segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A APOSTA

Devido a inúmeros pedidos...rsrsrs... voltei para contar mais uma estória (uma fanfic para ser mais exata) sobre o ator mais amado do mundo ( que as fãs de outros atores me perdoem, mas o nosso é sempre o melhor ). Este vai ser mais um conto onde o nome dele aparece. Gostaria muito de pedir pessoalmente a autorização do Gerry Butler para colocar o seu nome aqui, mas infelizmente não foi possível, pois ele anda muito atarefado. Espero que gostem e comentem positiva e/ou construtivamente. Até mais!




A Aposta


Depois de vários dias de reuniões incessantes com direção e produção, finalmente faltava um dia para o início das filmagens da nova realização da Austral. Hoje teriam contato direto com alguns dos atores principais para colocá-los a par do cronograma das cenas. Como viajariam para realizar as várias cenas externas dentro de uma semana, teriam de fazer o impossível para tentar rodar o máximo em estúdio nos próximos seis dias. Samantha sabia que teria muito trabalho pela frente e do habitual antagonismo que enfrentaria na equipe. Era considerada a assistente mais competente de Joseph Farrell, o conhecido produtor da Austral, mas também a mais arrogante e exigente. Sua esperança era de tornar-se sócia da produtora em pouco tempo, mas sabia que ainda teria que batalhar muito para conseguir isto. Tinha plena consciência de sua fama de antipática e do temor que despertava em seus colegas subalternos. Ossos do ofício, segundo Farrell. Ela simplesmente exigia que todos cumprissem com suas obrigações da melhor maneira possível. Talvez a sua “melhor maneira possível” fosse um nível bastante superior ao que a média dos assistentes exigia. Mas era isto que a tornava a preferida na produtora. Não podia admitir quedas de qualidade em seu trabalho.


O sinal abriu. Samantha ia ao volante do seu Smart azul a caminho dos estúdios pensando nos últimos detalhes a resolver. Chegou ao estacionamento à procura de uma vaga. Parece que todos tinham resolvido chegar antes dela ao trabalho. Quando viu o que parecia ser a última vaga, aproximou-se e, naquele instante, tocou seu celular. Parou o carro para atender, mas já fazendo sinal que ia entrar. Era Farrell que tentava esclarecer algumas dúvidas. Foi neste momento que uma BMW preta cortou a sua frente e estacionou exatamente no lugar que seria seu. Samantha não sabia se terminava sua conversa com Farrell ou se descia do carro e descompunha o homem alto,de óculos escuros e barba rente ao rosto, vestido de jeans e camiseta, que descera do carro sem nem ao menos olhar para ela. Parecia que ela não existia. Estava indignada.
- Joseph, por favor. Eu já estou aqui no estacionamento do estúdio. Poderemos continuar esta conversa em alguns minutos se você me permitir estacionar. Vou tentar achar outra vaga pois acabei de perder uma por estar ao telefone.
- Ok. Estou à sua espera – e desligou.
Ainda furiosa diante do descaso do motorista da BMW, engatou a marcha e passou a procurar uma nova vaga, que só surgiu depois de quase dez minutos de circulação. Mesmo assim, distante do estúdio, onde seria a reunião, quase um quilômetro.
Notou os cochichos dos colegas quando entrou sem cumprimentar ninguém. Certamente estariam a comentar sobre o seu atraso, o que era totalmente sem precedentes. Ela nunca se atrasava. Mais um motivo para querer encontrar o mal educado do estacionamento e enchê-lo de desaforos. Logo viu Joseph conversando com o diretor do filme, Andrew MacAlister, e... o desconhecido do BMW.
- Bom dia – saudou o pequeno grupo, secamente. Perguntava-se como não reconhecera o ator principal no estacionamento? Talvez os óculos escuros...
- Bom dia, Sam – respondeu alegremente Farrell – O que aconteceu? Perdeu-se no estacionamento?
- Não. Tive minha vaga roubada e tive que deixar o carro a quase um quilômetro daqui.
Foi então que o homem dignou-se a tirar os olhos do script que lia para olhar para ela.
- Pois eu tive uma sorte danada. Peguei uma vaga bem próxima daqui – disse ele com a maior naturalidade, fitando-a inocentemente.
- Será que o senhor não notou um Smart azul aguardando para entrar naquela vaga?
Com expressão surpresa, ele disse:
- Não me diga que era você e que estava esperando para estacionar ali?
- Por acaso, era.
- Juro que pensei que era alguém saindo. Vi que a pessoa estava falando num celular, mas não imaginei que pretendia estacionar ali. Sinto muito... – falou com aparente sinceridade.
Ela o estava fuzilando com o olhar, de tal maneira que Farrell resolveu interferir antes que alguma discussão mais acirrada surgisse. Ele conhecia bem o humor de Samantha.
- Bem, deixe-me apresentá-los. Esta é Samantha Majors, minha assistente. Este é o diretor MacAlister. Acho que vocês já se conhecem, não?
- Claro. Tudo bem, Sam? – cumprimentou-a, Andrew.
- Espero que melhore. Como vai? - respondeu polidamente.
- E este é o nosso astro principal, Gerard Butler – Farrell tentou dar ênfase nesta apresentação, na tentativa de fazê-la amenizar o tratamento dispensado ao ator escocês
- Pelo visto ela teve o prazer de me conhecer antes desta pequena reunião e não fui muito feliz neste primeiro encontro. Espero que me perdoe pelo que aconteceu no estacionamento. Não foi proposital – desculpou-se ele, abrindo um grande e sedutor sorriso e estendendo a mão para ela.
“Estes atores são todos iguais. Acham que com um sorriso destes ganham qualquer mulher. Pois ele vai ver com quem está lidando”, pensou Samantha, belicosamente.
Ela apenas o olhou friamente e respondeu:
- Prazer em conhecê-lo – respondeu, sem acolher a mão estendida e abandonada no ar – Você queria conversar comigo, Joseph? Melhor não perdermos mais tempo – continuou, lançando um rápido olhar de desprezo para Butler, e já voltando sua atenção para o produtor. Pegou no braço de Farrell e puxou-o na direção contrária à dupla, ator e diretor.
- O prazer é todo meu – respondeu ele sarcasticamente, em tom mais alto, propositalmente para chamar a atenção dela.
- Pelo jeito, você não agradou muito o braço direito de Farrell – comentou MacAlister, rindo, dirigindo-se a Gerry,
- Logo, logo ela baixa esta guarda e fica minha amiga... – respondeu Gerry.
- Acho que com esta você vai ter um pouco mais de dificuldade pelo que eu andei ouvindo por aí...
- Não estou preocupado. Vim para fazer o meu trabalho e é isso que vou fazer. Se ela gostar ou não de mim, é problema dela.
- Assim que se fala! Bem, que tal conversarmos sobre as primeiras cenas que serão rodadas amanhã?
- Para mim está ótimo. Inclusive tenho algumas sugestões...


Enquanto Gerry e MacAlister acertavam seus primeiros passos, Samantha e Joseph tinham sua conversa em particular.
- Espero ter esclarecido as suas dúvidas, Joseph – disse ela.
- Sem dúvidas. Como sempre você está realizando um trabalho perfeito. Só estou preocupado com o tempo em Breckenridge. Estão prevendo fortes nevascas para a próxima semana.
- Eu já entrei em contato com o centro de meteorologia e eles disseram que a possibilidade de tempestades ainda é remota. O mais provavel é termos apenas neve suficiente para belas imagens. Na maior parte do tempo há previsão de sol e céu azul. Não tem com o que se preocupar. Olhe, vou ver se as roupas já chegaram e se o catering deu sinal de vida. Qualquer coisa, volto a falar com você.
- Sam, só uma coisa...
- O que foi?
- É a respeito do mal estar surgido entre você e o Gerry...
- Nem estou pensando mais naquele mal-educado.
- É exatamente este tipo de pensamento que eu quero evitar. O Gerry é um grande amigo nosso, também está investindo em produção e já pensamos em trabalhar juntos em co-produções no futuro próximo. Assim, por favor, pega leve com ele.
- Joseph, não se preocupe. Não pretendo fazer nada contra ele... A não ser que ele queira passar na minha frente de novo, como fez hoje.
- Sam...
- Não se preocupe. Estou brincando. Vou fazer o possível para que ele não perceba que eu o odeio – disse rindo, querendo passar a impressão de que não estava dando importância ao que ocorrera.
Na verdade, não gostara dele mesmo e esperava que ele não tentasse interferir no trabalho dela, caso contrário...
- Não brinque. Isto é sério.
Joseph sabia dos problemas já enfrentados por Samantha e que a tinham levado a tornar-se tão amarga em seus relacionamentos pessoais e tão obsessiva em seu trabalho. Eram poucas as pessoas que faziam parte do seu círculo de amizades e menos ainda as que sabiam de seus problemas.
Ela lançou um beijo imaginário para ele e acenou um até logo.
Até o final do dia, Gerry e ela não se cruzaram mais.


O primeiro dia de filmagens chegou tenso e movimentado. O trabalho dos maquiadores, figurinistas, auxiliares e pessoal do catering começara desde muito cedo. À medida que os atores que filmariam naquele dia chegavam eram encaminhados aos seus camarins para o trabalho de caracterização. Alguns ainda decoravam seus textos.
Como sempre, com a exceção ocorrida no dia anterior, Samantha foi uma das primeiras a chegar. Acabara de servir-se de uma xícara de café, pois não tivera tempo de tomar em casa, quando Gerry chegou. Enquando ele andava apressado para o seu camarim, não percebeu que, em sentido contrário, vinha alguém caminhando praticamente de costas, distraída com os cochichos que percebera entre alguns funcionários da direção. Tarde demais ela virou-se para olhar para frente. Já dera um forte esbarrão em Gerry, derrubando todo o conteúdo de seu copo de café na camiseta branca e na calça jeans dele.
- Ei! – gritou ele surpreso – Olhe por onde anda!
- Oh! Desculpe – exclamou também pega de surpresa e, logo maldizendo-se ao ver quem tinha sido sua vítima.
- Você fez de propósito por causa de ontem, não? Eu já tinha pedido desculpas...
Ao dar-se conta do que ele estava sugerindo, retorquiu imediatamente:
- Você não acha que eu tenho mais o que fazer do que ficar criando “vingancinhas” contra motoristas mal-intencionados?
- Motoristas mal-intencionados? Quem? Eu? Olhe o que você fez com a minha roupa, sua mal-humorada. Ainda por cima era um café com creme... – falava enquanto percebia o estado em que ficara sua roupa e o rastro de creme que descia de sua cintura até a coxa direita, sobre o jeans.
Samantha olhou-o e teve vontade de rir do estado em que ela o tinha deixado, mas segurou-se, pois achou que ele poderia bater nela, com a raiva que deixava transparecer naquele momento. Lembrou-se também das palavras de Joseph no dia anterior. Não queria causar mais problemas.
- Olhe, eu não tive a intenção – desculpou-se secamente, já procurando com os olhos algo que pudesse servir para limpá-lo.
Logo detectou um pano vermelho jogado sobre uma cadeira próxima a eles e pegou-o para dar início à limpeza. Enquanto ele olhava zangado os movimentos de Samantha, também notou as manchas vermelhas que passaram a se formar a medida que ela esfregava o pano em sua camiseta e calça.
- Você está fazendo de propósito ou você é louca mesmo?
Só então ela percebeu o que estava acontecendo e corou. Não sabia o que dizer.
- Se você continuar falando comigo desta maneira... Aaah! Que ódio!
Ela estava à beira do desespero, quando viu uma das auxiliares da limpeza aproximar-se.
- A senhorita está precisando de ajuda?
- Por favor, ajude-me a limpar este senhor. Acho que piorei a situação usando este pano vermelho.
- Ah, isto! Um dos maquiadores esqueceu este pano com sangue falso aqui. Não se preocupe que ele sai ao lavar. Pode deixar, senhor Butler. Já consigo roupas limpas e mando sua roupa para a lavanderia – falou prontamente a funcionária.
- Bem, ao menos alguém que sabe o que fazer nesta situação, apareceu – disse, olhando diretamente para Samantha, com expressão raivosamente sarcástica.
Samantha estava desolada. Não sabia o que dizer. Viu Gerry olhá-la com desprezo e voltar-se em direção ao seu camarim, para onde andou pisando duro.
Percebeu os olhares de escárnio do mesmo grupo que a havia distraído instantes antes e sentiu-se muito mal. Tinha vontade de chorar. De repente, sentia-se sozinha e odiada. Isto nunca a tinha incomodado antes. Por que agora tinha esta sensação? Não. Não deixaria tripudiarem dela. Ergueu a cabeça e dirigiu-se ao grupo.
- O que há com vocês? Não tem nada para fazer? - eles pararam de falar e a olharam surpresos - Neste caso são totalmente dispensáveis e vou relatar ao senhor Farrell para sua demissão imediata.
- Calma, Samantha. Já estamos indo, “senhora”. Não precisa ficar tão brava – disse o mais engraçadinho deles em tom irônico - Vamos, pessoal. Vamos trabalhar.
Ela ainda pode ouvir quando um deles disse em baixo tom de voz:
- O show acabou... Que pena... Gostei deste Butler. Ele sabe como lidar com ela.
Samantha cerrou os dentes e controlou a vontade de jogar-se sobre eles.
- Sam! – gritou a voz de Joseph às suas costas, fazendo-a voltar à razão – O que está acontecendo aqui?
- Nada, a não ser um lastimável incidente.
- Que incidente? – perguntou com ar preocupado.
- Eu derramei, acidentalmente, café sobre o Butler. Juro que foi acidental, mas ele ficou achando que foi por vingança devido ao que ocorreu ontem no estacionamento.
- Acidental, mesmo?
- Nem você acredita em mim? – estava indignada com a dúvida de Joseph – Você sabe que eu não sou destas coisas.
- Está bem. Eu acredito em você. Vou falar com ele. E melhore esta cara. Você está péssima.
- Obrigada...
Separaram-se e a manhã continuou com suas atividades normais, ou seja, horas de agitação, estresse e... uma certa dose de diversão. Gerry era extremamente profissional, mas também muito brincalhão.Depois de superar o incidente com Samantha começou seu trabalho como se nada tivesse acontecido. Parecia nunca estar cansado e sempre que podia brincava com as situações que surgiam. Isto tornava o ambiente mais leve que o habitual. Só quem se mantinha sem mostrar os dentes era Samantha.
Finalmente chegou a hora do intervalo para o almoço. Algumas pessoas resolveram rejeitar o almoço oferecido nos estúdios e sair para os pequenos restaurantes próximos.
Foi para um bistrô, que oferecia alimentação natural, que Gerry e mais três técnicos da equipe de filmagens deslocaram-se, conversando animadamente. Para surpresa dele quando entrou, logo deu de cara com a presença de sua mais nova "inimiga". Samantha. Ela estava distraída lendo um livro, aparentemente aguardando o seu pedido, bebericando uma diet coke. Estava sozinha.
Eles sentaram-se numa mesa do outro lado do salão e imediatamente começaram a falar dela.
- Vocês viram a “chata” lá do outro lado? – perguntou um deles.
- O Gerry já experimentou a chatice da “bruxa”, não?
- Vocês já a conheciam antes desta filmagem? – perguntou Gerry, olhando para o lugar onde Samantha estava sentada.
- Já. Ela é o braço direito do Farrell. Ele é um cara muito legal. O mesmo não se pode dizer dela.
- Alguém já tentou fazer amizade com ela? – perguntou, imaginando o que a teria feito ficar com esta fama - Ela é uma mulher bonita, parece ser inteligente... Talvez ninguém tenha tentado conhecê-la melhor.
Aparentemente Joseph Farrell tivera esta oportunidade e se dava muito bem com ela. Não devia ser má pessoa. Este foi o pensamento de Gerry.
- Parece que temos alguém interessado nela... – disse Lee, um dos responsáveis pela iluminação, rindo logo em seguida.
- Não fale bobagem – replicou Gerry – Apenas fico curioso sobre os motivos para uma pessoa tão jovem ser tão ...
- Abominável é o termo exato – completou Lindsay, a maquiadora.
- Mas o que ela tanto faz para vocês pensarem tão mal dela assim?
- Ela vive pegando no pé de todo mundo, cobrando horário, como se fosse a madre superiora de um colégio de freiras – respondeu Lee.
- Na verdade ela faz a parte ruim do trabalho do Farrell. Por isso todos a odeiam. Ele tem consciência disso, por isso a trata tão bem. Pelo menos é o que parece – continuou Lindsay.
- Mas não precisava ser tão antipática. Na primeira vez que a vi, durante uma outra produção da Austral, até a achei interessante e tentei me aproximar. Sabe como é. Não resisto a uma mulher bonita e poderosa – confessou Steve, assistente de direção.
- E aí, como foi? – Gerry começava a ficar mais curioso sobre a “chata”.
- Depois de receber o maior fora da minha vida, passei a ser pisoteado e humilhado em todas as oportunidades possíveis.
- Talvez você não tenha sabido dar a cantada certa – comentou Gerry irônicamente.
- E você acha que saberia dar uma cantada melhor e conseguir a atenção da “bruxa”? – perguntou Linday, com olhar sedutor.
- Talvez... – disse com um sorrisinho matreiro nos lábios.
- Pois eu aposto que você vai levar o maior fora – reagiu Steve.
Gerry deu uma sonora risada, achando graça no desafio do assistente.
- Que tal fazermos uma aposta de verdade. Tipo, apostar que você consegue conquistar a “bruxa” em...15 dias. Temos que levar em conta que ela é “osso duro de roer”. O que acha, Lee? – perguntou Lindsay, maldosamente.
- Se o Gerry topar, está apostado – respondeu Lee.
- Quem sabe? – falou Gerry e já levantou-se da mesa.
- Você vai falar com ela agora? – perguntou o iluminador admirado com a coragem de Gerry.
- Vou sondar o terreno antes de topar uma aposta destas.
- Esta eu quero assistir de camarote... – disse rindo a maquiadora, tentando fazer um charminho para o belo homem que acabara de levantar-se à sua frente.




Logo, logo, voltarei com a continuação de " A Aposta".
Beijos!

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XXIII

No dia 31 de Outubro de 1872, embarcávamos no navio a vapor “Douro”, da Royal Mail, com escalas em Lisboa, Madeira, São Vicente, Pernambuco e Bahia, e finalmente no Rio de Janeiro. Era um navio imponente, equipado com uma única hélice e com chaminé inclinada. Seu casco era de ferro, com dois mastros com velas auxiliares. Ele fazia esta rota desde Dezembro de 1864, sendo muito seguro.
Paul acompanhou-nos até Southamptom para o embarque. Infelizmente ele não estaria presente em nossa cerimônia de casamento. Catherine e eu havíamos resolvido pedir ao Capitão Kemp, comandante do “Douro” que realizasse nossa união a bordo do navio, durante a viagem.
Em meio a acenos, lágrimas e o som ensurdecedor do apito do grande vapor, partimos rumo ao Rio de Janeiro, com a esperança de que em breve pudéssemos enviar boas notícias para Londres.
Olhei mais uma vez para a minha amada Cathy, como o faria ainda por milhares de vezes, com a brisa marítima a bater em meu rosto, pensando que agora finalmente o medo desaparecera e o novo Erik assumia uma nova existência. O Fantasma finalmente era sepultado. Não nos porões da Ópera, mas em pleno alto mar. “Que descanse em paz”.



Epílogo

CARTAS
Carta de Mme Giry para Erik:
“Meu caro Erik,
Consegui o seu endereço com o gerente do Banco da Inglaterra, através do qual tenho recebido a sua generosa mesada há seis meses. Gostaria que soubesse que relutei em aceitar estes francos, pois não temos dívidas entre nós. Logo estarei estornando os próximos depósitos para sua conta. De qualquer forma, quero prestar contas do que fizemos com o dinheiro utilizado. Com ele, Meg pôde alugar um local melhor e amplo para a sua escola de dança, que por sinal tem cada vez mais alunas. Quanto a mim, continuo meu trabalho no “Folies Bergére”, que está fazendo muito sucesso entre os cavalheiros da alta sociedade, o que se refletiu em minha remuneração. Sendo assim, agradeço-lhe de coração sua preocupação com nossas finanças, mas garanto que sua ajuda não será mais necessária.
Espero que me perdoe por invadir sua privacidade, mas precisava avisar-lhe sobre um acontecimento que poderá por em risco a sua segurança. O fato é que Raoul fará uma viagem a Londres no próximo dia 3 de Novembro, para tratar de negócios de família. Irá sozinho, já que Christine encontra-se a cuidar de seu filho de três meses, Gustav.
Receio que ele o reencontre acidentalmente. A polícia francesa suspendeu todas as buscas, depois da notícia da morte do “Fantasma”, mas persisto temerosa de que alguém o reconheça, desconfie do embuste e o denuncie, reabrindo, assim, o processo judicial.
A par de tudo isto, quero que saiba que desejo imensamente que você tenha encontrado a paz interior que tanto almejava.
De sua amiga,
Annie Giry”


Carta de Erik para Mme. Giry, enviada 6 meses após sua ida para o Brasil:
“ Minha cara Annie,
Venho por meio desta tranquilizá-la sobre minha atual situação. Sinto não ter escrito antes para agradecer-lhe sobre seu aviso a respeito da visita de Raoul. A partir de sua carta, fui obrigado a tomar decisões desesperadas, que acabaram por determinar uma venturosa mudança em minha vida. Como pode ver pelo selo desta missiva, estou residindo na capital do Brasil, Rio de Janeiro. Vim para cá com minha esposa, minha amada Catherine, irmã de Paul Marback, para iniciar uma vida nova. Estou dando continuidade à sociedade que comecei com Paul em Dover, no ramo da ourivesaria, expandindo nosso negócio, que a cada dia torna-se mais rentável e próspero. Aqui, estamos construindo um verdadeiro lar, que em breve terá mais um membro. Catherine e eu aguardamos o nascimento de nosso primogênito, com muita alegria. Este jovem país tem se mostrado um lugar surpreendente em todos os sentidos.
Espero que você e Meg encontrem-se bem e que saibam que tem em mim um amigo leal, sempre pronto a ajudá-las no que precisarem.
De seu amigo,
Erik”


FIM

Finalmente chegamos ao fim do ERIK. Para quem já conhecia a estória, agradeço imensamente pela releitura. Para quem leu pela primeira vez, se é que houve alguém, por favor, manifeste-se. A minha maior alegria depois de escrever, é poder ter este retorno dos leitores, para saber se gostaram ou não. Por isso, mais uma vez, peço seus comentários.

Espero voltar logo com minha próxima estória. Não vai ser um livro como o Erik. Ele está mais para um conto, mas com certeza será um romance...



terça-feira, 25 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XXII

- Você não está pensando em fugir daqui? Está? – perguntou-me Paul, preocupado.
- Parece que a história se repete. Pensei por um tempo que as coisas estavam estabilizadas, mas agora vejo que foi só por um curto período. Mesmo que Raoul não me encontre, sempre haverá a possibilidade de que outra pessoa me reconheça e me denuncie. Aqui ou em outro lugar da Europa.
- Você está pensando em mudar de continente?
- Talvez. É uma possibilidade. Lembra daquele comerciante de pedras que vive fazendo a rota para o Brasil? Lá tem um mercado de ouro, prata e pedras preciosas importante. É uma monarquia independente, pronta para ser explorada, com uma burguesia em ascensão, pronta para consumir produtos que os diferenciem das classes inferiores, entre estes indumentárias e jóias. Sem contar com a aristocracia local que deve sentir falta dos requintes das cortes européias.
- O que você quer dizer com tudo isso? Está pensando em abrir uma filial das Joalherias Marback no Brasil?
- Para ser mais preciso, no Rio de Janeiro, que é a capital do Brasil. Eu continuaria a mandar-lhe as minhas idéias para a confecção de novas jóias. Talvez pudéssemos adquirir materiais de qualidade a preços mais baixos. Eu passaria a ser nosso próprio fornecedor. O que acha?
- Erik, como você consegue, em meio a todo este problema, visualizar uma saída estratégica, que ainda por cima poderá nos trazer lucros. Sem falar que continuaríamos nossa sociedade.
- Exato.
- Falando deste jeito, parece muito animador. Teria que pensar um pouco.
- Não tenho muito tempo. A pessoa em questão deverá chegar em menos de 10 dias. Este será o tempo máximo que teremos para resolver minha partida e os negócios.
- E Catherine? Você poderia esperar a data do casamento e partir depois.
Senti um peso descendo sobre o peito ao lembrar a reação dela.
- Isso se ela ainda me quiser. Não quero sacrificá-la numa aventura a um país distante, deixando-a longe de você e de tudo que ela mais aprecia. Por enquanto, não conte nada a ela. Não quero forçar nenhuma atitude impulsiva. Deixe-a resolver se ainda me ama como antes e se vale à pena ficar comigo nestas condições.
- Ainda acho que você está sendo precipitado, mas posso entender o seu receio.
- Não posso arriscar a perder tudo que conseguimos até aqui, Paul. Jurei a mim mesmo que não deixaria isto acontecer.
- Está bem. O que você pretende fazer de imediato?
- Soube que aquele mercador, de quem falei, está em Londres. Vou procurá-lo e obter mais informações sobre a situação no Rio de Janeiro e sobre os navios que partem da Inglaterra esta semana.
Despedi-me de Paul. Ainda olhei na direção do quarto de Catherine, na esperança de vê-la com uma decisão a nosso respeito, o que infelizmente não ocorreu.
Consegui localizar o senhor Jackson em um pequeno hotel em Southwark. Conversamos muito a respeito de meus planos e suas palavras só serviram para fortalecer a minha convicção de que deveria partir naquela aventura. Ele poderia estabelecer ligações entre mim e os comerciantes locais a fim de que eu pudesse iniciar meu estabelecimento no Rio de Janeiro.
Ele próprio estaria embarcando de volta ao Brasil dentro de uma semana, no porto de Southampton, a cerca de 110 quilômetros ao sul do país. Poderíamos seguir juntos, se eu realmente estivesse disposto a investir nesta idéia. Ele me forneceu nomes de outros conhecidos no ramo da ourivesaria, residentes em Londres, que poderiam informar-me melhor a respeito do Brasil e as vantagens de realizarem-se negócios por lá.
Começava a ficar animado com a idéia de iniciar vida nova naquele jovem país. Seria melhor ter mais tempo para definir todas as questões, prós e contras de uma resolução como aquela, mas não tinha. Resolvi que o dia seguinte seria utilizado para alicerçar melhor meu plano, de forma a poder convencer Paul desta minha empreitada. Segui para casa bastante excitado com tudo que tinha ouvido de Jackson, mas com o coração apertado pela possibilidade de perder aquela a quem eu propusera amor infinito.
Ao atravessar a porta da entrada, procurei em vão a presença de Catherine. Será que ainda estava recolhida em seus aposentos?
- Senhor Erik?
- Sim, Emma?
- O senhor Paul pediu-me que o avisasse que ia jantar fora esta noite. A senhorita Catherine não está bem disposta e disse que não vai descer para jantar. Posso servi-lo agora?
Parece que estaria sozinho naquela noite.
- Não, Emma. Não se preocupe comigo. Estou sem fome. Mary Ann e você estão liberadas por esta noite. Até amanhã.
- Posso ajudá-lo em alguma coisa? O senhor parece um pouco abatido. Se precisar de qualquer coisa é só chamar que estarei ao seu dispor.
- Obrigado por sua preocupação, mas realmente só estou um pouco cansado. Nada mais. Boa noite.
- Boa noite, senhor.

Ao chegar ao primeiro piso, fui até a porta do quarto de Catherine. Ali fiquei parado alguns longos segundos, pensando se deveria bater e conversar com ela. Porém, faltou-me coragem para isso. Não queria forçá-la a nada. Finalmente, tomei a direção de meu sótão. Livre de meus trajes e de minha máscara permaneci um bom tempo sentado, junto a janela de meu quarto, vendo as luzes dos lampiões de Londres a flamejarem e a névoa começando a tomar conta das ruas. Enquanto isso, tentava tirar Cathy de minha cabeça e concentrar-me em todos os acertos que teria de fazer para poder partir dali o mais breve possível, deixando meu sócio em boa situação até organizar meu estabelecimento no Rio. O tempo era curto, mas intimamente sabia que havia grande chance de toda esta loucura dar certo.
Fui subtraído de minhas reflexões, por uma batida leve na porta. Senti minha pulsação acelerar-se ao abri-la e deparar-me com Catherine, vestida apenas com uma camisola branca, ligeiramente transparente, parada a minha frente, corada como se estivesse febril.
- Catherine! O que houve? Você está bem?
- A-acho que sim. Posso entrar? – sua voz era tremula.
- Não acho muito adequado.
- Não estou preocupada com o que é adequado ou não. Só sei que preciso falar com você agora.
Nestas últimas palavras, já parecia mais segura. Entrou, fechando a porta atrás de si.
- Venha, sente-se aqui – falei apontando-lhe a poltrona onde eu estava sentado até a pouco e já puxando uma cadeira, de forma a ficarmos frente a frente. Porém, ela preferiu manter-se de pé.
- Parece que sou sempre eu que o procuro para expor meus sentimentos. Às vezes isso me preocupa.
- Meu bem, a pouco quase invadi o seu quarto para falar-lhe, mas desisti ao pensar que poderia estar forçando você a uma decisão prematura. Quis dar o tempo que você pediu, depois de ouvir minha lúgubre história, hoje à tarde.
- Já tive tempo suficiente para pensar e decidir o que quero. Esta decisão está tomada há muito tempo. Desde o dia em que o conheci e tive certeza de que você era o homem da minha vida. Nada vai fazer mudar este sentimento dentro de mim. Não vou mentir e dizer que não fiquei chocada com o que ouvi. Por isso pedi um tempo para refletir sobre tudo. Nestas últimas horas, a admiração que tinha por você só cresceu, fortalecendo ainda mais o meu afeto. Você poderia ter se deixado levar por toda aquela loucura em que estava envolvido, mas não. Conseguiu lutar contra os piores sentimentos e sobreviver, libertando a pessoa empreendedora, amável e sensível que é hoje. Esta pessoa que eu amo mais que tudo. É este Erik que eu quero ter ao meu lado para sempre.
- Cathy...
Mal podia crer no que acabara de ouvir. A emoção tomou conta de mim. Enlacei-a em meus braços, estreitando-a junto a mim, inalando seu perfume e deixando o desejo tomar conta de meus sentidos. Experimentei seus lábios carnudos e macios, aumentando minha pressão sobre eles, sentindo o gosto e o calor de sua boca até ouvi-la gemer baixinho. Suas mãos me acariciavam ansiosas. As formas delgadas de seu corpo amoldavam-se ao meu, provocando uma onda de calor arrebatadora. Por um momento, tentei frear os anseios de possuí-la, mas fui barrado pelo seu olhar intenso que implorava para que eu continuasse, ao mesmo tempo em que deixava deslizar as mangas de suas vestes pelos ombros, deixando entrever seus seios perfeitos, de mamilos róseos e enrijecidos, exigindo carícias e beijos. Logo, a camisola deixou-se escorregar por inteiro, expondo o paraíso diante de meus olhos. Não podendo mais resistir, tomei-a nos braços e levei-a para o leito. Sentia seu corpo tremer de prazer, quando iniciei a exploração de seus contornos sinuosos com as mãos. Despido, pude unir pele a pele, brasa com brasa e terminar por possuí-la cuidadosa e completamente, em meio a gemidos, suspiros e palavras de amor. Nunca experimentara tais sensações, de um prazer indescritível, impossíveis de traduzir em palavras. Um torpor delicioso tomou conta de meu corpo e de minha mente. Caímos preguiçosamente, lado a lado, expressões serenas e agradavelmente cansadas. Abracei-a, para prolongar o prazer de sentir seu calor e sua doce respiração junto a mim. Gostaria que aquele momento se eternizasse.
O dia amanheceu resplandecente. Sentia meu espírito rejuvenescido e pronto a enfrentar quaisquer dificuldades que pudessem surgir.
Fiquei observando aquele belo rosto adormecido por um bom tempo, com medo de acordá-la e desfazer o encantamento.
- Bom dia – falei ao ver seus lindos olhos azuis abrirem-se de encontro aos meus.
- Bom dia, meu amor – cumprimentou-me com ternura – Já amanheceu?
- Sim.
- Talvez seja melhor ir para o meu quarto. Não vai ficar bem o Paul ou a Emma descobrirem que nós... Bem...Você não acha? – sua fala parecia a de uma menina travessa que acabara de roubar um doce.
- Acho – disse, enquanto acariciava e afastava os cachos de seus cabelos que insistiam em cair-lhe sobre a face.
- Com você me olhando desse jeito fica difícil. Faz-me pensar em bobagens.
- Está bem. Tem razão. Não vai ficar bem para mim se a pegarem aqui.
- Seu bobo – sorriu faceira e, enrolando-se nos lençóis pudicamente, foi procurar a camisola que deixara cair no chão do quarto, horas antes. Assim que a encontrou, vestiu-a e voltou ao meu encontro para despedir-se.
- Nos encontramos no café?
- Pode estar certa disso – falei, já retribuindo o beijo carinhoso que me oferecia.
Apreciei cada passo seu até vê-la fechar a porta cuidadosamente, olhando para todos os lados, sorrateiramente, antes de sair.
Apressei-me em vestir-me para o café, a fim de encontrar Paul antes de Catherine. Eu lhe pediria que não contasse nada sobre meus planos para ela. Pelo menos por enquanto.
Hoje teria a oportunidade de novos contatos para apaziguar as dúvidas de meu sócio.
Se tudo desse certo, em 6 dias estaria partindo de Southamptom, a caminho de um país exótico chamado Brasil.

- Não há problema, Erik. Você vai buscar mais dados para embasar nosso negócio, enquanto vou para a joalheria com Catherine. Ficamos de receber os interessados na vaga de atendente e entrevistá-los hoje pela manhã. Ela vai ajudar-me nesta tarefa, pois ninguém melhor do que a antiga funcionária para avaliar os candidatos.
- Sem dúvida.
- Bom dia, rapazes! – cumprimentou-nos alegremente.
- Ora, vejo que tivemos uma boa noite de sono. Está linda, minha irmã.
- É... Deve ter sido a longa noite de sono.
Pude ver suas maçãs do rosto corando-se intensamente, provavelmente ao relembrar a noite anterior.

Dois dias passaram-se e a minha certeza de que abriríamos um bom negócio no novo mundo só aumentara. Chegara a hora de contar a Catherine sobre meus planos. Reunimos-nos naquela noite, como sempre, após o jantar.
- Cathy, você sabe que está para chegar a Londres uma pessoa que pode me reconhecer e arruinar tudo o que conquistei até aqui.
- Sim...
- Bem. Desde que soube disso, eu venho pensando numa maneira de evitar que isto ocorra a qualquer custo, pois além de prejudicar-me fatalmente, acabaria com a sociedade que tenho com Paul. Infelizmente, não posso continuar a viver na Inglaterra ou em outro país europeu, pelo maior risco de ser encontrado e caçado neste continente, já que as pessoas que mais me odeiam são da nobreza e, portanto, pessoas com livre transito nos países em questão. Não quero arriscar nada. Por isso, a melhor saída mostrou-se como sendo a ida para o Rio de Janeiro, no Brasil.
¬- Brasil? – perguntou espantada.
- Sim... Brasil. Lá teremos, não só o esconderijo ideal, mas também uma opção de mercado para as Joalherias Marback. Talvez um pouco precocemente, mas com perspectivas muito grandes de expansão. Lá existe a matéria prima e mão de obra a custos menores que aqui. Além disso, existem rotas de navegação quinzenais que ligam o Brasil à Inglaterra, facilitando a comunicação entre os dois países. Eu poderia continuar enviando meus desenhos para Paul, mantendo a criação de jóias exclusivas, além de eliminar os intermediários na compra de vários elementos como ouro, prata e pedras preciosas.
O próximo navio rumo ao Rio de Janeiro sai dentro de quatro dias, do porto de Southamptom.
Catherine permanecia estática em sua poltrona, com o olhar perdido, provavelmente imaginando os horrores que poderiam aguardá-la em um lugar, considerado selvagem, como a América do Sul.
- Cathy, você não é obrigada a vir comigo. Podemos nos casar antes de minha partida e combinar o meu retorno a cada três ou quatro meses.
- Três ou quatro meses?
- Cathy, muitos casais vivem assim. Não é o ideal, nem o que eu gostaria, mas infelizmente não tenho alternativa melhor. Sinto muito ter que colocá-la nesta situação de escolha mais uma vez.
- Você prefere que eu fique aqui com Paul?
- Não, claro que não. Você sabe como eu a amo e como seria penoso para eu ter que me separar e vê-la esporadicamente.
- Então, está resolvido!
-Como assim? O que quer dizer?
- Você não pensou que fosse se livrar de mim tão fácil, pensou? – disse, olhando-me de um jeito malicioso.
- Catherine... Você caiu diretamente do céu para a Terra.
- Além do mais, sempre sonhei em realizar uma aventura como esta, numa terra distante. Vai ser maravilhoso satisfazer este sonho com você ao meu lado.
Dizendo isto, selou meus lábios com um beijo caloroso, para desconcerto de seu irmão.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XXI

Passados três dias do nosso noivado, Paul e Erik iniciaram as entrevistas com os candidatos a minha vaga na joalheria. Agora eu estaria ocupada em fazer o meu enxoval e não poderia ficar o tempo todo para atender aos clientes.
Mary Ann vinha desempenhando suas funções de forma competente.
Naquela manhã, eu estava a fazer a lista de compromissos a cumprir, quando soou a campainha.
- Senhora Emma!
- Bom dia, senhorita Catherine. Perdoe-me por importuná-la. Prometo que depois de hoje nunca mais me verão.
- Por favor, Emma... Posso chamá-la assim?
- Claro, senhorita.
- Entre, por favor. Estávamos preocupados, esperando que a senhora retornasse a nossa casa. Erik queria muito saber de seu estado, depois de tudo que aconteceu. Paul, inclusive foi até Whitechapel para obter informações sobre o que teria ocorrido após a chegada da polícia. Infelizmente, soubemos do que aconteceu com Charles.
- Ele teve o fim que procurava. Era meu filho, mas devo reconhecer que era de péssima índole. Jamais acabaria bem. Por pouco ele não acaba comigo, não fossem os policiais.
Uma lágrima insistiu em correr pela face triste, enrijecida pelo sofrimento.
- Todos nós lamentamos muito tudo isso.
- Senhorita, na verdade eu voltei hoje para pegar o resto de minhas coisas que ainda ficaram aqui. Mary Ann está servindo bem aos senhores?
- Sim, claro. É uma ótima moça. Mas para onde a senhora vai? Já tem outro emprego?
- Enterrei o corpo de Charles ontem, depois que a polícia o liberou. Não cheguei a procurar nada. Tenho alguns parentes distantes, que moram no interior. Talvez precisem de alguém para ajudar nas coisas da casa, na roça.
- Emma, não vejo motivo para que você vá embora. Tenho certeza que falo em nome de todos os moradores desta casa. O que aconteceu não foi culpa sua. Além do mais, é muito difícil arrumar uma governanta dedicada como você. Mary Ann poderá continuar e ajudá-la no serviço doméstico. Há algum tempo, antes desta fatalidade toda ocorrer, já tínhamos discutido a necessidade de mais alguém para ajudá-la.
- Oh, senhorita, é muita bondade, mas não tenho certeza se isto é correto.
- Emma, eu li a sua carta e sei o quanto já sofreu. Por isso, não recuse a nossa oferta.
- Nem sei como agradecer. Deus a abençoe.
= Eu é que devo lhe agradecer por ter salvado a vida de Erik. Tenho uma grande dívida com você.
- Eu não poderia deixar nada acontecer a ele, depois de tudo que fez por mim. Bem, senhorita Catherine, vou para o meu quarto preparar-me para o trabalho. Mais uma vez, muito obrigada.
Pobre mulher. Certamente Paul e Erik concordariam com a minha atitude. Contaria tudo a eles na hora do almoço.
Pouco antes de eles chegarem, a campainha tocou mais uma vez.
“O dia hoje está movimentado” – pensei, ao abrir a porta e receber uma carta endereçada a Erik, originária de Paris, das mãos de um mensageiro. Depois que este se foi, fiquei a revirar o envelope, tentando imaginar o conteúdo da mensagem. O remetente era uma mulher. Annie Giry. Quem seria ela? Pela primeira vez tive real curiosidade pelo passado de Erik.
Antes de o almoço ser servido, contei-lhes sobre a presença de Emma naquela manhã e a minha resolução de mantê-la como nossa governanta. A minha decisão foi totalmente bem vinda, bem como a própria Emma, quando surgiu para organizar a mesa de refeições. Mais uma vez, Erik agradeceu-lhe por ter salvado sua vida e prestou suas condolências.
Decidi entregar a correspondência mais tarde, após a refeição.
Ele me pareceu nervoso ao ver o nome daquela mulher. Pediu licença e subiu para o seu quarto para ler a carta. No fundo, senti-me rechaçada e magoada por ele ter preferido ficar só para abrir aquele envelope misterioso. Eu não fazia parte daquele canto obscuro na vida de Erik, o que me fez ter um pouco de ciúme. Eu o queria por inteiro. Talvez eu devesse conhecer toda a sua história, por mais escabrosa que ela fosse.
- Em que está pensando esta cabecinha? Que idéias fantasiosas estão se passando aí dentro? É possível penetrar em seus pensamentos?
- Ora, Paul. É claro que estou curiosa. O que você sabe sobre ele, Paul? Você sabe quem é essa Annie Giry?
- É uma amiga de Erik. Não se preocupe. Eles não têm nenhuma ligação amorosa, se é isso que a está preocupando.
- Não é bem essa a minha preocupação, Paul. É que estou me sentindo meio que excluída. É difícil de explicar.
- Nós havíamos dito a ele que seu passado não importava, Cathy. Você vai mudar de idéia?
- Ela tem razão, Paul
- Erik!
Ele vinha descendo as escadas silenciosamente e entrou na sala do piano.
- Acho que chegou a hora de contar a vocês sobre o meu passado.
- Porque isso agora? O que diz esta carta?
- Ela é de Mme Giry. Você a conheceu, lembra?
- Claro. Como ela descobriu o nosso endereço?
- Através do banco onde deposito uma quantia mensal em seu nome, como eu havia lhe dito que faria. Annie está me avisando que Raoul está a caminho de Londres para resolver alguns negócios de família.
- Mas o que pode acontecer? Tem medo de cruzar com ele por aí? Londres é muito grande, Erik. Seria muita coincidência encontrá-lo.
- Ele sabe o seu nome. A nossa joalheria é muito conhecida nas altas rodas. Se ele souber da fama das jóias, talvez fique curioso em conhecer, ligando o nome à sua pessoa.
- Alguém pode me explicar quem é esta pessoa de quem vocês estão falando? – falei, pois até aquele momento eu estava me sentindo um espectro, a quem não olhavam ou dirigiam a palavra.
- Desculpe, querida, mas vou contar tudo a vocês. Todo este meu passado que continua a assombrar minha vida. Paul já conhece uma pequena parte desta história, pois ele foi um elemento importante num plano para proteger-me e resgatar a minha tranquilidade para poder refazer meu destino.
Erik foi até a porta da sala para verificar se realmente estavam a sós e se a porta estava bem fechada. Só então voltou a falar:
- Por favor, sentem-se e, depois que eu terminar, façam o seu julgamento.
Senti medo pelo que ouviria a seguir, mas consegui dizer-lhe:
- Ninguém está aqui para julgá-lo, Erik. Só para compreendê-lo e ajudá-lo a virar esta página definitivamente.
- Assim eu espero, Catherine. Assim eu espero.
A partir daí, o homem que eu amava iniciou a narrativa da sua história. A história do Fantasma da Òpera, como ele próprio se autodenominou.

Estava penalizada, chocada e, ao mesmo tempo solidária com o narrador e a história que acabara de ouvir. Diversos sentimentos e sensações debatiam-se como as ondas do mar em rochedos durante uma tempestade. Este era exatamente o efeito que a descrição de Erik havia deixado em mim. O de uma tempestade violenta. Sentia a preocupação no seu olhar e o medo de perder o meu amor.
Olhei para Paul, que parecia ter assimilado tudo sem maiores problemas. Dele vieram as primeiras palavras de apaziguamento para Erik.
- Meu amigo, eu já esperava uma história de vida bem complicada, mas como havia sido falado antes, vou continuar aqui, ao seu lado, para ajudá-lo a virar esta página infeliz de uma vez por todas. Nada disso vai mudar o meu modo de encará-lo. Pode continuar contando com o seu amigo aqui.
- Obrigado, Paul. Pode ter a certeza que jamais terá motivos para arrepender-se dessa sua posição.
Seu olhar novamente voltou-se para Catherine. Parecia relutar em perguntar-lhe qualquer coisa.
- Catherine?
Demorei alguns segundos para encontrar as forças para responder-lhe, mas finalmente consegui articular as palavras:
- Erik, eu ainda estou tentando colocar os pensamentos em ordem. Não está sendo fácil. Vou precisar de um tempo. Acho que vou para o meu quarto descansar um pouco.
- Eu entendo.
Aquele olhar terno e suplicante... Eu queria dizer que o amava, mas não conseguia. Não naquele momento. Talvez mais tarde, a sós.
Saí da sala, sem olhar para trás. Subi as escadas olhando o meu “infinito”, que brilhava como um farol em minha mão, tentando iluminar a minha travessia. Ao fechar a porta de meu quarto, nem sei bem porque, joguei-me sobre a cama e comecei a chorar. Pensava em Erik, em seu passado atormentado e em nosso futuro.
Precisava me controlar. Voltar à razão. Não podia deixá-lo só, abandonado. Toda a sua vida tinha sido solidão. Eu tinha dado a ele a esperança de ter amor e cumplicidade. Não podia tirar isto dele. Não agora, quando o medo de ver sua vida arrasada novamente estava presente.

sábado, 22 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XX

Levantei mais cedo que o de costume. Na sala, surpreendi-me ao ver Erik já sentado numa das poltronas, pensativo e preocupado.
- Bom dia! O que houve? Má noite de sono? – perguntei.
- Bom dia, Paul. Para dizer a verdade, ainda não consegui dormir.
- Como assim? O que aconteceu?
Por um momento, durante o relato de Erik, pensei se ainda não estaria dormindo e tendo um pesadelo. Custava a crer que tudo aquilo houvesse acontecido. Meu assombro foi maior quando ele contou do envolvimento da senhora Emma e pude ler a sua carta.
- Que história! É inacreditável! Você devia ter me avisado do bilhete. Eu poderia tê-lo ajudado. Você poderia estar morto a estas horas e ninguém saberia. O miserável podia conseguir o seu intento.
- Ontem, por um momento, pensei que não fosse vê-los nunca mais. Foi quando Emma me salvou. Preciso saber o que aconteceu a ela depois que saí de lá. Talvez ela esteja precisando de ajuda. Aquele tiro disparado... Os jornais certamente não darão notícia alguma a respeito, pelo menos hoje. Ainda é cedo.
- Talvez se eu fosse até a polícia notificar o desaparecimento de nossa governanta? Certamente eles informariam alguma coisa.
- Não, Paul. Eles vão achar muito estranha a sua preocupação só porque a governanta faltou um dia. De qualquer forma, acho que logo irão bater a nossa porta ao descobrir que ela trabalhava aqui. Não...
- E, se eu for até Whitechapel , como quem não quer nada. Próximo ao endereço da tal Polly já devem estar comentando o que aconteceu. Se alguém perguntar o que estou fazendo lá, posso dizer que fui comprar algumas ferramentas para a nossa oficina. Um de nossos fornecedores mora lá, lembra? O senhor Nichols?
- É. Quem sabe você tem razão. Eu posso ir também.
- Acho melhor não.
- O que os meus dois cavalheiros estão cochichando aí na sala?
Levei um susto ao ouvir a voz de Catherine. Ainda não decidira se era o momento de contar-lhe sobre aquela tragédia toda. Olhei para Erik, sem saber o que fazer. Ele acabou por decidir.
- Bom dia, querida. Estávamos definindo quem faria o café da manhã, já que a nossa governanta não está em casa.
- Como assim? Será que ela saiu para fazer compras e esqueceu o café? Ela não está no quarto?
- Já verificamos. A cama nem está desfeita.
A sineta da porta da frente tocou naquele instante. Prontifiquei-me a atender.
Deparei-me com uma rapariga magra e alta, de nariz adunco, cabelos ruivos e um sotaque irlandês ao falar:
- Bom dia, senhor. Meu nome é Mary Ann Shell e vim a pedido da senhora Emma Chapman para substituí-la temporariamente. Tenho experiência no trabalho doméstico e trago referencias. Erik e eu nos entreolhamos. Realmente Emma tinha planejado tudo para não sentirmos a sua falta.
- Bom dia, Mary Ann. Por favor, entre. Paul ... – chamado por Cathy, dei-me conta que estava obstruindo a passagem para a entrada da moça.
- A senhorita sabe o que aconteceu com a senhora Emma e o que significa exatamente este “temporário” a que se referiu? – perguntou Catherine, preocupada.
- Não, senhora. Ela me procurou ontem à tarde e pediu-me para oferecer meus serviços até ela voltar, mas não falou nada sobre o motivo ou por quanto tempo seria. Nós nos conhecemos quando trabalhávamos na casa da baronesa de York. Reencontramos-nos a cerca de um mês. Ela estava tentando me ajudar a conseguir um emprego.
- Está bem, Mary Ann. Venha comigo. Vamos conversar sobre o seu trabalho “temporário”. Vou mostrar-lhe a área de serviço e seus aposentos. Por aqui, por favor.
Catherine e Mary Ann desapareceram ao atravessarem a porta da cozinha.
- Que eficiência, não? Ela parece que previa não poder voltar tão cedo.
- Pobre Emma.
- Erik, que tal tomarmos café na cafeteria próxima à joalheria. Depois eu sigo para Whitechapel e você me aguarda na loja, entretendo a Catherine até a minha volta. Teremos que contar tudo a ela, mas será melhor que eu tenha mais esclarecimentos do que aconteceu. O que acha?
- Combinado. Vou avisar Cathy e já volto.
O movimento nas proximidades da rua Durward, 55 parecia normal. Ao chegar mais perto, percebi alguns bisbilhoteiros tentando olhar para dentro da casa, através das janelas. Como qualquer fuçador, aproximei-me e perguntei a um homem careca e mal vestido o que havia acontecido.
- A “mocinha” que morava aí foi assassinada pelo amante. Parece que a polícia chegou a tempo de evitar que ele matasse uma outra mulher que viu o crime – ele falava sem me olhar, com os olhinhos miúdos e curiosos a tentar ver algo mais do que já sabia.
- E o amante? – perguntei, quase cochichando.
- A polícia matou. Os mortos ainda estão lá dentro esperando para serem levados.
Então achei ter encontrado a explicação do por que da curiosidade. Apesar de a morte ser algo muito próximo no dia a dia daquelas pessoas, ainda assim exercia uma fascinação mórbida sobre elas. Pareciam pensar: “Desta vez, escapei...”.
- Sabe o que houve com a mulher salva?
- Acho que a polícia levou.
Como ele continuasse com o olhar perdido além das vidraças da janela, segui meu caminho, em passo acelerado, para afastar-me logo dali. Já conseguira todas as informações que queria. O importante é que Emma não havia sido morta.
Assim que foi possível encontrar um coche liberado, voltei para o nosso bairro, com grande alívio, por sair daquelas ruas insalubres e mal freqüentadas.
Catherine estava apresentando nossos mostruários de broches de filigranas de ouro para um cliente, quando cheguei. Cumprimentei-os e fui direto para a oficina, ao encontro de Erik, que certamente estaria aflito aguardando minhas notícias.
- E então, Paul? O que conseguiu?
- Parece que o tiro que você ouviu foi dado pela polícia e acabou matando o nosso amigo. Emma foi levada. Certamente para esclarecimentos. Ela deve aparecer assim que puder.
- Então, só nos resta esperar - a voz de Erik parecia aliviada.
- Esperar o quê?
- O cliente já foi? – perguntei, meio sobressaltado com a interjeição inesperada de Cathy.
- Já! Esperar o quê? O que vocês estão me escondendo? Desde hoje pela manhã estão de segredos e cochichos. O que está havendo? Podem começar a contar.
- Acho melhor você sentar-se. Não é uma história muito agradável – falou Erik, enquanto deslocava uma cadeira para que ela pudesse acomodar-se melhor e ouvir o nosso relato.

Ao terminar, Catherine parecia em choque.
- Eu não estou me sentindo bem. É inacreditável. Nós estávamos em contato com um assassino perigoso e nem sabíamos.
Notei que Erik pareceu desconfortável com aquela declaração de Catherine. Eu desconfiava que ele tivesse eliminado alguém na França, mas não tinha certeza. De qualquer forma, certamente ele teria tido os seus motivos. Podia imaginar o seu medo de perder Cathy, principalmente ao ouvi-la falar daquela maneira.
- Quer que eu a leve para casa? – perguntou ele, visivelmente preocupado com a reação dela.
- Não, Erik. Pode deixar. Vou sozinha. Acho que vou caminhar um pouco. Encontro vocês na hora do almoço.
- Tem certeza?
- Claro, meu amor. Não se preocupe - disse isso e levou a mão para acariciar o rosto dele.
- Nos vemos no almoço, então – falou, retribuindo com um beijo na mão carinhosa.
Ela arrumou-se e saiu logo em seguida.
- Paul, precisamos conversar.
- Sim?
- Quero pedir a mão de Catherine. O anel já está pronto?
- Acho que mais um dia e acabo. Porque a pressa?
- Depois da noite de ontem, quando pensei que não ia vê-la nunca mais, decidi definir a nossa situação o mais rápido possível.
- Ótimo! Como hoje é sábado e não atendemos à tarde, vou fazer hora extra e terminar o seu anel de noivado. Poderemos comemorar amanhã. O que acha?
- Muito bom – apesar do sorriso nos lábios, notei certa insegurança em sua voz.
Aliás, não via a hora de terminar aquele bendito anel. O desenho de Erik era muito peculiar e ficaria muito bonito feito em ouro e inúmeros brilhantes. Ele gastara uma pequena fortuna só com o material de confecção. Representava o símbolo do infinito, o “oito deitado”. Eu nunca tinha ouvido falar em tal simbologia, mas achei muito interessante pelo significado que a jóia teria. O corpo do “oito” seria formado por cinco hastes de ouro, com pouco mais de 1,0 milímetro cada, uma ao lado da outra, e pequenos brilhantes incrustados ao longo destas. Tudo isto soldado a aliança de ouro com três milímetros de espessura, de forma que, quando colocada no dedo da dama, o símbolo permaneceria deitado, transversalmente as falanges. Daria um efeito lindo na mão de qualquer mulher. Neste caso, na de minha irmã. Ele me fez prometer que não faria nenhum outro igual a este, o que era uma pena, pois se os cavalheiros mais abastados soubessem da simbologia inerente à aliança, nenhuma noiva ou amante deixaria de ganhar uma igual. Mas, tinha dado a minha palavra. Talvez daqui a alguns anos ele mudasse de idéia.

Não tínhamos muitos amigos com quem compartilhar aquele momento tão especial, por isso o noivado de Erik e Catherine resumiu-se a uma comemoração a três. Conseguimos manter tudo em segredo, até o momento em que Erik pediu a palavra, após o jantar, quando estávamos na sala, com a futura noiva a preparar-se para sentar ao piano.
- Querida, antes de começar a tocar para nós, tenho um pedido importante a fazer a Paul.
- O que seria este pedido, meu caro? – perguntei, simulando surpresa.
- Desde que vim para este país, tive a sorte de conhecer duas pessoas excepcionais. A primeira
foi Paul, que demonstrou ser, desde o início de nossa amizade, um homem de caráter, honrado de grande coração e que tem sido o irmão que nunca tive. Mais tarde, veio Catherine, que me deixou, a princípio, exasperado, por sua aparição inesperada – disse isto com um sorriso jocoso – e, mais tarde, enfeitiçado por sua beleza e vivacidade, às quais não resisti e acabei me apaixonando.
Foi na direção de Catherine, que já estava com os olhos marejados, pegou-lhe a mão e a beijou. Só então falou, dirigindo um olhar intenso e carinhoso para ela:
- Paul, tenho a honra de pedir a sua irmã, Catherine, em casamento.
- Erik, ter você como amigo e sócio tem sido uma grande honra. Agora, tê-lo como cunhado e irmão é a realização de um desejo há muito idealizado. O seu pedido está mais que aceito.
- Catherine, com este anel quero, não só materializar o meu pedido, mas demonstrar a extensão de meu amor por você.
Com estas palavras e um olhar probo e apaixonado direcionado a sua noiva, colocou a aliança em sua mão direita. Ela já não conseguia represar as lágrimas, que passaram a correr calmamente em seu rosto.
- Erik, ela é linda... Foi você que desenhou?
- Esta forma representa o infinito na matemática. Nas suas mãos, representará o quanto eu a amo.
- Ah, meu amor, te adoro!
- Pode beijar a noiva. Faz de conta que não estou aqui. Aliás, vou buscar a champagne que adquiri especialmente para esta ocasião.
Aquela foi uma noite inesquecível para todos nós. O casamento ficou combinado para o final do ano, o que seria em dois meses.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XIX

Já nem pensávamos mais no ocorrido naquela última segunda feira, quando um mensageiro chegou à joalheria, no início da tarde, com uma mensagem para mim.
“Senhor Erik Bell,
Estarei aguardando-o na rua Durward, 55, em Whitechapel, esta noite, às 23 horas, para tratar de assunto do seu interesse. Venha sozinho.
Charles Palmer”
O que este canalha esperava falar comigo? Provavelmente vingar-se ou talvez quisesse algum dinheiro para deixar-nos em paz. Teria ele descoberto alguma coisa de meu passado? Em nosso último encontro ele perguntara se eu já havia matado alguém. Será? Eu precisava ir a este encontro para esclarecer tudo de uma vez por todas. Tomaria minhas precauções. Tinha de manter Catherine e Paul afastados disso. No horário marcado eles provavelmente já teriam se recolhido e eu poderia sair sem ser visto. Este bairro, Whitechapel, era muito pobre. Seria este o seu endereço? De qualquer maneira só teria minhas respostas rebatidas ao encontrá-lo.
As horas restantes da tarde pareceram passar mais lentamente que o habitual. Tentava prever o que ocorreria naquele encontro da noite. Não pretendia ir armado. Chegaria mais cedo para observar o local e tentar descobrir algum tipo de emboscada. A noite ainda poderia ser minha camuflagem, como em tantas outras ocasiões.

- Você parece preocupado com alguma coisa, querido. O que é?
- Não é nada, Catherine. Acho que estou apenas cansado. Tivemos muito trabalho hoje.
- É verdade. O movimento da loja e das encomendas é cada vez maior. Logo teremos de pensar em ampliar nossa oficina. Talvez procurar um local maior, contratar um ourives e um novo funcionário para atender no balcão – disse Paul todo orgulhoso com nosso sucesso.
- Vocês não estão satisfeitos com o meu trabalho? – disse Catherine simulando uma carinha de choro.
- Não é isso, querida. Acho que não fica bem a irmã de um próspero comerciante, noiva de seu sócio, ficar atendendo como uma simples balconista. Você não acha, Erik?
- Concordo plenamente com você, Paul. Já tinha pensado nisso, mas não quis arranjar briga com a Catherine. Foi bom você ter tocado no assunto – falei assim, dando uma piscada de olho para meu sócio. Nesta semana eu havia desenhado o anel de noivado de Catherine e Paul ficara encarregado de torná-lo real Assim que ele o tivesse terminado, combinamos que eu pediria oficialmente a mão de Cathy em casamento.
- Parece que há um complô armado contra mim. O que posso eu fazer, a não ser acatar as ordens de meus senhores?

Eram 20 horas quando acabamos de jantar. Catherine tocou um pouco de piano para nós. Ela estava tocando cada vez melhor. Cerca de uma hora depois todos concordaram que estava na hora de nos recolhermos. Demos boa noite para Paul e acompanhei Catherine até a porta de seu quarto.
- Boa noite, meu amor
- Boa noite, Erik. – disse, abraçando-me. Tinha medo de que, dependendo dos acontecimentos ao cabo daquela noite, não pudesse mais vê-la ou beijá-la. Por isso, abracei-a com força e dei-lhe um longo e ardente beijo.
- Oh, meu amor. Não vejo a hora em que possamos passar o resto da noite juntos. Sem despedidas na porta de meu quarto. Te amo muito, Erik...
- Também te amo, Catherine. Nunca se esqueça disso.
Despedimos-nos. Fui para o sótão iniciar meus preparativos para o encontro. Voltei a vestir minha velha capa preta e meu chapéu de abas largas, que há muito não eram usados, mas que poderiam ajudar-me como disfarce. Assim que não ouvi mais rumores na casa, desci silenciosamente, saindo pelos fundos.
Peguei um coche que me levou até as imediações de Whitechapel. Não foi difícil chegar até o endereço dado por Charles. Não se via nenhum movimento por ali. O relógio já marcava 22:10 horas quando procurei olhar pelas janelas, do outro lado da rua. Era um prédio miserável, pouco iluminado. Enquanto tentava descobrir se havia alguém de tocaia nas proximidades, ouvi um grito terrível de mulher, vindo do interior da moradia, seguido pelo som de dois tiros de pistola.
Corri até a porta da entrada. Ela abriu-se e, para meu espanto Charles apareceu com olhar apavorado.
- Erik, entre! Aconteceu uma coisa horrível!
Ingenuamente, atendi ao seu apelo, preocupado com a mulher que emitira o pedido de socorro. Tão logo a porta fechou-se atrás de mim, ouvi a voz fria de Charles, que já me olhava com ar zombeteiro:
- Você chegou cedo, Erik. Mas não tem problema.
A minha frente, deparei-me com a figura de uma mulher semidespida, morta, com um tiro no peito e outro na cabeça.
- Você a matou?
- Não, meu caro. VOCÊ a matou. Infelizmente vocês discutiram. Você contou a ela que não a queria mais por estar noivo de uma bela jovem. Ela pegou uma arma que tinha guardado e atirou em você. Antes de morrer, você teve forças de alcançar a pistola e atirar nela.
Eu olhava incrédulo para o que aquele louco estava me dizendo.
- A polícia deve estar chegando. Convenci um conhecido a avisá-los, pois temia que algo de mal acontecesse a minha querida Polly esta noite.
- Ela deve ser a pobre apaixonada que ainda o sustentava.
- Parece que você está bem informado a meu respeito, não? Pena que toda esta informação não terá valor algum no próximo minuto. Planejei tudo muito bem. Imagine a pobre Catherine e seu irmão otário quando souberem que você tinha Polly, uma prostituta, como amante. Ela vai ficar completamente arrasada. Antes de a polícia chegar, terei armado a cena do crime passional perfeita, e saído calmamente pelos fundos. Agora, vamos parar de conversar e acabar logo com isso. Aproxime-se dela. Não estou querendo fazer muita força para colocá-la ao seu lado. AGORA!
- O que você ganha com tudo isso, Charles? Não tem sentido!
- Vingança, meu caro. Vingança!
Pensava numa maneira de escapar de sua mira. Como eu tinha me deixado cair naquela emboscada? Realmente eu já não era mais o mesmo. Quando pensava que tudo estava perdido e meus últimos pensamentos iam para Catherine, uma voz feminina e enfraquecida se fez ouvir na sala, atrás de Charles.
- Largue esta arma, Charles. Você não vai arruinar a vida de mais ninguém.
Eu não conseguia acreditar no que via. Era Emma. Mas o que ela tinha a ver com aquele bandido?
- Mãe? O que você está fazendo aqui? Saia! A polícia já deve estar chegando.
- Que bom. Assim eles vão poder jogá-lo numa prisão, onde não poderá prejudicar mais ninguém. Senhor Erik, por favor, vá embora. Eu resolvo esta situação com o meu filho.
- Filho?
- Eu me sinto responsável por tudo que está acontecendo. Fui eu que, inocentemente, falei sobre a senhorita Catherine para ele. A partir daí, ele passou a assediá-la.
- Mãe! Você não vai ter coragem de fazer isto comigo!
- Vou! A não ser que você queira matar a mim também. Mas aí ficará difícil de explicar a minha presença na sua cena perfeita. Além do mais, deixei uma carta na casa do senhor Erik explicando tudo e contando a nossa história. Vá, senhor Erik, agora, antes que seja tarde. Não o quero envolvido nesta sujeira. O senhor foi das poucas pessoas que me trataram com respeito nos últimos trinta anos. Vá! Fuja! Eu vou ficar bem.
Ainda estava pasmado com tudo que estava acontecendo, mas compreendi que ela tinha razão. Eu não podia envolver-me com a milícia. Assim, segui a sua ordem e saí em direção aos fundos da casa. Charles tentou seguir-me, com olhar desvairado, mas Emma jogou-se a sua frente, entre nós, lutando contra ele. Pude ouvir os gritos dos policiais, batendo na entrada da casa e o som de arrombamento, seguido de um tiro. Fiquei tentado a voltar, preocupado com o que poderia ter acontecido a Emma, mas meu instinto de sobrevivência foi maior.
Ainda estava chocado com tudo que acontecera, quando cheguei em casa. Fui procurar pela tal carta da qual Emma falara durante sua discussão com Charles. Lá estava ela, sobre a cômoda de seu dormitório. Subi até meu quarto, onde, após desvencilhar-me de minhas vestes noturnas, pude revelar o conteúdo da sua carta.

“Meu caro Senhor Erik,
Deixo este relato minucioso de minha vida, na esperança de que algum dia o senhor, o senhor Paul e a senhorita Catherine possam me perdoar por ter sido a responsável involuntária em fazê-los cruzar com uma pessoa chamada Charles Palmer, meu filho.
Tudo começou há 30 anos quando eu trabalhava como empregada na mansão do Duque de Devonshire. Lá fui envolvida amorosamente por este nobre senhor, que me expulsou de sua casa tão logo soube de minha gravidez, deixando-me sem recursos para sustentar a mim ou ao seu filho que estava por nascer. Graças à bondade de algumas mulheres de um prostíbulo nas margens do Tamisa, que me acolheram ao verem meu estado, grávida e esfomeada, meu filho pôde nascer em lençóis limpos. Após o parto, para pagar a hospedagem, trabalhava para elas, fazendo pequenos serviços, cozinhando e limpando os cômodos. Infelizmente, acabei por ter de sair de lá e tentar conseguir emprego em outro lugar. Com um filho recém-nascido nos braços era difícil de conseguir qualquer ocupação. Por isso, fui obrigada a deixar Charles em um orfanato local, para poder buscar nosso sustento. Esperava tirá-lo de lá assim que conseguisse fazer algumas economias, mas o tempo foi passando e isto não se realizou. Apesar de visitá-lo sempre que possível, meu filho cresceu revoltado, sempre se metendo em confusões ou provocando brigas. Até que, aos 16 anos, foi expulso do orfanato, pois já não agüentavam a sua presença lá. Na época, eu trabalhava como cozinheira na casa de uma nobre senhora, viúva do Barão de York. Charles foi á minha procura. Consegui, com a permissão da baronesa, um lugar para ele dormir, nas estrebarias da propriedade. Logo ele armou uma briga com um dos empregados e foi expulso de lá. Por pouco não perdi meu emprego. Antes de ir embora, obrigou-me a revelar quem era seu pai. Quando soube que era filho ilegítimo do Duque, passou a ter como idéia fixa tornar-se um distinto nobre. A partir daí não descansou até conseguir falar com o pai. Quando conseguiu, começou a fazer chantagem para poder extorquir dinheiro, ameaçando contar a verdade para a duquesa e seus filhos. A semelhança entre eles era tal que não deixava dívidas sobre a afirmação do rapaz. Exigiu uma renda mensal, que nunca era suficiente, pois gastava tudo em jogos de azar e com prostitutas. O Duque, cansado de ser explorado por solicitações cada vez maiores de dinheiro, passou a negar o auxílio. Isto deixou Charles enfurecido. Poucos dias depois de negar novos pagamentos ao bastardo, o Duque de Devonshire foi morto durante uma caçada. Foi considerada morte acidental. Nunca se soube qual espingarda disparara o tiro fatal, mas eu sabia. Charles, então com 26 anos, passou a viver do jogo. Às vezes estava bem, mas na maioria das vezes mal tinha o que comer. Era quando recorria a mim, que acabava por dar-lhe todas minhas parcas economias. Por ter boa aparência e ser bom observador dos modos elegantes dos nobres, passou a galantear as jovens abastadas de Londres ou ligadas à nobreza. Porém, quando a família investigava seu passado, tudo acabava.
Meses atrás, havia sido despedida de meu emprego, graças a Charles ter ido a minha procura e feito um escândalo por eu não ter dinheiro para lhe dar, na frente de minha patroa. Mais uma vez estava na rua, sem ter para onde ir. Foi aí que o conheci, senhor Erik.
Jamais esquecerei sua bondade ao me ver perdida, pedindo dinheiro a quem passava, pois não conseguia uma colocação devido a minha idade e por não ter referencias. O senhor levou-me para trabalhar em sua casa como governanta, acreditando apenas na minha palavra sobre os meus empregos anteriores. Nesta época fiquei sabendo que meu filho andava de caso com a pobre Polly. Ele arranjara alguém que o sustentasse entre uma jogatina e outra, quando as coisas iam mal. Passei a visitá-la de vez em quando para ter notícias de Charles. Ainda me sentia culpada por ele ter se transformado naquele tipo de homem. Numa destas visitas, contei sobre meu novo emprego e citei a senhorita Catherine. Só dei conta de meu erro, quando soube que ele estava flertando com ela. Comecei a ter medo do que poderia acontecer. Passei a ficar atenta às suas conversas, para saber até onde aquele infeliz poderia chegar. Dei graças aos céus quando soube que ela estava apaixonada pelo senhor e não por Charles. Temi por vocês quando os vi chegar naquela segunda feira, com a senhorita Catherine abalada pelo ataque sofrido. Polly me alertou sobre os planos de vingança de Charles. Ele enlouqueceu de vez. Por isso, após concluir este meu relato, pretendo ir até lá para tentar impedir que meu filho torne a cometer outro crime. Novamente, peço-lhe perdão por tudo de ruim que possa ter provocado.
Sinceramente,
Emma Palmer Chapman”

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XVIII

Faltava pouco para o dia amanhecer quando consegui conciliar o sono. Este veio por pura exaustão, após passar um bom período pensando em tudo que acontecera em tão curto espaço de tempo. A emoção de poder ter Catherine ao meu lado, correspondendo ao meu amor, construindo uma vida junto a mim, uma família. Tudo parecia um sonho. Tudo o que conseguira até aqui. Tinha tido muita sorte. Preocupava-me a reação daquele embusteiro do Charles Palmer, quando Paul e Catherine abortassem os seus planos de casamento com uma rica herdeira. Não imaginava que nossa joalheria estivesse com tamanha fama, a ponto de tornar Catherine alvo deste tipo de caçador de dotes. Ele devia estar realmente desesperado.
Com alguma dificuldade, acordei para trabalhar. Lavei-me e desci para tomar o desjejum. Na sala, já me aguardavam, com expressões de contentamento, Paul e Catherine.
- Bom dia, meu caro Erik! Dormiu bem? – saudou-me jovialmente o meu amigo.
- Bom dia. Não tanto quanto gostaria, mas o suficiente. Bom dia, Catherine.
- Bom dia - falou com um sorriso maroto nos lábios.
- Estávamos aguardando-o para tomar o café da manhã. Vamos sentar?
- Claro!
A senhora Emma, aparentemente já refeita do susto da noite anterior, cumprimentou a todos e passou a servir-nos.
_ Catherine me falou que talvez tenhamos novidades nesta casa. Será que eu posso saber do que se trata?
Paul não conseguia disfarçar a alegria pelo que, certamente, já tinha ouvido de Catherine antes de minha chegada.
- Bem, Paul, eu gostaria de falar sobre este assunto de maneira mais formal, como o tema exige, mas pelo visto a senhorita, sua irmã, não conseguiu esconder os fatos que ocorreram após a sua saída, na noite de ontem – tentei falar em tom formal, mas o clima reinante era de descontração.
- Ah, Erik, eu não resisti e acabei contando a Paul a nossa conversa. Você não está chateado, está? – aquele olhar de súplica quase infantil no rosto de Catherine ao falar só me incitava a beijá-la.
- De forma nenhuma. Pelo contrário, me poupa de dar explicações para o seu irmão – ponderei lascivamente.
_ Como assim? Vou querer um pedido formal. O que você está pensando? – disse Paul, caindo na gargalhada logo em seguida.
Levantou-se da cadeira e veio em minha direção.
- Erik, você não tem idéia de como estou feliz com este entendimento de vocês. Finalmente vou tê-lo como um legítimo irmão. É isso, não? Ou estou sendo precipitado?
- Paul, você me deixa sem palavras falando desta maneira. Não sei se mereço tanto.
Não conseguia esconder minha emoção ao levantar-me e ser abraçado efusivamente por Paul.
- Desse jeito eu vou começar a chorar...
Voltei-me na direção da responsável por aquelas últimas palavras, que estava ao meu lado, e disse, pegando firmemente em sua delicada mão e mirando o fundo de seus olhos.
- De hoje em diante, uma de minhas prioridades na vida vai ser fazê-la feliz. Portanto, nada de choro.
- Bem, – falou Paul, visivelmente emocionado – vamos terminar o café. Infelizmente o trabalho nos espera. De qualquer maneira podemos fazer uma comemoração hoje à noite. O que acham?
A resposta foi unanimemente positiva.
Durante todo aquele clima de festejo e descontração, notei a senhora Emma com uma nova expressão, que não aquela melancolia permanente. Ela quase estava sorrindo, parecendo regozijar-se com a nossa alegria.

Passei a manhã um pouco tenso, apesar do clima de congraçamento reinante na loja. Estava apreensivo pelo aparecimento de Charles e a finalização deste relacionamento abominável com Catherine. Porém, ele não apareceu, apesar da ansiedade que demonstrava no dia anterior, em sua conversa no café. Talvez tivesse desistido. Seria bom demais ficar livre daquele marginal sem discussões desagradáveis.
Durante o almoço, resolvemos sair à noite para um jantar especial de comemoração. Paul e eu decidimos levar Cathy no “Rules”, onde já tínhamos tido a oportunidade de saborear a cozinha maravilhosa.
À tarde, Catherine teria que abrir a loja sozinha, pois Paul e eu teríamos de dividir tarefas fora. Ele combinara de visitar um cliente importante e eu teria que comprar material para fazer ligas metálicas necessárias para nosso trabalho de ourivesaria O que se passou após nossa despedida em frente à joalheria, me foi relatado mais tarde por Catherine.
Ela deu início ao atendimento. Quando Charles apareceu, com um ramo de rosas nas mãos, um largo sorriso nos lábios e extremamente galanteador, não havia nenhum outro cliente no local.
- Bom dia, minha cara. Seu irmão está? Vim conforme tínhamos combinado.
- Bom dia, senhor Charles. Estávamos esperando-o no período da manhã.
- Sinto tê-la deixado apreensiva com meu atraso. Agora estou aqui para compensarmos esta minha falta.
- Não é essa a questão. Paul teve de ausentar-se agora neste início de tarde e não poderá falar-lhe.
- Ah, mas eu posso adiar meus outros compromissos e aguardá-lo em seu retorno para conversarmos. Você sabe como é importante para eu ter você ao meu lado o mais breve possível. Meu amor não resiste mais esperar para poder visitá-la em sua residência e firmarmos o nosso compromisso o mais cedo possível – disse-lhe, lançando um olhar lânguido e apaixonado.
- Ele não deve demorar, mas talvez possamos começar nossa conversa antes da chegada de Paul.
- Querida! Não imaginava que você fosse tão fogosa. O seu guarda-costas mal encarado também não está?
- Acho que o senhor está sendo precipitado em suas palavras.
- Não creio, meu amor. Que tal aproveitarmos que estamos a sós?
Ele foi aproximando-se dela com olhos de cobiça. Entregou-lhe o ramalhete e aventurou-se a envolver-lhe a cintura com as mãos. Imediatamente foi rechaçado, o que o deixou muito surpreso.
- Está bem, se você prefere ser difícil. Tenho toda a paciência do mundo, Cathy.
- Senhor Charles, por favor. Sinto dizer que as coisas mudaram.
Após alguns segundos, com olhar atônito, conseguiu falar:
- Como assim, mudaram? O que mudou? Há dois dias combinamos que hoje eu falaria com seu irmão para que ele permitisse minhas visitas em sua casa, no que você concordou muito satisfeita.
Ele falava com a voz rouca, em tom cada vez mais baixo e a face alterada.
- Acalme-se, por favor. Não temos nenhum compromisso. Achei que éramos amigos. Nada mais.
- Como assim, amigos? Você acha que eu vinha aqui quase que diariamente para perder meu tempo com uma amiga? Que a convidei para ir ao baile, como amiga? Que perdi de dançar com dezenas de outras mulheres mais interessantes e mais ricas que você, por amizade?
- O senhor está me assustando. Não era minha intenção dar-lhe falsas esperanças. E, como o senhor mesmo insinuou agora, deve haver dezenas de moças mais prendadas e mais RICAS do que eu, que o interessariam mais e que adorariam jogar-se em seus braços. Sinto saber que o seu interesse não estava centrado apenas em mim como pessoa, mas no dote que eu pudesse lhe oferecer. Vou ser obrigada a pedir-lhe que se retire. Além do mais, já estou comprometida.
Aquela foi a gota d’água aos ouvidos de Charles, que se viu completamente transtornado por ver seus planos esfacelados, lançado novamente na miséria.
Segurou Catherine pelos ombros, num rompante de fúria, puxando-a contra si com força.
- Pare! O senhor está me machucando! Não faça isso! – Catherine estava chocada com a reação de seu “amigo”.
- Então, alguém foi mais esperto que eu. Quem é o felizardo? Não me diga que é aquele aleijado?
- Não fale dele dessa maneira. Infelizmente, só agora percebo que você não chega aos pés dele.
- Então é ele... Ora, então me deixe beijar a noiva.
Ela viu a boca asquerosa aproximando-se da sua, enquanto tentava de todas as maneiras safar-se daquele abraço indesejado.
Quando já estava quase sem forças para lutar, repentinamente, Charles foi como que arrancado do chão, de tal maneira que a soltou imediatamente. Quando ela conseguiu sentir-se livre, viu Charles caído no chão com um fio de sangue a escorrer da narina direita, ainda tonto com o murro que levara de Erik.


Quase enlouqueci ao ver aquele desgraçado agarrando Catherine. Eu poderia matá-lo naquele momento, mas algum poder maior segurou minhas mãos. Eu tinha de saber se ela estava bem, por isso fui ajudá-la a levantar-se, abraçando-a.
- Você está bem, querida?
- Ohhh! Mas que amoroso! Veio salvar sua pobre noivinha?
Mesmo abatido e sangrando, sua língua bestial continuava fazendo sarcasmo e escoando veneno.
- Vocês vão me pagar. Isto não vai ficar assim. Pode ficar com a sua roceira. Ela nunca vai passar disso mesmo. Talvez vocês se mereçam. Um aleijão e uma camponesinha ignorante.
- Vá embora daqui, seu verme, e não apareça nunca mais ou vai se haver comigo.
- Ah, estou morrendo de medo. Você já matou alguém? Provavelmente sim. Você não me engana. Você não perde por esperar.
Dizendo isso, levantou-se com dificuldade e saiu mancando, com um sorriso diabólico impresso na face inchada, de nariz quebrado, pelo soco recebido.
Na saída, esbarrou em Paul que vinha chegando de seu compromisso. Quase foi derrubado por Charles, que atravessava a porta ofuscado pelo ódio.
- O que houve? - perguntou pasmado.
- Charles tentou agarrar Catherine. Ainda bem que cheguei na hora.
- Mas, porquê?
- Eu falei a ele que o tinha em consideração, como amigo. Aí ele pareceu enlouquecer e começou a mostrar seus verdadeiros propósitos para comigo. Praticamente deixou claro que estava interessado apenas no meu dote. Foi horrível! – falou Catherine, começando a chorar e escondendo o rosto no peito de Erik, que ainda a mantinha abraçada.
- Acho melhor irmos para casa. Paul, eu vou levá-la. Você não se importa de ficar sozinho?
- Não, claro que não. Você está bem, Cathy?
- Estou. Não se preocupe.
- Vou ficar aqui mais um pouco e trabalhar na oficina. Assim que terminar, fecho a joalheria mais cedo e vou para casa. Cuide dela, Erik.
- É claro.
Ao chegarmos em casa, levei Catherine para o seu quarto para que ela pudesse trocar de roupa e descansar um pouco. Pedi ajuda à senhora Emma.
_ Você está bem, mesmo?
_ Estou, meu amor. Se não fosse você, não sei o que poderia ter acontecido.
_ Agora descanse. Eu vou estar lá embaixo. Se precisar de qualquer coisa, me chame, está bem? - disse isso e dei-lhe um beijo na face. Deixei-a aos cuidados de Emma.
Fui para o meu quarto pensando sobre o ocorrido. Teríamos que ter cuidado. Charles tinha sido ferido em seu orgulho próprio e visto seus planos desfeitos de uma hora para outra. Sendo ele quem era, pelo que pude ouvir da conversa naquele café, ele procuraria vingar-se. Infelizmente, eu conhecia aquele tipo de sentimento muito bem.
Quando desci, resolvi tocar um pouco de piano para desanuviar a mente e relaxar. Enquanto tocava, distraidamente, senti dois braços enlaçando-me o pescoço e aquele perfume suave, que eu tanto apreciava, envolvendo-me. Parei de tocar e prendi as mãos de Catherine, ainda em torno de mim, contra meu peito.
_ Não acha melhor descansar um pouco mais?
_ Não. Prefiro ficar aqui com você, ouvi-lo tocar – suas palavras faziam cócegas em meu ouvido, o que era muito agradável.
Rodei a banqueta onde estava sentado, de forma a ficar de frente para ela, passando meus braços em torno de sua cintura delgada. Abracei-a e deitei minha cabeça sobre seu colo. Ela passou a acariciar-me os cabelos e o pescoço. Uma sensação de bem estar tomou conta de mim, como se me sentisse em casa pela primeira vez, depois de uma longa viagem. Levantei a cabeça, de forma a olhá-la de frente, querendo gravar cada milímetro daquele rosto amado em minha memória, para poder lembrá-lo quando não estivéssemos juntos. Aqueles olhos, sua boca...Catherine foi aproximando-se. Seu olhar apaixonado era um bálsamo para minha velha alma atormentada. Finalmente, nossos lábios tocaram-se, num beijo muito doce.
_ Toque para mim, Erik.
Não só toquei, como também cantei uma nova canção que havia composto

nos últimos dias, quando ainda estava atormentado pela dúvida em declarar meu amor por ela. A canção teve o poder de tranquilizá-la. Pude sentir pelo seu doce olhar que ela seria minha para sempre.
Até o momento em que Paul chegou, ficamos a tocar piano e a trocar carícias.
_ Desculpem ter demorado tanto, mas clientes acabaram aparecendo e não pude fechar a joalheria mais cedo. Você está bem, Catherine? Pelo que estou vendo já se recuperou do susto – disse maliciosamente, olhando para os dois abraçados – Agora quero me contem exatamente o que aconteceu.
Catherine passou a relatar o ocorrido em detalhes. Assim que terminou, Paul falou, impressionado com o que acabara de ouvir:
_ Realmente, Erik, você tinha razão em ficar preocupado com as atitudes daquele sujeito.
_ Como assim? Que atitudes? – perguntou Catherine
_ Lembra quando lhe falei que tinha sabido que Charles era jogador e que estava falido e por isso tinha se aproximado de você?
_ Sim.
_ Pois é. Foi Erik que ouviu uma conversa dele com outro jogador, num café da cidade. Ele estava se preparando para pedi-la em casamento e conseguir dinheiro através do dote. Eu pedi a ele que não tomasse nenhuma ação precipitada e que aguardasse os acontecimentos.
_ Que sujeito repelente. E pensar que acreditei e fiquei com pena dele, quando me contou de sua luta contra o vício e a má fama improcedente junto às famílias daqui.
_ Bem, agora que tudo está resolvido, que tal nos prepararmos para a nossa noite comemorativa. Ou já esqueceram? - Paul não perderia um festejo por nada deste mundo.
_ Claro que não. Vamos festejar – falou Catherine alegremente.
Cerca de uma hora mais tarde, estávamos os três a caminho do Rules. Desta vez, com lugares reservados e trajes adequados.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XVII

- Eu já sabia de tudo isto. Charles contou-me de seu vício pelo jogo, sua falência e sua má reputação entre as famílias daqui. Ele foi muito sincero comigo. Jurou que se arrependeu de tudo e que está mudado.
- Mas, Catherine, você não o ama. Porque insistir neste relacionamento?
- O que você sabe sobre isto? Quem disse que eu não o amo?
- Cathy. Eu a conheço muito bem e sei por que está fazendo isso – Paul abrandou o tom de voz.
- O que você sabe, Paul? – não conseguia mais disfarçar minha tristeza.
- Você está apaixonada por outro homem e nós sabemos muito bem quem é ele.
Não fiquei surpresa ao ouvir aquelas palavras, mas não consegui segurar as lágrimas.
- De que me adianta este amor se ele não é correspondido?
- Você já conversou com Erik?
- Já! E ele demonstrou claramente que me considera apenas como amiga. Assim, decidi direcionar meus sentimentos para quem me quer.
- Você tem certeza disso?
- Paul, não me atormente!
- Não quero atormentá-la, minha querida, só quero que dê mais uma chance a ele. Erik já sofreu muito, pelo que sei, e tem medo de não poder fazê-la feliz. Por isso tem se esquivado. Converse com ele.
Senti minhas esperanças renovarem-se. Teria Paul conversado com Erik a meu respeito?
Neste momento, ouvimos a porta da frente abrir-se. Era ele que chegava em casa, com aspecto triste e abatido. Senti meu coração encher-se de carinho e uma vontade enorme de abraçá-lo.
Paul e eu encerramos nosso assunto.
- A isto chamamos de pontualidade britânica, Erik. Chegou na hora do jantar! – Paul falou em tom de brincadeira. Nem parecia que até a pouco estávamos falando de algo muito sério. Não sei como ele conseguia fazer isso.
- Como você havia me pedido, meu amigo.
Neste instante, a porta da sala de jantar abriu-se e a inexpressiva, porém competente, senhora Emma surgiu.
- Senhores, o jantar está servido.
Durante o jantar podia-se ouvir apenas a voz de Paul, contando seus casos divertidos, tentando animar os ânimos dos “demais” presentes, que só contribuíam com muxoxos para a conversação. Às vezes podia sentir os olhos de Erik a seguir meus mínimos movimentos, mas assim que o encarava, ele desviava rapidamente.
Encerrada a refeição, ninguém parecia disposto a conversar ou a ouvir um pouco de música.
Paul acabou por dizer que ia sair para dar uma volta e perguntou se Erik não gostaria de acompanhá-lo, ao que recebeu uma resposta negativa. Referiu que estava muito cansado e pretendia recolher-se mais cedo.
- Bem, então vou eu. Catherine, terminamos a nossa conversa depois.
- Claro.
- Então, boa noite para todos – disse, já cruzando a soleira da porta de casa.
Assim que a porta fechou-se, Erik deu-me boa noite e subiu para o seu quarto no sótão. Eu não consegui dizer nada. Continuava aflita para falar-lhe. Talvez eu devesse abrir meu coração para ele de forma mais clara. Porque ele achava que não poderia fazer-me feliz?
Fiquei um bom tempo na sala, aflita com meus pensamentos, dedilhando um pouco ao piano, criando coragem para falar com ele. Finalmente, decidi-me. Não havia porque esperar mais.
Subi as escadas que levavam aos aposentos no sótão. Nunca tinha ido até lá, apesar da curiosidade de conhecer o lugar onde ele se refugiava nos momentos de solidão. Fiquei parada diante de sua porta alguns minutos, temerosa do que estava por vir. Bati, a princípio sem muita força no punho. Como não obtivesse resposta, lancei a mão fechada com mais vontade. Ouvi movimento no interior da peça até que a porta se abriu. Lá estava ele, com sua camisa branca aberta até metade do peito, mostrando seu tórax forte e amplo, deixando-me quase sem fôlego. Oh! Como eu queria recostar minha cabeça sobre ele, escutar e pronunciar palavras de amor.
- Catherine! O que faz aqui?
- Erik. Eu... Eu gostaria de conversar com você mais uma vez. Acho que fiquei nervosa hoje pela manhã. Gostaria que me perdoasse pelas coisas que falei.
- Não há nada a perdoar, Catherine. Olhe, vou me arrumar e já desço para conversarmos na sala.
- Não! Podemos conversar aqui?
- Aqui? Acho que não fica bem uma moça solteira conversar no quarto de um homem, a sós. O que Paul ia pensar?
- Não me importa o que os outros pensam. Você me conhece. Além do mais, eu confio em você como cavalheiro, que sei que é. Posso? – disse, já fazendo menção de invadir o cômodo.
Ele me olhava intensamente, quando recuou, deixando-me entrar. Não fechou a porta, deixando-a entreaberta, respeitosamente.
- Por favor, já que é assim, entre.
Fui caminhando em passos lentos, observando todos os detalhes, tentando decifrar nas pequenas coisas os segredos daquele homem que eu tanto desejava. Não havia nada em especial. Parecia um dormitório convencional, masculino e organizado. Nenhuma revelação escondida. Comecei a falar sem encará-lo, de costas para ele, para não perder a coragem.
- Erik, vim aqui para... Quero te dizer que não o considero apenas como amigo ou irmão, como você falou hoje pela manhã. O que sinto é mais do que isso. O que preciso saber com certeza é se o que me disse hoje sobre seus sentimentos em relação a mim são apenas fraternais ou...
Achei que não estava conseguindo ser clara o suficiente, quando senti a sua aproximação atrás de mim e o calor de seu corpo muito próximo ao meu. Sua mão forte segurou meu braço, forçando-me delicadamente a virar-me de frente para ele, de forma que podia sentir a sua respiração ofegante em minha face.
- Catherine, eu a amo... Muito.
Pensei que meu peito fosse explodir de felicidade. Teria mesmo ouvido aquelas palavras?
- Ah, Erik, como eu sonhei em ouvir isso de você.
Minhas pernas tremiam e meu coração palpitava de emoção. Aproximei-me mais um pouco dele, oferecendo meus lábios para o beijo tão esperado, mas ele afastou-se bruscamente, como que fugindo de mim.
- O que houve? - perguntei surpresa com a sua reação.
- Catherine, isso não pode dar certo. Eu a amo demais para condená-la a uma vida com um homem como eu. Você não me conhece, não sabe de meu passado, que é tão desfigurado quanto meu rosto. Se você pudesse ver minha face e saber das coisas terríveis que já fiz, o seu amor deixaria de existir.
- Você acredita que eu seja tão fútil e que o meu amor seja superficial a ponto de desvanecer-se por sua aparência sem a máscara ou por saber de seus erros passados, dos quais você continua se penitenciando até hoje, castigando-o a viver solitário, sem direito a amar? Erik, meu amor, você precisa deixar estes medos de lado e olhar em frente. Olhar para mim. Dar-me uma chance de fazê-lo feliz. Esqueça tudo o mais.
Aos poucos fui reaproximando-me dele, como se tentasse acalmar um animal acuado e medroso, até conseguir enlaçar meus braços em torno de seu dorso, abraçando-o com força. Senti seu corpo relaxando e passando a envolver-me carinhosamente. Levantei minha cabeça, de forma a olhá-lo diretamente e disse:
- Por favor, me beije.
Finalmente, vi a sua aproximação, os olhos verdes, muito ternos, brilhando de desejo, olhando-me intensamente, sua boca tocando meus lábios e a sensação de sublimação ao sentir o seu gosto. O tempo deixara de existir naquele momento. O paraíso realmente existia e não era só uma balela dos crentes. Beijamos-nos muitas vezes. As palavras pareciam desnecessárias. Até, que terminamos por permanecer apenas abraçados, compartilhando o calor confortável de nosso amor.
- Erik, deixe-me ver o seu rosto sem a máscara, para afastar esse seu medo bobo de que eu vou deixar de amá-lo ao vê-lo sem ela.
- Não! Não...
- Por favor... Fique de olhos fechados se não quiser ver a minha expressão, mas deixe-me tirá-la. Esqueça o que quer que tenha acontecido no passado.
Aos poucos fui vencendo a sua resistência, aproximando minhas mãos de seu rosto, fazendo-o fechar as pálpebras e acariciando sua face. Quando o senti mais relaxado, comecei a retirar a máscara com delicadeza, até expor o seu lado direito. Ao ver o motivo de sua maior dor e humilhação, meu coração encheu-se de ternura. Ele ainda permanecia de olhos fechados, como uma criança à espera de punição. Comecei a beijar suavemente cada centímetro de suas marcas, revoltada por não ter a capacidade de removê-las com o toque de meus lábios. Talvez meu carinho pudesse cicatrizar a sua alma e fazê-lo esquecer de todas as humilhações pelas quais passou devida aquela fatalidade. .
Finalmente ele abriu os olhos.
- E então? Não desistiu de mim ainda?
- Você ainda não me conhece o suficiente para saber como eu sou teimosa? Não vai ser uma “marquinha de nascença” qualquer que vai me fazer abdicar de você.
Agora eu conseguira arrancar um sorriso de meu amado.
- Catherine, você não existe.
- Existo sim e vai ser muito difícil se livrar de mim. Pode contar com isso.
Mais uma vez nossos lábios se encontraram e o desejo começou a tomar conta de nossos corpos. Minha vontade era de entregar-me naquele momento, mas Erik, como um “gentleman”, não permitiu, afastando-me docemente.
- Precisamos falar com Paul, antes de qualquer coisa, para contar o que está acontecendo. Não acha?
- Infelizmente, você tem razão, meu amor. Acho que podemos esperar.
Ouvimos um barulho na escada. Erik correu para ver quem era e, ao desencostar a porta, deparou-se com a senhora Emma, que soltou um grito de horror ao vê-lo. Imediatamente cruzei a porta e a segurei, tentando fazê-la voltar ao normal.
- Emma, Emma! Calma! Não se assuste, por favor.
Aos poucos ela foi recuperando alguma cor ao rosto normalmente pálido.
- Perdão, senhor Erik. Perdão! Eu nunca tinha visto o senhor sem sua máscara. Sinto muito, sinto muito – estava quase chorando, mas mostrava-se, não mais amedrontada, mas compadecida por seu patrão – Eu vim até aqui para saber se ainda precisava de algo. Eu não queria incomodá-los. Longe de mim...
- Não se preocupe, senhora Emma. Fique tranquila. Não é a primeira vez que eu desperto esta reação em alguém. Por isso uso esta máscara - falando isto, recolocou seu “disfarce” mais uma vez.
- Perdoe-me por minha reação. Em nada vai mudar o apreço que tenho pelo senhor. De forma alguma.
- Obrigado, mas pode ir dormir agora. Nós não precisamos de mais nada. A senhorita Catherine também já estava se retirando para os seus aposentos. Se Paul precisar de alguma coisa quando chegar, ele mesmo pode arrumar.
- Obrigada e boa noite, senhor. Boa noite, senhorita.
- Boa noite, Emma.
Assim que ela desapareceu nas curvas da escada, me virei para Erik, mas não notei nenhuma expressão de mágoa pelo ocorrido. Apenas um sorriso. Um sorriso apaixonado.
- Você está bem?
- Surpreendentemente, sim. Em outros tempos eu ficaria totalmente alquebrado com esta reação, mas hoje, agora, levei foi um susto com o grito que ela deu. O que a vizinhança vai pensar?
- Ah, meu querido, que bom que você reagiu assim. Se quiser, posso ficar aqui mais um pouco com você.
- Nada disso. A senhorita vai recolher-se ao seu quarto agora mesmo. Amanhã teremos de estar bem dispostos para anunciar nossa decisão, de ficarmos juntos, para Paul. Além do mais, você terá de dispensar o “pobre” do senhor Charles Palmer. Esqueceu?
- Oh! É mesmo. Já tinha esquecido dele. Ele ficou de ir à loja. Assim, Paul estando presente, vai ser mais fácil, espero.
Lancei-me em seu pescoço, procurando seu beijo mais uma vez.
- Assim fica difícil de resistir a você – disse, correspondendo com paixão ao meu oferecimento. Depois disso, pegou-me pelos ombros, virando-me em direção ao corredor e empurrando-me de leve.
- Vou precisar levá-la para o segundo andar ou...
- Se quiser me acompanhar até meu quarto, eu apreciaria muito – falei, sedutoramente.
- Cathy, Cathy... Sou um cavalheiro, mas não sou de ferro. Não fique me tentando.
- Está bem, desculpe. Realmente eu não estou me comportando adequadamente. O que você vai pensar de mim?
- Não vou pensar nada. Vá dormir, meu amor.
Após um beijo depositado suavemente em minha fronte, ficou observando-me descer a escadaria, em direção ao meu quarto. Quase não sentia meus pés no chão. Restava-me aguardar ansiosamente o momento em que não precisaríamos nos separar nunca mais.

Querida(o)s leitora(e)s
Sei que muita gente já leu este meu texto, mas se por ventura houver algum novo leitor, eu gostaria de saber sua opinião. Por isso, deixe seu comentário. Estou me sentindo muito só neste blog imenso...
Já estou escrevendo um novo texto para quando terminar a postagem do Erik. Assim, não se verão livre de mim por muito tempo... rsrsrs.
Beijos a todos!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Erik - Capítulo XVI

- Meu amigo, você tem certeza que foi ele que manteve esta conversa abominável? Não está enganado? – perguntou-me Paul, ainda abalado com o que ouvira.
- Eu não teria procurado você para falar de um assunto tão delicado se não tivesse certeza. Sabe como prezo a sua amizade e a de Catherine. Não admitiria nada que pudesse magoá-los ou lesá-los de alguma forma. Vocês têm sido como irmãos para mim.
- Inclusive Catherine, Erik?
- Como assim? O que você está insinuando? Que estou tentando desfazer a imagem daquele marginal por ciúmes?
- Erik, sei que você não mentiria por despeito. Acredito que este homem possa ter más intenções para conosco. O que quero que entenda é que não sou tão inexperiente nas artimanhas do amor que não possa reconhecer quando alguém está apaixonado, ou pelo menos, interessado em outra pessoa. Há muito tenho notado suas trocas de olhares com Cathy – e ele dizia isso, surpreendentemente, sorrindo.
- Mas, Paul... De maneira alguma. Como você pode pensar... Eu não... – aquela declaração de Paul me deixara completamente aparvalhado.
- Erik, por favor, não se intimide. Eu acho isto muito natural e até aprecio esta aproximação entre vocês. Catherine não poderia escolher pessoa melhor que você. Infelizmente, surgiu este novo pretendente, jovem, com título de nobreza. Até entenderia seu interesse e deslumbramento se ela não fosse minha irmã. A maioria das mulheres ficaria fascinada com este tipo de cortejador, mas não a nossa Cathy. Se ela realmente estiver se apaixonando por este canalha, será muito difícil convencê-la de que ele não presta.
- O que você quer dizer com tudo isto? – perguntei, ainda abismado com a naturalidade com que ele falara de um possível relacionamento entre Catherine e eu.
- Acho que devemos ficar apenas mais vigilantes quanto a este jovem. Vou procurar informar-me melhor a respeito dele. Na verdade, ele ainda nem a pediu em namoro. Não há nada de concreto entre eles. Acho prematura uma ação inibitória agora. Conhecendo Catherine como conheço isto poderia levá-la a manter um relacionamento com ele só por teimosia ou para provocar ciúmes em você. No fundo, confio na argúcia de minha irmã. Vamos esperar os acontecimentos e agir na hora certa, se isto for inevitável. Espero que você me ajude, neste sentido, a cuidar da segurança dela. Ou... Temos uma segunda opção.
- Qual? – ficava cada vez mais surpreso com a perspicácia e objetividade de Paul. Este tipo de visão certamente me teria poupado de grandes problemas no passado.
- Declare seu amor a ela.
- O quê?
- Você a ama, não?
- Paul!
- Já esqueceu de Christine?
- Christine é passado há muito enterrado – pela primeira vez sentia esta afirmação como uma verdade absoluta.
- Então? Você não respondeu a minha primeira pergunta.
- Amo. Amo como nunca pensei que pudesse voltar a amar novamente. Não mais uma paixão doentia como foi antes, mas um amor redentor, tranquilo. Mas eu não posso esperar que ela me retribua da mesma forma.
- Porque não?
- Olhe para mim, Paul! Catherine é uma jovem saudável, cheia de vida, linda, que pode ter qualquer um aos seus pés. Eu sou um homem deformado. Segundo algumas pessoas que me conheceram, não só física, mas também mentalmente. Fora isso, vocês não tem idéia das coisas ruins que já fiz nesta vida. Qual o futuro de sua irmã com alguém como eu?
- Erik, desde que o conheço tenho visto apenas demonstrações de grande caráter, honradez, criatividade e inteligência. Um homem absolutamente normal e melhor que a maioria que conheço. Acha que eu o teria convidado a morar comigo, ou melhor, a conviver sob o mesmo teto com minha irmã, que é o bem mais precioso que tenho, se não confiasse plenamente em você? O que me entristece é pensar que tenha desistido de querer viver um novo amor. Não sei por quais dificuldades passou até chegar neste ponto, mas não podem ser suficientes para você deixar enterrar seus sentimentos.
Envergonhado, comecei a pensar que ele talvez tivesse razão.
- Erik, pense bem a respeito de tudo que lhe falei. Pense! O que você resolver saberei aceitar e apoiá-lo.
Quando estava pronto para sair, bateu amigavelmente em meu ombro e perguntou:
- Você vêm comigo?
- Não. Vou ficar um pouco mais.
- Não se atrase para o jantar, senão a senhora Emma pode ter um colapso nervoso.
Não tive como não sorrir ao ouvir este comentário e lembrar da imagem melancólica de nossa governanta que nunca deixava escapar uma opinião que fosse.
- Claro... Paul?
- Sim?
- Obrigado.
Saiu, com um largo sorriso estampado no rosto.

Paul estava certo. Após sua saída fiquei repensando toda minha vida até aquele momento, todo o sofrimento de ser rejeitado por minha mãe, os maus tratos recebidos de meu tio, até ser vendido para o circo de aberrações dos ciganos, onde cometi meu primeiro crime, aos 13 anos de idade. Eu já não suportava ser tratado como um animal. Matei meu algoz em defesa própria, pois se continuasse a ser espancado daquela forma não teria muito tempo de vida. Aí, surgiu minha redentora, Annie, que me levou as escondidas para os labirintos da grande Ópera de Paris. Ela não tinha medo de minha face horrenda. Ensinou-me a ler e escrever. Forneceu-me os livros que me tirariam da ignorância e me dariam o conhecimento sobre artes, arquitetura, magia, música. Ao ouvir os grandes mestres tocarem suas obras na orquestra do teatro, meu gosto pela música cresceu, fazendo com que aprendesse mais e pudesse compor minhas próprias composições. Para ganhar o dinheiro necessário para bancar meus padrões, cada vez mais elevados, de bem vestir e de alimentação, comecei a provocar pequenos acidentes e a criar a imagem do Fantasma. Após um tempo, passei a pedir um “salário” para que os incidentes não ocorressem, em que fui satisfatoriamente atendido, depois de uma aparição junto ao administrador, sem minha máscara. Comecei a tirar proveito de minha deformidade para conseguir o que queria pelo medo. Achava que só assim teria acesso ao que desejava. Até que surgiu Christine. Uma criança órfã, levada por Annie Giry para aprender dança e integrar futuramente o corpo de baile da ópera. Ela tinha uma voz angelical. No início, sentia prazer em ensiná-la a cantar. Desejava transformá-la numa diva e, através de sua voz, tornar conhecida minha música. Pensava que esta seria a melhor maneira de apresentar-me ao mundo, deixando de ser visto como um monstro, para ser conhecido como compositor sensível. Christine foi crescendo e tornou-se uma linda mulher. Passei a desejá-la, não mais apenas como aluna, mas como mulher e companheira. Tinha certeza de que ela me amaria, afinal, eu era o seu “anjo da música”, enviado por seu pai para protegê-la. Anjo... Um anjo deformado que não contava com a intromissão de Raoul, seu amigo de infância, e o surgimento de um romance entre os dois. Quando finalmente resolvi apresentar-me a ela, já era tarde. Notei o pavor em seus olhos quando tirou minha máscara pela primeira vez. Ali, fiquei com a certeza de que nunca poderia ser amado como homem.
Mais uma vez usei minha técnica de apavorar e ameaçar para conseguir meu intuito. Voltei a matar novamente, por ódio e revolta contra todos que eu imaginava serem um empecilho a minha felicidade.
Percebi, tarde demais, que esta não era a melhor maneira de conseguir um amor. Por isso, fugi.
E agora me encontrava aqui, novamente apaixonado, com medo de uma nova rejeição. Medo de ser ridículo ao revelar meu amor a Catherine, como seu irmão havia aconselhado. Se ela realmente tivesse algum sentimento por mim, resistiria ao deparar-se com minha face de gárgula?
Talvez fosse chegada a hora de vencer o medo e revelar o que sentia. Talvez com ela fosse diferente. Talvez eu pudesse quebrar mais esta barreira e finalmente ser feliz. Tantos talvez...
Tão perdido estava em meus pensamentos que não vi a tarde passar. Já era quase hora do jantar. Resolvi seguir o conselho de meu amigo e aguardar os acontecimentos.
Não me atrasaria para o jantar.