quarta-feira, 29 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo XII e XIII





A última vez que pegara um avião para Mali fora a quase três anos, levando a urna funerária de seu pai para cumprir seu último desejo. Depois de tudo que acontecera, não tinha se sentido com coragem de retornar ao deserto. As lembranças daqueles dias em que conhecera e se apaixonara por Amy MacGarvey ainda causavam desconforto. Ter contado à Kate sobre a mulher que tanto o impressionara naqueles dias provocou certo alívio. Falar sobre sua paixão e sobre sua frustração ao vê-la com outro, na sua volta à Inglaterra, aplacou um pouco de sua revolta. O tempo acabaria curando aquela ferida. Talvez um dia pudesse encontrar Amy e falar sobre isso e então poder entender o que acontecera.
Podia-se dizer que estava feliz de voltar. Suas raízes estavam lá. Uma das heranças deixadas por seu avô e por seu pai tinha sido o amor por àquele lugar.
Aisha finalmente conseguira aprender francês, bem o suficiente para escrever uma carta e dar notícias de seus primos. Ela agora estava noiva e, há mais ou menos um mês, o tinha convidado para o casamento, que seria dali a dois dias. Tinha ficado indeciso sobre sua ida, a principio, mas depois da conversa que tivera com sua irmã, decidira-se.
Chegara há cinco dias e só agora fora visitar o pequeno oásis que tinha sido por muitos meses seu refúgio e o local de encontro com a lembrança de Amy em sua mente. Depois de sua volta à Londres, tentara evitar pensar naquele lugar. Agora, estando ali, era inevitável não pensar nela.
Perdido em seus pensamentos, Daren foi interrompido pelo som de motores e pelo deslocamento de areia, à semelhança de uma tempestade, próximo de onde estava. A cerca de 300 metros, um helicóptero pousou sobre a planície de areia. A porta se abriu e um nativo desceu. Pareceu despedir-se do piloto, que imediatamente, ao ver seu passageiro em segurança, longe do alcance das grandes hélices, levantou vôo. O tuaregue começou a caminhar em sua direção, sem pressa. Daren observava curioso a estranha e silenciosa figura aproximar-se, perguntando-se quem seria. Ao chegar mais perto, pode visualizar dois grandes e brilhantes olhos azuis a encará-lo. Sem dizer uma só palavra o tuaregue retirou seu véu. Daren mal podia acreditar no que estava vendo.



- Amy?! – seu coração quase parou de emoção e uma expressão de felicidade começou a aflorar em seu rosto – O que você faz...?
Chegou a pensar que fosse uma miragem. Porém, a expressão de alegria originada por aquela visão, logo desapareceu, para dar lugar a uma de mágoa e tristeza. O que ela estaria fazendo ali, agora? Não conseguia encontrar uma explicação para aquela visita inesperada...
- O que você está fazendo aqui? Perdeu-se de novo? – acabou por perguntar secamente.
- Eu estava perdida, Daren, mas acabo de encontrar o meu destino – ela falou embevecida por estar diante daquele com quem sonhara nos últimos dois anos e meio.
- E o seu marido não veio? – perguntou ríspido.
- O único homem que eu tive nestes anos estava guardado na minha memória, neste oásis, e você o conhece muito bem.
Daren sentiu seu coração acelerar e, perplexo diante daquelas declarações de Amy, mas não querendo fazer papel de tolo, disse:
- Você acha que depois de todo este tempo sem notícias, sabendo que você casou-se com outro e teve um filho com ele, eu posso acreditar no que você está me dizendo?
- Daren, por favor, esqueça tudo o que viu e ouviu. Eu também fui enganada. Disseram-me que você tinha morrido.
- E aí, você logo arranjou outro...
- Não arranjei ninguém. Nós fomos enganados – Amy já estava ficando desesperada com a frieza de Daren – Eu vim aqui para lhe contar tudo que aconteceu. Por favor, acredite em mim.
Daren sentiu que as palavras de Amy diziam a verdade, mas ainda resistia em aceitar.
- Eu a vi com seu marido a caminho da maternidade, Amy. Ninguém me contou.
- Quem disse que “aquele” era meu marido? Minha mãe?
Ele pensou um pouco e foi obrigado a concordar.
- Sim, mas...
-Tenho algumas coisas para lhe mostrar. Correspondências que nunca chegaram a mim e outras que nunca foram enviadas a você, mantidas escondidas e intocadas por ela.
Dizendo isso, Amy tirou de uma pequena bolsa o maço de cartas que achara no armário de sua mãe e mostrou-as.
Notando a surpresa dele diante daquela correspondência, continuou:
- Antes de ler, tenho uma pergunta para lhe fazer – Amy tinha os olhos mareados pelas lágrimas represadas – Você ainda me ama? Eu preciso saber...
Diante desta pergunta, com Amy totalmente fragilizada diante dele, não pode resistir mais. Segurou suas mãos, que ainda empunhavam as cartas, e disse:
- Amy... Eu não deixei de pensar em você nem um minuto neste tempo todo. Sofri como um louco quando achei que tinha te perdido. Entreguei-me ao trabalho para tentar te esquecer. Procurava você em cada rosto de mulher que conhecia... Mas nada do que eu fazia tirava você da minha cabeça. Achei que o tempo me curaria, mas não. Então, há poucos dias, resolvi me abrir com minha irmã numa tentativa de apaziguar o meu pesadelo. Depois desta conversa, decidi vir para cá. Talvez aqui eu encontrasse a minha cura. Tinha recebido o convite para o casamento de Aisha semanas antes. Foi a desculpa que procurava...
- Meu amor, eu bem sei o inferno por que você passou, pois eu estive lá também... – disse Amy, emocionada pelas palavras que acabara de ouvir.
As cartas foram esquecidas e deixadas cair ao chão. Daren puxou Amy ao encontro de seu corpo e envolveu-a em seus braços.
- Amy, como eu esperei por este momento... – disse olhando-a intensamente.
Aproximou a boca dos lábios entreabertos de Amy que já aguardava ansiosa por seu beijo. Um beijo intenso e impetuoso, que pretendia aplacar um pouco da sede de meses de carência. O desejo estancado por meses a fio, incendiou-se. Toda a paixão retornava viva e incandescente. As mãos inquietas e saudosas de Daren percorriam o corpo de Amy, provocando-lhe arrepios e suspiros. Em pouco tempo, livres de suas vestes, as carícias continuavam, cada vez mais íntimas e pujantes. Ambos entregavam-se àquela viagem de puro deleite, tentando recuperar o tempo perdido. Os beijos e o hálito quente de Daren passeavam dos lábios ao pescoço de Amy, percorrendo a curva de seus seios, descendo às tênues elevações do ventre e ao púbis de pelos louros, fazendo-a contrair-se de tanto prazer. Ela, por sua vez, agarrava-se ao torso nu que a envolvia, acariciando-lhe a cabeça e os cabelos revoltos, puxando-o ainda mais contra si. Exultava ao sentir a barba roçar-lhe a pele e murmurava seu nome:
- Daren... Meu amor...
Finalmente, a ânsia da posse falou mais alto. Deitaram-se sobre as vestes jogadas ao chão e o peso do corpo de Daren fez-se sentir sobre o de Amy. Ela o queria com urgência dentro de si. Sentia-se úmida e pulsante, quando Daren a penetrou teso e vigoroso, levando-a a um mar de sensações libidinosas. Ao ouvir o grito de êxtase de Daren ecoando pelo deserto, sentiu-se invadida por total felicidade e prazer. Finalmente estavam juntos outra vez...
Exaustos, deixaram-se cair lado a lado, satisfeitos. De mãos dadas, olhavam o céu azul acima da sombra das tamareiras, como se estivessem tendo uma visão do paraíso.
Daren ergueu o corpo de lado, apoiando-se sobre seu cotovelo, para poder melhor admirar a beleza de Amy.
- Assim vou ficar encabulada... – disse ela com falsa timidez.
- Não canso de olhar para você. Ainda parece um sonho tê-la aqui comigo. Tenho medo de acordar e...
- Shhhh... – ela pediu silêncio, tocando com os dedos sobre os lábios dele – É um sonho, mas real e que vai ser parte da nossa vida de agora em diante.
Ele, então, notou a cicatriz da cesárea em seu baixo ventre e, com a mão, acariciou-a.
- Como é ele, Amy? – perguntou, após alguns segundos tentando imaginar como era seu filho e de como teria sido maravilhoso poder ter acompanhado aquela gravidez, não fosse todos os revezes ocorridos.
- Ele é lindo, carinhoso, tranquilo e corajoso... Igual a você... De mim só puxou os cabelos – respondeu orgulhosa.
- Não vejo a hora de conhecê-lo, Amy. Você disse que o nome dele é Neil?
- Neil Daren.
- Você colocou o meu nome nele? – perguntou emocionado.
- Sem saber, acabei seguindo uma tradição da sua família – respondeu sorrindo.
Pouco depois, o semblante de Daren voltou a ficar sério e ele quis satisfazer a questão que ainda o incomodava.
- Amy, me conte, afinal, o que aconteceu?
Por mais de uma hora, Amy relatou tudo que se desenrolara depois da despedida, no dia em que ele partiu para Guiné. Lágrimas correram dos olhos de Daren ao ouvir a narração sobre a gravidez dela, sobre a ameaça de aborto ao saber do seu sequestro e finalmente sobre o parto desencadeado pela falsa notícia de sua morte. Estava furioso com Jason e com Margareth, por terem tirado dele o direito de saber que era pai e que Amy ainda o amava e o esperava, mas tentou não demonstrar. Raiva agora de nada adiantaria. Leu as cartas não enviadas, que confirmavam tudo o que ela lhe contava agora. O anúncio da gravidez e toda a aflição de Amy pela falta de notícias.
- Agora você entende porque não o procurei antes? – Amy sentia-se aliviada por estar conseguindo esclarecer tudo – Quando descobri que você estava vivo, há duas semanas, fiquei imaginando que você tinha me esquecido. Só quando achei esta correspondência é que criei coragem de me revelar à Kate e procurá-lo.
Daren, pensativo, abriu um sorriso e disse:
- Lembrei agora da vez que você me perguntou se eu acreditava em destino. Lembra? Na primeira vez em que ficamos juntos?
- Sim... Lembro.
- Eu respondi que talvez viesse a acreditar, mas no fundo achei graça da sua pergunta.
- E agora? – ela perguntou.
- Não tenho dúvida alguma. Este seu encontro com Kate, a descoberta das cartas na mesma semana em que você tinha dúvidas se me procurava...
- Pois eu vou lhe contar um segredo – ela disse baixinho no ouvido dele – Eu nunca tinha pensado nisso até aquele dia. Também achava graça das pessoas que acreditavam. Mas naquela noite eu quis muito crer que o nosso destino juntos já estava definido, pois eu não podia mais me imaginar vivendo sem você.
Ele sorriu e a beijou ternamente.
Repentinamente, Amy levantou-se, surpreendendo-o e falou apreensiva:
- Vamos nos vestir e voltar para o acampamento?
- Por quê? Está tão bom aqui no nosso refúgio... – retorquiu ele preguiçosamente
- É porque tenho uma surpresa para você.
- Surpresa? – disse ele animando-se.
- É – respondeu enigmática e já pegando a roupa para vestir-se – Vamos! Nós vamos ter todo o tempo do mundo para recuperar o que passou.
- Pronto. Mal chegou já está mandando... – disse em tom baixo de voz, mas suficientemente alto para que ela o ouvisse.
- Eu ouvi isso – exclamou diante do olhar zombeteiro dele.
- Venha cá – ele falou abrindo um grande sorriso e já imobilizando-a entre seus braços – Antes, me dê um beijo...
- Não sei... – murmurou provocadora.
Fechando os olhos, sentiu mais uma vez os lábios cálidos e a língua ágil de Daren invadindo sua boca.
- Bem, vamos ver que surpresa é esta – disse assim que a soltou.
Acabaram de arrumar-se, tomaram água e encheram o cantil de Daren para a volta. Subiram no camelo que os aguardava próximo, amarrado numa das tamareiras, e seguiram para o povoado tuaregue.
No caminho, Amy contou a Daren como tinha sido sua conversa com Kate cinco dias antes. Ficara desesperada ao saber que ele tinha viajado para tão longe. Logo se decidiu a encontrá-lo e moveu céus e terras para poder segui-lo. Jason estava se sentindo tão mal com toda a situação que criara e ansioso por fazer as pazes com Chloe, que se dispôs a conseguir passagens e até um helicóptero para o deslocamento até a aldeia.



Depois de 40 minutos de cavalgada, chegaram.
- E então, qual é a surpresa? – Daren perguntou, imaginando o que era, mas não querendo acreditar que Amy tivesse feito tal loucura.
- Vamos descer deste monstrengo que eu já lhe mostro.
Em terra firme, Amy puxou-o pela mão e foi na direção da tenda da família de Aisha. Foi então que viram uma dupla de crianças, com idades em torno de dois a três anos, brincando alegremente com alguns instrumentos musicais. Ambos trajavam roupas simples, próprias dos pequenos tuaregues. A diferença era que um deles usava um véu como os homens adultos, escondendo os cabelos e a face. Aisha apareceu e abanou para Daren e Amy, que já estavam próximos. Uma voz gritou de dentro da tenda:
- Malak!
E imediatamente a menina que brincava levantou-se e correu em direção a sua mãe. Aisha aproximou-se do menino que estava de costas e cochichou alguma coisa em seu ouvido. Pegou a sua mão e virou-o na direção do casal. Imediatamente, ao vê-los, o menino soltou-se da mão de Aisha e correu para Amy gritando:
- Mãe!
Na corrida, o turbante caiu, revelando os cabelos dourados de Neil.
A emoção tomou conta de Daren quando viu seu filho abraçado a Amy, olhando-o com olhos curiosos.
- Neil... Lembra quando lhe falei que você ia conhecer o seu papai?
O menino a olhou, a princípio sem entender muito bem, mas logo conseguiu pronunciar:
- Papai?
Daren, com os olhos marejados, esticou os braços, chamando-o para seu colo. Após alguns segundos de incerteza e olhares para Amy, buscando sua aprovação, Neil jogou os bracinhos na direção do pai, que prontamente o pegou e o abraçou emocionado.
- Meu filho...
Tentando segurar o choro ao presenciar aquele encontro, Amy disse:
- Acho que vocês tem quase dois anos de conversas para por em dia – disse ao abraçá-los.
Após uma troca de olhares apaixonados e um beijo de Daren, Amy os deixou, indo na direção de Aisha, que continuava parada a olhar toda a cena, sorridente.
- Aisha, meu bem, venha ver o que eu trouxe para o seu enxoval. Seu noivo vai ficar doidinho... – falou alegremente, em seu melhor francês, dando o braço para sua amiga.
Amy ainda lançou um olhar para os dois homens de sua vida, que caminhavam descontraidamente em direção às dunas que circundavam o grande oásis próximo ao acampamento. Neil ia com as perninhas enganchadas ao pescoço de Daren, sentado sobre seus ombros, rindo alto com a nova brincadeira.
Amy sentiu que finalmente encontrara a paz e que dali em diante nada mais ia separá-la do homem que amava.








Capítulo XIII - Final

O casamento de Aisha foi um dos grandes acontecimentos na aldeia tuaregue naqueles dias. Depois da cerimônia e da grande festa, com muita música e danças, Amy colocou Neil para dormir em sua tenda e foi convidada a dar um passeio com Daren. Sob uma brilhante lua cheia, iluminando as areias do Sahara, ele a pediu em casamento, selando o compromisso com um beijo apaixonado.
Voltaram para Londres três dias depois, para alegria das irmãs dele, que receberam a notícia da união próxima com Amy com imensa alegria.
Chloe fez as pazes com Jason e, depois de seis meses de intensas conversas com seu analista, ela cedeu e finalmente aceitou o pedido de casamento do editor do British News. Ele não a deixou no altar como o noivo anterior e abandonou a vida de conquistador por amor à esposa.
Mesmo depois de várias tentativas de aproximação de Jason, Daren nunca conseguiu interagir muito bem com o patrão de Amy. Conviviam pacificamente, em nome da amizade entre as irmãs. Só muitos anos depois, viriam a tornar-se amigos, esquecendo o passado definitivamente.
Quanto a Margareth, levou um bom tempo para perceber seu erro. Conhecendo Daren e observando a felicidade da filha junto ao pai de Neil durante vários meses, reconheceu que agira de forma errada e pediu perdão ao casal. Amy conseguiu entender os motivos pelos quais Margareth agira, apesar de não aceitá-los. Mas acolheu o pedido de desculpas e voltou a ter uma boa relação com a mãe. Apesar disso, ainda discutiam cada vez que Daren e Amy resolviam viajar para Mali, levando Neil junto. Ela achava aquilo uma loucura.
Kate Lina ainda teve mais dois filhos. Susan Camila conheceu e apaixonou-se por um diplomata egípcio, com quem acabou casando e mudando-se para o Cairo.
Daren continuou seu trabalho no hospital e com sua movimentada clínica de Ginecologia e Obstetrícia no centro de Londres. Amy passou a ser apenas redatora no jornal, deixando de lado as entrevistas e as aventuras atrás de furos jornalísticos, depois que soube que seria mãe mais uma vez, quando Neil completou três anos.
Quanto a Amy e Daren... Bem... Foram felizes para sempre...






Bom, gente... Finalmente chegamos ao final do nosso romance. Inacreditável. Muita fantasia não? Estas coisas não acontecem na vida real, não?
Pois estão errados os descrentes. Como tinha prometido em duas postagens atrás, trouxe hoje, juntamente com o meu final feliz, a história verídica de um casal, uma espanhola e um inglês, que saiu no jornal Zero Hora, do dia 21 de Julho. Eles se conheceram em 1992, com 25 anos, quando Carmen foi estudar inglês num programa de intercâmbio em Devon e conheceu Steve. Apaixonaram-se e viveram um ano juntos, até que ela teve de mudar-se para Paris. Acabaram perdendo contato. Seis anos depois, Steve tentou retornar a relação, mas como não sabia onde ela morava, mandou uma carta para a casa da mãe dela. A mãe recebeu e colocou a correspondência na parte de cima de uma lareira. A carta acabou caindo num canto e perdeu-se. Só dez anos depois foi encontrada durante uma reforma na casa da família. Na carta, Steve declarava querer saber notícias e se Carmen se casara. Deixou um telefone para contato. Ela nunca se casara, e ao ler a carta perdida resolveu ligar e dois dias depois reencontraram-se em Paris e se descobriram ainda apaixonados. No último dia 17 de Julho, com 42 anos, eles se casaram na cidade inglesa onde haviam se conhecido 17 anos antes.
Fiquei muito emocionada ao ler esta notícia ( vou deixar o link aqui) por notar algumas semelhanças com a minha estória. E eu juro que o meu romance já tinha sido totalmente determinado antes de eu ler esta nota (inclusive a parte da correspondência). Gostaram? Eu adorei saber que o romance continua fazendo parte do nosso mundo real.
Minhas (meus) queridas (os) leitoras(es), por favor, comentem. Mesmo que não tenham gostado das minhas "viagens", comentem. É muito importante para mim saber a sua opinião. Beijos a todos!! Até a próxima!

Link: http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1&newsID=a2586588.xml&channel=13&tipo=1§ion=Geral

sábado, 25 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo XI

Tão logo chegou em casa naquele final de domingo, depois de acomodar Neil em seu berço, ligou para Jason.
- Jason, eu preciso falar com você sobre um assunto muito pessoal. Será que você poderia vir aqui agora?
- Nossa! É tão urgente assim?
- Para mim é algo assim, sim.
- Você está estranha, Amy. Está com raiva de mim? O que houve?
- Você pode ou não?
- Eu ia pegar Chloe para jantar agora, mas se você não se importar que ela vá junto comigo, podemos passar aí em meia hora.
- Preferia que ela não estivesse junto, mas se não houver outro jeito...
- Já que a coisa é séria ... Eu aviso Chloe de que vou me atrasar.
- Está bem. Estou esperando.
- Sim, senhora – falou em tom de galhofa, mas ficou chateado quando o telefone foi desligado sem nem um até logo. Ficou tentando imaginar o que teria acontecido para deixar Amy daquele jeito.
Imediatamente ligou para Chloe, dizendo que se atrasaria para sua saída. Não disse o motivo. Só esperava que ela não tivesse uma crise de desconfiança. Ela era muito sensível nesta questão.

Em menos de vinte minutos estava tocando a campainha do apartamento de Amy.
- Olá! – tentou parecer o mais inocente possível, mas a expressão séria de Amy o fez desconfiar de que a conversa não seria das mais amigáveis.
- Entre, por favor.
Ele entrou e sentou na primeira poltrona que encontrou, olhando-a atentamente, tentando imaginar o que tinha acontecido de tão grave.
- Jason, preciso que você me diga com toda a sinceridade. Por favor, não minta para mim.
- Qual é o problema, Amy?
- É sobre a morte de Daren.
- Ainda ele? Por favor, Amy. Pensei que este caso já estivesse encerrado.
- Eu soube que ele está vivo, Jason – sua voz saiu mais elevada do que pretendia e as lágrimas já ameaçavam rolar. Pensou que precisava conter-se para não acordar Neil.
- Como?
- É o que você ouviu. Por que você me mentiu todo este tempo?
- Espere, Amy. Eu não menti, isto é, não sei realmente o que aconteceu com ele na época – tinha sido pego de surpresa. Não pensava que Amy ainda fosse lembrar deste assunto – Calma! Sente-se, por favor. Com você de pé, com este olhar ameaçador, não tenho condições de conversar.
Amy respirou fundo e repensou se não estaria sendo muito dura com ele.
- Por favor, Jason. Quero entender porque você fez isso comigo – falou cheia de mágoa.
- Amy... Na época você tinha acabado de sofrer uma ameaça de aborto, lembra? Recebi a notícia de que um dos médicos seqüestrados havia morrido durante o resgate. Realmente não sabiam informar qual o nome dele. Deixei passar um tempo e não pensei mais sobre o assunto, até que decidi lhe pedir para ficar comigo. Quando você me recusou e voltou a falar daquele homem, enlouqueci de ciúmes e acabei falando o que não sabia com certeza. Juro que achei que tinha sido ele. As chances eram de cinquenta por cento.
- Mas você me tirou a esperança dos outros cinquenta por cento! Por quê? Por ciúmes? Foi uma grande maldade o que você fez comigo, Jason.
- Amy, me perdoe... – ele estava realmente envergonhado de sua atitude na época.
- Mesmo depois que você desistiu de mim e apaixonou-se por Chloe, manteve a mentira. Por quê? Eu merecia ter uma esperança que fosse de encontrar Daren.
- Pelo amor de Deus, Amy! Passaram-se quase dois anos daquilo. Achei que você já não desse importância para isto.
- Como não? Eu tenho um filho com ele. Você acha que eu esqueceria o único homem que eu amei e que me deu um presente como Neil? – Amy já não conseguia mais controlar o choro. Sentia-se revoltada com a mentira de Jason.
Jason levantou-se e abraçou-a, tentando consolá-la.
- Querida, eu não sei mais o que dizer... Se pudesse voltar atrás, mas não posso.
- Jason, ele está vivo e eu não tenho coragem de procurá-lo com medo que ele tenha me esquecido depois de todo este tempo.
- Como você soube disso? Sente-se aqui e me conte o que aconteceu.
Um pouco mais calma, conseguiu contar como tinha descoberto casualmente a foto de Daren na casa onde passara o fim de semana e tudo que Kate havia lhe contado à respeito do irmão.
- Por que você não falou com a irmã dele sobre tudo que aconteceu entre vocês?
- Não sei... Acho que medo... Ele nunca respondeu minhas cartas. Já pensei até na possibilidade de ele ter perdido a memória por causa do tal seqüestro. Sabe-se lá o que fizeram com ele.
- Amy, você só vai saber se falar com ele.
- Eu sei...
- Eu sinto muito por ter escondido a verdade de você. Sinto-me um canalha por ter feito isto com você. Pode me bater se quiser.
- Bem que tive vontade de esmurrá-lo quando você chegou.
Jason esticou o pescoço e colocou o rosto para frente, oferecendo-o para um soco.
Amy não pode deixar de sorrir da atitude palhaça do amigo, apesar da mágoa que ainda restava em relação ao que ele fizera.
- Deixe de ser bobo, Jason – ralhou com ele, empurrando-o com a mão.
- Quer que eu chame a Chloe para ela vir para cá?
- Não. Vá jantar com ela. Eu prefiro ficar sozinha agora. Vou pensar no que fazer.
- Ainda amigos? – perguntou timidamente – Melhor não responder agora – arrependeu-se da pergunta.
Deu um beijo no rosto de Amy e encaminhou-se para a porta.
- Se precisar de qualquer coisa... Te vejo amanhã no jornal?
- Claro. Estarei lá.
Ele mesmo abriu a porta e saiu, sob o olhar entristecido de Amy.



A semana seguiu normalmente. A rotina no jornal, contatos a procura por novidades para publicação, reuniões de trabalho, levar e buscar Neil na creche... Tudo mantinha Amy ocupada demais para pensar na atitude a tomar para o seu problema. Tentava evitar encontros com Kate.
Quando chegou um novo fim de semana, Margareth convidou as filhas para um chá em sua casa, na tarde de sábado. Pelo menos uma vez por mês ela gostava de reunir-se para saber como estavam as meninas.
Enquanto Margareth preparava o chá e Neil brincava na sala, distraído, Chloe perguntou a Amy como ela estava. Jason havia contado a sua descoberta.
- Você já decidiu alguma coisa? – inquiriu Chloe.
- Ainda não, mas acho que vou ter que procurá-lo. Ao menos para contar sobre Neil. Ele tem o direito de saber.
- Eu briguei com o Jason por causa da mentira dele.
- Não, Chloe, não faça isso. Eu já me entendi com ele. Este é um problema meu e dele. Não quero que isso interfira no relacionamento de vocês.
- Mas ele não podia ter o que fez.
- Por isso notei ele meio deprimido esta semana. Coitado... Ele realmente está apaixonado por você, Chloe.
- Eu também estou com o coração em frangalhos por ter brigado com ele... Mas é bom ele levar uma lição. Assim, quando quiser mentir de novo, vai pensar duas vezes antes.
- O chá está servido, meninas – avisou Margareth, que estava com a mesa servida na sua sala de jantar.
Por garantia, Amy levou alguns brinquedos do filho para que ele pudesse continuar brincando próximo a ela, sob sua atenção.
Chloe e Amy já haviam combinado de não tocar no tema Daren, pois sabiam que a sua mãe nunca reagira bem a ele. Desde a primeira vez, quando soube da gravidez da filha, reagiu muito mal. Portanto a manteriam excluída daquele assunto. A conversa desenrolava-se animada entre as três, quando Amy reparou que Neil já não estava mais ali. Levantou-se preocupada em saber onde ele se metera. Apesar do apartamento de Margareth estar aparelhado contra todos os possíveis riscos de acidente com crianças pequenas, Amy procurava estar sempre de olho no menino.
- Neil, meu bem, onde está você – começou a chamá-lo e foi averiguando peça por peça da casa, sem encontrá-lo. Até que entrou no quarto de sua mãe, que era o lugar sagrado da casa, onde ela não gostava que ninguém entrasse. Sem fazer alarde e com cuidado, chamou Neil baixinho. Logo ouviu uma risadinha gostosa vinda de dentro do armário de Margareth, que estava com a porta entreaberta. Temia que ele tivesse feito tal bagunça nas roupas de sua mãe, que seria obrigada a ralhar com ele.
- Neil, seu safadinho, onde você está?
Nova risadinha...
- Ah! Achei você! – disse ao abrir e descobrir Neil no fundo do armário, atrás das roupas penduradas nos cabides, com uma caixa de madeira repleta de correspondências e sua tampa com flores de madrepérola jogada a um canto.
- Mas que bagunça que o senhor está fazendo - disse rindo da arte que o filho tinha feito e já tentando arrumar as cartas, que deviam ser recordações do tempo de namoro com seu pai. Ela ficaria uma fera ao ver o que o neto tinha feito.
Mas logo o sorriso de Amy foi substituído por um olhar de espanto. Entre as cartas subscritas com as letras de sua mãe e de seu pai, haviam outras, ainda lacradas e com outras caligrafias suas conhecidas: a sua própria e a de... Daren. Deixou-se cair ajoelhda sobre o tapete do quarto em frente ao armário. De repente, um flash de lembranças voltou a sua mente. O endereço que dera para Daren era o de sua mãe, pois ainda não se mudara para o novo apartamento na época em que o conhecera. Sua mãe parecia tão solícita oferecendo-se para colocar sua correspondência no correio. Amy estava sempre correndo por causa do trabalho. Por que não? Como não desconfiara disso? Sua mãe nunca aceitara aquela sua aventura...
Havia mais de uma dezena de envelopes com selos de Guiné-Conakry e com a letra de Daren estampada na frente. Margareth nem se dera ao trabalho de abri-las. Da mesma forma estavam suas próprias cartas, com as palavras de saudade e amor, que nunca chegaram ao seu destinatário.
- Amy? – fez-se ouvir a voz de Chloe, que estava parada de pé ao lado de Amy, também perplexa com o achado.
- O que vocês estão fazendo todos em meu quarto? – perguntou a voz irritadiça de Margareth ao entrar – Quem lhes deu permissão para abrir o meu armário e mexer nas minhas coisas?
Amy não conseguiu evitar a indignação ao ser interpelada daquela forma. Levantou-se num rompante e desferiu:
- Eu que pergunto, Margareth, quem lhe deu o direito de interferir na minha vida desta forma – disse mostrando as correspondências em sua mão – Com que direito você guardou as cartas que Daren me enviou e não mandou as minhas? Como você pode fazer isto comigo?
Margareth estava paralisada ao ver que tinha sido descoberta.
Chloe, rapidamente, pegou Neil no colo e o levou para fora, prevendo que a discussão a seguir seria pesada demais para uma criança participar.
Não demonstrando nenhum sinal de arrependimento, Margareth começou a falar rispidamente:
- Com o direito de mãe preocupada com o futuro de sua filha desmiolada, aventureira, que conheceu um outro maluco como ela, que a engravidou e fugiu, dando a desculpa que ia fazer o bem aos pobres da África.
- Mãe! Você enlouqueceu?
- Acho que você não tem culpa. A culpa foi de seu pai que passou essa herança maldita de gostar de aventuras, corridas, e tudo o mais que o levou para a morte. Você sempre foi a mais parecida com ele. Sempre me trouxe problemas. Por mais que eu tentasse dissuadi-la de seus planos mirabolantes, aquelas viagens para países exóticos, se arriscando a pegar doenças ou ser morta por selvagens, você insistia e acabava me desobedecendo e indo aonde esta sua cabeça de vento a mandava. Quando notei o interesse de Jason por você, achei que Deus tinha ouvido minhas preces. Finalmente alguém com os pés na terra para segurá-la. Um homem feito, com uma profissão estável, apaixonado por você. Aí você desapareceu no deserto. Quase morri de desespero achando que tinha perdido mais alguém que eu amava por suas idéias estúpidas. Primeiro o seu pai e agora você – Margareth começou a chorar e sentou-se na beira de sua cama – Quando acharam você, minhas esperanças renovaram-se. Mas aí, você voltou falando sem parar naquele fulano que tinha conhecido no Sahara. Eu não podia deixar que isto fosse avante. Já era suficiente a gravidez, que não tinha mais como evitar, mas eu não podia permitir que você acabasse de estragar o resto de sua vida com outro desvairado.
Amy estava pasma ao perceber tudo o que sua mãe conseguira esconder dela durante tanto tempo. Não conseguia encontrar palavras para continuar aquela discussão. Sua mãe tinha feito um diagnóstico errado de uma situação, acabara por tomar a conduta que achara mais adequada e certamente não aceitaria o fato de que errara. Definitivamente, não se sentia preparada para esta discussão.
Levantou-se de onde estava, juntou as cartas que lhe pertenciam e saiu do quarto, deixando a mãe e seu choro silencioso sozinhos.
- Amy, você está bem, querida? Fale comigo, por favor?
- Você sabia disto, Chloe?
- Claro que não, Amy! Como você pode pensar uma coisa destas de mim?
- Eu não sei de mais nada, Chloe. Em menos de uma semana descobri que fui traída por duas das pessoas em quem eu mais confiava na vida e por causa delas talvez tenha perdido o homem que eu amo.
- Amy... Eu posso imaginar o que está sentindo.
- Você pode ficar com o Neil por esta noite? Eu preciso ficar sozinha. Quero ler esta correspondência e decidir o que eu vou fazer.
- Eu ia me oferecer mesmo para ficar com ele. Já que estou sem o meu noivo...
- Obrigada, mana. Desculpe ter duvidado de você.
- Eu entendo. Não se preocupe. Me liga assim que estiver se sentindo melhor. Se precisar de mim, faço o Jason de babá e vou para a sua casa – falou, abraçando-a – Com a culpa que ele está sentindo, aceita na hora.
Amy pegou Neil no colo, beijou-o e explicou que ela teria de sair e que ele ficaria com a tia Chloe. Depois de conseguir convencê-lo, deixou-o no colo da irmã, pegou sua bolsa e saiu.




“Amy,
Amanhã devo ser transferido para uma pequena aldeia de pescadores no interior do Parque Nacional do Alto Niger, onde as cheias deixaram muitas pessoas desabrigadas e necessitadas de cuidados médicos. Acredito que não teremos como nos comunicar lá, a não ser pelo rádio.
Ainda não recebi resposta a nenhuma de minhas cartas, Amy. Acho que deve estar havendo algum problema com os correios. Minha esperança é que ao menos você esteja recebendo as minhas.
Em minhas horas de folga é no nosso oásis que eu a encontro e lembro da nossa última noite no deserto. Nestes últimos dias, só a promessa do nosso reencontro em Londres traz ânimo ao meu cotidiano. Agora falta pouco para a minha volta.
Com amor,
Daren”

Esta tinha sido a última carta escrita em Guiné. Ele não a tinha esquecido, até aquele momento. Eram ao todo vinte cartas que demonstravam claramente o amor dele por Amy. Emocionada com a leitura e releitura delas, acariciando com os dedos as linhas escritas pelas mãos de Daren, ela decidiu o que faria.
- Kate?
- Amy? É você?
- Desculpe estar ligando a esta hora, mas preciso muito falar com você.
- Não tem problema. Nós acabamos de chegar em casa. Algum problema com Neil? – perguntou, estranhando a ligação da amiga àquela hora do sábado.
- Não. Ele está bem. Será que posso ir até aí agora?
- Agora? – Kate ficou apreensiva com a insistência de Amy – Mas o que aconteceu?
- Kate, eu ocultei uma coisa de você no último fim de semana.
- Ocultou? O que você quer me dizer, Amy?
- É sobre Daren. Eu o conheci há dois anos em Mali.
- Então foi você! – exclamou surpresa – Eu bem que estava começando a desconfiar... Venha prá cá, Amy. Nós temos que conversar.
- Até mais – despediu-se.


Desculpem-me as apaixonadas pelo Daren, mas prometo que ele vai aparecer logo, logo, já no início do próximo e último capítulo. Beijos!

quarta-feira, 22 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo X



Hotel Ritz de Londres

Julho de 1988
A entrevista coletiva no Ritz Hotel de Londres tinha sido muito disputada. Todos queriam ser o responsável por fazer a pergunta mais interessante. Nigel Mansell ainda estava chateado com o segundo lugar obtido em Silverstone, quando perdera para o brasileiro Ayrton Sena. A Willians já não vinha bem de uns tempos para cá e a dúvida era se Mansell ia ou não mudar de time. As suspeitas eram de que em breve ele estaria na equipe da Ferrari. Quando finalmente tudo acabou, satisfeita com a sua gravação e com as respostas do famoso campeão inglês de Fórmula Um, olhou seu pager para ver se Jason estava a sua procura. Foi quando, surpresa, viu que recebera vários avisos. Ao olhar seu relógio, percebeu o porquê. Já passara em muito a hora de pegar Neil na escolinha. Despediu-se dos colegas da coletiva e saiu correndo à procura de um táxi.
Quando conseguiu chegar à porta do prédio que abrigava a escolinha de ensino infantil, distante quatro quadras de sua casa, encontrou-a fechada. Nem um bilhete. Começou a entrar em desespero. Sentiu-se a pior mãe do mundo. Foi quando seu pager tocou novamente. Dirigiu-se a um telefone público e pegou suas mensagens na operadora. A última era de Kate. Ela era mãe de um dos coleguinhas de Neil. Fizera amizade com ela desde o primeiro dia, há alguns meses. Era uma jovem mãe extremamente simpática. Costumavam encontrar-se no momento em que deixavam ou buscavam os filhos. Por várias vezes tentaram combinar um encontro fora daqueles horários, mas Amy sempre tinha algum compromisso de trabalho. A empatia entre elas tinha sido instantânea. Talvez ela soubesse de alguma coisa. Imediatamente ligou para número fornecido pela operadora.
- Alô?
- Alô. Kate? – saudou ao ouvir a voz feminina do outro lado da linha.
- Sim?
- Aqui é a Amy, mãe do Neil, da creche.
- Amy... Claro! Eu mandei uma mensagem para o seu Pager há pouco. A Sra. Hailey da escolinha me deu o seu número para que eu pudesse deixar um recado. Ela tentou contatar você em sua casa e pelo pager, mas não teve sucesso. Tudo bem com você?
- Tudo bem, mas estou desesperada por notícias do meu filho. Você sabe sobre o Neil?
- Ele está aqui comigo, querida. Não tem por que se preocupar mais.
- Ah! Graças! Nem sei como te agradecer! Tive uma coletiva no Hotel Ritz e perdi a hora. Ele está bem?
- Está ótimo. Está brincando com o Brian. Se quiser deixá-lo aqui e buscar depois, sem problemas.
- Não. Eu vou até aí agora mesmo. Muito obrigada, Kate.
- Imagina. O Neil é um doce de criança.
Depois de pegar o endereço, que não era muito longe dali, dirigiu-se rapidamente para lá. Kate morava numa elegante casa de dois andares em Chelsea, bairro vizinho de Notting Hill.



Chelsea

Tocou a campainha e foi imediatamente atendida pela dona da casa, com um grande sorriso. Amy novamente tinha a impressão de que ela tinha um rosto familiar. Só não conseguia definir o porquê desta estranha sensação.
- Entre, Amy, por favor.
- Obrigada, Kate. Desculpe estar te dando este trabalho. Cuidar de duas crianças de um ano e meio não é tarefa muito fácil.
- Que nada. Eles não incomodam nem um pouco. Além do mais, neste horário de pique tenho uma senhora que me ajuda. Venha sentar-se aqui um pouco. O meu marido chegou alguns minutos atrás e está aproveitando para matar a saudade do filhote. Já o coloquei para cuidar dos dois enquanto a gente conversa. É tão difícil a gente conseguir conversar.
- Tem razão. Tenho trabalhado muito ultimamente.
- E o seu marido? Ele também é tão atarefado quanto você? Também é jornalista?
- Eu sou solteira, Kate.
Amy notou a amiga enrubescer, sorriu e consolou-a:
- Não se preocupe. Você não tinha como saber disso.
- Desculpe. Eu e minha boca grande. Minha irmã sempre me diz que eu falo demais.
- Faço o que posso para compensar a falta de um pai. Tenho a ajuda de minha mãe e de Chloe, minha irmã mais velha.
- E o pai dele não ...? Desculpe a curiosidade, mas ...
- O pai dele morreu antes dele nascer, sem saber que ia ser pai. Tenho certeza que se ele fosse vivo estaríamos juntos.
- Que horror, Amy. Sinto muito – disse Kate com sincera consternação – Querida, você sabe que eu tenho uma grande simpatia por você e gostaria de ser sua amiga de verdade. Que tal o Neil e você passarem um fim de semana na nossa casa de campo perto de Oxford?
- Quem sabe... Ando precisando tirar um fim de semana só com o Neil. Acho que ando exagerando no trabalho
- Tenho a mesma impressão... – sorriu Kate.
- Kate, acho que o Brian precisa ser trocado... – gritou seu marido, descendo as escadas – Oi! Boa noite – disse ele ao ver Amy, saudando-a.
- Deixe que eu troco o Brian, Sr. John – disse uma mulher de seus quarenta anos, uniformizada, que com presteza já se encaminhava para o andar de cima.
- Obrigada, Sra. Bailey – agradeceu John.
- Deixe eu te apresentar à mãe de Neil, querido. Amy, este é John. John, esta é Amy.
- Muito prazer, Amy - cumprimentou-a John, alegremente.
- Eu estava convidando a Amy para passar um fim de semana conosco lá no chalé. Aproveitar estes dias de sol. Vai ser muito bom para as crianças e para nós – falou Kate animadamente.
- Claro. Tinha pensado em ir neste próximo fim de semana.
- O que acha, Amy? Você vai poder? – perguntou a nova amiga.
- Acho que posso dar um jeito sim. Não tenho nenhum trabalho à vista neste final de semana.
- Então está combinado. Eu lhe dou o endereço ou você vai com a gente?
- Adoro dirigir. Pego o endereço e encontro vocês lá.
Amy começava a ficar entusiasmada com o convite de última hora. Andava precisando mesmo de um descanso e Kate e sua família pareciam ótimas companhias.
- Maravilha! – exclamou Kate, levantando-se do sofá – Venha, Amy, vamos ver o que os nossos anjinhos estão aprontando.
Subiram para o quarto de Brian.
Pouco tempo depois, Amy despediu-se da família, já com o endereço do chalé em Oxford anotado em sua agenda e o compromisso de encontrá-los lá no próximo sábado.

A semana pareceu ter corrido mais rapidamente que as outras. Chloe e Jason tinham ido jantar em sua casa na noite anterior. Há cerca de seis meses estavam juntos. Jason desistira do cerco à Amy e passou a interessar-se em Chloe. Conhecendo a fama dele e já tendo em seu passado péssimas recordações de seu antigo noivo, resistiu o que pode aos galanteios do chefe de Amy, fazendo-o ficar mais interessado ainda. Até que não resistiu mais quando ele, numa última tentativa de provar a ela que suas intenções eram as mais sérias possíveis, mandou uma floricultura inteira inundar a sala de seu apartamento, com direito a uma serenata com um conjunto de mariacchis na porta de seu prédio. Parecia que desta vez o solteirão desistira de sua carreira de conquistas amorosas e conseguira estabelecer-se na família MacGarvey. Chloe parecia outra mulher. Mais confiante e mais afetuosa do que nunca. Já falavam em casamento, que era a única coisa que ainda a apavorava. O seu psicanalista andava trabalhando um pouco mais por causa desta “ameaça”.
- Eu já falei para Amy que ela precisa de umas férias de verdade. Mas ela não me ouve. Suas últimas férias foram em 86, e mesmo assim ela ainda foi para o Paris-Dakar a trabalho.
Quando Jason tocou naquele assunto, reparou que Amy demonstrou um certo desconforto. Um silêncio se fez. Lembrar daquela época ainda era difícil para ela. Daren continuava vivo em sua memória, em seus sonhos e em seu coração.
- Amy, Jason tem razão. Que tal tirar umas férias com Neil. Ir para um lugar quente, com praia. Dizem que a Itália nesta época do ano tem balneários fantásticos. Seria muito bom para vocês.
- Vou pensar no assunto. Quem sabe neste final de semana eu me decida a seguir seus conselhos...
- Isso, Amy. Pense nisso – reforçou Jason.

Casa de campo em Oxford

O sábado amanheceu ensolarado e com uma temperatura agradável, muito convidativo para um passeio. Colocou sua bagagem do fim de semana no carro, Neil em sua cadeirinha e seguiu para a estrada.
Facilmente achou o lugar indicado por Kate. Era uma casa tipicamente inglesa, antiga, de dois pisos,que havia sido reformada recentemente e que pertencia à família de John. Tinha um grande gramado à frente da entrada principal, que ostentava duas colunas adornadas por exuberantes trepadeiras. O interior mostrou-se ainda mais aconchegante, com decoração clássica, móveis dignos dos melhores antiquários, estofados de tecidos discretos com mantas coloridas jogadas displicentemente sobre eles e muitos quadros, retratando pessoas e paisagens rurais, nas paredes.
- Amy! – exclamou Kate ao ver sua amiga com Neil no colo e sua bagagem no chão do hall de entrada - Que bom te ver aqui. Foi fácil de nos achar? – disse abraçando-a e dando um beijo em sua face.
- Sem dúvida. Vocês me deram indicações muito precisas. Não tinha como me perder.
- Venha, querida. Vou mostrar o quarto de vocês.
Ajudou Amy com sua maleta e a mochila de Neil e levou-a ao quarto de hóspedes no segundo andar.
- Estou esperando a vinda dos meus irmãos. Susan deve chegar hoje à tarde e Thomas ficou de vir amanhã.
Amy gelou ao ouvir o nome Thomas. Mas logo pensou que obviamente existiam milhares de Thomas na Inglaterra. Além disso, o seu Thomas já não estava mais ali.

Quarto de hóspedes

Sala de estar


Depois do almoço, colocou Neil para dormir. Ele estava exausto de tanto brincar com seu amiguinho em meio a um mar de brinquedos nos jardins da casa. Aliás, não tinha sido só ele que resolvera tirar uma soneca naquele início de tarde. Parecia que apenas ela ficara acordada. Não tinha o hábito de dormir naquele horário. Dessa maneira, resolveu aproveitar para pegar um livro na estante repleta do gabinete de John. A caminho dali deparou-se com um aparador coberto de porta-retratos com fotos da família. Quando passava os olhos sobre uma delas, que foi surpreendida por uma imagem. Era uma foto de Kate entre duas pessoas. Uma mulher de cabelos negros e fisionomia que lembrava Aisha e um homem de cabelos castanhos e olhos verdes como os de Kate... Era Daren! Estava mais magro e um pouco abatido, mas era ele, sem dúvida. Mal podia acreditar no que tinha descoberto. Thomas... O irmão de Kate? Como era possível tanta coincidência? Agora percebia porque a fisionomia de Kate era tão familiar e porque simpatizara tanto com ela. A outra mulher seria Susan ou ...Hanna? Não esquecera o nome da noiva de Daren, mesmo depois de todos estes meses. A foto parecia ser recente. Mas... Então... Daren não estava morto. Por um instante sentiu uma alegria tomar conta de sua alma e sorriu sem perceber. Porém, logo os pensamentos sobre o porquê dele não a ter procurado, não ter escrito, não... Dúvidas e incertezas inundaram a mente e o coração de Amy. Jogou-se sentada em uma das poltronas da sala de estar, para onde se dirigira segurando o retrato. Estava pasma com sua descoberta. Uma vontade de chorar foi sufocada quando ouviu a voz de Kate que estava à sua procura. Engoliu o choro e respondeu:
- Sim? Estou aqui na sala, Kate.
- Aproveitei que nos deram uma folga e vim para conversarmos um pouco... O que foi que houve, Amy? – perguntou, notando que a expressão da amiga estava perturbada, apesar dela tentar esconder isso.
- Nada... Estava vendo as fotos da sua família e me emocionei. Só isso. Sou muito emotiva...
- Ah! – sensibilizada, Kate aproximou-se de Amy e fez um carinho em seu ombro, tentando reconhecer qual foto a emocionara – Esta foi tirada logo após a volta de meu irmão da África. Ele esteve lá como voluntário dos Médicos Sem Fronteiras. Acredita? Quase o perdemos lá... Tínhamos perdido nosso pai poucos meses antes e ficamos realmente aflitas com a falta de notícias dele.
- É mesmo? Me conte o que aconteceu, por favor. Admiro demais o trabalho desta organização pelo mundo – disse conseguindo obter forças para que a voz saísse.
Kate sentou-se a sua frente e, a partir daí, Amy tomou conhecimento dos problemas enfrentados por Daren desde a última vez em que se viram.



- Por isso fiz questão de tirar esta foto dos três irmãos reunidos mais uma vez: Susan Camila, Kate Lina e Thomas Daren – disse Kate ao final de seu relato.
- Todos vocês tem nomes compostos...
- Idéia do papai. Ele deixou mamãe escolher os primeiros nomes, mas fez questão de colocar um segundo nome de origem muçulmana ou africana em todos nós.
- Que interessante...
- Aliás, usamos este segundo nome apenas entre nós mesmos. Para o mundo exterior, somos Kate, Susan e Thomas. Coisas de criança inventando um mundo paralelo onde só nós três nos entendíamos... Amy... Você está chorando?
- Não se preocupe. Acho que ando mais emotiva ultimamente. Deve ser um pouco de estresse pelo excesso de trabalho. Mas me conte mais sobre seus irmãos. Eles são casados? – Amy tentava saber o máximo de informações possíveis a respeito dele.
- Só eu. Susan e Thomas ainda não acharam seus parceiros. Thomas até estava noivo quando foi para a África, mas ao voltar rompeu o noivado. Ou melhor, quem rompeu foi sua noiva. Ela havia se apaixonado por outro. Traidora.
- Deve ter sido um golpe duro para ele, não?
- Acho que não. Pareceu mais um alívio pelo modo como ele encarou tudo. Mas isto é outra estória... Agora me conte de você.
- Não tenho nada de muito interessante para contar – falou, sentindo uma ponta de esperança ao saber que ele não havia casado.
Com a insistência de Kate, Amy acabou contando sobre seu pai e sua morte nas pistas de corrida, sua irmã e sua mãe, suas viagens pelo mundo e seu trabalho no jornal. Evitou falar sobre o Paris-Dakar de 1986 e, sobretudo, de Daren.
- E o pai de seu filho? Como o conheceu?
Enquanto Amy pensava numa maneira de inventar algo ou evitar aquela resposta, o telefone tocou, para sua sorte, forçando Kate a levantar-se do sofá e atender.
- Oi, Daren!
Amy sentiu-se estremecer ao perceber quem estava ao telefone. Uma ansiedade apoderou-se dela. Como gostaria de ouvir sua voz de novo. Apesar disso, manteve-se sentada, paralisada, enquanto prestava atenção a tudo que Kate falava.
- Não vai poder vir? Ah, malvado! Você e suas emergências médicas. Quando o senhor vai poder dar uma relaxada aqui no chalé?
Após uma pausa, onde ele devia estar desculpando-se e explicando-se por sua ausência no dia seguinte, Kate voltou a falar:
- Está bem. Vá cuidar do seu paciente. Combinamos um outro dia... Está bem...
Um beijo prá você ... Também te amo.
Kate colocou o telefone no gancho meio tristonha.
- Este meu irmão... Parece você. É viciado em trabalho. Acho que voltou pior daquele estágio com os guineenses do que já era. Mas não vai faltar oportunidade para você conhecê-lo. Acho que vocês se dariam muito bem, aliás...
Amy deu um sorriso tímido, mas em seu íntimo sentia seu coração estreitado no peito. Uma pergunta não a abandonava: “Por que ele não me procurou? O que aconteceu? Será que não falou sobre mim para as irmãs?” Apesar desta duvida aniquiladora, não quis contar ou perguntar mais nada para Kate.
Não passou-se mais que trinta minutos, em que Amy conseguiu desviar o assunto de sua conversa para algumas de suas entrevistas com astros famosos do mundo das competições, quando Susan chegou ao chalé.
Logo as crianças acordaram e o clima da casa tornou-se mais agitado, não sendo possíveis as conversas mais íntimas.
Passaram parte da tarde tomando sol na área da piscina e cuidando dos pequenos, enquanto John dedicava-se a cuidar do jardim.
- Amy, desculpe a indiscrição, mas onde você comprou este colar? – perguntou Susan, observando o inseparável colar tamit de Amy.
- Comprei numa viagem ao Marrocos – mentiu.
- O Thomas tinha um colar igual, dado por nosso avô a ele. Mas eu não o vi usando mais – observou Kate.
- Pois é... Pensando bem, não o vejo usando desde que voltou de Guiné –lembrou Susan – Que coincidência...
Amy sentiu-se mal com aqueles comentários, mas tentou não transparecer nada.
- Gostaria de te agradecer, Kate. Há muito tempo que eu não passava um fim de semana tão agradável como este – falou como forma de mudar de assunto, mas com muita sinceridade.
- Que bom que você está gostando, Amy. Eu amo isto aqui. Sinta-se à vontade para vir para cá quando desejar. Saiba que está sendo um prazer muito grande ter você aqui conosco. Além disso, o Brian e o Neil se dão tão bem. Olhando-os daqui, parecem até irmãos. Você já notou a semelhança? Estou impressionada.
Amy apenas sorriu e pensou, mais uma vez, se não deveria contar sua história com Daren. De olhos fechados, com o sol em seu rosto sentiu-se transportada para o deserto.

À noite estavam todos tão exaustos que acabaram se recolhendo mais cedo. Amy custou a pegar no sono. Tentava de todas as maneiras encontrar um motivo para Daren não tê-la procurado após sua volta. Sem contar a revolta que sentia agora contra Jason que a enganara contando que ele havia morrido. Será que ele havia mentido propositalmente ou recebera uma falsa notícia e repassara para ela? As cartas que mandou para Guiné e que nunca foram respondidas... Todas estas questões passavam e repassavam por sua cabeça sem encontrarem uma resposta satisfatória. Chorava baixinho para não acordar Neil, que dormia tranquilo num berço ao lado de sua cama. Assim ficou até cair no sono por exaustão.

Piscina do chalé

O domingo deixou em Amy a sensação de estar vivendo algo surreal. Ver Neil brincando com seu primo, estar tão próxima das irmãs de Daren, conversando e rindo animadamente, sentir o carinho daquela família para com ela e seu filho sem saberem da ligação que tinham provocou-lhe sentimentos ambíguos, às vezes de conforto, às vezes de angústia. Estava totalmente confusa.
Voltou para casa ao final do dia com um terrível vazio no peito.

Acho que agora falta pouco para terminar este romance. Espero que estejam gostando.

Para as pessoas que não acreditam em romances e acham que este tipo de estórias não acontecem na vida real, que são apenas fruto de uma imaginação fértil, prometo mostrar uma história, da qual tive conhecimento esta semana, que me deixou bastante emocionada. Não só pela história em si, como pela semelhança com algumas passagens de "Um Amor no Deserto". Só não vou contá-la hoje para não dar a deixa do que vai acontecer no próximo capítulo. Aguardem!

Muitos beijos a todas!

domingo, 19 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo IX


BigBen





Não pode conter as lágrimas quando colocaram o filho de Daren em seus braços. Ele era lindo. A alegria de vê-lo assim perfeito e ativo fez com que Amy esquecesse um pouco da grande tristeza de saber que seu amor desaparecera definitivamente. Ainda não conseguia acreditar em sua morte. Ela o sentia vivo e muito próximo. Talvez estivesse negando a realidade... Ou o motivo para esta sensação fosse aquele pequeno ser que se aconchegava preguiçosamente em seu colo. Lembrava do dia em soube que estava grávida. Estava trabalhando numa reportagem com o time inglês que se preparava para enfrentar a Copa do Mundo no México, quando sofreu uma tontura que a fez cair sobre um dos jogadores entrevistados, que a segurou assustado. Que vergonha tinha sentido. Depois disso, foi obrigada a procurar um médico, pois as tonturas e as náuseas passaram a ser diárias. Depois de um simples exame ginecológico e uma análise de seu sangue, recebeu a confirmação da notícia já prenunciada por sua mãe. Um misto de felicidade e medo a envolvera. Queria tanto que Daren estivesse junto para compartilhar com ela aquele momento. Uma responsabilidade tão grande para afrontar sozinha... Seria mais um desafio a levar adiante. Escreveu uma carta para avisá-lo, mas nunca obteve resposta. E agora, ele nunca saberia do tesouro que escondera dentro dela e que acabara de ser descoberto. Um menino, forte e saudável, de cabelos louros como os seus e olhos verdes como os do pai. Tentava não revoltar-se com a perda de seu nobre tuaregue. Não queria seu coração amargurado pela dor e pela tragédia para não macular a inocência de seu filho. Queria que ele crescesse feliz e confiante em si. Ensinaria a ele a ser um homem bom, corajoso e determinado como fora Daren.
- Amy, ele é tão bonitinho... – disse a avó orgulhosa, Margareth – Posso pegar ele um pouquinho?
- Eu já estou na fila! – exclamou Chloe, exultante como tia.
Ela estava tão feliz que chamou a atenção de Jason. Ele nunca reparara como era belo o seu sorriso, que deixava visíveis duas adoráveis covinhas nos cantos da boca de lábios carnudos. Tentou espantar aquele tipo de interesse da mente. Afinal, acabara de declarar-se à Amy. Está certo que tinha levado um “fora”, mas talvez ainda tivesse chance, agora que o outro estava fora do páreo.
- Será que posso entrar nesta lista de espera, como tio postiço? – perguntou Jason alegremente, alcançando um lenço de papel para Amy, para que ela pudesse secar as lágrimas que escorriam por sua face.
Tentava não pensar muito na mentira que contara a Amy. Queria convencer-se de que aquilo era o melhor para ela. Uma mentira saudável, que a faria esquecer o homem que a abandonara. Ou, quem sabe, não fosse mentira? Não conseguira saber o nome do voluntário que morrera. Nem procurara saber... Melhor assim.
- Já escolheu um nome para ele, mana?
- Não estou certa ainda... Eu esperava que Dar... – interrompeu a frase, baixando os olhos entristecidos, lembrando que Daren não poderia mais opinar àquele respeito - Pensei em Kane, que significa guerreiro, ou Neil – continuou, vencendo a dor e a saudade.
- Acho Neil um lindo nome. Sabe o que significa? – indagou Chloe.
- Você acha que eu gastei o meu tempo naquelas intermináveis semanas de repouso fazendo o quê? Decorei os significados de todos os nomes que me agradaram – tentou fazer graça e sorriu um pouco – Neil quer dizer “aquele que vence”. Talvez seja apropriado. Afinal ele é um vencedor. Conseguiu sobreviver à mãe dele...
- Acho que é perfeito, querida – falou Margareth satisfeita – Neil MacGarvey.
- Neil Daren MacGarvey.
A afirmação de Amy provocou um silêncio desconfortável e momentâneo. Jason tentou esconder a irritação com a homenagem. Amy tornara ainda mais claro que não pretendia dar um outro pai ao seu filho.
Chloe rompeu o clima opressivo, elogiando a escolha.
- Amy, é uma excelente escolha, meu bem. Não poderia ser melhor... – aproximou-se da irmã e abraçou-a ternamente – Seja bem-vindo, Neil Daren MacGarvey – exclamou, fazendo uma leve carícia na pequena cabecinha coberta por uma touca de algodão azul.
Chloe imaginava o que Amy devia estar sentindo. Ao longo daqueles meses, apesar de insistir com a irmã para que ela esquecesse Daren, não pode deixar de sentir certa curiosidade por ele, tal a maneira fascinada com que Amy o descrevia ou às situações que tinham enfrentado juntos. Um brilho especial surgia em seu olhar ao falar dele. Talvez ele fosse realmente um homem admirável. Conhecia bem a irmã e não acreditava que ela pudesse se apaixonar por um mau-caráter.
Naquele momento, uma enfermeira entrou perguntando se o menino tinha conseguido mamar.
- Mas ele está tão tranquilo... Não acho que esteja com fome – reagiu Amy, que não queria se afastar do filho recém-nascido.
- De qualquer maneira, vou levá-lo para que ele receba um complemento. A descida do leite materno às vezes demora um pouco após a cesariana. Ordens do seu pediatra.
Agilmente, apesar das lamentações da família toda, a enfermeira pegou Neil nos braços, levando-o, com a promessa de trazê-lo dentro de uma hora, para nova tentativa de amamentação.
- Amy, vou levar Margareth para um lanche. Depois que virou avó, ela esqueceu que comer é uma coisa essencial para a sobrevivência – disse enganchando o braço no de sua mãe e levando-a para a cantina do hospital.
Assim que saíram, Jason dirigiu-se à Amy, que acariciava a estranha jóia de prata em seu pescoço, da qual nunca se separava.
- Como você está?
- Tentando me manter viva para poder cuidar do meu filho...
- Amy... – a vontade que tinha era de abraçá-la e pedi-la em casamento de novo, mas a razão lhe dizia que não era a hora mais adequada para voltar a este assunto – Você sabe que pode contar comigo para o que quer que seja.
- Obrigada, Jason.
- Não quer conversar um pouco?
- Não... Se você não se importa, gostaria de descansar um pouco, por favor.
- Claro – respondeu com certa mágoa pela dispensa sofrida - Vou para a redação. Volto amanhã.
Deu-lhe um beijo na testa e saiu silenciosamente.


Aos poucos a vida foi voltando ao seu ritmo normal. Neil era um bebê tranquilo. Um mês após o parto, Amy já voltara ao trabalho, em ritmo mais lento, mas eficiente como sempre. Deixava o menino com Margareth pela manhã, encontrava-o no horário do almoço e voltava para pegá-lo no fim da tarde. Voltara a morar em seu próprio apartamento. Não aceitava a idéia de continuar vivendo com sua mãe, apesar da comodidade que teria nesta fase. Seria um retrocesso em sua vida. Jason voltara com seu assédio, um pouco mais discreto que antes, mas pelo menos não tocara mais no assunto casamento.
Amy ainda pensava muito em Daren. Não conseguia se conformar com a notícia de sua morte. Já havia tentado entrar em contato com Bedford, mas não tinha conseguido encontrar qualquer parente dele por lá. Conseguiu saber que sua mãe já era falecida e que as irmãs haviam se mudado de lá há alguns anos. Nada mais. Reconhecia que eles tinham conversado muito pouco sobre estas coisas naqueles três dias em que ficaram juntos. Três dias... Então, nada parecia mais importante do que o amor que sentiam um pelo outro. Agora, o pouco que sabia não a ajudava em nada. Até na lista telefônica havia feito uma revista, ligando para vários Watsons, sem resultados. Ainda o procurava no seu oásis e o via em seus sonhos. Sempre acordava chorando.

*******

Depois que Daren coletou seus exames, procurou certificar-se do que tinha acontecido com a “paciente” que vira a caminho do centro obstétrico. Soube que ela dera à luz a um menino. Nada mais. Não queria nem precisava saber nada mais. Ficou andando sem rumo por horas, sem saber o que fazer, até conseguir voltar para casa. Precisava entrar em contato com suas irmãs e com Hanna. Elas ainda não sabiam de sua volta. Queria fazer os exames antes para ter certeza que estava bem. Aquele período em que permanecera em cativeiro, em poder dos revolucionários, em péssimas condições de higiene e alimentação, deixara sua saúde muito debilitada. A morte de seu amigo durante o combate entre os militares e os sequestradores o abalou ainda mais. Poderia ter sido ele. Quando pensou que seria libertado, tornou-se prisioneiro mais uma vez. Um dos líderes do governo de Conté resolveu requisitá-lo como médico particular de sua família, bem como ao enfermeiro que o acompanhava no retorno à Europa, levando-os para sua casa em Kankan, capital de uma região ao nordeste de Guiné. Foi obrigado a conviver como “hóspede”, sendo exibido como troféu aos amigos do coronel. Este costumava contar como havia sido o salvamento dos dois e lastimar a morte do outro médico. Ele tinha alguns familiares portadores de aids e uma filha grávida de quase cinco meses, que já perdera três bebês, sem que ninguém descobrisse o porquê. O último médico que a atendera havia sido morto... Inexplicavelmente. Por sorte, lendo os precários prontuários dos atendimentos anteriores, conversando e examinando sua paciente, Daren determinou que ela tinha uma incompetência da cérvice uterina e que necessitava de uma cerclagem para que o feto pudesse desenvolver-se tempo suficiente para amadurecer. Além disso, o repouso absoluto era necessário. Naqueles últimos meses, com o apoio do MSF, que comprendera a situação de risco em que Daren e o enfermeiro se encontravam e para não perder a abertura que tinham para manter o auxílio ao povo guineense, mantiveram sigilo sobre o que estava acontecendo, sob a anuência dos dois voluntários. Em três meses, após negociações, com o sucesso da cerclagem feita por Daren e o nascimento do neto do líder de Kankan, médico e enfermeiro foram libertados afinal.

Ao chegar em casa, sentindo um vazio interior imenso, pensou que o melhor a fazer agora era ligar para as irmãs.
- Alô? – saudou uma voz feminina.
- Lina?
- Daren? Daren!!! Onde você está?
- Estou bem, Lina. Já estou em Londres. Acabei de voltar de Guiné.
- Nós estávamos preocupados com a falta de notícias. O pessoal do MSF não diz muita coisa. Só sabíamos que você estava vivo em uma cidade chamada... Como é mesmo? Kaka...
- Kankan.
- Isso! Vou avisar a Camila. Ela está morta de preocupação com você também. Você está em casa?
- Sim.
- Por que não vêm para cá? Ou prefere que a gente vá até aí? ... Você está tão monossilábico... Ou sou eu que não o estou deixando falar? – falou preocupada, observando a tristeza na voz do irmão – Melhor. Eu vou até aí para pegá-lo e trazê-lo para cá.
- Calma, Lina. Eu estou bem. Só um pouco cansado. Acabei de fazer uns exames para ver se não fiquei com nenhuma sequela desta minha aventura.
- E você acha que eu vou ficar esperando resultado de exames prá te abraçar? De jeito nenhum. Fique bem quietinho aí, que já estou indo. Me espere! Tenho novidades!!!
- Lina! – exclamou Daren, mas Lina já não o ouvia mais. Tinha desligado o telefone sem esperar resposta dele.
Protetora, forte e afetuosa, apesar de ser a caçula, Lina sofrera muito com a morte de sua mãe. Era ela que dispensava a maior atenção ao pai quando este já estava no hospital, em seus últimos dias. Passava muitas horas e noites ao seu lado, incansável. Gostava imensamente dela. Pensou, sorrindo, quais seriam as novidades que ela tinha para lhe contar. Ela sempre tinha alguma.

- Daren!!! – gritaram Lina e Camila, em uníssono, quando Daren abriu a porta de seu apartamento, menos de uma hora depois do telefonema.
As duas praticamente jogaram-se sobre ele, quase o derrubando ao chão.
- Como você está abatido! – observou Lina.
- Como emagreceu! – notou Camila.
- Como você está, querido? Estávamos enlouquecidas com a falta de notícias.
- Calma, meninas. Estou aqui e bem... – afirmou, sentindo-se muito feliz com aquele reencontro com sua família, o que quase o fazia esquecer-se do baque recebido há poucas horas.
Abraçados, foram para a sala, onde ainda estava a bagagem dele pelo chão.
- Quando você chegou? Por que não ligou antes? – Lina estava ansiosa por saber mais detalhes.
- Sentem-se, que eu conto tudo o que aconteceu – tentou acalmá-las.
Quando estavam sentando-se, ele notou a barriga mais saliente de Lina.
- Agora estou vendo quais são as novidades de que falou.
- Vamos ser tios, Daren! Você acredita? – exclamou Camila, a irmã do meio.
Camila era uma bela mulher de traços finos, cabelos negros e tez um pouco mais escura que a dos irmãos. Herdara sua fisionomia do lado tuaregue da família. Era mais contida que Lina, mas, ao seu modo, não menos afetuosa. Ainda estava solteira. Trabalhava como tradutora e intérprete na embaixada do Egito em Londres.
- Estou de cinco meses. O John e eu queremos que você faça o parto e seja o padrinho dele ou dela. Bom, mas vamos falar de você. Estou doida para saber o que aconteceu. Tudo!
Atentas a tudo que o irmão mais velho contava, quase foram às lágrimas quando contou sobre o dia em que espalhou as cinzas de seu pai no deserto e, depois, sobre o período passado em Guiné. Daren evitou contar sobre Amy. Talvez um dia...
- ... Assim, cheguei ontem à noite. Hoje pela manhã fui até o hospital para avisar da minha chegada e coletar alguns exames. Acho que estou bem, mas não custa checar.
- Você já ligou para Hanna? – perguntou Camila, aparentando certo receio na voz.
- Não, ainda não... Ela está bem?
- Ela está ótima – interrompeu Lina, sem esconder certa irritação na voz.
- Por que está falando assim?
- Ela chegou a escrever para você? – continuou Camila.
- Recebi uma carta dela há uns quatro meses. Depois fiquei sem notícias.
- Melhor ela falar pessoalmente com você – falou Lina.
- O que está acontecendo para vocês estarem falando desse jeito?
- Ela arrumou outro – disse Lina ríspidamente.
- Lina! – exclamou Camila chateada com a antecipação da irmã – Deixe que eles se entendam.
Por um lado chateado com a notícia, mas por outro aliviado, Daren interrompeu o início da discussão entre as duas.
- Fiquei muito tempo fora – falou magoado, lembrando-se de Amy.
- Se ela gostasse realmente de você, não arranjaria ninguém – afirmou Lina.
- Você tem razão – admitiu Daren, porém referindo-se à Amy.
- É melhor vocês conversarem sobre isso. Ligue para ela e marque um encontro, assim que você se sentir mais preparado – aconselhou Camila.
- Daren...
- Sim, Lina.
- Você não estava realmente apaixonado por ela. Estava? Eu sei o que papai lhe pediu quando foi para o hospital.
- Que tal mudarmos de assunto? Quero saber do meu sobrinho ou sobrinha que está a caminho. Já tem idéia de nomes? O John deve estar muito feliz.
E assim, continuaram sua conversa sobre assuntos mais amenos, matando as saudades surgidas naqueles meses de ausência e de aflição.

Depois de passado o desalento inicial, Daren começou a pensar no tempo que se passara desde que estivera com Amy pela última vez. Nove meses... Será que a criança era seu filho? Isto o fez sorrir e o encorajou a ligar para o telefone que ela lhe deixara.
- Alô? É da residência de Amy MacGarvey?
- Não. É da casa da mãe dela – respondeu uma voz feminina ríspida do outro lado – Quem é e o que deseja?
- Aqui é um amigo dela. Voltei de viagem e gostaria de falar com ela.
Uma pausa prolongou-se por alguns segundos antes da resposta.
- Ela acaba de ter um bebê prematuro e está repousando. Quer deixar recado? Ou talvez queira o número do telefone do marido dela?
“Prematuro, marido?”, pensou perplexo, antes de dar uma resposta.
- Não, obrigado. Talvez eu ligue outra hora...
- Quer deixar recado?
- Não, obrigado. Adeus.
Desligou o telefone. Não conseguia entender o que acabara de ouvir. O que teria acontecido com todo aquele amor que ele pensava ser recíproco. Não podia ter-se enganado tanto com ela. Então o filho não era seu, pensou amargurado.
Foi se encontrar com Hanna naquela noite. Ela o convidara para jantar na sua casa. Chegou cedo e foi recebido pelo pai dela, que aparentava estar incomodado com a situação em que a filha o colocara. Entretanto, até Hanna aparecer, conversaram a respeito de Aziz, sua amizade e sobre como tinha sido a viagem de Daren à Africa.
Após o jantar, ficou a sós com ela. Hanna tinha a beleza exótica das mulheres do Oriente Médio. Filha de pais libaneses, também nascera na Inglaterra como ele. Estudara administração e trabalhava como gerente no restaurante da família. Conheciam-se desde crianças e o namoro entre eles tinha sido uma conseqüência natural, mas talvez equivocada. Eram mais amigos que qualquer outra coisa.
- Não precisa me explicar nada Hanna.
- Mas eu quero. Você sabe o carinho que tenho por você. Eu cheguei a pensar que o amava certa época, mas com o tempo, senti que a nossa relação era apenas cômoda. Creio que com você também era a mesma coisa. Ou não?
- Acho que sim... Por que nunca me falou sobre isso?
- Tinha medo de magoá-lo, tinha medo de perder a sua amizade... Sei lá. Quando você me disse que ia para Guiné e ficaria seis meses por lá, achei que fosse ficar desesperada, mas não foi o que aconteceu. Claro que fiquei com saudades... do meu amigo.
- É estranho você falar isso agora. De certa forma está sendo um alívio. Você sabe da promessa que fiz ao meu pai...
- Pois sinta-se liberado dela.
Hanna então se sentiu a vontade de contar à Daren sobre como tinha conhecido o homem que fez seu coração pulsar mais rápido, pouco depois que ele partira para a África. Depois de ver o entusiasmo com que ela falava de Damon, um corretor da bolsa de valores que se tornara assíduo do restaurante de sua família por motivos óbvios, quase tomou coragem para abrir-se com ela sobre Amy, mas acabou deixando isto de lado para não empanar a alegria de Hanna. Chegou a sentir um pouco de inveja de sua amiga pela felicidade que ela estava tendo de poder ter encontrado um amor verdadeiro e poder construir uma vida junto a ele. Pelo menos era o que ela demonstrava no momento e era isso que ele desejava para ela.
Depois das despedidas e promessas de continuarem sua amizade como antes, Daren voltou para casa, sozinho, pensando no recomeço de suas atividades no hospital, na abertura de seu consultório, encontro com antigos amigos... Precisava ocupar sua mente e sua vida. Precisava disso para continuar e tentar esquecer Amy e seu oásis no meio das dunas no deserto de Mali.


Minhas caras leitoras, por favor me perdoem a demora em postar este novo capítulo mas tive alguns problemas esta semana que me impediram de completá-lo para a postagem. Espero que o próximo não demore tanto. Agradeço imensamente todos os comentários carinhosos recebidos por este e por outros romances mais antigos. Isto só me estimula a escrever cada vez mais.
Não tenho muitas fotos a deixar hoje, mas, se alguém tiver curiosidade em saber como é o colar tamit em prata que Daren deu à Amy, vão até o site http://tamanrasset.net
e o verão no alto da página inicial, à esquerda, enfeitando o título do site.
Um beijo a todas e um ótimo início de semana!

quarta-feira, 15 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo VIII



A foto acima é do Rio Niger, dentro do Parque Nacional do Alto Niger



Aldeia de pescadores do Niger



Estavam em plena estação das chuvas, naquele final do mês de Julho. Isolado em um dos distritos mais pobres do interior de Guiné, Daren encontrava-se em seu período de repouso no interior de uma das cabanas improvisadas para abrigar a equipe do MSF. Com a barba cerrada, sete quilos mais magro, expressão cansada e olhos fechados, tentava visualizar mais uma vez o pequeno oásis onde almoçara com Amy, como já fizera outras tantas inúmeras vezes. Perguntava-se se Amy ainda pensava nele. Nunca mais havia recebido resposta a suas cartas. Pelo menos umas vinte haviam sido enviadas para o endereço que Amy lhe fornecera antes das despedidas. Não conseguia aceitar a idéia de que ela o tivesse esquecido. Alguma coisa devia estar acontecendo. Recebera uma carta dela logo depois de ter chegado a Faranah. Nesta, ela se declarava apaixonada e morrendo de saudades, dizendo que estaria esperando por ele em Londres. Talvez houvesse algum tipo de problema com os correios de Guiné. Apesar disso, três cartas de Hanna, sua noiva, haviam conseguido ser entregues quando ainda estava em Faranah. Sabia da precariedade dos meios de comunicação naquele lugar. Talvez as respostas de Amy não tivessem conseguido chegar, por algum motivo. Pensar que ela o esperava na Inglaterra era de onde tirava energias para acordar diariamente e enfrentar todas as misérias e doenças com as quais tinha de conviver e tratar. A imagem do oásis como refúgio, coisa que considerara pueril quando Amy lhe falou, agora era a lembrança que o fazia sentir-se vivo e com esperanças de voltar a tê-la em seus braços novamente. Contava os dias para sua volta. Haviam prometido uma camionete para dali a cinco dias, que levaria ele e outros dois colegas para Conakry, a capital de Guiné, de onde pegariam um avião de volta à Londres. Agora faltava muito pouco. Ainda não tivera coragem de romper com Hanna por carta. Faria isto pessoalmente.
Melhor era ir para o seu refúgio...
Com a imagem das tamareiras à beira da fonte no oásis, foi relaxando aos poucos, quase podendo sentir as carícias de Amy em seus cabelos, até perder-se em seu sono.


“Ela estava de volta ao deserto, deitada sobre as areias das dunas do seu oásis. Foi quando viu Daren aproximar-se, com as vestes tuaregues, porém sem seu turbante. Seus olhos brilhavam de desejo quando ele curvou-se sobre ela e suas mãos passaram a percorrer seu corpo. Ela estava envolta apenas em véus diáfanos, transparentes. A respiração dele em seu pescoço, a aproximação de sua boca sobre seus lábios e finalmente o beijo que a inebriava desde a primeira vez. Como ansiara por aquele momento de tê-lo ao seu lado novamente. Os olhos verdes agora a fitavam intensamente, quando ouviu sua voz rouca a dizer-lhe:
- Eu te amo ... Espere por mim...
Sentiu-se, então, envolvida pelos braços fortes e bronzeados, e o peso daquele corpo viril sobre o seu. Sentiu o momento em que ele a penetrava sem pressa e gemente, chamando por seu nome. Uma onda de prazer tomava conta de seus sentidos, quando um vento forte os alcançou. Viu Daren sendo arrastado por uma coluna de areia até desaparecer no deserto sem fim. Gritava por ele, mas a voz parecia não sair de sua garganta.”
Amy acordou chamando por Daren, com uma sensação de angústia estrangulando seu peito. Tudo não tinha passado de um sonho. A tristeza e as lágrimas, no escuro de seu quarto, voltaram a fazer-lhe companhia.

*****

Uma semana depois, conforme o prometido, mas com dois dias de atraso, uma van chegou à aldeia de pescadores onde se encontravam, no meio do Parque Nacional, à beira do Rio Niger. Apesar da alegria em poder retornar aos seus lares, todos os voluntários reconheciam que fora um período que deixaria saudades, não só pelas experiências acumuladas, mas pela simpatia, hospitalidade e reconhecimento do povo guineense pelo trabalho que realizaram lá.
O veículo seguiu através da reserva, até alcançar a estrada que os levaria à Conakry. Ainda faltavam aproximadamente 150 quilômetros para chegarem à capital, no final do dia, quando ouviram tiros e a estrada foi bloqueada por um velho jipe verde com três homens armados, vestidos com uniformes com o símbolo de uma das facções oposicionistas ao governo e com caras de péssimos amigos. Mandaram que todos descessem e se encostassem à lataria da van. O motorista do MSF, um nativo do país, tentava explicar que eles eram uma equipe dos Médicos Sem Fronteira saindo do país, mas parecia que isto pouco importava para os assaltantes. Um deles tomou a direção da van, enquanto o outro mantinha os prisioneiros sob a mira de uma metralhadora e o terceiro revirava as bagagens da equipe médica, talvez a procura de armas. Depois de uma sumária revista, foram forçados a subir no jipe, enquanto a van continuava seu caminho na direção à Conakry. Vendados, Daren e os outros dois colegas, bem como o seu motorista, seguiram para um local desconhecido.

*****

- Jason, aqui está o artigo sobre o casamento de Sarah e Andrew. Quer dar uma olhada antes que eu o envie para a prensa?
- Quero, mas tenho certeza que o seu texto está ótimo, como sempre.
Amy ainda estava um pouco insegura depois que passara a arriscar-se como redatora em outros setores do jornal. Deixou o artigo sobre a mesa de Jason e sentou-se na cadeira à sua frente.
- Jason, soube de alguma notícia vinda de Guiné? Conseguiu falar com os seus amigos correspondentes do Times na África?
- Infelizmente, sim, Amy. Eu ia pedir para que você viesse aqui conversar comigo antes do final do expediente, mas já que está aqui... – falou com expressão séria.
- Assim você me assusta, Jason. Por favor, diga o que soube.
- Fui informado que uma equipe do MSF foi seqüestrada, quando se encaminhava para Conakry, por um grupo de oposicionistas à Conté. Eles estão exigindo uma troca por políticos presos. Caso esta troca não ocorra em uma semana, os reféns serão mortos.
- Daren... Ele está entre os reféns? – Amy começou a sentir uma indisposição e uma contração no baixo ventre.
- Creio que sim. Um dos nomes informados era do Dr. Thomas Watson. É esse o resto do nome dele, não é?
Amy sentiu a sala a sua volta rodando. Jason levantou-se de sua poltrona e correu na direção de Amy, que parecia pronta para desmaiar.
- Amy! O que está sentindo?
- Você tem certeza disso? Por favor, Jason... Eu preciso saber mais sobre o que está acontecendo. Por que eles pegaram membros do MSF como reféns? Por que não alguém da política local ou... – agora ela sentia outra contração e o consequente enrijecimento do abdômen.
- Acho que para chamar a atenção dos aliados europeus do governo atual... Não sei... Amy, me diga o que está sentindo?
Buscou um copo de água sobre o aparador do outro lado da sala e ofereceu-o a ela.
- Acho que foi só uma contração mais forte, mas já vai passar. Ainda não está na hora dele nascer.
- Pois eu acho melhor chamar um médico ou levá-la para o hospital. Partos prematuros acontecem. Qual o número de telefone do seu obstetra?
- Jason, só quero saber sobre Daren.
- Amy, este cara nunca mais lhe deu notícias. Pare de pensar nele. Aposto que ele nem lembra mais da aventura que tiveram.
- Não fale assim dele. A culpa é do correio. Ele pode ter tentado se comunicar e não conseguiu. Aah!... – deu um urro de dor e levou a mão sobre o ventre contraído novamente.
Jason não agüentou mais e pegou o telefone.
- Janet, ligue imediatamente para Chloe, irmã da Amy. Já! É urgente!
- Acalme-se. Prometo que vou tentar saber mais detalhes do que aconteceu e qual a situação atual. Vai dar tudo certo.
Logo Chloe foi colocada a par do que estava acontecendo e tomou as providências cabíveis. Amy foi levada para o hospital por risco de um parto prematuro, mas felizmente conseguiram sedá-la e evitar o nascimento precoce de seu filho.

Mal abriu os olhos e encontrou os olhares preocupados de sua mãe e de Jason. Chloe fora obrigada a sair para o trabalho, assim que soube que a irmã e o sobrinho estavam fora de risco.
- Como você está, minha filha? – perguntou Margareth ainda um pouco ansiosa, apesar de o médico tê-la tranqüilizado a respeito da filha caçula.
- O bebê está bem? – indagou Amy, com voz trêmula, lembrando do que acontecera antes de tomar o sedativo já na emergência da clínica.
- Não se preocupe. Está tudo bem agora, Amy. Vocês estão fora de perigo, minha filha.
- É, mas vai ter que fazer repouso até a hora certa do nascimento deste garoto – interferiu Jason na conversa entre mãe e filha – Considere-se de licença do jornal a partir de hoje.
- Nem pensar. Não quero deixar de trabalhar.
- Não adianta espernear. Já está decidido. São ordens médicas... É para o bem do bebê.
Amy sentiu-se vencida diante da última frase de Jason. Não podia mais pensar só nela mesma.
Desde que soubera da gravidez de Amy, Jason mostrara-se mais atencioso do que nunca. Já tinha feito várias tentativas para conquistá-la, mas sempre era rechaçado. Esta resistência de Amy parecia ter efeito contrário nele. Cada vez mais ele queria ficar próximo a ela. Não apenas como amigo... Se ao menos não existisse o tal Daren, pai da criança. Só podia ser a teimosia habitual de Amy que a levava a continuar pensando romanticamente num homem com quem ficara apenas por três dias. Ela precisava cair na realidade. Mais indignado ficou quando soube que o cara era noivo. Era óbvio que ela não passara de uma aventura para o tal médico.

Na semana seguinte após a notícia do seqüestro da equipe do MSF, chegou ao British News a notícia de que os reféns haviam sido feridos, sendo que um deles não resistira aos ferimentos, durante o resgate feito pela truculenta polícia secreta de Lansana Conté. Ao saber disso, Jason resolveu não dar a notícia imediatamente à Amy, para evitar uma nova internação como a anterior.
Quando ela lhe perguntava alguma coisa, ele negava saber.
As semanas se passaram e a barriga de Amy crescia a olhos vistos. Já havia se passado mais de oito meses desde que recebera a primeira e última carta de Daren. Não queria acreditar no pior. Diariamente, a seu pedido, Chloe lhe levava os jornais mais importantes da Inglaterra e da Europa, para tentar obter notícias sobre a situação em Guiné. Nada encontrava que pudesse lhe dar um a tênue idéia de como ou onde estava Daren. Até o MSF não lhe dava mais informações. Diziam que só dariam notícias para os parentes pessoalmente.
Depois do susto que levara dois meses atrás, mudara-se para o seu antigo quarto na casa de Margareth. Já estava aborrecida por aquele repouso forçado, dos excessivos cuidados que não lhe permitiam fazer nada e do cerco de Jason, que se mostrava incansável na tentativa de agradá-la nas mínimas vontades. Não que isto fosse totalmente ruim. Devia sentir-se envaidecida por estar sendo alvo das atenções de um homem tão interessante. Sempre que possível ele tentava flertar com ela, sendo sempre descartado em tom de brincadeira. Margareth não cansava de comentar as boas qualidades do editor do Bristish News, sendo a sua maior aliada.
Perdida em seus pensamentos, tentando uma posição melhor na poltrona de seu quarto para tentar ler um livro, ouviu o telefone tocar. Logo, sua mãe entrou dizendo que tinha uma ligação para ela, entregando-lhe o fone sem fio.
- É o Jason... Convide-o para jantar – sussurrou Margareth para a filha.
- Jason?
- Oi, Amy. Estou ligando pois preciso muito falar com você. Posso ir até aí hoje à noite.
- Nossa, assim fico preocupada... Alguma notícia sobre aquele assunto? – perguntou, referindo-se obviamente à Daren.
- Não! – respondeu visivelmente irritado com a insistência de Amy em falar sobre aquele desconhecido – Posso ir ou não?
- Desculpe, Jason. Não queria irritá-lo. Claro que pode... Aliás, você está convidado para o jantar. Se você não aceitar é capaz de Margareth ter um colapso bem aqui na minha frente – convidou-o, rindo da mãe que gesticulava insistentemente para ela.
- Vou sim. Pode tranqüiliza-la – respondeu com voz mais amena, sugerindo que estava rindo da situação do outro lado da linha – Até mais , então.
- Até, Jason.
- Você não precisava ter falado que eu o estava convidando. Quando vai perceber que ele é o homem para ficar ao seu lado e dar um pai para esta criança que vai nascer?
- Mãe, já discutimos isso. Por favor... Meu filho já tem um pai e ele se chama Daren.
- Um pai que nem sabe da existência do filho e que muito menos liga para você.
Antecipando uma nova discussão desagradável, fez uma careta de dor e colocou a mão espalmada sobre a barriga. Sabia que aquilo acabaria imediatamente com qualquer contenda entre elas. Foi a deixa para Margareth deixá-la a sós e ir preparar um chá calmante.

Após o jantar, Chloe e a mãe, sob o pretexto de lavarem a louça e arrumarem a cozinha, deixaram Amy e Jason na sala de estar para sua conversa em particular.
- E então, Jason? O que você queria me falar? Algum problema no jornal?
- Quero falar sobre nós. Estive pensando muito a este respeito e decidi que chegou a hora de falar com você a sério.
- Jason...
- Espere. Antes de me interromper, quero que me ouça com atenção. Se depois que me ouvir, achar que não vale à pena, juro que não toco mais neste assunto.
Amy concordou com a cabeça e olhou-o atenta, enquanto Jason continuava:
- Quando você foi trabalhar lá na redação claro que minha primeira reação foi de adicioná-la a minha lista de conquistas. Depois passei a admirá-la por sua garra, inteligência e intrepidez aliadas a sua beleza. A princípio achei que não conseguia tirá-la da cabeça devido ao rechaço contínuo a que você me submetia. A dificuldade em conquistá-la batia contra minha auto-estima exacerbada. Passei a tentar vê-la apenas como amiga. Porém, quando você sumiu naquele deserto, senti que você não era só mais uma mulher a ser conquistada. Percebi que poderia deixar esta vida de solteiro por sua causa. Aí, você voltou apaixonada por este estranho, que nunca apareceu ou deu notícias. Por isso, hoje eu resolvi dizer abertamente que eu te amo e que quero ter uma vida ao seu lado. Sei que você não sente o mesmo por mim, mas acredito que ao menos sinta amizade e algum afeto. Além disso, tem esta criança que vai nascer e que precisará de um pai... Case comigo, Amy...
- Jason, eu nem sei o que dizer diante da sua coragem em confessar tudo isto de maneira tão honesta e direta, mas... Você sabe que amo outro e que não poderia levar adiante uma relação unilateral. Acho que o amor é para ser vivido a dois...
- Amy, você tem de parar de amar um fantasma, uma fantasia.
- Daren não é uma fantasia, Jason. Eu carrego uma parte dele dentro de mim e o sinto presente todos os dias.
- Ele está morto, Amy! – exclamou exasperado.
Ao ouvir aquela afirmação, ela sentiu-se como que prensada entre dois paredões, não conseguindo acreditar no que ouvira. Jason tinha ido longe demais.
- O quê?
- É isto que você ouviu, Amy. Daren morreu.
- Você está mentindo. Por favor, não faça isso comigo...
- Cerca de dez dias depois da notícia que a levou ao hospital por ameaça de parto prematuro, recebi a notícia de que um dos médicos do MSF seqüestrados em Guiné havia sido ferido durante o resgate feito pela polícia secreta do governo de Lansano Conté, e que ele não teria resistido.
- Este médico... Foi Daren?
- Sim...
- Você tem certeza disso? Não é possível! Você está mentindo só para que eu aceite a sua proposta.
- Sinto muito, Amy, mas é verdade – confirmou o que não tinha certeza, mas que agora seria a realidade para Amy. Ela teria de esquecer aquele homem definitivamente para poder voltar a viver.
As lágrimas ficaram paralisadas, turvando sua visão. Sentiu a vida esvaindo-se de seu corpo. Lembrou das últimas palavras de Daren, sua letra no bilhete de despedida e na carta que recebera há quase oito meses, seu olhar, sua voz...Tudo dissipando-se como no sonho que tivera meses atrás, perdendo-se para sempre. Sua visão escureceu e não pode sentir mais nada.
Amy acabara de desmaiar sob o impacto da notícia terrível


No dia seguinte ao pedido de Jason e à notícia fatídica, Amy, já internada no hospital, começou a ter contrações cada vez mais freqüentes. Porém o trabalho de parto não evoluía como o esperado. Amy não apresentava dilatação alguma e o obstetra começava a temer pelo bem-estar do feto. Foi quando os batimentos cardíacos do bebê começaram a dar sinais de fadiga, que imediatamente foi desencadeada a ação para uma cesárea de urgência.
No momento em que Amy era levada de maca às pressas para o centro obstétrico, uma pessoa, que dirigia-se ao laboratório de análises clínicas para completar uma bateria de exames, reconheceu-a. Ele quis correr e dizer que tinha finalmente voltado e que ficariam juntos, mas logo notou a presença de um outro homem ao seu lado, segurando sua mão, com olhar desesperado. Percebeu o motivo de estarem ali e descobriu, finalmente, o porquê da ausência de notícias. Amy encontrara outra pessoa e o esquecera. Uma sensação de perda arrasadora tomou conta dele.
- Dr. Watson... Por favor, me acompanhe. O laboratório é por aqui – disse a enfermeira encarregada de acompanhar o paciente, um médico que acabara de retornar de um país africano, e que estava fazendo um check-up antes de voltar à vida em Londres.
- Sim... Obrigado – respondeu com voz enfraquecida, seguindo abatido atrás da funcionária do hospital.
De repente nada mais fazia sentido, ou, pelo contrário, tudo se tornava explicável. Não sabia mais o que fazer. O motivo para sua volta estava extinto... A visita que faria a Amy McGarvey no dia seguinte estava cancelada. Não tinha mais o que dizer. O que faria agora?


Tristinhas? Até eu chorei um pouquinho enquanto escrevia este capítulo. Às vezes estas personagens parecem ter vida própria e acabam resolvendo o que vão fazer e eu sirvo apenas como digitadora da estória deles. Espero que não fiquem decepcionadas com esta continuação, mas para quem já me conhece sabem que odeio finais tristes. Vou fazer o possível para reunir esta dupla, mas sei que está meio complicado...
Por enquanto, gostaria de agradecer à minha querida amiga Rute, de Portugal, que sugeriu até algumas músicas para a trilha sonora deste romance. Adorei as escolhas dela e vou deixar aqui, a título de ilustração o vídeo daquela que mais gostei, com o Sting, de quem sou fã desde os tempo do The Police. Imaginem a Amy no rally ao som desta música, "Desert Rose". Muito obrigada, Rute.
Beijos a todas!






segunda-feira, 13 de julho de 2009

Um Amor no Deserto - Capítulo VII



Sentia-se como nova após aquele banho, num dos chuveiros montados especialmente para os competidores. Apesar das súplicas de Chloe para que voltasse para Londres imediatamente, sentia-se animada com a perspectiva de continuar seu trabalho. Além disso, faziam parte do roteiro do rally duas das cidades que Daren havia citado quando descreveu sua trajetória. Bamako e Siguiri. Certamente ela chegaria lá antes dele, considerando a velocidade do camelo que o estava levando até os limites do deserto, se comparada à velocidade do helicóptero que a deixaria em Ségou. Pelo menos conheceria os locais por onde ele passaria em breve e sentir-se-ia um pouco mais próxima dele. Retomaria a corrida logo mais, no início da tarde. Já verificara sua moto e vira que ela estava realmente em condições.
Depois de vestir roupas limpas, antes do almoço, num momento em que estava só, resolveu ler a mensagem de Daren e abrir o presente.
“Amy,
Infelizmente não temos floriculturas ou joalherias ao nosso dispor aqui nestas dunas, por isso deixo algo que tem grande valor estimativo para mim, pois me foi dado por meu avô paterno. Ele servirá para que se lembre de mim durante esta longa ausência e conserve na memória as horas idílicas que passamos juntos. Com amor,
Daren”

Com os olhos marejados, soltou um suspiro e pegou o pacote entregue por Aisha. Abriu-o com cuidado e descobriu a corrente que ele costumava usar no pescoço e que a deixara curiosa quanto ao significado do símbolo pendente nela. Segundo ele próprio, aquele era um colar tamit, típico do artesanato tuareg, feito em prata, formado por um círculo representando a lua, no qual estava pendurado um losango, cujas arestas significavam quatro direções. A lua e as quatro direções representavam a preferência dos tuaregues de viajarem à noite, seguindo a orientação dos astros. Uma lágrima escapou-lhe, rolando lentamente por sua face. Colocou o colar e dobrou cuidadosamente o bilhete de Daren, guardando-o em sua mochila, junto com seu bloco de anotações.
- Amy... – Chloe entrou naquele momento em sua barraca – O que houve? Está chorando?
- Não foi nada, Chloe. Só um cisco que entrou no meu olho – respondeu, tentando desviar o olhar da irmã.
- Tristeza agora tem outro nome?... Amy, o que aconteceu nestes dias em que você ficou naquela aldeia tuaregue?
- Mana, isto é uma longa história, que, espero, ainda não tenha tido seu fim.
- Tem a ver com este colar em seu pescoço? – perguntou, apontando para a jóia, percebida naquele instante, adornando o colo de Amy.
- Uma outra hora, com calma, conto o que me aconteceu. Agora, vou voltar para a corrida.
- Vai mesmo continuar com esta loucura?
- É o meu trabalho, Chloe. Além do mais, não vou mais andar pelo deserto. Como a maioria dos competidores estão mais para o sul de Mali, combinei com o Irving que eles me levarão de helicóptero até Ségou e de lá continuo sozinha, pelas estradas existentes ali. Passo por Bamako, continuo através de Guiné, até entrar no Senegal e chegar a Dakar. Fique tranquila. Não vou me expor a mais riscos. Minha meta agora é apenas descrever as paragens por onde os corredores estão passando. Preciso terminar o trabalho que comecei. Prometi ao Jason.
Antes que Chloe pudesse argumentar mais um pouco, ouviram a voz de Jason a chamar por Amy.
- Já está pronta? O seu almoço já está servido.
- Já estou indo, Jason.
Olhou para Chloe, retribuindo, com um sorriso confortador, a expressão desolada da irmã.
- Vou aproveitar a carona do helicóptero. Tenho que voltar para Londres o mais rápido possível. Você sabe como é. Não posso me ausentar por muito tempo, senão as vendas do jornal caem – disse o editor, com um sorriso zombeteiro.
- Obrigada por toda esta atenção, Jason.
- Você sabe que é a minha repórter predileta, não sabe? – disse segurando a mão de Amy.
- E você é um grande sedutor mentiroso – retorquiu Amy.
- Eu não estou mentindo, Amy – falou sério, olhando-a mais profundamente.
Amy retribuiu com um sorriso tímido e retirou a mão, que ele continuava segurando firmemente, fugindo da tentativa de sedução de Jason.
Depois do almoço, Amy despediu-se de Chloe, que prometeu esperá-la em Dakar. Com sua moto já colocada dentro do helicóptero de grande porte, maior que aquele que a resgatara pela manhã, partiu para seu próximo destino.
Foi deixada próxima à cidade de Ségou. Despediu-se de Jason e de Irving, que lhe desejaram boa sorte, e seguiu viagem pela estrada de terra, acompanhando os concorrentes que por ali passavam, a caminho de Bamako. Apesar de saber que era pouco provável que Daren já estivesse na cidade, por todo o percurso esteve atenta a todos os carros com passageiros a procura dele. Após uma parada de poucas horas na capital de Mali, seguiu para Guiné. Como todo bom estado africano, Guiné enfrentava mais uma crise política. Há dois anos, o coronel Lansana Conté assumira o governo e vários grupos oposicionistas criavam focos de revolta no país. Esperava que os voluntários do MSF não estivessem na mira destes revolucionários. Em geral, havia certo respeito pelo pessoal da saúde que prestava serviços à comunidade carente, mas nunca se podia ter certeza disso. Apesar de tudo, ficou deslumbrada com a variedade de paisagens por onde passava durante o dia. Florestas com lindas cachoeiras, grandes extensões de pastagens, as montanhas e a savana. O povo a surpreendeu com a alegria em meio à adversidade e à pobreza. Nos diversos povoados por onde passava via mulheres cantando, com suas roupas coloridas, carregando trouxas ou cestos com mantimentos na cabeça, crianças brincando ou jogando bola nas ruas poeirentas, sem calçamento, com esgotos a céu aberto, casas precárias, muitas vezes sem telhado, com calçadas semi-destruídas, quando estas existiam.
Com freqüência emocionava-se ao lembrar que Daren trabalharia como voluntário naquele país, levando seus conhecimentos médicos, numa tentativa de ajudar aquelas pessoas tão abandonados à própria sorte.
Depois da parada habitual para descanso, alimentação e reabastecimento da moto, Amy seguiu para a última etapa que seria entrar no Senegal e chegar à Dakar. Pesarosa, partiu de Guiné sem ter visto seu amor. Agora deveria pensar em seu trabalho. Jason aguardava a elaboração final do diário para começar a sua publicação no British News ao final do rally. Manter-se-ia o mais ocupada possível nos próximos meses, dedicando-se exaustivamente ao trabalho no jornal. Imaginava que dessa maneira o tempo passaria mais rápido.
No dia 22 de Janeiro os primeiros concorrentes chegaram à Dakar. Obviamente que Amy foi uma das últimas, mas sua chegada foi muito festejada por sua irmã e, à distância, por sua mãe e por Jason.
Normalmente o final da competição era cercado de muita festa e alegria, porém, naquele fatídico ano, o clima de tristeza era predominante, mesmo entre os vencedores em suas categorias.
O corpo de Thierry Sabine seria cremado e suas cinzas jogadas nas areias do deserto, sua grande paixão. Para alívio de muitos, a organização passaria a contar com um novo comandante, não menos importante que Thierry. Seu pai, Gilbert Sabine, que não permitiria que o sonho de seu filho morresse com ele.

As férias de Amy chegavam ao fim. Antes de partir de volta para a Inglaterra, tentou um contato com o MSF, na esperança de poder mandar alguma mensagem para Daren. Porém, não souberam informar-lhe se ele já chegara a Seguiri ou para onde ele seria designado. Poderia ter esta informação dentro de uma semana. Com um sentimento de vazio e perda em seu coração, entrou no avião da British Airlines no dia 24 de Janeiro.
Neste mesmo dia, Daren recebeu a determinação de que fora designado a trabalhar junto à população de Faranah, uma cidade no centro do país, próxima ao Parque Nacional do Alto Niger. Lá seriam acomodados em uma casa antiga, onde funcionaria o ambulatório. Seriam uma equipe composta por dois médicos, dois enfermeiros e uma assistente social. Teriam muito trabalho pela frente. Seriam levados no dia seguinte por uma das vans do MSF, juntamente com medicações e alguns alimentos. O resto seguiria mais tarde, quando eles já estivessem acomodados no futuro posto.
Apesar de animado com o trabalho que o aguardava, seu pensamento com freqüência voltava-se para Amy. Já teria ela sido levada de volta para casa? Teria encontrado a irmã bem? Estas e outras indagações ainda iriam acompanhá-lo por muitos dias. Esperava poder mandar uma carta para Amy assim que chegasse à Faranah e soubesse das condições do correio local.

Na sua volta à Londres, Amy, sem esperar o término do seu período de férias, jogou-se sobre o trabalho de edição de seu diário. Chegou a citar o nome de Aisha e os fatos pitorescos ocorridos no acampamento tuaregue, como o nascimento da pequena Malak e a festa da véspera de sua partida. Obviamente nem uma palavra sobre Daren foi dita ou escrita. Jason ficou muito satisfeito com a repercussão que a publicação do diário de Amy estava obtendo. Recebera muitos elogios por este trabalho. Ela, por sua vez, não parecia muito excitada com esta recepção por parte do editor e do publico. Continuava usando seu presente junto ao corpo como maneira de lembrar-se de Daren. Não era raro pegar-se a sonhar acordada com o oásis e lembrar do acordo que fizera com ele. Esperava que ele também lembrasse.
Chloe sentia a irmã diferente. Já não parecia mais a mesma mulher intrépida e teimosa de antes. Sentia-a mais dispersiva, talvez um pouco mais madura. Já tinha conhecido outras mulheres com aquela expressão sonhadora no rosto.


- Chloe! Que surpresa! O que está fazendo aqui? – exclamou Amy ao receber a irmã em seu apartamento, em Nothing Hill, num sábado pela manhã.
- Desculpe ter vindo sem avisar, – desculpou-se, já entrando sala adentro - mas é que ando preocupada com você, desde que voltou daquela corrida maluca.
- Por quê? Eu estou muito bem. Não há com o que se preocupar – disse Amy, enquanto fechava a porta atrás de si.
- Você ainda não me contou o que aconteceu naquele deserto – falando isso, sentou-se no confortável sofá da sala de Amy, com cara de quem não sairia dali enquanto não soubesse todos os detalhes daquele período – Sabe que até o Jason anda preocupado? Acha que você não está mais tão satisfeita com seu trabalho na redação.
- Nossa, mas de onde vocês tiraram toda esta aflição?
- Ele também tem notado você distante...
- Por que ele não falou diretamente comigo? Ele se queixou sobre o meu trabalho?
- Não! Mas é que você está diferente de alguma maneira, desde que voltou da África.
Amy sentou-se na poltrona em frente ao sofá, pensativa.
- Chloe, eu tenho feito um grande esforço para me dedicar exclusivamente ao meu trabalho no jornal, mas sei que às vezes fico distraída...
- Quem é ele? Eu aposto que tem mais alguém nesta história.
- Como você adivinhou?
- Este olhar insosso, perdido no nada... Conheço muito bem.
- E você acha isso ruim?
- Sim, se a pessoa em questão for um selvagem do deserto. Quem mais poderia ser vivendo naquele fim do mundo?
- É um homem maravilhoso, adorável, encantador... – falava com expressão embevecida ao lembrar de Daren.
- Está apaixonada mesmo. Quem diria... Quem foi a fera que conseguiu domá-la?
Amy levantou-se e atravessou o espaço entre ela e Chloe, sentando-se ao seu lado e abraçando-a carinhosamente.
- O nome dele é Daren e não é um selvagem. Ele é neto de um tuaregue, mas nasceu na Inglaterra e mora aqui. É médico e está trabalhando em Guiné, neste momento. Assim que ele voltar de lá, vamos ficar juntos – seus olhos brilhavam, perdidos nas lembranças, ao falar dele – Ah, Chloe... Eu estou realmente apaixonada. Acho que encontrei o homem da minha vida.
- Querida, cuidado. Não se engane. Quanto tempo vocês ficaram juntos? Dois, três dias? Provavelmente ele nem vai mais lembrar de você quando voltar.
- Por que você está falando desse jeito? Só porque você ainda não encontrou ninguém depois do que o Leo fez? – ela ficara irritada com a amargura da outra.
Chloe ficou muito séria, de repente, e Amy percebeu que tinha falado demais. Lembrou do que acontecera com o noivo da irmã há três anos atrás. Ela fora abandonada na porta de uma igreja e nunca mais recuperara a confiança nos homens.
- Desculpe, Chloe, não queria dizer isso... Você não conheceu Daren. Ele é diferente dos outros... Está vendo isto? – perguntou mostrando o colar tamit, que jamais tirava do pescoço – foi um presente que seu avô lhe deu, e que ele me deixou para que eu lembrasse dele na sua ausência.
Chloe engoliu em seco, deu um suspiro e voltou a falar.
- Sei que não sou a melhor pessoa para aconselhar sobre estes assuntos, mas a minha única preocupação é com você. Não quero que se magoe, Amy. Toque a sua vida em frente e não crie ilusões a respeito deste homem... Ele já entrou em contato com você depois que se separaram?
- Não... Mas imagino que não seja muito fácil conseguir comunicação onde ele está.
- Estamos em 1986, Amy... – começou sua crítica, mas resolveu calar-se, notando o olhar apreensivo de sua irmã – Está bem. Me desculpe. Talvez ele não tenha tido tempo de escrever ou ligar. Você disse que ele é médico?
- É. Ele está trabalhando para os Médicos Sem Fronteira, numa cidade do interior, chamada Faranah, segundo me informaram na minha última tentativa de obter informações. Mandei uma carta para ele na semana passada, mas até agora não obtive resposta. Mas tenho certeza que ele vai responder assim que puder.
- Está bem, Amy. Talvez eu esteja sendo pessimista demais. Pelo modo como você fala dele, imagino que ele deva ser um bom rapaz... – resolveu ceder na sua resistência e sorrir amigavelmente – Posso contar isso para o Jason?
- Ainda não entendo por que ele não se dirigiu diretamente a mim, mas não vejo problema algum em que ele saiba. Talvez até ajude a fazer com que ele pare de me incomodar com suas cantadas.
- Sempre suspeitei que o Jason tinha uma quedinha por você.
- Jason tem uma quedinha por todas as mulheres do mundo. Não sou a única. Se duvidar, você também entra no páreo.
- Deus me livre. Já tomei a minha dose cavalar de vacina contra cafajestes.
- Chloe... Desculpe por ter falado no Leo.
- Não se preocupe. Reconheço que ele me deixou mais descrente a respeito dos homens. Mas eu estou trabalhando isto com o meu analista. Pode deixar que ainda me curo desta doença.
Abraçaram-se e continuaram a conversar sobre outros assuntos.




Reconheço que este não foi um capítulo apimentado como os outros, mas ele servirá de base para as próximas emoções. Deixo com vocês um vídeo muito interessante que descobri mostrando fotos de Guiné e que serviram para as descriçoes que faço no texto acima. Um grande beijo a todas e muito obrigada por todo o estímulo que tenho recebido.