quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Erik - Capítulo III

O centro de Dover ficava distante cerca de 3 km a nordeste. Segui na direção indicada. Desta vez teria de fazer o percurso a pé. Tinha que agüentar. Agora faltava pouco. Pelo menos conseguira cruzar a fronteira. Por enquanto, seria mais seguro. Provavelmente teria dificuldades com a língua. Talvez pudesse passar por mudo, ao menos no início.
Tentava imaginar o que poderia fazer para começar minha nova vida. Com isso tentava esquecer a febre que atordoava meus sentidos e a pontada insistente em meu dorso. Consegui chegar a Dover, mas já estava sentindo-me muito mal. Sentia calafrios, apesar de o corpo queimar. As pernas fraquejavam. A bolsa de couro pesava como se lá tivesse colocado chumbo. As pessoas que transitavam nas ruas deviam pensar que eu era mais um estrangeiro bêbado. Logo, cambaleei e, sem forças, caí. Conseguia ouvir o burburinho à volta. Alguém me arrancou a bolsa de couro das mãos. Não tinha forças para segurá-la. Mais alguns gritos. Uma voz sobressaiu-se das demais. Era a voz de um homem. Tentaram me reerguer, mas acabei soltando um grunhido de dor, pois as mãos pressionaram diretamente meu ferimento.
- Sangue! – disse a mesma voz de antes. Pude entender que minha ferida reabrira e sangrava.
- Você! Ajude-me a levar este homem para dentro de casa. Ele está ferido! My God! Ninguém tem misericórdia nesta cidade. Eu mesmo o levo. Além de roubá-lo, ficam olhando para ver o homem morrer.
Entendi que o rapaz estava fazendo um esforço sobre-humano para poder tirar-me do solo. Assim, juntei o resto de forças que ainda achava que tinha e levantei meus braços, para que ele entendesse que estava consciente e que tentaria ajudar a levantar-me.
- Vamos! Venha! Se continuar aqui vai acabar sendo depenado por estes ladrões inúteis e, provavelmente atropelado por alguma carroça desavisada.
Com muito esforço, conseguimos atravessar a rua e entramos por uma porta que me pareceu ser de uma loja. Havia uma pequena vitrine na frente. Teria visto algo reluzente por trás do vidro? Mal conseguia abrir os olhos. Devia estar tendo alguma alucinação. Era uma joalheria?
Passamos pelo pequeno recinto da frente e fomos para o que devia ser os fundos da casa.
- Você consegue ficar sentado?
Gesticulei, para que ele soubesse que eu não estava entendendo o que ele me dizia.
- Você é surdo? – falou, cobrindo os ouvidos.
Acenei negativamente com a cabeça.
- Você não fala minha língua? É isso? Será?
- François... – disse com voz quase inaudível.
- Francês?
A partir daí, ele conseguiu falar algumas palavras em meu idioma, tentando fazer-se entender.
Ele queria que eu ficasse sentado para ver meu ferimento.
Ao permitir isto, ouvi sua exclamação horrorizada:
- Oh, God! Acho que precisamos de um médico.
Pensei ter entendido a sua intenção e balancei a cabeça negativamente, vigorosamente.
- É, meu amigo. Não se preocupe. Não tenho dinheiro mesmo, para chamar este tipo de ajuda. Já vi que você não vai querer gastar o seu. Vamos ter de nos virar com o que tenho em casa e rezar para que o seu organismo dê conta de recuperá-lo. Melhor deitar-se, enquanto pego água e panos para limpar esta ferida - Ficou falando comigo, enquanto pegava o material de higiene.
- Já vi que você é um homem prevenido. Carrega seu dinheiro colado ao corpo. Sua sorte, pois se aqueles ali fora soubessem disso você já estaria sem um tostão e morto a estas horas. Ainda bem que eu estava em frente à loja e vi tudo. Só não consegui segurar o malandro que arrancou a sua bolsa.
Ele parecia não dar muita atenção para o meu rosto, curiosamente.
- Agora, fique firme. Vou começar a limpar este corte e acho que vai doer.
Ele falava muito enquanto fazia o seu trabalho de limpeza. Alguma coisa eu podia entender.
Paul. Este era o seu nome. Paul havia herdado a pequena joalheria de seu pai, ourives conhecido da região. Tinha aprendido o ofício com ele, mas não tinha o seu talento. Assim, quando o pai morreu, a procura por suas jóias foi diminuindo. Agora, poucas encomendas eram feitas. Considerava-se um criador de “bijuterias” finas, sem grande valor, a preços módicos. Parecia ser uma pessoa bem humorada, falante, humilde, sem grandes aspirações na vida. Vivia o presente, sem ligar para o futuro. Conseguia uma pequena renda mensal na loja, que lhe permitia viver com simplicidade, sem extravagâncias. Só sentia não ter o suficiente para trazer a irmã caçula para viver em Dover com ele, pois se sentia muito só. Ela morava numa cidade do interior, distante uns 150 km dali, ao norte, com uma tia rabugenta, irmã de seu pai, desde que este falecera, há dois anos.
Mais uma pessoa que me tratava como ser humano. Parece que o destino resolvera compadecer-se de mim nesta nova trilha de minha vida.
Só depois de alguns dias, quando viu seu paciente em melhor estado, sentiu maior intimidade para perguntar-me sobre meu rosto. Resolvi contar-lhe a verdade. Senti que não havia necessidade de mentir para ele. E, realmente, tinha razão. Não notei pena em seu comentário, apenas um toque de tristeza por esta fatalidade.
- Deve ser difícil aguentar os olhares dos curiosos.
- O pior são os olhares que o fazem sentir-se monstruoso. Nesta minha viagem, descobri uma bela falsa explicação para este meu “defeito”. Ferimento de guerra.
- É, talvez seja uma boa opção para fugir de várias explicações.

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