença?
Após as despedidas e promessa de retorno o mais breve possível para realizar a compra, segui a caminhar nas redondezas, em busca de uma residência.
Nada mais consegui naquele dia, mas já estava satisfeito.
Ao chegar ao hotel, qual não foi minha surpresa ao encontrar Paul, todo sorridente, vindo em minha direção, abraçando-me efusivamente.
- Então, meu querido amigo, aproveitando a liberdade nas ruas londrinas?
- Que bom revê-lo, meu caro. Estava sentindo falta de nossas conversas. Não esperava você tão cedo. Recebi a sua carta ontem.
- Pois aqui estou eu! Você já jantou?
- Não, ainda não.
- Que tal comemorarmos a sua nova vida e a minha chegada em grande estilo? Estava conversando com o nosso amigo ali – e apontou para o recepcionista do hotel – e ele me disse que logo ali em Convent Garden, tem um ótimo restaurante, freqüentado pela sociedade e membros da realeza. O que acha? Vamos cometer esse excesso? Só hoje?
Não havia como resistir àquele sujeito. Ele parecia estar eternamente de bem com a vida. Esperava que aquilo fosse contagioso.
- Você acha conveniente eu ficar mostrando-me por aí? Não é muito cedo?
- Qual nada! Precisamos conversar. E você sabe que eu não consigo pensar de barriga vazia.
- Está bem, Paul. Já que você insiste...
- Deixa de ser pessimista, Erik. Esqueça o passado... Ele foi enterrado nas profundezas de uma certa Ópera.
Seguimos para a rua Maiden Lane, em Convent Garden.

Fomos recebidos com frieza e desconfiança pelo maitre do “Rules”. Não estávamos vestidos adequadamente para o jantar em restaurante tão distinto. Porém, bastou Paul colocar uma gorda gorjeta no bolso do nobre senhor, para que ele nos arranjasse uma mesa. Claro que era uma mesa discretamente colocada nos fundos do salão, mas podíamos ter uma bela visão da “fauna” que estava presente por lá. Até chegarmos às nossas cadeiras, sentimos os olhares de todos a dissecar-nos, como se fôssemos subespécies da raça humana. Era uma apreciação semelhante a que eu sofria em Paris, quando fazia minhas curtas aparições. Senti um leve arrepio. Não era uma lembrança agradável. Pensei que a tinha deixado para trás, mas havia me enganado. Paul carregava um sorriso irônico e discreto nos lábios, andando de cabeça erguida, em frente. Quando sentamos, quase explodiu em uma gargalhada. Teve que por a mão sobre a boca para não rir alto.
- Erik, não precisa ficar com este ar preocupado. É um bando de almofadinhas, acompanhados por damas esnobes e insatisfeitas. Não dê atenção a eles.
- Não se preocupe comigo. Eu estou bem. Mas, por favor, conte-me como foi a sua viagem. Conte todos os detalhes do meu funeral e das pessoas que o acompanharam.
- Já sei. Quer saber de sua Christine.
- Ela nunca foi minha! – falei com irritação, pelo termo usado por Paul, em tom um pouco alterado, que fez as pessoas das mesas mais próximas olharem para nós.
- Calma, amigo. Perdão. Não sabia que a situação era tão séria.
- Desculpe, Paul. Não queria gritar com você, mas ela é uma parte importante do meu passado que eu quero esquecer. Na verdade, é por causa dela que estou nesta situação atual.
- Sinto muito, Erik. Mas, vou lhe contar como tudo se passou.
Neste momento, o garçom veio tirar nossos pedidos. Assim que ele retirou-se, meu amigo iniciou o relato minucioso de sua aventura.






XI




Paul Marback... Um homem admirável. Erik teve muita sorte em conhecê-lo. Enfim ele fizera um amigo fora das paredes de seu teatro. Assim que o vi sumir na escuridão das ruas de Monmartre, fechei a porta. Logo ouvi os passos ágeis de Meg, descendo pela escada.
- Mamãe? É você?
- Sim, minha filha, sou eu.
- A senhora está bem? Como foi? Estou morrendo de curiosidade. Queria ter ido junto, mas a senhora não deixou. Agora quero que me conte todos os detalhes.
- Calma, Meg, calma. Deixe-me tomar um copo de água, tirar meu chapéu e estes sapatos que estão me martirizando. Aí, lhe contarei tudo – “ou quase tudo”, pensei.
Assim que relaxei um pouco, não pude escapar do olhar inquiridor de Meg, que estava ávida pelos fatos ocorridos naquele final de tarde.
- Sente-se, Meg! Ou você vai ficar a esvoaçar a minha volta desse jeito? Pelo menos, podia respeitar a dor deste momento. Afinal, ele era meu amigo de muitos anos.
- Desculpe, mamãe. Sinto muito por ele, também. Só queria saber...
- Está bem. Vou lhe contar.
A partir daí, tudo o que acontecera naquelas últimas horas veio a minha mente.
Estava ansiosa a espera do aviso de Christine, conforme ela me prometera. Eram 5 horas da tarde, quando ouvi o trotar de cavalos aproximando-se de nossa casa. Corri até a janela da frente e vi o coche com o brasão dos Chagny. Um rapaz uniformizado desceu e bateu a nossa porta. Era um mensageiro. Rapidamente abri o envelope e pude ver a delicada caligrafia da nova viscondessa:
“Cara Madame Giry,
Peço-lhe que acompanhe este mensageiro. Ele a levará até a Ópera. Estarei esperando-a para o enterro.
Christine”

Como já estava pronta, imediatamente fechei a porta e segui o rapaz, entrando na carruagem. Após alguns minutos, que pareceram uma eternidade, chegamos à frente daquela obra monumental, que era a antiga Ópera de Paris. Ainda podia-se ver a movimentação de uns poucos operários, provavelmente encarregados da reforma. Em seguida, vi Christine, com um belo vestido, digno de uma nobre, mas coberto por uma capa preta, com capuz, que quase lhe cobria o rosto. Veio ao meu encontro, acompanhada por Raoul, demonstrando um pouco de nervosismo. Ele, por sua vez, tentava disfarçar a irritação e a ansiedade para que aquele “circo” , como se referiu mais tarde, terminasse o mais rápido possível. Seguimos para o interior do teatro onde começamos a descida aos subterrâneos, juntamente com o Marquês de Cluny, o chefe de polícia, o arquiteto Garnier, um jovem cavalheiro desconhecido e o caixão, carregado por dois homens vestidos como trabalhadores comuns. Mesmo coberto pela poeira, com andaimes e caixotes espalhados por todo o lado, a Ópera mantinha-se majestosa. Senti uma saudade muito grande dos momentos passados entre aquelas paredes e um arrepio na espinha ao lembrar os acontecimentos que precipitaram a interdição daquela casa de espetáculos.
Finalmente chegamos até a área onde estavam os túneis alagados. Lá, próximo ao local onde Erik fizera a sua morada, em um dos paredões, havia sido feita uma cavidade profunda, onde o caixão, provavelmente, seria colocado. Após alguns minutos de tenso silêncio, o chefe de polícia, M. Focault, pediu que os homens colocassem o esquife para dentro do buraco. Pode-se ouvir um suspiro escapar do peito pesado de Raoul. Christine estava com olhar tristonho, olhando para baixo, provavelmente lembrando seu mestre. Achei que tinha visto uma lágrima tímida rolando por sua face. Logo ela passou um pequeno lenço, de delicada renda, sobre a face, discretamente, simulando um súbito calor, retirando qualquer vestígio de choro que pudesse ser visto por seu marido ou pelas pessoas que ali estavam.
Logo em seguida, um dos trabalhadores, passou a colocar uma espécie de massa arenosa, cobrindo toda frente da tumba, lacrando para sempre o corpo de Erik nas entranhas do suntuoso prédio. Não se ouviu nenhuma palavra de pesar ou oração, nem olhares de condolência. A tristeza por aquela perda, certamente, estava apenas nos pensamentos daqueles que tinham conseguido vislumbrar a genialidade que existia naquele homem transfigurado, apaixonado pela música e por sua musa... Christine, o desconhecido, que mais tarde apresentou-se como sendo o Senhor Marback, e eu.
Terminada a “cerimônia”, após uma breve troca de cumprimentos entre as “autoridades”, Marback veio ao meu encontro apresentar-se, seguido por Raoul e Christine.
- Graças aos céus, o “circo” terminou – louvou Raoul – Que descanse em paz, já que em vida não pode desfrutar de tal. Vejo que M. Marback já se apresentou. Acho que podemos ir, não é mesmo, Christine?
- Claro, querido. Como você quiser – resignou-se Christine.
O grupo seguiu em silêncio, atrás do senhor Garnier, que nos levou para fora daquele labirinto.
Já na saída, pelos fundos do teatro, após mais algumas reverências, o grupo dispersou-se, ficando apenas nós quatro, numa situação quase constrangedora. Só nos restou a despedida.
- M. Marback, espero que tenha uma boa viagem de volta a Dover.
- Muito obrigado, visconde. Viscondessa – disse, reverenciando Christine. Foi um prazer conhecê-los.
- Madame Giry, é uma pena que tenhamos voltado a nos reencontrar numa situação como esta.
- Madame, espero que possamos nos ver em breve. Vá nos visitar e leve a Meg, por favor. Não vamos nos afastar novamente – sabia que Christine falava de coração, mas achava difícil podermos voltar a ter a relação íntima que tínhamos anteriormente.
- Claro, meu bem, é claro – falei sem muita convicção.
Os dois seguiram em direção a carruagem que os aguardava e partiram.
- Casal estranho, não? – perguntou Marback.
- Quando o senhor volta para Dover? – perguntei, evitando tecer comentários a respeito daquele casal.
- Provavelmente amanhã. Antes, precisamos conversar, madame Giry. Posso convidá-la para um café?
- É sobre Erik?
- Sim. Tenho muita coisa para contar-lhe. Sei que posso confiar na senhora. Erik me passou esta certeza.
Os últimos raios de sol tingiam de tons alaranjados as poucas nuvens que havia nos céus, quando entramos num café próximo à Ópera e sentamos num lugar mais reservado, a pedido de Marback.

Quando ele terminou sua conversa, eu estava pasma e ao mesmo tempo feliz por saber que meu amigo encontrava-se bem de saúde e de espírito. Paul, como ele insistiu em ser chamado, revelou-se uma pessoa de excelente índole e amigo sincero de Erik, em sua nova fase. Disse que tinham muitos planos, apesar de não relatar quais. Mas a idéia de sabê-lo são e salvo, tentando levar uma vida normal, era muito confortante.
- Uma última coisa, que nosso amigo pediu-me para fazer. Entregar-lhe este dinheiro e estes objetos pessoais. Ele sabe de suas dificuldades econômicas e sente-se culpado por elas. Por isso encarregou-me de deixá-la em melhor situação. Quanto aos objetos, pediu que lhe entregasse para que a senhora fizesse o uso que melhor lhe aprouvesse.
- Diga a ele que não tem porque se sentir culpado de nada. Não posso aceitar este dinheiro. Diga que minhas finanças já estão em ascensão e que agradeço muito a sua preocupação.
Ao abrir o embrulho de couro que M. Marback lhe dera, sentiu-se estremecer.
- Diga a Erik que guardarei estes objetos até o dia em que ele os quiser de volta.
Saímos do café e Paul levou-me até em casa num coche alugado.
- Desejo-lhes toda a sorte do mundo. Obrigada por ser amigo de Erik. Ele precisa muito disso.
- Madame, foi um imenso prazer conhecê-la.
Assim, despedimo-nos, sem prazo de reencontro.

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