terça-feira, 30 de junho de 2009

Um Amor no Deserto

Como tinha prometido, hoje começarei a postar a primeira parte do meu novo romance. Ele tem seu iníco em meio ao Rally Paris-Dakar de 1986. Para que vocês tenham uma idéia do que é esta grande competição, deixo um vídeo contendo imagens impressionantes do que os competidores vivenciaram, no período entre 1979 e 2003. Depois disso, vocês poderão ambientar-se melhor com o local onde se passa a corrida e as dificuldades de nossa heroína. Espero colocar mais um vídeo que ilustre o local e as pessoas que figuram este meu novo sonho.




UM AMOR NO DESERTO




Capítulo I

Final do ano de 1985.
Os corredores das várias categorias e de diversos países preparavam-se para enfrentar mais um desafio no Rally Paris-Dakar. A largada seria em Versalhes. O roteiro seria através da França, passando pela Argélia, Niger, Mali, Guiné, Mauritânia e, finalmente, Senegal, num total de 15000 quilômetros. Calculava-se em torno de 20 a 23 dias para a chegada em Dakar. Uma aventura e tanto para qualquer um, principalmente pela perspectiva de atravessar uma área desértica extensa na região de Mali. Amy McGarvey seria uma das primeiras mulheres a pilotar uma moto naquele acontecimento. Na sua categoria eram 131 motos inscritas.
Amy sempre tivera espírito aventureiro, provavelmente influenciado por seu pai que fora piloto de provas na Inglaterra. Jack McGarvey era movido pela adrenalina das corridas. Perdera sua vida nas pistas em Silverstone, em 1972, numa corrida de Fórmula Um, onde um brasileiro de nome Emerson Fittipaldi vencera pela primeira vez. Amy tinha, então, 12 anos e sua irmã mais velha, Chloe, estava com 16 anos. Desde cedo, Amy já apresentava as mesmas paixões de seu pai. Porém, após sua morte, tornou-se um pouco mais contida. Por incentivo de sua mãe e irmã acabou por fazer a faculdade de jornalismo. Não deixara de visitar as pistas durante os campeonatos e, logo que teve idade suficiente, passou a correr em campeonatos locais, sem grandes pretensões a ser campeã. Corria apenas pelo prazer. Também tinha feito sua escolha pelas motocicletas ao invés de carros. Achava mais prático em termos de manutenção. Adorava viajar e conhecer locais exóticos em suas férias. Com apenas 27 anos já fora à Índia, Marrocos, Turquia e China. Formara-se em jornalismo e conseguira um ótimo emprego no British News, devido a uma indicação de um dos amigos de seu pai e por seu próprio mérito, pois sempre fora uma estudante dedicada e ativa. Tinha uma coluna semanal no setor esportivo do jornal e fazia matérias sobre o assunto, onde quer que seu editor a mandasse. Aquela corrida tinha sido ideia sua. O editor, Jason Burke, adorara quando ela se ofereceu para participar do rally e escrever uma espécie de diário sobre suas aventuras no Paris-Dakar, que seria publicado após o término da competição. Seria uma matéria inédita. Uma jovem, sozinha em sua moto, desafiando os perigos da mais famosa competição do mundo.
Jason era um dos mais jovens editores de um jornal no Reino Unido. Além de ser conhecido como um jornalista arrojado e perspicaz, também tinha fama de grande conquistador. Aos 35 anos, divorciado, sem filhos e boa aparência, era considerado um ótimo partido entre as mulheres em geral. Tinha uma grande admiração por Amy e suas idéias inovadoras bem como pelo fato de ela ainda não ter caído de amores por ele.
Margareth, a mãe, e Chloe, que também era jornalista, fizeram de tudo para demovê-la daquela ideia absurda, mas Amy dizia que não havia perigo, pois ela não ia para competir, apenas participar e fazer um relato jornalístico original. Além do mais, a prova era dividida em etapas. O maior percurso sem encontrar um posto de abastecimento e descanso era de 600 quilômetros, na Mauritânia. Além do mais, helicópteros faziam o acompanhamento dos participantes durante todas as etapas. Ela tinha feito vários cursos de mecânica e estava preparada para eventuais falhas da moto.
Assim sendo, Chloe, que conhecia Thierry Sabine, o idealizador da prova, pediu a ele para participar como repórter na divulgação do evento. Acertou tudo com a revista para a qual trabalhava e partiu para a França junto com a irmã.

Finalmente o grande dia chegara. Todos os competidores aguardavam animadamente a ordem de largada. Os primeiros a sair eram os motociclistas, seguidos pelos carros e caminhões. Era o dia 1º de Janeiro de 1986.
Em meio a explosões de fogos de artifício, gritos e bandeiras coloridas tremulando no ar, os corredores deram início ao rally, dentre as colossais edificações de Versalhes.

Apesar de alguns sustos e algumas desistências durante a corrida, Amy continuava firme, num ritmo um pouco mais lento, mas sempre próxima aos demais participantes. As paradas regulares permitiam que ela revisasse a parte mecânica de sua motocicleta e recuperasse o sono perdido durante os longos percursos. Eram os momentos em que se encontrava com Chloe, que já estava plenamente entrosada com os organizadores e concordando que Amy tinha tido uma grande ideia. Havia levado um gravador para registrar suas impressões. No final de cada etapa, entregava as fitas a Chloe, para que ela as guardasse até poder entregá-las a Jason em Londres, para a publicação. Tinha medo de extraviar o material durante a viagem de moto.

Naquele dia, o 11º do rally, iniciaria a fase no deserto de Niger a Mali. Era considerado perigoso principalmente pelas tempestades de areia que costumavam surgir repentinamente, além das dificuldades inerentes às condições do solo para os veículos rodarem. Vários acidentes graves já tinham ocorrido antes. Velocidade e areia pareciam não combinar muito. Fora exatamente um incidente ocorrido no deserto da Líbia, durante uma prova de moto do Rally Abidjan-Nice, que fizera Thierry Sabine criar o Paris-Dakar. Desaparecido durante o percurso por vários dias e praticamente dado como morto, resgatado por uma aeronave, ao invés de desistir destas loucuras, ficou mais apaixonado com a experiência.
Ao despedir-se da irmã, Chloe disse que ia segui-la à distância no helicóptero de Thierry. Estava temerosa pela irmã caçula nesta fase.
Ainda era madrugada quando Amy reiniciou a prova, atrás de alguns retardatários, que logo se distanciaram dela. Havia algumas marcações e a bússola que a ajudava a manter a rota a seguir.

Já havia se passado cerca de seis horas desde sua saída do acampamento improvisado, sendo que há duas estava em plena área desértica. Àquela altura não via mais ninguém por perto. Apenas as dunas escaldantes eram sua companhia. Foi quando a moto, logo após passar uma pequena elevação, atolou. Amy tentou de todas as maneiras livrar a roda traseira das areias frouxas e quentes, mas não teve força suficiente para fazê-lo. Olhou para o horizonte, à sua frente e atrás, sem conseguir enxergar um camelo sequer ou sinal de vegetação ou construções. Tomou um gole de água da garrafa que trazia em sua pequena mochila às costas e decidiu que tentaria ir a pé até algum povoado para pedir ajuda com a moto, para que ela pudesse retornar à corrida. Não costumava desistir fácil de suas empreitadas. Seguindo a direção sul, sabia que tinha um posto avançado da corrida próximo à fronteira de Niger com Mali. Resoluta, começou sua caminhada. Seu relógio marcava quase uma hora da tarde.
Depois de quatro horas de caminhada, já sem água, exaurida pelo esforço físico de andar sobre o terreno arenoso e sem avistar ninguém, resolveu descansar um pouco. Não havia como abrigar-se do sol. Sua garganta queimava. Sentia-se seca por dentro e por fora. Fora obrigada a tirar seu capacete, pois este se tornara insuportável, bem como seu macacão de piloto, devido ao calor. Mesmo com todo o protetor solar que levara e já utilizara nas áreas expostas, sua pele parecia arder. Deitada no meio do nada, já pensava se este seria o seu fim... Torrada viva. Pelo menos já podia ver a manchete do British News, na primeira página:
“Jornalista maluca morre seca no deserto” ou “Amy, a doida, encontra seu fim nas areias escaldantes do Sahara” ou...
Com estes pensamentos desvairados, Amy perdeu a consciência.


Continua amanhã...
Beijos!



domingo, 28 de junho de 2009

Encontro Noturno - Parte Final

Ouviu seu nome. A voz era sua conhecida. A voz rouca e inebriante de Stefan. Sentiu um calor envolvendo-a. Ela estava de pé, num lugar desconhecido. Olhou para cima e viu a grande lua cheia rodeada por estrelas sobre sua cabeça. Parecia estar em um grande salão coberto por um telhado de vidro que lhe desvendava aquela visão belíssima da noite. No momento seguinte, sentiu que Stefan aproximava-se dela, sussurrando o seu nome, muito próximo ao seu ouvido. Podia sentir a respiração dele roçando em seus cabelos. Sua presença aquecia sua alma, acalmava sua mente, fazendo-a esquecer de todos os momentos ruins que vivera nas últimas horas. Uma onda de desejo começava a crescer dentro dela, rompendo a timidez e a racionalidade. As mãos fortes passaram a acariciar-lhe os seios, excitando seus mamilos. Só então se deu conta. Estava nua. Seria este mais um daqueles sonhos noturnos que andava tendo? As mãos continuavam seu trabalho de reconhecimento pelo corpo de Sophia. Ela podia sentir o corpo dele atrás de si, provocando sensações de prazer inigualáveis, nunca antes sentidas. Pode perceber, então, que ele também se encontrava desprovido de qualquer peça de roupa. Ela desejava ver o corpo daquele homem que tanto a excitava e para isso virou-se lentamente, todos seus músculos vibrando com intensidade . Lá estava ele. Forte, viril, com seu rosto másculo, de queixo partido e aqueles olhos verdes claros e brilhantes que a fascinavam. Era uma visão de perder o fôlego. Ele também parecia muito excitado. Passou a abraçá-la com mais intensidade, apertando-a contra si, agarrando suas nádegas. Os lábios trêmulos deslizavam em sua face, suas orelhas, seu pescoço... Por um momento, ele parou de beijá-la, tentando esconder o rosto.
- Não pare, Stefan. Por favor ... Eu te quero agora. Quero ser sua... Para sempre.
Foi então que ele a ergueu nos braços e a levou para um lugar, que parecia uma chaise long, onde a deitou com suavidade. Naturalmente, ela abriu as pernas para acolhê-lo. Sentiu-o penetrar em suas entranhas vigorosamente, com urgência, enquanto as mãos acariciavam seu corpo com sofreguidão, e os lábios procuravam a tênue curvatura de seu pescoço, provocando mais sensações orgásticas. De olhos fechados, gemendo alto, repentinamente sentiu uma forte dor no colo, como se ferro em brasa a perfurasse, para logo em seguida uma onda de relaxamento tomasse conta de tudo, sem aperceber-se do fio de líquido quente escorrendo por sua nuca. Ainda pode ouvi-lo murmurando:
- Agora você será minha para sempre...

***

Sentia as pálpebras pesadas e certo desconforto . Lembrou do sonho. Parecera tão real... Com muito esforço conseguiu abrir os olhos. Estava num quarto, envolto em penumbra. Aos poucos foi conseguindo definir alguns detalhes do local. Estava deitada em uma cama enorme, coberta por um dossel de madeira escura, de onde desciam cortinas de veludo vermelho. As janelas aparentemente estavam fechadas e cobertas por um acortinado semelhante ao da cama. Parecia um daqueles dormitórios antigos, que podiam ser vistos em filmes do século XIX. Havia um perfume conhecido seu no ar. Sua cabeça parecia pesar uma tonelada. Mal notou quando uma figura masculina levantou-se de uma poltrona que estava colocada discretamente ao lado de seu leito. Assustou-se ao sentir aquela presença, mas logo seu temor esvaneceu-se ao ver o rosto conhecido de Stefan, que a mirava com ar preocupado e circunspecto.
- Como está se sentindo? – perguntou em voz baixa.
- Stefan... Onde eu estou? O que aconteceu? Que lugar é este?
- Calma... Não se agite. Você precisa se recuperar do trauma que sofreu.
- Como assim? Que trauma? Não lembro de nada.
- Não lembra do acidente?
- Acidente? – Ela tentava sondar sua mente para descobrir sobre o que ele estava falando, mas seus pensamentos estavam confusos.
Ele sentou-se ao seu lado na cama, colocando a mão sobre sua testa e acariciando seus cabelos, olhando-a com ternura.
- Você foi atropelada há três dias.
- O quê?
- Foi depois que você saiu da galeria.
Aos poucos algumas imagens foram voltando à memória de Sophia.
- Sim...acho que lembro. Eu fui levar os contratos para você assinar e... Conheci o seu irmão e saí. Estava chovendo e... – ela acabou por lembrar-se da cena que a deixara abalada no centro comercial. Seu rosto anuviou-se.
- Você saiu correndo e atravessou a rua sem ver que o sinal para pedestres estava fechado.
- Sim... Lembro de ter sentido um baque e depois ...mais nada.
- Por sorte, Dimitri resolveu segui-la.
- Dimitri?
- Sim. Ele ficou preocupado com a má impressão que provocou em você e queria conversar para desfazer o mal entendido, por causa de Caroline. Infelizmente ele não chegou a tempo de evitar o acidente. Ele só conseguiu trazê-la para cá para tentar salvá-la do pior.
- Pior? Mas eu me sinto bem, apesar de certa dor de cabeça e alguma dor no corpo. Afinal, o carro deve ter me pego só de raspão.
Enquanto ela falava, tentava mexer os braços e as pernas. Parecia que tudo estava no lugar.
- Fico feliz que você esteja se sentindo tão bem assim.
- Stefan, estou ficando assustada. Afinal, que lugar é este e porque estou aqui.
_ Você está na minha casa.
- Por quê? Se o acidente não foi grave , eu deveria estar em minha casa.
- Você ficou bastante ferida e veio para cá para eu poder tratá-la da melhor maneira possível.
- Como assim? Que eu saiba você é pintor, arquiteto... Também é médico? – ela não sabia o que pensar daquela situação. Tentou levantar-se da cama e reparou que estava sem suas roupas. Olhou para ele envergonhada e viu que ele sorria de seu constrangimento.
- Stefan, eu quero saber o que está acontecendo. Preciso de minhas roupas. Preciso avisar a Caroline, o...
- Não se preocupe. Já está tudo resolvido e todos avisados. Até aquele canalha do seu noivo. Aliás, ele deve estar amargamente arrependido de ter magoado você – Enquanto falava com ela, levantou-se e foi até um armário de onde retirou um robe de seda preto com um P bordado em fio vermelho para oferecer a ela. Virou-se de costas, ainda sorrindo, e permitiu que ela o colocasse.
- Stefan, por favor...
- Por favor, vista-o – falou com carinhosa autoridade – Você não está com fome?
- Não, não estou.
Sophia levantou-se e conseguiu vestir o robe sem grandes dificuldades. Sentiu uma leve tontura.
- Então, venha comigo. Quero mostrar-lhe o meu atelier. Tudo vai ser explicado ao seu tempo. Está pronta?
- Sim. Pode se virar...
Ele virou-se a tempo de segurá-la nos braços, antes que ela caísse ao chão.
- Você ainda está muito fraca. Logo terá que alimentar-se. Acha que consegue caminhar?
- Sim, acho que sim – respondeu, enquanto segurava-se firmemente ao braço de Stefan. Apesar de sua apreensão devido ao discurso evasivo dele, sentia-se segura naqueles braços.
Lentamente, ele a foi guiando para fora do quarto.
Era uma grande casa antiga, provavelmente restaurada, com decoração sóbria e requintada. Encontravam-se no segundo andar, pois podia ver, no final do corredor em que estava, o início de uma suntuosa escada. Mas não desceram. Atravessaram uma porta, quase em frente à escadaria, que os levou a uma espécie de sótão. Para surpresa de Sophia, era o mesmo salão que ela vira em seu último sonho. Começou a duvidar que aquilo tivesse acontecido apenas em sua imaginação. Um leve tremor percorreu-lhe o corpo. A chaise long, o telhado de vidro mostrando o céu, agora límpido , mas já antevendo o final do dia.
Lá também estava um lugar reservado para o artista pintar suas telas, com o cavalete, algumas telas em branco empilhadas em um canto e as diversas tintas e pincéis sobre uma pequena mesa de madeira clara. Levou-a até um grande painel, onde se encontravam pendurados vários quadros com os mais diferentes motivos.
Começou a observar as datas dos quadros, bem como as assinaturas dos responsáveis. Várias levavam a assinatura “Paole”, com datas entre 1870 e 1880.
- Você tinha um avô com mesmo nome que o seu e que também era pintor? Que interessante – dizendo isso, notou que Stefan abriu um sorriso lacônico.
Foi então que seu olhar deteve-se em um deles, pois ficou intrigada com a semelhança entre a jovem retratada e ela. Não era possível que Stefan a tivesse pintado sem que ela soubesse. Além do mais, a moça estava vestida com trajes do final do século XIX e a obra certamente havia sido realizada na mesma época.
- Quem é ela? – perguntou com certo medo da resposta que ouviria.
- O nome dela era Serena.Você também notou a semelhança?
Ela teve de segurar-se com mais força ao braço de Stefan, pois a tontura insistia em voltar. Teve medo de cair, quando o olhou e viu que ele não apresentava nenhum sinal de que estivesse brincando.
- Venha... É melhor se sentar para ouvir o que vou lhe contar – Sophia passou a ouvir boquiaberta a história fantástica de Stefan.
- Eu a conheci em Praga, em 1870, em um baile num dos castelos da região. Fiquei encantado com a sua beleza. Dançamos durante toda a noite e terminamos apaixonados um pelo outro. Eu nunca havia sentido nada igual antes. Foram seis meses de sonho e encantamento, que me tiraram da escuridão em que eu vivia até então. Foi nessa época que resolvi dedicar-me mais intensamente à arte de pintar. Só que o destino não permitiu que ficássemos mais tempo juntos. Uma infecção pulmonar a tirou de mim. Na época, a medicina começava a ensaiar alguns passos. Por muito tempo carreguei a culpa de não a ter salvado.
- Stefan... Que história é essa? Como você poderia ter vivido em 1870? Você está brincando comigo? – disse incrédula.
- Sophia, eu não sou um homem comum. Eu preferia contar-lhe este fato mais tarde, quando já tivéssemos nos conhecido melhor. Mas o seu acidente precipitou tudo. Eu faço parte de um grupo de pessoas a quem vocês costumam denominar de... Vampiros.
- Vampiro? – ela riu nervosa. Não sabia o que pensar ou dizer – Pare com essa bobagem, Stefan. Não estou achando graça nenhuma.
- Minha história não tem nada de engraçada, Sophia. Apenas escute, por favor.
Diante da expressão séria e suplicante de Stefan, ela concordou em ouvi-lo.
- Em torno de 1700, um soldado sérvio chamado Arnold Paole teve um encontro infeliz com elementos pertencentes a um clã de vampiros. No meio do campo de batalha os seres atacavam aqueles soldados com ferimentos graves e que certamente não sobreviveriam. O líder deles atacou Arnold, mas deixou-o sem certificar-se de sua morte. Arnold o seguiu, pois queria sobreviver para poder encontrar sua noiva que deixara em sua cidade natal. Sabia que só poderia sobreviver se também sorvesse o sangue do vampiro. Conseguiu encontrá-lo, alcançar seu objetivo e destruir o seu algoz. Sentindo suas forças renovadas, voltou para casa. Ao chegar lá, percebeu que se tornara um deles, pois seu apetite não era mais por alimentos comuns aos humanos. Tentou resistir a “fome” que o dominava, mas não conseguiu. Passou a ter medo de “contaminar” sua noiva, a quem amava muito. Além disso, os aldeões vizinhos começaram a desconfiar de sua presença devido às inúmeras mortes por grandes perdas sanguíneas que estavam acontecendo depois de sua chegada. Por isso decidiu fugir de seu país. Contou tudo a sua amada, para explicar sua fuga, e partiu para o sul. Só não sabia, ao partir, que ela estava grávida de um filho seu. Foi para a Grécia, pois ouvira falar que lá havia várias comunidades de “pessoas” como ele. Decidira lutar contra aquele impulso assassino e encontrar uma maneira menos terrível de viver. Lá ele teve um filho, Dimitri. Passados 16 anos depois de sua fuga, resolveu voltar ao seu país de origem para rever sua noiva. Ao chegar lá soube que ela tinha morrido alguns meses antes e que deixara um filho. Ao vê-lo e sabendo de sua idade, teve certeza de que ele era seu.
Neste ponto, Sophia entorpecida com a narração de Stefan, conseguiu perguntar:
- Este filho era você?
- Sim... Ele contou que era meu pai e que queria levar-me junto com ele para a Grécia. Queria que eu tivesse uma nova família. Como eu não tinha nada a perder, parti em sua companhia.
- Mas você já era um vampiro? – ela não acreditava que pudesse estar fazendo aquela pergunta.
- Não completamente. Eu era um rapaz franzino. Não conseguia alimentar-me direito. Parecia que tudo me fazia mal. Quando meu pai me contou sua verdadeira história, consegui entender o motivo. Eu tinha a herança dele correndo em minhas veias, mas não o suficiente para a transformação completa. Imagine um adolescente encontrar um meio de ser eterno e poder ter controle sobre os outros, principalmente tendo um meio irmão com este domínio. Supliquei a meu pai que completasse a transformação. Com relutância ele aceitou meu pedido. Mais um motivo foi criado para que ele persistisse em seus estudos para conseguir um alimento artificial. Até lá, o clã, do qual meu pai tornara-se líder, tinha de continuar satisfazendo sua fome com sangue humano. Para isso, Arnold instituiu que cidadãos seriam raptados por curtos períodos para que doações de sangue involuntárias fossem feitas. O sangue era conservado da melhor maneira possível e as pessoas eram devolvidas às ruas com um pequeno ferimento no braço. Eram hipnotizados para que não se lembrassem de nada e continuavam suas vidas tranquilamente. Acabara a matança. De adolescente passei a adulto. Queria conhecer o mundo. Por isso parti para Praga, um magnífico centro cultural na época. Fiz meus estudos de arquitetura e comecei a pintar nas horas vagas. A cidade era extremamente inspiradora para os amantes da arte como eu. Foi então que conheci Serena. Quando a perdi, passei a julgar-me culpado por sua morte. Passara tantos anos controlando o instinto animal de alimentar-me de humanos da forma tradicional, que hesitei em salvá-la daquela maneira, que seria a única. Foi um período de muita revolta contra minha origem, contra meu pai e minha “família”. Resolvi seguir afastado do clã mantendo-me saudável da mesma maneira que na Grécia. Ganhei dinheiro como arquiteto e em vários outros tipos de negócio. Os anos, as guerras, os políticos, os amigos e os inimigos passavam por mim, desapareciam, e eu continuava minha jornada. Nem sempre isso é agradável.
Sophia sentiu nova tontura e ele teve de deitá-la na chaise long.
- Querida, sei que tudo isto que estou contando deve ser terrível para você, mas eu preciso que você compreenda o que está acontecendo e me perdoe pelo que fiz.
- Continue, Stefan. Continue – pediu-lhe, começando a entender a angústia de Stefan.
- O comunismo chegou a Tchecoslováquia, como se denominava o país então. Continuei meu trabalho, minhas viagens pelo mundo, adquirindo conhecimentos, aprimorando minhas técnicas de pintura. Quando a abertura se deu, passei a expor minhas novas telas em várias capitais da Europa e o sucesso aconteceu. Passei a ser um artista de renome. Nesta mesma época, meu pai finalmente descobriu o sangue artificial. A partir de então, uma nova época se iniciou para nosso clã. Ele conseguira completar a obra de sua vida. Mandou Dimitri a minha procura. Voltei à Grécia e apaziguei a alma e as relações familiares, para regozijo de Arnold Paole. Apesar de tudo, não queria ficar preso àquele lugar. Eu me tornara um homem do mundo. Há três anos passei a me interessar pelo Brasil, seu povo, sua cultura. Pensei em ficar aqui algum tempo, montar a galeria e deixar a marca de minha passagem. A arte passou a ter um lugar muito importante dentro de mim, pois através dela eu pude exorcizar meus demônios. Vim para cá há um ano e comecei a realizar meus planos. Foi quando eu a vi... Mal podia acreditar quando a vi caminhando pela rua, num início de noite a alguns dias atrás... Também vi o bandido que a seguiu até o beco para assaltá-la.
- Foi você que me salvou naquele dia? – ela mal podia acreditar no que estava ouvindo – O que você fez com aquele miserável?
- Nada. Só mostrei os caninos para ele e lhe dei uma bela surra. Depois o joguei dentro de um banco, segundos antes da polícia fazer a sua visita de rotina para verificar a segurança do lugar. Ele deve estar até agora tentando explicar como foi parar dentro da caixa forte do banco. Duvido que eles acreditem que foi um vampiro que o deixou lá.
Sophia não pode deixar de sorrir, imaginando o susto que o nojento deve ter levado e admirando o senso de humor de Stefan.
- Que bom ver o seu sorriso novamente, Sophia... – dizendo isso, levou sua mão até a face dela, fazendo-lhe uma carícia na linha do queixo.
- Eu ainda estou pasma diante de tudo isto que você me contou. É inacreditável. Eu não sei o que dizer.
- Depois daquela noite, procurei saber quem era você e dei um jeito de procurá-la. O resto você já sabe.
Stefan notou uma sombra no rosto de Sophia.
- Eu sei que é terrível conhecer a verdade sobre mim assim tão cedo. Você tem todo o direito de me odiar ou sentir asco pelo que eu sou. Eu entenderei qualquer um destes sentimentos.
- Não é isso, Stefan. Estou assustada com tudo isto, mas o que mais me incomoda é saber que você estava pensando em outra pessoa quando tentava me seduzir – sua voz era trêmula e as lágrimas começavam a querer surgir.
- Não! – ele exclamou – É você, Sophia, que eu quero. Ninguém mais. Serena ficou no passado. Não vou mentir. No início a semelhança surpreendente entre vocês me atraiu, mas depois eu a conheci. O seu modo de ser, de falar, de olhar, mostrou uma outra mulher, desconhecida, por quem fiquei, pela segunda vez na vida, perdidamente apaixonado. A semelhança tornou-se secundária – sua voz foi abrandando à medida que abria seu coração - Por isso fiquei desesperado quando a vi nos braços de Dimitri, praticamente morta, com uma hemorragia interna que dificilmente o melhor dos cirurgiões conseguiria deter. Foi então que, lembrei de minha hesitação com Serena. Mais uma vez eu tinha a mulher que eu amava cercada pela morte. Não pensei duas vezes. Eu tinha esse poder em minhas mãos e não deixaria você partir. Eu a “contaminei”...
- O meu sonho... Aqui neste atelier...Nós dois nos amando...
- Em parte foi um sonho. Um sonho compartilhado por mim também. Eu penetrei em sua mente e a fiz minha na sua imaginação e no seu desejo. A parte final do seu sonho é que foi a real. A dor que você sentiu foi real. Mas você ainda tem uma escolha, Sophia. Se não quiser se tornar uma... alguém como eu, entenderei e não finalizarei o ritual de sua transformação para viver a imortalidade.
- Eu poderia viver para sempre com você? – sua voz tornava-se ainda mais fraca.
- Sim...
- Você seria capaz de me amar por tanto tempo assim?
- Não tenho dúvida alguma sobre isso, meu amor...
Consumindo suas últimas forças, Sophia ergueu-se e passou os braços em torno do pescoço de Stefan, oferecendo seus lábios ao homem que amava.
- Então me salve e me faça sua para sempre, como você prometeu em todos os meus sonhos.
Stefan sorriu e a enlaçou nos braços, correspondendo com um beijo apaixonado. Ao sentir que ela já estava fraca demais para manter-se acordada, abriu sua camisa e fez um pequeno e profundo corte em seu peito, deixando uma pequena quantidade de sangue a correr. Aproximou a cabeça de Sophia do talho e disse emocionado:
- Mate a sua sede em mim. De agora em diante seremos um só, por toda a eternidade.
Logo, ela começou a sentir a vida, o calor e todos os sentidos antes enfraquecidos voltando aos poucos. Abriu os olhos e pode ver a rápida cicatrização do ferimento de Stefan. Agora o tinha junto a si de verdade. Nada de sonhos. O desejo começou a apoderar-se dela. Sentiu que ele compartilhava da mesma forma este sentimento. Pode perceber isto quando ele voltou a beijá-la e começou a despi-la de seu robe. Enquanto ela o esperava deitada nua sobre a chaise, ele levantou-se para despir-se também de suas roupas. O cenário era o mesmo de seu sonho. A lua e o céu estrelado, acima dos corpos nus, penetravam através da vidraça no telhado inundando com uma luz magicamente prateada o grande salão. Encantado com a visão das curvas de Sophia à luz do luar, Stefan ajoelhou-se ao lado dela, percorrendo sua pele alva com os olhos e com suas mãos espalmadas, provocando um eriçar de todos os pelos de sua amada. Ela gemia, antevendo o deleite de ser possuída por ele. Também queria tocá-lo, senti-lo, cheirá-lo e abraçá-lo, fundindo seu corpo ao dele. Fechou os olhos exultando diante de seus beijos cálidos e doces, que iam do ventre, subindo lentamente até os seios, onde se deteve nos mamilos túrgidos, acariciando-os com a ponta da língua, enlouquecendo-a de prazer, fazendo-a agarrar-se aos revoltos cabelos negros, afagando-os e puxando-o ainda mais contra seu peito. Os beijos continuaram pelo seu pescoço, enquanto ela o abraçava, podendo perceber toda a sua musculatura rija sob a pele macia. Então ela pode ver que, excitado como estava, além de sua virilidade entre as musculosas coxas, seus caninos aguçados também se tornavam aparentes. Mas ela não tinha mais medo. Isso só a excitava ainda mais. Ele deitou-se sobre ela e a penetrou, com cuidado, em movimentos lentos que foram tornando-se aos poucos mais rápidos e vigorosos, levando-os ao êxtase completo, entre gemidos e respirações ofegantes.
Depois de tudo, permaneceram abraçados, compartilhando um repouso prazeroso e relaxante.
Naquela noite ainda, amaram-se mais algumas vezes, até abrandarem seu desejo e caírem exaustos, em sono profundo, ao raiar do dia.


Aos poucos, tudo começou a voltar ao normal. Sophia passou a morar na mansão de Stefan, mas continuou a frente da campanha publicitária para promoção da Galeria Paole. Separou-se de Paulo amigavelmente. No dia em que o encontrou, viu o olhar amedrontado do antigo companheiro e a fala titubeante, fazendo-a pensar no que Stefan teria feito para deixá-lo tão manso, diferente do sujeito arrogante que ele era antes. Talvez um dia pedisse a ele que contasse. Um dia... No momento, não a interessava nada relacionado àquele crápula. Tampouco quis ouvir as suas explicações sobre o que o levara a traí-la. Paulo já era um passado aplacado e esquecido.
Quanto ao “temível” Dimitri, mostrou-se realmente apaixonado por Caroline. Ele a vira no dia em que estava seguindo Sophia. Queria saber quem era a responsável pela decisão de Stefan de ficar no Brasil, indo contra a vontade de Arnold. Apesar de querer muito ser o preferido do velho Paole, e ter algumas diferenças com o irmão romeno por ciúmes, obedecia ao pai cegamente. Foi ao vê-la conversando com a simpática e falante ruiva, que ele mudou seu foco de interesse e terminou por procurar Carol para conhecê-la melhor, esquecendo seu objetivo inicial.
As mágoas de Dimitri acabaram por serem dissolvidas quando Stefan recusou o lugar que Arnold lhe reservava na Grécia, para assumir o seu povo. Dimitri retornaria à Santorini, voltando de mais uma missão ordenada pelo velho sérvio, levando a resposta negativa de seu meio-irmão e uma carta exigindo o reconhecimento dele, Dimitri, como legítimo herdeiro.
Quem estava sofrendo com tudo isso era Carol, que estava cada vez mais apaixonada pelo seu “deus grego”, como gostava de chamá-lo. Ela já sabia da verdadeira ascendência dele. Assustou-se um pouco no início, mas acabou aceitando, por colocar o amor acima de tudo. Ainda debatia-se com a dúvida de ser transformada ou não. Ao final, acabou por acompanhar Dimitri na volta à Grécia. Seria como um período de férias, mas gostou tanto de lá, que decidiu mudar-se e tornar-se definitivamente a primeira dama do clã de vampiros gregos.
Passados alguns meses, Caroline acompanhava pela Internet as páginas sociais de São Paulo, em elogios incansáveis ao “mais novo casal, composto pelo elegante pintor Stefan Paole e sua adorável esposa Sophia Caselli, que surgia recepcionando seleto público no mais novo sucesso cultural da capital paulista, a Galeria Paole”.


FIM


Como prometi, este foi o final da nossa estória. Por favor, comentem. A sua opinião é muito importante para mim. Um ótimo início de semana para vocês. Beijos!

sábado, 27 de junho de 2009

Encontro Noturno - Parte III


O telefone tocou insistente e irritante sobre o criado mudo ao lado da cama.
- Alô? – perguntou com voz de recém acordada.
- Ainda dormindo, preguiçosa? O que aconteceu? Você não costuma ficar deitada até tão tarde.
- Alô? Paulo? Que horas são?
- Já são 13 horas!
- Já? Que horror!
- O que houve? Muita festa ontem à noite? – indagou com ironia, sabendo que Sophia não costumava sair à noite, principalmente quando não estava acompanhada.
- Eu perdi o sono e acabei dormindo muito tarde. Acho que foi isso... – falou ela, tentando recompor-se na cama e ficar mais alerta – Que bom que você me acordou. Tenho um monte de coisas para fazer.
- Liguei para avisar que consegui um vôo às 17 horas. Devo chegar aí em torno das 21. Tenho uma reunião no final da manhã de segunda. Assim não vai ficar tão cansativo.
Houve alguns segundos de silêncio do outro lado da linha. Sophia ficara pensando porque o motivo dele voltar mais cedo não era o de estar com saudades suas.
- Alô? Sophia? Você está aí? – perguntou, estranhando a falta de resposta da noiva.
- Sim... Estou aqui. Que bom, Paulo. Quer que o espere para jantar?
- Não, querida. Eu como alguma coisa no caminho – disse, pensando na sua falta de habilidades culinárias – Não quero lhe dar trabalho.
- Então está bem. Te espero em casa.
- Até mais, Sophia.
- Até mais, Paulo...
Ao desligar o telefone, ela ficou pensando o que teria acontecido com a relação deles. Estavam morando juntos há apenas seis meses e o relacionamento apresentava sinais de desgaste como se já estivessem casados há mais de 30 anos. Talvez estivesse exagerando, mas sentia-se um pouco magoada com a falta de expressão de afeto com que Paulo se apresentava ao telefone e preocupada a sua própria falta de necessidade de tê-lo perto de si...
Antes que resolvesse discutir a relação com Paulo naquela noite, levantou-se e foi ao banheiro para lavar-se.
Não tinha fome. Tomou um copo de suco de laranja e, quando preparava-se para sentar diante de seu PC para trabalhar um pouco, o telefone soou novamente. Seria Stefan?
- Alô? – atendeu meio insegura.
- Alô, sua sumida! Então é assim...O maridão viaja e nem para convidar a pobre amiga solteirona para dar uma saída – Carol estava indignada, mas mantendo o bom humor habitual – Ou você arranjou coisa melhor para fazer?
- Oi, Carol... Eu não lhe falei que tinha uma reunião com o senhor Paole?
- Stefan Paole, o pintor bonitão? Não, você não falou nada.
- Desculpe. Eu tinha quase certeza que havia lhe falado sobre ela.
- Não, a senhora não falou nada – Carol estava visivelmente chateada com Sophia, mas resolveu não discutir – E, como foi esta reunião?
- Correu tudo bem. Consegui expor as minhas idéias e fechamos o contrato. Amanhã ele assinará. Prometi mandar os papéis para a galeria... Carol, você não está irritada comigo, está? Realmente eu achei que havia contado para você sobre a reunião.
- Tudo bem, não estou aborrecida, não. Mas podíamos ter saído a noite juntas, não podíamos?
- A reunião foi ontem à noite.
- Sophia, estou indo para aí, agora. Não ouse sair de casa. Voce vai me contar esta história direitinho.
- Que história... – antes que Sophia terminasse a frase, Carol já havia desligado o telefone e estava a caminho de seu apartamento.
Em questão de 30 minutos, Carol desembarcava diante da porta de Sophia, com olhar escandalosamente curioso para saber sobre o encontro com Stefan.
- Qual o motivo para tanto desespero, Carol? Eu apenas disse que havia me reunido com nosso cliente no sábado à noite.
- Ah, tá bom! Me engana que eu gosto. Nestes últimos três anos como sócias eu nunca a vi marcar compromisso com clientes fora de horário comercial. Sei que você é xiita na questão de trabalho e que costuma ralar nos fins de semana. Mas encontros de negócios, jamais.
- Não entendi porque você está tão surpresa com isto. O senhor Paole é um homem muito exigente e, digamos, insuportavelmente mandão. Ele não me perguntou se eu poderia ou não fazer esta reunião neste dia. Ele apenas decidiu e ponto final. Como você mesma disse ouro dia, o cliente sempre tem razão. Por isso, não quis ir contra o seu pedido. Além do mais, como Paulo não estava aí, achei que não havia motivo para negar.
- Sei, sei... – Carol ainda não estava convencida de que o motivo havia sido apenas este – Bem, ao menos conseguiu informar-se sobre a situação civil deste “senhor”?
- Infelizmente não, Carol. Até tentei saber um pouco sobre a vida dele – respondeu honestamente – Mas ele é meio arredio neste assunto.
- Hum, adoro homens misteriosos.
- Cheguei a citar o seu nome durante a nossa conversa.
- Sério, amiga? – Carol arregalou os grandes olhos castanho claros – Como foi isso?
- Falei que achava que vocês se dariam muito bem por pensarem igual sobre determinados assuntos.
- Que assuntos?
- Ah... Não lembro mais o que ele disse e que me fez lembrar de você – respondeu, mentindo.
- Foi só mesmo negócios, então. Ele não te deu nenhuma cantada?
- Que é isso, Carol? ... Claro que não. Tenho a impressão que ele tem poucos amigos e estava precisando conversar. Só isso – Sophia decidiu manter silêncio a respeito do teor do restante da conversa entre ela e o romeno. Tampouco cogitou de contar o seu sonho daquele final de noite. Pela primeira vez, em muitos anos, guardava um segredo da amiga. Isto a fez sentir-se incomodada.
- Você já almoçou? – perguntou animadamente.
- Não, ainda não...Mas não estou com muita fome – respondeu Sophia.
- É só uma desculpa para sair. Vamos aproveitar que você também está solteira hoje e sair para fofocar um pouco.Vamos? – suplicou Caroline, piscando os olhos como se fosse uma menininha de seis anos de idade. Sophia não entendia como a amiga podia ser tão madura profissionalmente, mas às vezes ter um comportamento tão infantil, como naquele momento. Mas este era um dos motivos pelos quais ela gostava tanto de Carol. Com ela podia falar certas coisas e rir à vontade sem medo de sentir-se ridícula. Às vezes pensava se não era melhor ser assim do que uma sisuda estressada.
- A minha resposta deveria ser não, mas você sabe que eu não resisto quando você me pede deste jeito moleque. Só não quero voltar muito tarde, pois o Paulo volta hoje à noite.
- Ué? Ele não ia voltar só amanhã?
- Pois é... Ele acabou de me ligar e avisou que conseguiu um vôo mais cedo.
- Que bom... Ele deve estar com saudades...
- É... Acho que sim... – não queria dar o braço a torcer para a melhor amiga, que vivia criticando a frieza do relacionamento dos dois – Bom, vou me arrumar. Tenho certeza que você já armou todo um esquema de programação para fazermos esta tarde.
- Claro!
Enquanto Sophia trocava de roupa, Carol descrevia o que tinha em mente para fazer daquela uma tarde animada. Seria muito bom saírem juntas numa tarde de ócio. Desde que Paulo e Sophia tinham resolvido morar juntos, estes momentos entre as amigas tornaram-se raros.

Já passava das 19 horas quando Sophia voltou para casa. Tinha se divertido muito com Carol, indo ao cinema, parando para tomar um sorvete numa antiga sorveteria nos Jardins, jogando conversa fora e rindo muito. Como nos velhos tempos. Quase esquecera os últimos conflitos que andavam rondando seu coração. Carol chegou a tentar sondar um pouco mais a respeito de Stefan, mas logo viu que não conseguiria nada e desistiu de tocar no assunto, para alívio de Sophia.
Ao entrar no apartamento logo deparou-se com um lindo buque de rosas vermelhas sobre o aparador do hall de entrada.
- Paulo? – chamou por ele, imaginando como ele conseguira chegar tão cedo e se a separação destes dias havia resultado num certo romantismo – Paulo?
O sorriso foi desvanecendo-se ao perceber que não havia ninguém mais por ali, além dela mesma. Só então resolveu procurar por algum cartão no meio do ramalhete, intrigada em saber como as rosas tinham ido parar lá. Achou-o.

“ Pela adorável companhia de ontem a noite...
Stefan”

Não pode evitar um sorriso ao ver o nome do responsável pelas flores. Elas exalavam um perfume delicioso. Guardou o cartão para que Paulo não o visse ao chegar, mas não teve coragem de colocar o presente fora. O que não conseguia entender era como ele entrara em sua casa. Talvez o zelador tivesse uma cópia de sua chave e a usou para deixar a encomenda. Depois falaria com ele, para que isso não se repetisse mais.
Tomou um banho e ligou seu notebook para tentar trabalhar um pouco, enquanto Paulo não chegava. Ficou pensando se não deveria ligar para seu cliente para agradecer as rosas. Decidiu que não. Talvez fosse melhor ele pensar que aquilo não era importante para ela. O sonho daquela noite insistia em voltar a sua mente a todo instante.
O telefone tocou. Sem entender porque, pegou o fone, apreensiva.
- Recebeu meu agradecimento? – soou a voz rouca.
- Quem é? – tentou disfarçar.
- Não reconhece mais minha voz? Achei que eu era inesquecível – ela podia imaginar um sorriso ladino estampado nos lábios de Stefan.
- O senhor é muito presunçoso.
- “O senhor”? Achei que já havíamos pulado esta etapa.
- Desculpe. Claro que eu o reconheci. Pensei em ligar para agradecer-lhe as rosas, mas...
- Não precisa se explicar, Sophia. Eu não esperava que você me ligasse para agradecer nada. Eu estou ligando para ouvir o som da sua voz. Só isso. Até amanhã... – e desligou.
- Mas... – Não teve tempo de dizer-lhe que ela não o encontraria amanhã. Ele sabia disso...O que ele quis dizer com aquilo? Não tinham combinado nada.
Pensou em ligar de volta. Se ele ao menos tivesse algum email para deixar-lhe mensagens, ficaria melhor. Não precisaria ouvir aquela voz...Não se sentiria tão “invadida”. Mas ele insistia neste contato direto. O que ele estava querendo com ela? Até em seus sonhos ele a procurava. Entretanto, não podia deixar de negar que estava gostando daquele cerco.
“Acho que estou ficando louca e vendo coisas onde nada há”, pensava quase em voz alta, quando ouviu um barulho de chaves na porta da frente.
- Paulo? - Não tinha mais certeza se a volta do noivo era agradável ou não.
- Oi, querida! Tudo bem? – exclamou alegre, dirigindo-se até ela e dando-lhe uma beijoca de leve em sua boca. Prosseguiu até o quarto para deixar a maleta de viagem. Voltou para a sala, onde Sophia permanecia parada no mesmo lugar, pensando se este encontro não merecia um beijo mais carinhoso ou um abraço mais caloroso.
- O que houve? – perguntou ele, olhando-a parada ali, com um olhar perdido no vazio – Aconteceu alguma coisa?
- Não, não aconteceu nada de mais. Você jantou? - Ela tentava parecer o mais natural possível, apesar de estar imaginando como tinha sido o reencontro deles por ocasião de outras viagens a negócios de Paulo. Será que sempre tinha sido assim? E se foi, como ela nunca ficara chateada com isso? Porque só agora a incomodava a falta de carinho?
- Já jantei, sim. Eu havia dito ontem que jantaria no caminho, não? Acabei comendo um sanduíche, lá no aeroporto mesmo – falou, olhando-a de alto a baixo – Sophia, você está bem? Estou lhe achando muito estranha. Você já jantou? Está chateada porque não vim jantar com você?
- Não, querido – disse, sentindo-se a pessoa mais falsa do mundo já que, pelo menos naquele momento, o adjetivo citado não era exatamente o que ela achava mais apropriado para ser dito. Sentia-se um autômato – Não estou chateada, apenas um pouco cansada.
- E estas flores? Algum admirador secreto?
- Não. Eu as vi numa floricultura e resolvi comprar, para alegrar a decoração. Gostou?
- Gostei. Bem, eu vou tomar um banho, ver o meu e-mail e dormir. Quero acordar cedo para preparar-me para aquela reunião no final da manhã – falando isso, aproximou-se dela, depositou mais um beijo no seu rosto e voltou-se na direção de sua suíte.
Sophia ficou olhando para seu parceiro de tantos meses e, sem querer começou a compará-lo com Stefan. Perguntava-se o que a tinha atraído em Paulo. Ele era um homem atraente, sem dúvidas. As mulheres viviam lançando olhares sobre ele. Estranhamente ela nunca tivera ciúmes disso. Pensava que era uma mulher segura de si, por isso esta ausência de medo em perder seu homem. Ele também tinha várias outras qualidades. Era inteligente, trabalhador, educado...Enfim, o príncipe encantado de qualquer moçoila sonhadora. Talvez, por isso mesmo, um chato. Ele nunca a surpreendia, nunca fizera uma declaração mais calorosa de amor, nunca lhe mandara flores... Mas nada disso fora importante para ela. Porque só agora tudo que Carol lhe dizia sobre a falta de emoção em seu relacionamento tornava-se tão visível? Stefan. Era a única resposta que lhe ocorria. Como este estrangeiro conseguia o efeito de virar o seu mundo de cabeça para baixo? De tornar inverdades todas as suas verdades? O que estava acontecendo?
- Posso usar o seu laptop? Ele já está ligado e, pelo que estou vendo, você não o está usando.
A pergunta inesperada de Paulo tirou-a abruptamente de seus pensamentos. Ele já havia saído do banho. Com os cabelos molhados, vestindo seu pijama de calça curta e segurando sua escova de dente, escorava-se no umbral da porta da sala.
- Fique à vontade – respondeu.
Ele voltou ao banheiro para terminar de escovar os dentes e logo em seguida retornou à sala, onde se sentou no pequeno espaço reservado à web existente ali.
- Como foi lá em Salvador? E o tal fazendeiro? Deu tudo certo? – ela tentava mostrar interesse no trabalho dele.
- Você me conhece, não? Não poderia ter sido melhor. Mais dois clientes importantes. Como sempre digo, dinheiro chama dinheiro – ele parecia realmente satisfeito com sua atuação – E por aqui? Como vai lá na agência? Clientes novos? Alguém importante?
Ela notou uma certa ironia na sua pergunta. Às vezes ela sentia um certo desprezo dele em relação aos seus contratantes. Hoje isto parecia mais evidente, mas pensou que não valia discutir este tipo de coisa, naquele momento.
- Tudo ótimo. Estamos com um novo cliente.
- Que bom – exclamou, sem tirar os olhos da tela do notebook – Alguém conhecido?
- Eu diria que ele é mais conhecido no meio artístico.
- Ah! Algum ator querendo aparecer mais na mídia?
- Não exatamente este meio artístico. Ele é um pintor romeno que quer divulgar seu trabalho e sua nova galeria de arte.
- Interessante... – disse automaticamente, absorto que estava em meio a sua correspondência eletrônica.
- Bem, acho que vou dormir cedo também – falou Sophia, levantando-se do sofá onde se deixara ficar mergulhada, analisando sua atual situação amorosa.
Quando passou perto de Paulo, sentiu a mão dele em seu braço e ouviu:
- Estou com saudade. Me espere acordada. Logo já termino isto aqui – falou, com um olhar adocicado, em tom mais baixo, a frase código que significava que ele a queria sexualmente naquela noite.
Ela apenas sorriu de volta e encaminhou-se para o quarto.
Já estava deitando-se, quando o telefone chamou mais uma vez.
- Sophia!
- Oi, Carol! O que houve?
- Não podia deixar de te ligar para contar o que me aconteceu, menina.
- O que foi? Conte! Coisa boa, eu espero.
- Maravilhosa. Conheci o homem da minha vida.
- Como assim? Você acabou de passar a tarde comigo. Como conseguiu conhecer “o homem da sua vida” em tão pouco tempo e exatamente aonde?
- Lembra que você não quis que eu te desse uma carona até em casa? Pois é. Fui buscar o carro no estacionamento perto da sorveteria e foi aí que eu o conheci.
- No estacionamento?
- Eu fui dar a ré para sair e quase o atropelei. Ele estava indo buscar o seu Porsche e passou exatamente atrás de mim no momento da ré. Eu não o tinha visto e quase morri de susto. Desci do carro pensando que teria que levá-lo direto para o hospital, mas ele estava ali, parado, sorrindo. Ai...e que sorriso, Sophia. Pedi mil desculpas. Ele disse que eu não precisava me preocupar, pois nada de mal havia acontecido. O pior é que eu jurava ter sentido um tremendo baque. Mas ele estava ali, sem uma marca de traumatismo. Um milagre! Ainda bem. Como ele notou o meu nervosismo, convidou-me para beber alguma coisa. Fomos até o barzinho diante do estacionamento e ficamos conversando por mais de uma hora. Foi demais. Combinamos de nos ver esta semana.
- Mas, Carol, você não acha muito precoce este entusiasmo todo? Você mal o conhece.
- Amor à primeira vista, Sophia! Já ouviu falar disto? E tenho certeza que ele também sentiu o mesmo que eu.
- Vá com calma, garota. Quem é ele, o que faz...?
- Está bem. A “ficha criminal” é a seguinte: Ele se chama Dimitri, é grego, de Santorini, tem família aqui em São Paulo, a quem veio visitar. Parece que tem uma empresa de importação e exportação em sua terra e, apesar de ter dinheiro de família, diz que gosta muito de seu trabalho. Ele é lindo e muito simpático - Carol estava nas nuvens, sem dúvida alguma.
- Que bom, Carol. Fico realmente feliz por você. Mas vai com calma, amiga. Você mal o conhece. De qualquer forma, estarei torcendo para que tudo dê certo, querida. Você sabe que só lhe desejo o melhor e toda a felicidade do mundo. Mantenha-me informada, viu?
- Pode deixar. Você vai me dar razão quando conhecê-lo.
- Tenho certeza disso, Carol – disse, tentando não demonstrar a sua falta de convicção na afirmação.
- E o Paulo já chegou?
- Sim, está aqui – ele acabara de aparecer no quarto – Está mandando um beijo prá você.
- Duvido que ele tenha feito isso. Eu sei que ele não vai com a minha cara. De qualquer jeito diz a ele que mando um abraço.
- Pode deixar que eu mando. Bons sonhos, Carol.
- Com certeza vou ter, Sophia. Beijo!
- Boa noite. Beijo!
- O que aconteceu com a sua amiguinha? – perguntou Paulo, em tom sarcástico.
- Pelo jeito ela conheceu alguém interessante. Queria me contar.
- Pobre do sujeito...
- Não sei porque este seu comentário. A Carol é uma ótima pessoa, bonita, simpática e de bom coração. E além de tudo, talentosa.
- Está bem, Sophia. Não precisa ficar tão furiosa comigo. Não quis ofender ninguém.
- Não sei por que você tem esta antipatia em relação a ela.
- Não é antipatia... Acho que é ciúme de você.
- Não acredito nisso. Você nunca demonstrou ciúmes de mim com outros homens. Porque teria ciúmes dela?
- Ah, deixa isso prá lá. Vamos aproveitar que ainda é cedo e... – foi aproximando-se de Sophia, deitando-se ao seu lado e envolvendo-a com os braços.
- Olha, Paulo. Não estou muito a fim de nada hoje.
- Por causa deste meu comentário sobre a Caroline? Por favor... Passamos dias sem nos ver e você não quer nada comigo?
- Eu lhe disse que estava meio cansada. Dormi muito mal a noite passada – enquanto dizia isto, ia se ajeitando sob os lençóis e virando de costas para ele, tentando livrar-se do seu abraço.
- Vocês, mulheres, sempre com alguma desculpa...Por acaso está acontecendo alguma coisa que eu não sei? – perguntou desconfiado.
- Não, nada. É só uma indisposição. Vai ser bom dormir mais cedo. Amanhã vou estar novinha em folha.
- Espero... – terminou de falar e virou-se para o outro lado da cama, enquanto Sophia pensava em como tinha sido estranhamente fácil dispensá-lo. Normalmente ele insistiria um pouco mais.


**

O despertador de seu celular acordou-a rapidamente. Paulo ainda dormia. Tomou uma chuveirada rápida, só para despertar, arrumou-se e foi preparar o café. Paulo surgiu na cozinha, com os olhos inchados e o cabelo desgrenhado.
- Bom dia. Pelo que vejo, parece ter-se recuperado bem do mal estar da noite passada.
- Bom dia. Tem razão. Estou me sentindo muito bem. Acabei de fazer café. Vai tomar agora?
- Não. Vou trabalhar um pouco até a hora da reunião. Tomarei o café depois. Não se preocupe comigo.
- Bem, vou andando. Estou cheia de trabalho me aguardando na agência. Encontramos-nos à noite, então?
- Sim. Vai querer sair para jantar?
- Não se preocupe. Comprei uns congelados ótimos de comida caseira. Não serei eu a cozinheira hoje.
- Não falei por isso – ele tentava disfarçar seus motivos.
- Eu sei...Eu sei – disse sorrindo, depositando um beijo rápido nos lábios dele e saindo rapidamente em direção à sala, onde pegou sua bolsa e saiu para a rua.
Já estava chegando a sua sala, quando o celular tocou dentro da bolsa. O visor mostrava que o chamado vinha do seu próprio aparelho. Ela havia pegado por engano o de Paulo.
- Alô, Sophia? Você pegou o celular errado de novo.
- Não tenho culpa se compramos o mesmo modelo.
- Vou passar aí para pegá-lo agora.
- Porque agora? Deixa para buscá-lo quando você tiver que ir a tal reunião.
- Não. Eu preciso dele para dar alguns telefonemas cujos números estão gravados na agenda.
- Não quer que eu os leia para você?
- Não! – ela ficou surpresa com a negativa explosiva de Paulo – Não precisa se preocupar em procurar nada aí. Deixe que eu o pego daqui a pouco.
- Está bem. Eu te espero. Traga o meu, por favor.
- Claro! Tchau!
- Oi! O que houve? – perguntou Caroline, que chegara enquanto Sophia ainda estava ao telefone.
- Oi, Carol! Era o Paulo. Eu troquei os celulares novamente. Ele vai passar aqui para destrocarmos.
- Algum outro problema? Você fez uma cara estranha antes de desligar.
- Nada... Bobagem minha....
- Me deixa ver este celular. Você nunca fica curiosa em ver os telefonemas que ele recebeu ou digitou? Tem mulheres que vivem fazendo isso para controlar os maridos.
- Você sabe que eu não sou de fazer estas coisas – falou, observando a indiscrição da amiga ao manipular o celular de Paulo – Acho que ele não vai gostar nem um pouco se souber da sua bisbilhotice.
Carol fez uma cara ruim, repentinamente. Alguns poucos segundos depois devolveu o aparelho para Sophia.
- O que foi? – perguntou curiosa.
- Não foi nada. Acho que você tem razão. Eu não tenho nada que ficar bisbilhotando o celular dos outros... Vamos almoçar juntas? - inquiriu alegremente.
- Vamos sim. Estou querendo saber mais sobre o seu gato grego.
Carol lhe lançou um beijo no ar, despedindo-se.
Sophia ainda estava desconfiada da atitude da amiga. Não costumava fazer aquele tipo de coisa, mas achou que não faria mal algum se desse uma olhada nas ligações de Paulo. Para isso, buscou os telefonemas recebidos e enviados, sem achar nada de interessante. Ao menos os números não eram conhecidos. De repente, lembrou que Paulo tinha tirado algumas fotos deles no último fim de semana que passaram juntos e quis dar uma olhada. Foi aí que entendeu o olhar de susto da amiga, minutos antes. Lá estavam eles. Na beira da praia, entre coqueiros, abraçados, ela fazendo poses para a câmera, num biquíni minúsculo... Paulo e uma linda morena, de dentes branquíssimos, cabelos curtos e corpo escultural, que sorria o tempo todo, ao menos para as fotos. Aquele tinha sido o motivo da demora na Bahia. Estava chocada com a visão daquelas imagens. Nunca pensou que Paulo fosse capaz de uma traição deste tipo, principalmente considerando o pouco tempo que estavam juntos. Seis meses! E já a estava traindo com outra mulher. Sua preocupação agora era que atitude tomar diante destes fatos. Logo ele estaria ali, diante dela. Agora entendia a ansiedade dele em ter o celular de volta. De qualquer jeito agora não seria a hora nem o local para conversar com ele sobre isso. Esta discussão teria de esperar. Talvez fosse bom conversar com Carol na hora do almoço a respeito disso. Ela foi muito discreta ao ver as fotos e não falar nada. Certamente não queria vê-la sofrendo.
Não se passaram mais que 20 minutos e Paulo chegou à agência bastante agitado.
- Pronto! Aqui está o seu celular, Sophia.
- Acho que vou ter de comprar outro modelo para não confundir mais com o seu.
- É de se pensar nisso mesmo. Bom, troca feita, vou-me embora.
Deu-lhe um beijinho na face e saiu. Carol o observava de longe, quando cruzou seu olhar com o de Sophia, desviando logo em seguida, para não denunciar a raiva que estava sentindo do noivo da melhor amiga.

- E então, você esqueceu de mandar o contrato para o nosso cliente da galeria de arte? – perguntou Carol, sentada no pequeno bistrô que escolhera para almoçar com Sophia.
- Claro que não. Resolvi que o levarei pessoalmente após o almoço.
- Qual o motivo desta mudança de conduta, dona Sophia? – Carol pareceu animar-se com o andamento da conversa.
- Ainda não tenho certeza, mas pretendo estudar melhor o lugar para ter novas idéias para a campanha – respondeu, sem encarar a amiga.
- Sophia... O que você está me escondendo?
- Não estou escondendo nada. Eu é que tenho de perguntar por que você me escondeu o que viu no celular do Paulo hoje cedo?
- Você está querendo mudar de assunto...
- Não... Realmente não. Acho que o assunto é o mesmo.
- Eu achei que seria melhor você descobrir por si mesma. Poderia pensar que era intriga minha, já que nunca gostei muito dele.
- Aliás, você nunca me contou o porquê desta antipatia mútua.
- Acho que não vale a pena falar sobre isso. Eu estou muito triste por você, Sophia. Eu torcia muito para que vocês se dessem bem e fossem felizes. Confesso que senti inveja quando vocês resolveram morar juntos. Rezei para que ele não fosse um canalha como os outros.
- Por favor, me conte o que aconteceu para você não gostar dele.
- Já faz muito tempo...não vale a pena relembrar...
- Conte! – exigiu Sophia.
- Está bem, vou contar, se você prometer não tocar neste assunto com ele.
- Prometo. Conte!
- Cerca de dois meses depois que vocês começaram a se encontrar, eu o encontrei num barzinho, num happy hour com alguns amigos. Eu estava esperando o Raul, aquele cara simpático da gráfica, com que saí durante alguns meses, lembra? Pois é. Enquanto eu o esperava, o Paulo saiu da sua mesa e veio até mim e sentou ao meu lado. Estranhei muito, pois ele nunca foi muito simpático comigo. Aí percebi o intuito dele. Começou a me cantar descaradamente. Fiquei indignada e perguntei se vocês haviam brigado. Ele me pediu discrição e continuou a cantada. Como viu que eu não queria nada com ele, me chamou de estúpida e voltou para os amigos. Só não fui até ele e joguei um copo de cerveja na sua cara pois o Raul chegou e pediu que eu me acalmasse, depois que contei a ele o que tinha acontecido.
- Até o Raul ficou sabendo disso? – Sophia estava boquiaberta com o que estava ouvindo.
- Depois disso, ele nunca mais falou comigo, a não ser para cumprimentar e dar até logo.
- Safado! Como eu pude ser tão idiota?
- Eu nunca mais soube ou vi alguma coisa que o desabonasse. Até hoje. Por isso fiquei quieta. Tinha esperança que a minha negativa o tivesse feito criar juízo e perceber a mulher maravilhosa que você era. As pessoas podem mudar...
- Parece que não foi o que aconteceu.
- Sinto muito mesmo, querida.
- Pois eu vou dizer uma coisa, Carol. Surpreendentemente, eu não estou tão chateada assim.
Pelo contrário. Começo a me sentir aliviada.
- Como assim? O que a senhora anda escondendo de mim? Tenho te achado muito misteriosa desde que você foi ao encontro do senhor Paole. É ele o motivo para o tal alívio?
- Ainda não sei bem o que está acontecendo. Quando souber, pode ter certeza que vou contar a você. É muito cedo para tirar alguma conclusão...
- Nossa, que mistério...
- O que eu quero saber agora é sobre o seu príncipe encantado – Sophia tentou inverter o foco da atenção para a amiga e manter seus próprios sentimentos resguardados.
- Como te falei ontem, o Dimitri é um belo homem. De poucas palavras, mas muito envolvente. Ele me ligou ontem, depois que falei com você. Combinamos de nos encontrar amanhã à noite.
- Você tem certeza de que não há perigo, Carol? Não sei por que, mas me preocupo com este tipo de “amor à primeira vista”. Você não sabe quase nada sobre ele...
- Sophia... Já sou bem grandinha para saber me cuidar. Não se preocupe.
- Então, vamos combinar uma coisa. Você me liga de onde vocês estiverem para me dar o endereço e dizer se está tudo bem. Quando voltar para casa, idem.
- Está parecendo a minha mãe.
- Faz de conta que sim. Por favor, me mantenha informada.
- Só se você me prometer contar tudo a respeito do Paole.
- Carol! Ainda sou noiva do Paulo e não estou em condições de manter este tipo de relação com outra pessoa. Pelo menos por enquanto.
- Pois eu acho que você deveria pagar a ele na mesma moeda.
- Você sabe que não sou assim. Vou ter uma conversa com ele e resolver o que fazer. Não é tão simples assim romper um relacionamento tão íntimo.
Continuaram conversando por mais alguns minutos sobre a fragilidade das relações amorosas atuais e de como os homens eram mais instáveis que as mulheres. Depois acabaram discutindo sobre uma ou outra campanha, sobre alguns membros de sua equipe e outros assuntos profissionais. Com isso o almoço prolongou-se por mais de duas horas.
Voltaram ao escritório. Depois de dar algumas orientações sobre as campanhas em andamento e resolver alguns problemas pendentes junto com sua sócia, pegou os contratos da Galeria Paole. Pensou em ligar antes para Stefan, mas lembrou de que ele insinuara o seu reencontro hoje. Não o deixaria contar vantagem antes da hora.


Chegou à galeria em torno de 16 horas. A porta estava entreaberta. Para sua surpresa uma bonita loura, de olhos azuis, vestida elegante e discretamente, veio ao seu encontro para recepcioná-la. Apresentou-se como a nova recepcionista da Galeria Paole. Parece que Stefan resolvera seguir o seu conselho.
- O senhor Paole está? – perguntou, procurando vagamente pela presença dele.
- Não... Ele esteve aqui pela manhã e saiu logo em seguida, dizendo que ia para o seu atelier, em casa, pintar. Ficou de voltar mais tarde, mas não disse o horário. A senhorita tinha hora marcada com ele?
- Não... Não... – Sophia sentiu-se decepcionada com aquela ausência. Talvez devesse ter ligado para combinar. Havia sido muito infantil achando que o surpreenderia com sua presença. Talvez ela não fosse tão importante assim para ele – Não marquei hora...
- Que tal aguardar um pouco, tomar um cafezinho... Ele disse que voltaria.
- Não sei, não... Olhe, eu vou deixar estes papéis com você para que ele assine. São os contratos da agência publicitária que prometi a ele de trazer hoje. Não há pressa. Assim que estiverem assinados, mando buscar.
Mal terminou a frase, notou que a moça olhou na direção do escritório de Stefan com expressão assustada. Logo pode ouvir uma voz masculina, grave e com um sotaque estranho.
- Pode deixar, Melina. Eu faço companhia para a senhorita Sophia.
Sophia virou-se, tentando lembrar se havia dito seu nome para a recepcionista. Achava que não. Foi então que se deparou com um homem de boa aparência, pele clara, cabelos castanhos claros, revoltos, um pouco mais baixo que Stefan, de olhar firme e tão intenso quanto seu cliente. Melina retirou-se imediatamente. Parecia ter medo dele.
- Deixe que eu me apresente – dizendo isso, aproximou-se dela vagarosamente – Meu nome é Dimitri. Sou irmão, isto é, meio-irmão de Stefan. Não creio que ele tenha falado de mim.
- Não... De qualquer forma, muito prazer, senhor... – falou, estendendo sua mão para cumprimentá-lo e pensando na coincidência do nome.
Ele pegou em sua mão, segurando-a com força, demoradamente. “Mais um Paole charmoso”, pensou Sophia.
- Meu nome é Dimitri Vrykolaka – continuou sua apresentação, dando ênfase ao seu sobrenome, diferente de Paole.
- Bem, senhor Vr...Dimitri. Foi um prazer conhecê-lo, mas como eu estava falando para a ...Melina? ... – olhou para a mesa onde ficava a recepcionista – Eu já estava de saída.
Ele aproximou-se mais rapidamente dela, barrando-lhe a passagem para a saída.
- O que é isso? Por favor, fique. Gostaria de conversar mais com você.
Sophia começou a ficar angustiada com o modo como Dimitri a olhava e a cercava.
- Realmente, eu tenho de ir.
- Venha até o gabinete. Lá poderemos conversar melhor a respeito de nós, Stefan e ... Caroline.
- Então é você?
- Dimitri! – a voz de Stefan se fez ouvir como uma trovoada ecoando pelo espaço amplo da galeria.
- Ora, se não é o meu irmão mais velho! Estava tentando fazer companhia para a senhorita Sophia enquanto o aguardávamos – continuava ele, com expressão zombeteira.
- Muito obrigada, mas já estou aqui e gostaria que você nos deixasse a sós...Por favor – disse Stefan, autoritariamente.
Dimitri olhou Sophia de alto a baixo e disse:
- Como desejar, irmãozinho. Você tem muito bom gosto.
Stefan lançou-lhe um olhar cortante, cheio de censura, passou o braço em torno dos ombros de Sophia e, levando-a para o gabinete nos fundos da galeria, ameaçou em voz alta:
- Mais tarde conversaremos, Dimitri.
- Perdoe meu irmão. Às vezes ele pode ser bem desagradável.
- Estou surpresa com a coincidência...
- Coincidência? – Stefan ficou curioso – Que tipo de coincidência?
- O seu irmão conheceu a minha sócia, Caroline, ontem e parece que ele a impressionou muito bem. Porém, o modo como ele me tratou me deixou preocupada por ela.
A expressão de Stefan ficou perturbada , mas continuou falando com voz segura:
- Não se preocupe. O problema dele é comigo. Coisas de família. Eu vou falar com ele. Tenho certeza que ele não fará mal a sua amiga.
- Espero que não. Ela é uma pessoa maravilhosa e não merece ser magoada.
Após alguns segundos de silêncio, Stefan o rompeu indagando:
- Trouxe os contratos? Fico feliz por ter sido você a trazê-los e não um funcionário qualquer.
- Parece que você já contava com isso ao despedir-se de mim ontem à noite.
- Talvez... Ou talvez eu tenha desejado tanto revê-la que meus pensamentos a tocaram de alguma forma fazendo-a vir até aqui.
- Stefan, eu queria lhe pedir para que parasse de me falar estas coisas. Você sabe que sou noiva, praticamente casada. Fica difícil eu trabalhar com alguém que fica tentando me seduzir o tempo todo.
- Pois para mim fica difícil ficar perto de você e não sentir o que sinto. Sei que você também não é indiferente a mim – ele a olhava dentro de seus olhos, quando sua mão tocou a dela.
Ela não fugiu daquele toque, assim como não podia fugir daquele olhar.
- Stefan...
- Não precisa falar nada. Só quero poder continuar a vê-la.
Sophia não conseguia mais esconder seu desejo pelo homem a sua frente.
- Eu preciso falar, sim. Desde que o conheci tudo que eu já considerava como certo na minha vida virou de cabeça para baixo. Tenho pensado muito em você. Estou passando por uma situação muito difícil no meu noivado e vou ter de resolver isto antes de pensar em outro relacionamento. Espero que você me entenda e tenha paciência.
Ele segurou seu queixo com extrema delicadeza, fazendo-a olhar diretamente em seus verdes olhos, e disse com voz firme e expressão muito séria:
- Tenho toda a paciência do mundo. O tempo para mim não é problema.
Aproximou-se dela, lentamente aproximando seus lábios, terminando em um beijo cálido e apaixonado, que a fez estremecer, tal e qual em seus sonhos.
Quando finalmente ele se afastou, Sophia recompôs-se e, com a fala quase sumida, conseguiu articular:
- Tenho que ir, Stefan – disse, sentindo os olhos ficarem marejados.
Ele apenas concordou com a cabeça e a deixou ir.
No caminho para a rua cruzou pela figura imponente de Dimitri, que a olhava pensativo.


Ficou andando sem rumo pelas ruas da cidade, com emoções confusas, magoada pela traição de Paulo, com medo daquele desejo emergente e intenso por um quase desconhecido... Stefan... Não notou os pingos de chuva de final de tarde de verão. Logo a precipitação aumentou, obrigando-a a entrar numa galeria. Enquanto esperava a tormenta passar, seu olhar perdeu-se no interior do pequeno shopping até que parou diante de uma cena que a deixou sobressaltada. Jamais imaginou que o pegaria numa traição duas vezes num só dia. Parece que o destino lançava suas cartas para que ela não tivesse dúvidas de qual seriam seus próximos passos. Em frente à caixa registradora de uma cafeteria, provavelmente aguardando seu troco, encontrava-se Paulo, abraçado com a mulher da foto que vira em seu celular pela manhã. Beijava-a apaixonadamente, como nunca a beijara antes. Logo ele que sempre falou mal das pessoas que faziam este tipo de demonstração pública. Estava sem reação, quando percebeu que Paulo a tinha visto e que falava alguma coisa para a acompanhante. Logo ele se pôs a caminhar em sua direção. Ao se dar conta disso, Sophia começou a correr desesperadamente para a rua, onde o temporal continuava intenso. Não queria falar com ele naquelas condições. Ainda olhou para trás ao ouvir seu nome à distância, mas não viu ninguém. Provavelmente ele desistira de segui-la. As grossas gotas de chuva misturavam-se às suas lágrimas, impedindo sua perfeita visão. Sentia-se humilhada e enganada. Não havia mais só uma suspeita. Já havia feito seu julgamento e o veredicto. Foi neste momento que aconteceu a freada brusca de um carro. Sophia foi jogada pelo impacto no meio da rua. Sua visão escureceu e não viu mais nada.



Estão gostando? A parte final deste pequeno romance vai ser colocada na segunda-feira. Podem aguentar até lá?...rsrsrs... Beijos!!

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Encontro Noturno - Parte II




Já faziam mais de 10 minutos que Sophia tentava conseguir um táxi, mas ainda não tivera sorte. Não se dera conta que o tempo passara tão rápido. Já era quase 21 horas. Começou a ficar com medo. Tentou ligar de seu celular para uma empresa de táxi conhecida, mas ninguém atendia. Enquanto estava na galeria, o tempo havia mudado. Nuvens cinzentas e espessas haviam tomado seu lugar no céu poluído e a tempestade de verão era inevitável. Quando começou a sentir os primeiros pingos grossos da chuva, viu uma Mercedes conversível, preta, com a capota fechada, parar diante dela, no meio fio, buzinando. O vidro elétrico foi aberto e ela pode ver o motorista. Era Stefan.
- Vamos! Entre aqui antes que fique encharcada.
“Será que ele é sempre autoritário assim?”, pensou, enquanto entrava a contragosto dentro do carro, cuja porta já tinha sido aberta.
- Eu lhe disse que não seria fácil pegar um táxi a esta hora, nesta rua. Você é sempre teimosa assim? – perguntou, com os lábios mostrando um sorrisinho irônico.
- Eu não tinha percebido que já era tão tarde. Não queria lhe dar este trabalho – ela falava tentando não olhá-lo nos olhos.
- Eu tinha um compromisso e tinha de sair de qualquer jeito. Portanto não está me dando trabalho algum. Apenas um prazer...
“Porque ele tem de ser tão sedutor?”
- É melhor me dizer o seu endereço, caso contrário serei obrigado a levá-la ao meu compromisso... – disse ele alargando ainda mais seu sorriso.
- Pensei que pudesse ler meus pensamentos... – murmurou ela, sem querer.
- Vou tentar manter a sua privacidade – disse ele, olhando em frente.
- Como? – perguntou ela surpresa.
- Vai me dar o seu endereço ou não? – ele continuava divertindo-se muito com a conversa.
Ela acabou por rir, pensando em como estava sendo idiota, agindo daquele jeito. Acabou por dizer o nome da rua e o número de seu prédio.
- Desculpe. Você deve estar pensando que sou meio doida.
- Não estou pensando nada – ele agora olhava para a rua, cuidadoso com o trânsito a sua frente.
Após alguns minutos de silencio, ele perguntou:
- Seu noivo não fica preocupado com você andando sozinha por esta cidade?
- Não. Ele sabe que sei me cuidar muito bem.
- Sabe mesmo? – continuou sem olhar para ela – Esta cidade é muito perigosa para uma mulher como você ficar andando por aí desacompanhada.
- De que século você veio? Temos que trabalhar e enfrentar estes riscos do dia-a-dia, homens ou mulheres.
Ele se calou e assim, em silencio, permaneceram até chegarem ao prédio onde Sophia morava. A chuva já tinha parado e dela só sobraram as poças de água refletindo o brilho das luzes da rua.
-Bom...Muito obrigada pela carona.
- Foi um prazer, como já disse antes – disse, cravando seu olhar sobre ela, deixando-a sem palavras.
Sophia abriu a porta do carro e saiu forçando-se a não olhar para trás, pois ainda sentia o olhar penetrante de Stefan sobre ela.
Quando conseguiu fechar a porta atrás de si e sentir-se “segura” dentro de seu apartamento, sentou-se em seu sofá e começou a perguntar-se o que estava acontecendo com ela. Sempre fora tão segura em relação aos homens, nunca deixando as emoções tomarem conta, conseguindo lidar perfeitamente com clientes que jogassem charme sobre ela, como era inevitável em alguns casos. Mas com Stefan tinha sido diferente. Ele não tentara nada, pelo menos não diretamente. Mas ele conseguira mexer com ela, de uma maneira totalmente inesperada, deixando-a sem ação, controlando a sua vontade. Marcara uma reunião de negócios em pleno sábado à noite! E ela permitira! O que ele estava pensando? Daria um jeito de marcar outro dia. Daria a desculpa de que o noivo havia chegado de viagem e que teriam um jantar inadiável com a família dele. É...Faria isso.
Tomou um banho, comeu uma das refeições congeladas que tinha para emergências no freezer e resolveu dormir mais cedo. Pegou um livro, mas seu pensamento fugia para a Galeria Paole. Não eram exatamente pensamentos a respeito do seu trabalho, mas dirigidos ao dono da galeria.
A muito custo conseguiu pegar no sono. Naquela noite não foi “incomodada” por sonho algum.

**

- E então, como foi de reunião com o nosso pintor? – perguntou Carol assim que encontrou com Sophia no dia seguinte.
- Normal...
- Só isso? Quero detalhes, amiga!
- A galeria é muito bonita, apesar de ainda estar terminando uma reforma na casa antiga onde ela está instalada. O “nosso pintor” é muito talentoso e seus quadros são muito interessantes. Combinamos de nos encontrar para que eu mostre o que criei para a campanha de divulgação.
- Só isso? E ele? Como é? Muito chato, muito velho? – Carol não conseguia esconder sua curiosidade sobre Paole.
- Nem chato nem muito velho. Normal ... – falou Sophia escondendo da amiga sua verdadeira opinião sobre Stefan Paole.
- Assim...Normal... Isto é descrição que se faça de alguém? Você costumava descrever melhor seus clientes.
- Está bem, Carol... Ele é um homem elegante, educado, surpreendentemente fala quase sem sotaque, e... muito culto – queria encerrar logo aquela conversa – Satisfeita?
- Ele é bonito ou feio? Solteiro? Você sabe que é isto que eu quero saber. Você já está praticamente casada. Eu ainda estou na corrida. Quem sabe não aparece um cliente interessante e... Sei que você não gosta de misturar trabalho e vida pessoal, mas está cada vez mais difícil de arranjar um namorado.
- Você não tem jeito, Carol. Ele é, digamos, bastante atraente. – disse, lembrando das sensações que Stefan havia provocado nela.
- Ah, então você vai ter que apresentar a ele a sua sócia aqui, logo, logo – Carol estava excitadíssima com a perspectiva.
- Provavelmente você vai conhecê-lo durante a inauguração da galeria. Mas não se anime muito, pois não sei se ele é solteiro.
- Isso a gente descobre depois. Não viu se usava aliança?
- Não lembro – realmente ela não havia reparado nestes detalhes – Afinal eu estava a trabalho, não caçando um marido, Dona Caroline. Acho melhor terminarmos este assunto e voltar ao trabalho. Alguma novidade?
Logo, Caroline esqueceu Paole e voltou às suas atividades na agencia.

Sophia não teve coragem de ligar para desmarcar a reunião. Sua impressão era de que ele conseguiria dissuadi-la de qualquer tentativa de mudar a data do encontro. Portanto, tinha menos de três dias para preparar a exposição de suas idéias. Fez orçamentos e pesquisas sobre os melhores meios de divulgação daquele tipo de produto. Criou dois tipos de folhetos ilustrativos para mostrar a galeria de forma atrativa ao público-alvo. Falou com um amigo que trabalhava na principal rede de TV, em São Paulo, que tentaria conseguir uma entrevista com Paole.
Quando o sábado chegou, Sophia já tinha um bom material para sua campanha para promover a Galeria Paole e torná-la, futuramente, o maior atrativo dentro do meio cultural da capital paulista. Tinha certeza que Stefan ficaria satisfeito com seu trabalho. Não queria decepcioná-lo, depois de toda a confiança que ele havia depositado nela.
À tarde, começou a imaginar o que teria acontecido, pois ele ainda não ligara para combinar o local do encontro ou o horário. Começou a ficar ansiosa. Será que ele havia desistido da sua agência? Será que ela fizera alguma coisa errada durante o primeiro encontro com ele? Não conseguia imaginar o quê.
Às 19 horas, o telefone tocou. Ela estava quase pegando no sono, pois havia dormido muito mal à noite, pensando em como seria aquele reencontro. Ao colocar o fone ao ouvido, a voz rouca de Stefan deu-lhe novo ânimo.
- Senhorita Caselli?
- Sim? – não queria que ele pensasse que estava aflita pelo seu telefonema e fez que não tinha reconhecido sua voz.
- Stefan Paole. Espero que me perdoe pela demora em ligar, mas tive alguns problemas a resolver e só agora pude telefonar. Está pronta para encontrar-me?
- Ah, sim...Senhor Paole. Realmente pensei que o senhor tivesse desistido de nossos préstimos.
- De maneira alguma. Estou muito interessado ...em seus serviços – ela notou um certo sarcasmo naquela voz que a instigava do outro lado da linha.
- Então, acho que podemos marcar um novo encontro para que eu possa demonstrar-lhe minhas idéias.
- Dentro de duas horas eu passo para pegá-la em seu apartamento. Esteja pronta.
- Como? – pode ouvir o clique, indicando o término da ligação – Mas que atrevimento. Liga a esta hora e nem quer saber se tenho outro compromisso? – ela estava irritada com o autoritarismo dele, mas ao mesmo tempo excitada com a perspectiva de vê-lo novamente.
Correu para o quarto para ver mais uma vez o vestido de seda azul noite, “balonet”, que comprara pensando neste reencontro. Ele era muito chique e... sexy. Não era exatamente próprio para uma reunião de negócios. Na verdade, ele era mais apropriado para um jantar romântico, à luz de velas. “Onde eu estava com a cabeça quando comprei este vestido? Vou usá-lo quando sair com Paulo, no próximo fim-de-semana, isto sim... Vou colocar um conjunto de calça e blazer que é muito mais adequado.
Finalmente, olhou-se no espelho e achou que estava vestida de acordo com a ocasião. Lá estava uma mulher de negócios, madura, inteligente e moderna, pronta para vender um produto a um cliente. No rosto, maquiado discretamente.
Surpreendeu-se ao ouvir a campainha da porta soar. O porteiro não avisara que alguém estava subindo, o que não era comum. Talvez algum vizinho?
Olhou pelo visor da porta para tentar visualizar quem estaria ali, mas não viu ninguém. Resolveu abrir a porta. À sua frente estava Stefan Paole, irresistível e elegantemente vestido num terno escuro, de Armani ou Zegna, com os olhos mais verdes do que nunca, olhando-a com certa decepção.
- Por acaso vai a um enterro? – perguntou, olhando-a da cabeça aos pés.
Ela ficou sem ação, primeiro pela simples visão dele e, segundo, pelo seu comentário.
- Senhor Paole, estou chocada com a sua indiscrição. Estou pronta para nossa reunião de negócios.
- Desculpe-me, mas é um sábado à noite e vamos jantar no Fasano. Sua roupa não está muito adequada...Apesar de continuar linda, gostaria que colocasse algo mais conveniente. Talvez eu possa ajudá-la, se me permite.
Sem que ela permitisse, ele entrou em sua sala, com se já estivesse estado ali e dirigiu-se para o seu quarto, onde o vestido azul ainda estava pendurado num cabideiro. Sem cerimônia alguma, ele pegou o vestido e levou-o até onde ela estava parada, boquiaberta com a intimidade com que Stefan a estava tratando.
- Este vestido, por exemplo, está perfeito. Pode vesti-lo, por favor?
Vencendo a inércia diante das atitudes descabidas do senhor Paole, Sophia conseguiu falar:
- O que o senhor está pensando? Entra em minha casa, sem minha permissão, depois de criticar o modo como estou vestida, vai até meu quarto, mexe em minhas coisas...Que tipo de homem é o senhor?
Ele a olhou com expressão surpresa, para logo em seguida baixar os olhos e falar em tom de desculpas:
- Sinto muito. Espero que me perdoe. A senhorita tem razão. O que fiz é imperdoável. Desculpe se demonstrei maior intimidade do que devia – ele aparentava estar realmente sem jeito – É que tenho a sensação de que a conheço há muito tempo por isso acabo tendo atitudes de intimidade maior. Perdoe-me – disse ele devolvendo-lhe o cabide com o vestido pendurado.
Ele a olhava de um jeito tão arrependido e humilhado que ela acabou por sentir pena dele e achar que tinha sido dura demais. Talvez ele quisesse apenar ser gentil e vê-la mais adequadamente vestida para o jantar. Ele era estrangeiro, lembrou-se. Talvez em sua terra os hábitos fossem outro. Esquecera deste detalhe, pois ele praticamente não tinha sotaque algum. Além do mais, comprara aquele vestido para esta ocasião mesmo.
- Está bem, Stefan – os olhos dele apresentaram um novo brilho ao ouvi-la chama-lo pelo primeiro nome – Eu aceito suas desculpas. Apenas quero lembrar-lhe que nossos encontros são meramente por questões profissionais, que eu sou noiva e não ficaria bem meu noivo saber que meus clientes entram em nosso apartamento, em nosso quarto, para escolher a roupa que eu devo vestir para as reuniões de negócios, no sábado à noite.
Ele sorriu discretamente, com ar de um menino que havia sido pego no meio de uma travessura, fazendo-a derreter-se por dentro.
- Prometo que vou ser mais comportado de agora em diante – disse, enquanto sentava-se no sofá da sala, confortavelmente, sob o olhar de Sophia, que não conseguiu esconder um sorriso discreto – Vou ficar esperando aqui, enquanto você se arruma...Ou você prefere ir vestida assim como está? Como você preferir.
Segurando o riso, Sophia foi trocar de roupa.

- Ah! Assim está muito melhor. Está linda...para a nossa reunião de negócios. Quando me perguntarem sobre quem era a bela dama ao meu lado esta noite, poderei dizer que era a minha assessora de publicidade. Aposto que sua clientela vai aumentar rapidamente.
- Imagino o tipo de cliente que você vai me arranjar – disse Sophia, com um belo sorriso nos lábios, sentindo-se lisonjeada e feliz com a troca de vestuário. Ele afinal tinha razão. Uma publicitária como ela devia saber que a aparência também é importante também nos negócios, apesar de imaginar que não era este o intuito de Stefan.

**

Conduzida cortesmente por ele até o carro estacionado diante de seu edifício, partiram para o requintado restaurante paulista. Ela já havia estado lá com Paulo, uma vez, no dia em que ele sugeriu que fossem morar juntos. Depois de serem acomodados pelo maitre e retirados seus pedidos de jantar, Sophia fez questão de iniciar a demonstração do que conseguira nos três últimos dias para a projeção da Galeria Paole. Sob o olhar atento de Stefan, ela começou a explanar suas idéias promotoras do centro de arte. O entusiasmo dela parecia tomar conta dele também.
- Claro que tudo isto terá um custo. Um alto custo. O uso de horários nobres na TV são caríssimos.
- Isto não é problema. Apenas faça o seu orçamento e me apresente. Apreciei muito o seu entusiasmo com respeito ao meu local de trabalho. Não tinha noção do potencial para o sucesso que uma pequena galeria de arte poderia ter. Não me enganei a seu respeito, Sophia.
- Muito obrigada. Espero que consigamos atingir todos estes objetivos iniciais. Eu acredito que sim. São Paulo é um grande centro cultural no Brasil e na América Latina. Temos muito espaço para novidades neste meio. Não quero que se decepcione comigo, isto é, com meu trabalho – sentiu o rubor subir a sua face.
Ele sorriu, buscando tocar a mão de Sophia que descansava sobre a mesa, ao lado de seu prato.
- Tenho certeza de que você não me decepcionará...nunca.
Ao sentir aquele toque, Sophia retirou a mão rapidamente, como se ferro em brasa a tivesse tocado.
Ele se manteve em silêncio, que foi quebrado pela chegada do garçom trazendo uma garrafa de champagne, para surpresa de Sophia que não ouvira Stefan fazendo este pedido. Será que ficara tão entusiasmada com sua explanação que não viu seu acompanhante falando com o mâitre?
Diante da expressão dela, Stefan adiantou-se:
- Para comemorarmos nosso feliz encontro profissional e brindarmos um futuro próspero...
Elevou sua taça em direção à Sophia, que imitou seu movimento e, tocando suas taças de leve, fazendo-se ouvir o suave tilintar do cristal, falou, olhando-a com carinho indisfarçável:
- Cheers...
- Cheers – respondeu ela, sem poder fugir daquele olhar magnetizante.
Ao baixar das taças, Stephan perguntou, mantendo seu olhar fixo sobre ela:
- Conte-me um pouco sobre você...O que a levou a ser publicitária? Sua família?...
- Acho que você deve ter uma vida mais interessante que a minha. Não creio que as minhas histórias mereçam atenção.
- Tudo que se relacione a você me interessa muito...
Ao ver a expressão de contrariedade de Sophia, ele remendou sua frase:
-... Afinal quero conhecer melhor a minha promotora. Gosto de conhecer bem as pessoas com quem trabalho.
- Eu posso lhe mandar o meu currículo por e-mail, se desejar - contestou Sophia, zombeteiramente.
- Prefiro o conhecimento olho-a-olho. Não gosto destas modernidades como a Internet. Não uso computadores.
- Talvez tenha que repensar sobre isto. É um excelente meio de comunicação. Bem, o que posso lhe dizer é que terminei meu curso de Publicidade há cerca de oito anos atrás. Trabalhei em várias agências conhecidas, como a do Olivetto, por exemplo, e depois de batalhar muito, resolvi me associar com uma grande amiga, também publicitária, e fundar nossa própria agência. Isto aconteceu há três anos e, em razão de árduo trabalho e dedicação quase exclusiva, conseguimos ter o relativo sucesso que temos hoje. Mas ainda falta trilhar um longo caminho para alcançar os melhores do ramo.
- Você é muito ambiciosa. Não acha que o lado emocional também é importante?
- Você parece minha sócia falando – respondeu sorrindo – Aprendi a perseguir os meus objetivos com garras e dentes. Aprende-se isso já na faculdade. Depois somos jogados neste mercado selvagem que é São Paulo e, então, ou lutamos ou somos apenas mais um na pobre multidão, mendigando por um espaço.
- Você é muito jovem para ser tão amarga. Não acha?
- Acho que você se dará muito bem com minha sócia, a Carol. Vocês tem o mesmo discurso em relação a mim.
- E o seu noivo, também pensa assim?
- Nós somos parecidos nesta maneira de pensar. Ele também está atrás de seus objetivos profissionais, que não são humildes.
- Imaginei...
- Por quê?
- Para deixá-la sozinha num fim de semana , deve ter um bom motivo ...profissional. Tem certeza que ele está trabalhando?
- Como assim? Claro que está! – de repente ela se deu conta que estava começando a se abrir demais para aquele desconhecido e ele, por sua vez, começando a intrometer-se onde não devia.
- Desculpe-me. Não quis ser intrometido. Mas se eu fosse o seu noivo, não a deixaria só desta maneira.
- Acho melhor encerrar o nosso encontro agora. Já que você aceitou minhas idéias, preciso começar a pô-las em prática. Posso mandar um contrato na segunda-feira para que você assine. Caso discorde de algum ponto, é só entrar em contato conosco. Creio que tem o meu cartão com nossos telefones, não?
- Acalme-se. Você não pretende trabalhar ainda esta noite. Pretende? Eu estava planejando levá-la para dançar um pouco.
- O quê? Dançar? – ela estava surpresa com a nova proposta de Stefan – Não acho que isto seja adequado.
O olhar dele era por demais perturbador. Repentinamente, sentiu uma vontade enorme de estar entre seus braços e dançar com seu corpo colado ao dele. Lutava contra este desejo absurdo, quando ele se fez ouvir:
- Sophia, do que você tem medo? Vamos sair apenas como amigos. Nada demais. Faz muito tempo que não tenho uma companhia feminina para sair à noite. Por favor... Nós podemos ser amigos, não?
A voz calorosa e rouca dele penetrava na mente de Sophia, embriagando-a, quase a obrigando a ceder ao pedido dele.
- Olhe, Stefan, podemos ser amigos sim. Talvez até possamos sair para dançar...Mas em outra ocasião. Não hoje – quase mudou de idéia ao ver o rosto dele entristecer, mas manteve-se firme.
- Está bem, Sophia. Você tem razão. Vou desacelerar. Não há razão para pressa. Teremos muito tempo para nos conhecermos e sermos... amigos.
- Obrigada, Stefan.
Ele ergueu a mão, chamando a atenção do garçom e pedindo a conta. Aparentemente havia aceito bem a negativa de Sophia ao seu convite.
Deixaram o restaurante e, em poucos minutos, ela estava diante de seu prédio. Ele fez questão de descer do carro para abrir a porta.
- Pode mandar o contrato para que eu o assine na segunda feira. Vou ficar esperando. Por favor, me mantenha informado sobre os seus progressos na campanha.
- É claro...Boa noite, Stefan.
Antes que ela pudesse virar-se na direção da entrada do edifício, ele segurou sua mão e, delicadamente, pousou os lábios em seu dorso, beijando-a suavemente, provocando um tremor de prazer em Sophia.
- Boa noite – respondeu, olhando-a intimamente.
Ele esperou que ela ficasse segura, atrás dos portões de ferro de seu edifício, para dar partida no carro e desaparecer na penumbra das ruas.
Ao entrar em seu apartamento, olhou para a secretária eletrônica, na esperança de que houvesse algum recado de Paulo, que pudesse ocupar seus pensamentos com outra coisa que não fosse a imagem e a voz de Stefan. Foi até a cozinha, tomou um copo de água e resolveu ir para a cama. A noite estava abafada, quente. Vestiu uma camisola fina de algodão e deitou-se, esperando que o sono a ajudasse a esfriar a cabeça e...o desejo. Pensou em ligar para Paulo. Talvez se ouvisse a sua voz... Mas desistiu, com medo de incomodá-lo. Talvez já estivesse dormindo. Ligaria na manhã seguinte. Rolou entre os lençóis durante muito tempo. Quando estava quase pegando no sono, sentiu um perfume estranho, excitante e másculo, já seu conhecido. Teve medo de abrir os olhos. Sentiu a aproximação de alguém e sentiu-se paralisada. Não conseguia mexer um músculo. Foi ouvir seu nome, sussurrado por uma voz conhecida, que a fez estremecer. Conseguiu abrir os olhos e deparou-se com o vulto de Stefan...Dentro do seu quarto? Como era possível? Como ele entrara lá? Ele estava ao lado da cama, estendendo sua mão para ela, com um sedutor sorriso. Sophia buscou por sua voz, mas as palavras não saíam. Sua garganta petrificara. O chamado de Stefan era irresistível.
- Sophia, venha... Vamos dançar. Está uma noite perfeita para isso.
Com facilidade inesperada, ela conseguiu erguer-se do leito e elevou a mão direita na direção da mão que a chamava. Sentiu uma incandescência percorrer todo seu corpo ao sentir o toque de Stefan. Ele a ajudou a levantar-se e aproximou-se um pouco mais. Ela podia sentir o hálito quente e ofegante daquele homem. Podia sentir o desejo fluindo entre eles. Sentiu sua cintura cingida pela mão ampla e forte, puxando-a na direção do elegante vulto. Então uma sensual dança foi iniciada, mantendo seus corpos muito próximos, bem como os rostos quase colados. Apesar de não haver música, Sophia sentia-se quase flutuar, inebriada com aquela presença. Não pensava em mais nada. Apenas deixava-se levar pelo clima de sedução que pairava no ar. Logo, as mãos de Stefan deslizavam da cintura para as costas e nádegas dela. Ondas de arrepios cruzavam o íntimo de Sophia. Seu corpo preparava-se para receber aquele estranho, ansiosamente. De olhos fechados, ofereceu-lhe os lábios, sedentos por um beijo longo e apaixonado. Pode sentir o leve toque dos lábios de Stefan, seguido por sua voz a segredar:
- Não tenha pressa...Você será minha, mas ainda devemos esperar...
De repente, sua presença esvaneceu-se e apenas uma aragem de verão acariciou-a.
Abriu os olhos e constatou que estava sozinha, caída entre os travesseiros da cama. Mais um sonho... O que estava acontecendo? O dia já estava amanhecendo. Sophia deitou-se novamente, ainda sob o efeito das emoções de seu sonho.
Enquanto a Sophia fica sob o efeito das emoções de seu sonho com o Stefan, nós nos despedimos até amanhã, quando coloco a continuação desta estória.
Beijos!!

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Falta de tempo...

Minha gente! Sei que deixei todas com água na boca ao colocar a foto daquele tuaregue lindo no último post, mas ainda estou escrevendo a estória dele. Como sou um pouquinho perfeccionista e este romance tem muitos detalhes étnicos na primeira fase, e o meu tempo para escrever anda um pouco escasso, resolvi, a pedido da minha querida amiga Tânia , do Rio, colocar um outro romance. Como ela, carinhosamente, andou me enviando há poucos dias alguns artigos muito interessantes sobre o assunto desta minha estória, pensei em começar a postar "Encontro Noturno" em algumas partes, só para que eu possa me organizar e colocar o romance novo.
Espero que curtam a estória de Stefan e Sophia. Beijos!


ENCONTRO NOTURNO

Sophia voltava cansada de seu trabalho na agência. Resolvera ir a pé para casa para relaxar um pouco do stress do dia. Mal tinha anoitecido, apesar de já ser 21:30 horas. Coisas do horário de verão. “ Precisava voltar a exercitar-se. Parecia achar sempre uma desculpa para escapar da academia e das caminhadas que antes era uma rotina para ela. Com o aumento dos clientes no trabalho, andava esquecendo-se de cuidar de si”. Estava tão absorta em seus pensamentos que não notou quando entrou numa rua errada, completamente deserta àquela hora da noite. Quando se deu conta do erro de percurso, tentou voltar. Foi aí que surgiu um desconhecido, com um gorro de meia enterrado na cabeça. Ela não conseguia definir seu rosto devido à fraca iluminação no local. Ele conseguiu agarrá-la pelo braço e começou a tentar tirar sua bolsa. Assim que conseguiu o que queria, pareceu mudar de idéia e passou a querer algo mais, para desespero de Sophia. Ela passou a lutar desesperadamente, contra seu agressor, que tentava rasgar suas roupas. A ação desenrolava-se, quando subitamente o homem pareceu assustar-se com alguma coisa que surgira atrás de Sophia. Alguns segundos depois, ele a jogou ao chão, deixando-a atordoada por alguns instantes. Ela pode apenas ouvir um grito aterrorizado. Quando voltou a olhar em frente, não viu mais seu atacante. Ele sumira como por encanto. Assustada, recompôs-se rapidamente, olhou para todos os lados, pegou a bolsa que estava caída ao seu lado e fugiu, correndo o mais que podia, em direção a rua iluminada mais próxima. Sentia-se observada até alcançar a entrada de seu prédio. Pensou em ligar para seu noivo, que estava em viagem de negócios, mas desistiu ao pensar que só iria preocupá-lo à toa. Felizmente tudo acabara bem. Não fora roubada nem ferida. O que continuava a incomodá-la era o que teria assustado o marginal, fazendo com que ele a largasse daquele modo. De qualquer jeito, ela conseguira se safar. Não queria nem imaginar o que poderia ter acontecido.
Durante a noite, teve sonhos estranhos com um homem a quem não conseguia vislumbrar o rosto. Não sentia medo dele, mas sim atração por aquele estranho sem face. Acordou várias vezes naquela madrugada, bastante excitada...de todas as formas.

**

No dia seguinte, acabou por perder a hora, chegando atrasada à agencia. Por sorte não tinha nenhum compromisso logo cedo, que não pudesse ser resolvido por sua sócia, Caroline. Carol, como costumava chamá-la, era sua amiga desde os tempos de colégio. Tinham passado por todas as transformações e confusões da adolescência juntas. Acabaram por separar-se na época da faculdade, apesar de terem cursado cursos semelhantes, mas em cidades diferentes.
Há três anos tinham uma agência de publicidade em São Paulo. Vinham trabalhando muito, desde então, para conseguirem colocar-se competitivamente no mercado. Aos poucos começavam a surgir como uma das agencias promissoras na capital paulista.
Naquela manhã, Caroline a procurou logo que entrou em sua sala.
- O que houve? O despertador não tocou? – perguntou Carol brincando com a amiga.
- Nem brinca. Por pouco você não perde a sua sócia ontem – respondeu, enquanto se ajeitava para iniciar o trabalho.
- Mas o que houve? Foi assaltada? Eu sabia...Quando você disse que ia a pé para casa àquela hora...Eu te avisei...
- Pois é. Esta cidade está cada vez mais perigosa...
- Mas me conta. O que aconteceu.
Sophia passou a relatar o ocorrido na noite anterior.
- Mas você não viu o que fez o homem gritar e desaparecer? – Carol estava impressionada com a história da amiga.
- Não e nem quis esperar para ver. Podia ser outro bandido pior que o primeiro. Você esperaria para agradecer?
- Não sei... De repente, algum justiceiro forte e bonitão... Que sabe?
- Você e as suas idéias românticas, Carol – ficou rindo do comentário da amiga – Isto só acontece naqueles romances que você costuma ler e nos filmes americanos. Aqui em São Paulo a estória é outra.
- Você que é realista demais. O Paulo e você são o casal mais sem imaginação que eu conheço. Ele nunca lhe manda flores? Não liga durante o dia só para dizer que está com saudades?
- Carol...Acho que temos coisas mais importantes para nos preocuparmos do que com estas bobagens de flores e romantismo.
- Ai, Sophia, no tempo do colégio você não era assim. Você bem que gostava de um romance. O que aconteceu?
- Amadureci. O trabalho não deixa tempo para estas baboseiras.
- Não são baboseiras, Sophia...São o que dão sabor à vida.
- Está bem, Carol, está bem...Podemos trabalhar agora?
- Sim, senhora. É pra já – resolveu dar uma folga para a sócia e voltar à dura realidade – Olhe tenho uns problemas para resolver na conta das Lojas Aguiar. Você pode me ajudar?
- Assim que eu verificar o meu e-mail, vou até sua sala para vermos esta conta.
- Tudo bem. Vou tomar um cafezinho para acordar. Quer um também?
- Quero sim. Obrigada, Carol.
Aquele foi mais um dia estressante e corrido, mas com bons resultados.
Ao chegar em casa, Sophia, que desta vez resolvera voltar de táxi, encontrou um recado na secretária eletrônica. Era de Paulo, seu noivo. Ele era um workholic também, formado em ciências econômicas e que prestava aconselhamento para várias pessoas importante, como políticos e empresários. Eles haviam se conhecido numa festa na casa de um cliente em comum. A partir deste encontro, passaram a sair juntos, trocar mensagens por e-mail e conversas no MSN. Quando não estava enterrados no trabalho aproveitavam para jantar ou ir a algum espetáculo à noite. Durante um ano ficaram conhecendo-se desta maneira, até que há seis meses ele sugerira que morassem juntos. Ela achou a idéia interessante. Ele era uma companhia muito agradável, inteligente, educado, de gostos parecidos com os seus e parecia gostar dela também. Sophia vislumbrava uma vida tranqüila e segura com Paulo. Talvez esta fosse a oportunidade de ser feliz ao lado de alguém.
O som estridente do telefone soou, interrompendo seus pensamentos.
- Alô? Sophia?
- Paulo? Tudo bem, querido?
- Tudo. Estou ligando só para lhe avisar que vou demorar mais do que pensei. Só poderei voltar no início da próxima semana, segunda ou terça-feira. Não queria que ficasse preocupada comigo.
- Acabei de ouvir o teu recado na secretária. Obrigada por me avisar. Mas o que houve? Trabalhos inesperados?
- Pois é. Indicaram meu nome para um fazendeiro aqui na Bahia e ele me convidou para passar o final de semana na sua fazenda, para tratarmos de negócios.
-Que bom. Espero que corra tudo bem
- Prometo que no próximo final de semana ficaremos juntos. Vá planejando o que fazer.
- Pode deixar. Vou aproveitar e me dedicar à campanha de um novo cliente.
- Então, até a volta, meu bem. Tenha uma boa noite.
- Tchau, Paulo. Uma boa noite para você também. Um beijo.
- Outro, querida! – e desligou.
Largou o fone e olhou em torno. Mais um fim de semana passado sozinha. Mas tinha que entender. Paulo estava começando a ser conhecido e ter sucesso na carreira escolhida. Não podia agir como uma esposa mimada, exigindo sua presença, impedindo-o de crescer, neste momento.
Tomou um bom banho, preparou uma salada de atum e resolveu que dormiria mais cedo naquela noite. Estava quente, por isso deixou a janela aberta na esperança que alguma brisa entrasse por ela, apesar de isso ser muito difícil na sua cidade. Não gostava de usar o ar condicionado no quarto, pois o ar seco provocava-lhe crises de rinite durante a noite.
Depois de apagar as luzes e deitar a cabeça no travesseiro, viu um brilho estranho entrando através da janela. Luar? Em São Paulo? Não era possível...Levantou-se da cama e foi ver o que estava provocando aquele facho de luz. Deslumbrou-se diante de uma grande lua cheia que pairava num céu estrelado. Uma brisa fresca afagou-lhe o rosto, fazendo-a arrepiar-se. Percebeu alguma coisa aproximando-se às suas costas. Tentou virar-se, mas estava paralisada. A presença era cada vez mais evidente. Podia sentir o calor de um corpo e um odor estranho e agradável que penetrava em suas narinas, deixando-a excitada. Ainda tentava livrar-se daquela paralisia, quando a sensação de um hálito quente percorrendo sua nuca a deixou inebriada. Queria virar-se para ver quem estava provocando-a daquela maneira, mas não conseguia. Fechou os olhos. Foi quando sua nuca foi tocada de leve por lábios quentes e macios, que sussurraram seu nome. Ao ouvir este chamado, abriu os olhos imediatamente. Procurou pelo responsável por todas aquelas sensações que a perturbavam tanto, mas constatou que estava em sua cama, banhada em suor. Tinha sido um sonho... Mas parecera tão real... Sentou-se na cama. A janela continuava aberta, mas nenhuma luz prateada entrava por ela. Apenas a brisa quente e o ar pesado devido à poluição, como era de se esperar. Restara a umidade entre suas pernas e o desejo de sentir aquela boca novamente roçando seu corpo. Abandonou-se entre os lençóis da cama de casal e demorou um bom tempo antes de entregar-se novamente ao sono.

**

Durante o breve café da manhã, ainda buscava uma explicação para o sonho daquela noite. Não lembrava de ter um sonho tão sensual como aquele. Teria sido o telefonema de Paulo?
Duvidava disto. Paulo jamais a deixara excitada daquela maneira. Nem em sonhos.
Chegou ao escritório ainda ligeiramente aparvalhada, mas logo começou a ocupar-se de suas campanhas publicitárias e esqueceu as sensações da noite anterior.
Quase próximo à hora do almoço, Carolina a procurou para dizer que um novo cliente a procurara.
- Que tal sairmos para almoçar aqui perto e conversarmos sobre ele?
- Como você quiser. É importante assim?
- Talvez...
- Então, vamos – disse Sophia, pegando sua bolsa e dirigindo-se para a saída.
Já acomodadas na mesa do restaurante próximo, na área dos Jardins, após fazerem seus pedidos, Carol entrou no assunto.
- Nosso novo cliente é um pintor.
- O quê? – perguntou Sophia curiosa com sua profissão e o tipo de ajuda publicitária que ele poderia querer delas.
- Também achei estranho, mas depois achei que seria interessante variarmos um pouco o nosso meio de atuação.
- Estou ouvindo...- disse, enquanto bebericava o seu refrigerante gelado.
- Ele é um artista muito conhecido no meio e abriu uma nova galeria na Alameda Berlim. Esta galeria é, não só para expor suas obras, mas também terá um espaço para novos talentos. Ele quer divulgar este local e o trabalho que vai realizar lá.
- Está bem. Agora só me diga o porquê de tanto mistério. Acho que será um cliente como qualquer outro.
- Porque acho que ele a conhece.
- Como assim?
- Sim. Ele fez questão de pagar o dobro da tabela para que você fosse a responsável pela conta.
- Você sabe que eu estou cheia de serviço por um bom tempo. E tenho certeza que não conheço nenhum pintor nesta cidade ou em outra qualquer.
- A gente dá um jeito, Sophia. Eu assumo algumas de suas contas menores ou pedimos para um dos rapazes assumir.
- Mas, afinal, quem é esse pintor tão famoso?
- O nome dele é Stefan Paole. Parece que veio do Leste Europeu. Acabou ganhando muito dinheiro com suas obras na Europa e mudou-se para cá.
- Nunca ouvi falar dele.
- Eu já tinha lido alguma coisa nas colunas sociais. É coisa recente, esta mudança dele para cá.
- Bom, se ele está pagando bem, vamos lá. Eu assumo. Só gostaria de saber o porquê do interesse em que seja eu a cuidar de sua campanha.
- Talvez ele tenha ouvido falar do seu talento publicitário.
- Bobagem. Nós estamos juntas nesta empreitada. Ambas somos talentosas, senão não estaríamos conseguindo crescer.
- Bom, talvez ele a tenha visto em algum lugar e tenha se apaixonado por você... – satirizou Carol.
- Lá vem você com os seus romances. Tudo tem uma explicação prática.
- Está bem. Você vai poder descobrir isto hoje mesmo.
- Hoje?
- Sim. Ele pediu uma reunião com você hoje, no final da tarde.
- Ótimo! Não tenho nenhum compromisso neste horário.
- O Paulo não voltava hoje de viagem?
- Não. Ele ligou ontem para avisar que vai ter de ficar o final de semana na Bahia. Em que horário ele virá à agência?
- Ele não virá. Você é que vai até ele.
- Como? Por que isso? Não é o habitual.
- É uma exigência dele.
- Este senhor é exigente demais. Só porque vai pagar a mais não quer dizer que seja meu dono. Estou começando a ficar preocupada.
- Ouça, Sophia, talvez ele seja mais destes pintores excêntricos. Estes caras do Leste Europeu tem fama de serem esquisitos, ainda mais sendo um artista famoso. Não custa ceder um pouco e lhe dar esta chance. Afinal quem manda é o cliente. Ou não?
- Você tem razão, Carol. Talvez eu esteja errada mesmo. É que odeio homens machistas.
- Onde eu devo encontrá-lo? – perguntou contrafeita.
- Na galeria dele, às 18 horas.
- Ok! Quando eu o encontrar saberei como domar a fera – disse rindo para Carol.

**

Às 17 horas encerrou suas atividades na agência, despediu-se de Carol e dos outros colegas e funcionários que lá trabalhavam e foi ao toalete para retocar a maquiagem e colocar um pouco de perfume. Pensava no que a aguardava. Este tal de Stefan devia ser um tipo convencido, prepotente, chato e cheio de vontades. Não tolerava pessoas como ele, que se achavam donas do mundo, mas como era um cliente, não poderia mostrar sua indignação abertamente.
Conseguira obter algumas informações sobre ele na Internet, quando voltaram do almoço. Pouca coisa havia. Parecia ser realmente excêntrico. Nascera na Romênia, mas fora criado em Praga, ainda na época do comunismo. Apesar disso não tivera problemas com sua arte por lá, o que se podia considerar no mínimo estranho. Talvez ele ou a família tivessem boas relações com os camaradas do partido. Após a abertura, viera para o Ocidente onde sua obra passou a ser reconhecida e suas telas passaram a render pequenas fortunas. Não encontrara nenhuma foto ou entrevista dele.
Pegou um táxi e deu o endereço da galeria na Alameda Franca. Desceu em frente a uma linda casa antiga, provavelmente reformada recentemente. A fachada havia sido mantida, bem como as portas de madeira pesadas. Apenas os “banners” nas laterais da entrada denunciavam ser uma galeria de arte: “Galeria Paole”.
A porta estava aberta. Pensou que ainda não estivesse aberta ao público, mas pelo visto estava enganada. Lá dentro, a penumbra predominava. Apenas as telas, em tons de vermelho, laranja e preto, encontravam-se iluminadas Elas eram impressionantes. Sophia olhou em volta e viu apenas três pessoas andando pelo imenso salão. Provavelmente curiosos em conhecer a galeria recentemente aberta. Não viu ninguém que pudesse ser o tal Stefan. Não havia uma recepcionista, o que denotava uma falha no local. Teria de alertar o senhor Paole a respeito disso.
Acabou por distrair-se olhando os quadros expostos. Tinha chegado mais cedo que o previsto, faltando ainda 10 minutos para horário combinado para sua reunião. Estava deslumbrada com as cores e as imagens que inundavam as paredes. Os traços ágeis criavam vultos que se uniam em pequenas multidões revoltas, explosões, fogo, perseguições. Tinham o poder de levar o observador mais atento até o núcleo de um país devastado e sofrido. Várias emoções podiam ser compartilhadas com o autor dos quadros. Começava a admirar o artista a quem ainda não conhecia pessoalmente. Foi quando estava diante de uma das telas maiores que ouviu uma voz muito próxima que a fez estremecer.
- O que achou destas pinturas?
Sophia estava tão encantada com a tela a sua frente que não fez questão de virar-se. Achou que era um dos curiosos que vira antes. A voz era rouca e muito agradável.
- Muito impressionante...
- Acho ele meio exagerado – sentiu algum sarcasmo na voz.
- O pintor deve ser muito sensível e sofrido.
- Como você chegou a esta conclusão?
- Pelos traços e cores usados e pelas imagens amarguradas que saem da tela.
- Você consegue ver tudo isto?
- Sim...
A voz silenciou, mas Sophia sentiu a presença mais próxima. Podia quase ouvir a sua respiração. Sentiu um novo arrepio ao escutar seu nome:
- Senhorita Caselli? Sophia Caselli?
Ela virou-se imediatamente, como que acordada de um devaneio.
- Sim? – perguntou, ao mesmo tempo surpresa diante da figura masculina que a interpelava.
Era um homem alto, de fartos cabelos negros e ondulados, pele muito clara, num rosto másculo, de lábios cheios, queixo marcado e os olhos verdes mais profundos e expressivos que ela já vira. Sentiu-se despida por aquele olhar, não só de suas roupas, mas de qualquer outra barreira. Era como se não pudesse esconder nada daquele homem. Não havia mais ninguém na galeria, além deles.
- Muito prazer. Eu sou Stefan Paole – apresentou-se, galantemente.
Imaginara-o mais velho, talvez uns 60 anos, mas aquele homem não tinha mais que 40. Trajava uma calca jeans escura e uma camisa preta, aberta, de forma a deixar entrever um peito forte e viril.
Refeita do susto, conseguiu responder:
- Muito prazer...Sophia.
- Eu sei... – ele sorriu, divertido.
Ela ruborizou. Claro que ele sabia quem ela era. Ele tinha um belo sorriso, também.
Recuperando-se do mal estar, perguntou:
- Bem, senhor Paole, onde podemos nos reunir para discutir a sua campanha?
- Vejo que tem pressa... Por aqui, por favor – respondeu, indicando a direção que deveriam seguir – Tenho uma sala privativa para este tipo de encontro.
Ela o seguiu. Observava como ele era elegante. Devia ter cerca de 1.90 m de altura e andava silenciosamente, como um felino. Levou-a até uma pequena sala nos fundos da galeria, onde havia uma bela e antiga escrivaninha de madeira de lei e duas poltronas de couro.
Ele indicou uma das poltronas e sentou-se na outra, atrás da mesa. Cruzou as mãos e fixou o olhar novamente sobre ela.
- Então, senhorita Caselli. Já tem alguma idéia para promovermos a minha galeria?
- Na verdade eu gostaria de saber quais as suas pretensões. O que o senhor gostaria de ressaltar na campanha.
- Em primeiro lugar, por favor, não me chame de senhor. Meu nome é Stefan. Apenas Stefan, para você.
Ela o olhou por alguns instantes, pensando se deveria pedir que a chamasse de Sophia, mas resolveu que senhorita era um termo melhor para mantê-lo a distância dela. Pelo menos nestes primeiros contatos, até ela conhecê-lo melhor. Teve certeza disso quando ele, inesperadamente, perguntou:
- A senhorita é noiva? – desviando o olhar para o anel de diamante que ela trazia em seu dedo anular direito.
- Sim – ela respondeu secamente.
- Onde ele está?
- Está em viagem de negócios – respondeu, sentindo-se incomodada com suas perguntas – Mas, senhor Paole, voltando a sua campanha, o senhor não respondeu a minha pergunta.
- Desculpe se pareço indelicado, mas não resisti. Perdoe-me... – desculpou-se lançando-lhe um olhar de sincera súplica – Como a senhorita deve saber, abri esta galeria com o intuito de expor minhas telas e dispor um espaço para a divulgação de talentos desconhecidos, sejam eles estrangeiros ou locais. Acredito que este seja um dos grandes atrativos da galeria. O inusitado, o desconhecido.
- Creio que podemos fazer folders para distribuição em hotéis, teatros, museus, livrarias e escritórios de turismo, para tentar atingir um público culto. Pelo menos para começar. Estes folders podem trazer fotos da galeria, de alguns de seus quadros e informações a respeito. Isto sem falar na divulgação na mídia, TV e FMs.
- Acho uma ótima idéia. – cortou-a, com grande sorriso e já se levantando, saindo de trás da escrivaninha.
- Não quer saber mais detalhes? – pareceu a ela que Stefan ficara repentinamente entediado com o andamento da conversa.
- Senhorita, eu a contratei porque tenho excelentes referencias a seu respeito e por isso sei que posso confiar plenamente no seu discernimento.
- Agradeço a sua confiança, mas preciso saber se minhas idéias correspondem aos seus anseios – ela não sabia se ficava lisonjeada pela confiança ou se irritada com a falta de vontade em ouvi-la.
- Realmente confio na senhorita – parecia estar respondendo aos pensamentos de Sophia, o que a fez ruborizar mais uma vez – Gostaria de conhecer minha galeria?
- Claro.
- Pretendo deixar as obras dos iniciantes no salão principal, que a senhorita já teve a oportunidade de conhecer. Tenho outro ambiente onde deixarei minhas telas a vista do público que por elas se interessar. Queira me seguir, por favor.
Sophia pensou que deveria ser o contrário, pois seus quadros certamente eram muito atraentes e atrairiam maior público que os artistas desconhecidos.
Foram na direção de um elevador, que os levou ao segundo piso da casa. Lá havia outro grande salão. Provavelmente ele mandara destruir as paredes que faziam a divisa entre os quartos e uma ou outra sala menor, ampliando desta forma o andar superior. Ainda mostrava sinais de reforma, com latas de tinta, escadas de madeira e fios de eletricidade expostos em vários pontos das paredes. A luz fraca vinha de um ponto no alto do teto e dava um aspecto lúgubre ao lugar. Provavelmente depois de tudo pronto ficaria muito bom.
- Vai haver algum recanto para uma coffee shop ou para as pessoas se reunirem?
- O arquiteto já planejou um local onde funcionará uma pequena cafeteria para receber os visitantes. Será no andar de baixo, onde era a cozinha original da casa. Já está quase pronta. Posso mostrar-lhe quando descermos.
- Isto é muito bom, pois é mais um conforto para os apreciadores de arte. Dependendo da qualidade do serviço, do café e acompanhamentos, pode virar um local de encontro interessante, um “point”, como dizem, o que torna a galeria ainda mais atrativa.
- Vou anotar este seu conselho. Vejo que você sabe desempenhar bem seu trabalho, por isto é tão conceituada no seu ramo.
- Quem indicou meu nome para o senhor?
- Um bom amigo, comprador de várias de minhas obras, o marchand Cyro Zimbro.
- Estranho. Não o conheço... – Sophia tentava revirar a memória para lembrar deste nome, mas nada havia registrado.
- Ele teve a indicacão de outros amigos, os quais eu não saberia citar o nome. Sinto muito.
- Não precisa desculpar-se. É só uma questão de curiosidade minha e possibilidade de agradecer a indicação. Não se preocupe.
- Mas de uma coisa posso assegurá-la: a senhorita e sua agencia gozam de uma excelente reputação.
- É muito bom saber disso. Obrigada.
- Podemos descer agora? Vou mostrar nossa futura cafeteria – Stefan deu um belo sorriso, mostrando os dentes brancos e perfeitamente alinhados. Ela começava a sentir-se segura com ele, considerando o local em que estavam. Apesar do linguajar polido, sem ser afetado, Stefan não lhe parecia prepotente ou esnobe, como tinha sido sua idéia original. Na verdade, ele era uma presença muito agradável e...sexy.
- Por aqui... - Ele a tocou de leve em seu ombro direito, o que a fez sentir uma onda de calor emanando do ponto do toque até suas coxas. Não conseguia entender o que aquele homem provocava nela. Por fora, estava tentando manter-se o mais profissional possível, mas por dentro sentia-se bastante perturbada.
Desceram no mesmo elevador, e seguiram para o espaço atrás do salão principal.
O arquiteto dele realmente devia ser muito bom. Conseguira criar um ambiente aconchegante onde antes era apenas uma cozinha velha. A nova cafeteria com certeza ficaria linda. Ela seria um dos pólos dentro da galeria, logicamente depois das telas de Stefan. Ele notou o ar de admiração dela e falou:_ Pelo jeito ficou satisfeita com o nosso trabalho.
- Realmente o seu arquiteto é um excelente profissional.
- Muito obrigado. Agradeço em nome dele.
Sophia notou um ar divertido na expressão de Stefan, e ficou tentando imaginar o porquê.
- O motivo de meu riso é que o arquiteto sou eu mesmo. Por isso me sinto envaidecido com o seu elogio.
- O senhor? É sério? – Continuava a ter a impressão de que ele conseguia ler seus pensamentos.
- Eu estudei arquitetura. A pintura sempre foi um robe, que acabou por tornar-me mais conhecido e ...rico. Assim, deixei meus estudos arquitetônicos de lado... até agora – ele parou por um momento e olhou-a de modo perturbador – Até quando você vai me chamar de senhor?
- Costumo tratar meus clientes desta forma. Acho mais profissional – ela começava a ficar agitada sob o olhar insistente de Stefan.
- Além de uma relação comercial, não podemos ser... amigos?
- Talvez... – balbuciou ela, quase hipnotizada pelos lindos olhos verdes – Bem, senhor Paole, foi um prazer conhecê-lo. Quando podemos nos encontrar novamente para que eu possa apresentar o meu projeto para a campanha e os folders?
Ele sorriu, divertindo-se com a maneira como ela tentava fugir dele.
- Que tal no sábado à noite?
- Sábado à noite? Esperava que nosso próximo encontro fosse em horário comercial – respondeu, surpresa.
- A senhorita acha que já terá conseguido todo o material necessário para demonstrar como pretende fazer a minha campanha? – seu tom de voz tornara-se mais ríspido.
- Sim, claro...
- Então, estamos combinados. No sábado, eu ligo para a senhorita para acertarmos os detalhes da nossa segunda reunião – em tom autoritário, Stefan praticamente encerrava a conversa, sem margem para discussões.
Pegou a mão direita de Sophia e depositou um suave beijo em seu dorso, o que a fez ficar ligeiramente tonta. “Este perfume...De onde eu conheço este perfume?”, pensou ela, por um instante.
- Se desejar, posso levá-la até em casa - sua voz tornara-se súbita e estranhamente doce.
- Não. De forma alguma. Consigo um táxi. Não precisa se incomodar – Sophia foi saindo, nervosa, fugindo, sem saber bem do quê – Até sábado, então.
Conseguiu chegar até a porta principal e saiu, sob o calor do olhar de Stefan.
- Até sábado – disse ele, mantendo uma expressão de quem estava se divertindo com a atrapalhação dela.
Continua amanhã...