sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XIV

Catherine. Christine. Não sei por que insistia em compará-las. Talvez porque Catherine também apresentasse um potencial para a música. Ela tocava bem. Esta sonata... Talvez... Não! Não repetiria o erro anterior. Eu a ensinaria a tocar melhor, mas sem grandes pretensões. Ela era encantadora. Tinha um brilho no olhar, uma vivacidade na maneira de falar e de agir, cheia de vida, independente, alegre. Diferente de Christine. Sem comparações. Melhor parar de pensar nela. Não se deixe levar pelo coração novamente. Ele já fez você cometer inúmeros erros. Erros graves, que quase acabaram com sua vida. Pense apenas no seu trabalho e no dinheiro que ele poderá trazer. Nada de emoções, ciúmes, amores não correspondidos. Deixe Catherine em paz. Ela precisa conhecer alguém saudável, que possa lhe dar tudo que ela merece. Além do mais, Paul não ficaria satisfeito com este tipo de envolvimento com sua irmã. Não poderia fazer isto com ele.
- Bravo! – Paul gritou alegremente, tirando-me de minha abstração.
- O que acha o meu novo professor? – perguntou-me Catherine, com suas safiras incrustadas na face levemente bronzeada a fitar-me, ansiosa por minha opinião.
- Acho que você toca muito bem, para os padrões normais – falei, tentando provocá-la.
- Normal? é... Talvez o senhor tenha razão. Quando começamos as aulas?
Notei que ela não havia gostado do comentário.
- Senhorita Catherine, eu estava tentando ser jocoso. A senhorita toca muito bem. Acho que minhas aulas serão de pouca serventia.
- Não! Eu quero aprender a tocar como uma dama, não como uma camponesa. Por favor, me ensine. A não ser que não queira.
- Parece que não tenho outra saída – não tinha mais como negar, depois de ver a sombra de tristeza esfumaçando a sua expressão – Podemos começar quando quiser.
- Amanhã? Depois do café?
- Calma, Cathy! Pela manhã teremos de abrir a loja. Talvez, depois do almoço eu possa dar uma folga para o seu “professor” por uma hora. Está bem assim para você, Erik?
- Sem dúvidas. Estarei a sua disposição após o almoço. Bem, vou ter de pedir licença e recolher-me. Fiz uma reverência e dei boa noite para ambos.
- Boa noite, Erik.
- Boa noite, senhor – respondeu Catherine, claramente contrariada por eu não ter lhe concedido a oportunidade de ouvi-la mais uma vez.
Antes de chegar ao meu sótão, ainda pude ouvi-los conversando.
- Toque mais uma vez para mim, querida.
- Claro, Paul, com prazer.
Pude ouvir os acordes de uma nova canção, desta vez mais triste, mas igualmente melodiosa. Decidi adiar minha ida para o quarto e fiquei ouvindo-a da escada, entre o segundo e o terceiro pisos. Ao terminar, continuei a escutar sua conversa.
- Ai, mano. Não sei como pude agüentar tanto tempo afastada deste prazer. Em Stansted só conseguia colocar as mãos num teclado, por muito favor, nas poucas vezes que visitava uma vizinha velha e amargurada, que vivia a cerca de um quilometro de nossa casa. No resto do tempo, ficava imaginando os teclados do piano, dedilhando sobre mesas, sobre meu próprio colo ou em almofadas. Isto quando não era interrompida por tia Lizzie a chamar-me de maluca. Ela dizia que eu nunca arranjaria um marido deste jeito. Eu lhe respondia que preferia ficar sozinha a ter alguém a me corrigir, criticando-me o tempo todo. Não que eu não pense em um dia casar-me e ter filhos, mas sonho com alguém que me aceite como eu sou, que me faça sentir protegida, sem ameaçar minha liberdade. Alguém em quem eu possa confiar plenamente. Você me entende, Paul?
- Claro que entendo, minha querida. Eu tenho certeza que você vai encontrar esta pessoa. Mas precisa apressar-se, senão, vai ficar para tia. Ou nem isso, já que eu também estou na trilha dos solteirões. Ahahaha!
- Ah, Paul! Você não leva nada a sério!
- Melhor irmos dormir. Quem sabe nossos pares não batem na porta amanhã?
- Bobo!!
- Senhora Emma! Por favor, apague as luzes e uma boa noite – disse Paul, ainda gargalhando.
- Boa noite, senhor Marback. Boa noite, senhorita.
Recolhi-me rapidamente para que não percebessem minha presença.

10 horas da manhã. Jóias expostas na vitrine, a placa com a inscrição “ABERTA” na porta e Paul aguardando os novos clientes.
Eu já vinha a algum tempo aprendendo muita coisa sobre a arte dos ourives, suas técnicas, criação de ligas metálicas. Assim, enquanto Paul ficasse ocupado na linha de frente, eu poderia dar continuidade ao seu trabalho, para não sobrecarregá-lo após o expediente. Concordamos que eu não seria a pessoa ideal para atendimento da clientela.
Algumas vezes eu ficava encarregado da compra de materiais e já estava ficando conhecido de alguns fornecedores. Também estava tornando-me “expert” na avaliação de ouro e jóias de particulares que desejavam obter algum dinheiro extra na venda de bens familiares.
Naquela manhã algumas encomendas foram feitas, algumas jóias vendidas. Nada mal para um primeiro dia. Estávamos surpresos com o sucesso.
Na hora do almoço, fechamos e fomos para casa com as boas notícias. Catherine aguardava ansiosa. A costureira havia estado lá e logo ela teria um novo guarda-roupa. Estava muito animada.

- Vamos começar a aula? – perguntou após terminar rapidamente a sua sobremesa.
- Cathy! O homem nem tomou o seu café. Calma!
- Não, pode deixar. Já acabei. Podemos iniciar nossa aula – falei, achando graça na inquietude de minha aluna.
- ótimo! – gritou, satisfeita.
As aulas iniciaram-se, diariamente. Catherine era uma excelente pupila, aprendendo rapidamente os segredos do teclado. Se deixasse, em breve estaria tocando como uma profissional da música. Mas, como já havia determinado para mim mesmo, ela seria apenas uma dama com conhecimentos musicais além do esperado. Durante as aulas tentava esgueirar-me dos olhares e toques, esbarrões, aparentemente despretensiosos, que ela provocava quando sentávamos juntos ao piano. Talvez fosse apenas a minha imaginação.
O trabalho de manufatura na joalheria era crescente e Paul já não estava conseguindo dar conta de atender o público e produzir as encomendas de Londres e de Dover, acabando por passar muitas horas trabalhando depois de encerrar o expediente externo. Pensávamos seriamente na necessidade de ter um funcionário para o atendimento. Ao saber disso, Catherine veio novamente oferecer-se para a função. Depois de muita insistência, mostrando os pontos positivos de seu oferecimento, acabou por vencer a resistência de Paul e iniciou como nossa nova funcionária, atendendo graciosamente na Joalheria Marback. Não saberíamos dizer com certeza, mas acreditamos que o movimento de cavalheiros aumentou depois que ela assumira a recepção. A todos tratava educadamente e com o distanciamento devido.

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